Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA | ||
Descritores: | MAIOR ACOMPANHADO PODERES DO JUIZ NULIDADE DA DECISÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/30/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1) Ao processo especial de acompanhamento de maiores aplicam-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de decisão e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes; 2) Os poderes-deveres do juiz que se fundam no princípio do inquisitório não se limitam à prova de iniciativa oficiosa, cumprindo ao juiz ordenar as diligências dos procedimentos probatórios relativos aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio; 3) A omissão da audição pessoal e direta do requerido/beneficiário pelo Mmº juiz “a quo”, influindo no exame e decisão da causa, configura não só uma nulidade processual (art.º 195º nº 1 do CPC), que inquina a própria decisão proferida (sentença) e que pode ser arguida em sede de recurso a interpor da mesma, como também configura a nulidade da sentença prevista na al. d) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A) O Ministério Público (MP) veio, em 05/12/2018, instaurar ação especial de interdição por anomalia psíquica contra AA, onde conclui entendendo que deve a presente ação ser julgada provada e procedente, declarando-se AA interdito por anomalia psíquica. Para tanto alega que, - O requerido AA nasceu em ../../1970, é solteiro e é filho de BB e de CC. - O requerido padece, desde a infância, de atraso mental e epilepsia refratária secundária e meningite, que lhe provocam uma incapacidade de 92,16%. - O requerido não está orientado no tempo e no espaço. - Apresenta um discurso muito pobre de conteúdo e não sabe efetuar pequenos cálculos. - Não tem noção do real valor do dinheiro. - Não é capaz, sem orientação de terceira pessoa, de se vestir ou de fazer a sua higiene pessoal, nem de preparar uma refeição ou tomar a medicação de que necessita. - A doença de que padece é de caráter permanente e irreversível. - Tal doença impede-o de governar a sua pessoa e os seus bens. - O requerido necessita, permanentemente, de uma pessoa que lhe dê apoio, que cuide dos seus bens e que legalmente o represente. * Foi proferida sentença em 14/06/2019 que decidiu julgar a ação procedente e, consequentemente:- Decretar a aplicação ao requerido AA de medida de acompanhamento, sob o regime da representação geral, fixando em 24-1-1988, ou seja, na data em que o mesmo atingiu a maioridade, o momento a partir da qual tal medida se tornou conveniente; - Nomear CC, mãe do requerido, como sua acompanhante; - Nomear DD, irmã do requerido, como acompanhante substituta; - Dispensar a constituição, por ora, do Conselho de Família; e - Determinar a revisão da medida acima decretada no prazo de 5 anos a contar da presente data. * B) Foi proferido despacho de 22/08/2024, com o seguinte teor: Por sentença proferida nestes autos e transitada em julgado, foi decretada, a favor do beneficiário AA, a medida de acompanhamento de representação geral, sendo nomeada como acompanhante CC e como acompanhante substituta DD. Decorrido o prazo de cinco anos fixado na referida decisão, cumpre proceder à revisão da medida, ao abrigo do artigo 155º do Código Civil. Compulsada a informação apresentada pela Segurança Social, a qual se tem por clara e suficiente, entende-se por desnecessária nova audição do beneficiário, bem como as restantes diligências pedidas pelo Ministério Público, não se tendo as mesmas por legalmente exigíveis para efeitos de manutenção da medida e indo assim indeferidas. Atento o teor da informação prestada pela Segurança Social constante de ref.ª ...33, bem como os restantes elementos dos autos, é de concluir que os pressupostos que levaram ao decretamento do acompanhamento original não se alteraram, mantendo-se a situação do beneficiário em tudo idêntico. Face ao exposto, o Tribunal decide rever e manter integralmente a medida de acompanhamento, nos exatos termos constantes da sentença de ref.ª ...94. Estipula-se para futura revisão o prazo de cinco anos, mostrando-se desnecessário prazo mais curto. Notifique. Comunique à Conservatória do Registo Civil. * C) Inconformado com a decisão proferida, veio o MP interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação, o qual sobe imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo [artigo 647º nº 3 a) NCPC].* Nas alegações de recurso do apelante MP, são formuladas as seguintes conclusões:1) Em sede de revisão de medida de acompanhamento de maior, decorridos 5 anos desde o respetivo decretamento, o Tribunal, fundamentando-se unicamente numa informação colhida pelos Serviços Sociais do Município, através de um mero contacto telefónico estabelecido com a acompanhante substituta, decidiu manter o acompanhamento, nos exatos termos inicialmente determinados. 2) Antes mesmo, o Tribunal indeferiu as diligências instrutórias promovidas pelo Ministério Público – junção de assentos de nascimento, certificados de registo criminal e listagem de processos (cível e criminal) pendentes das acompanhante e acompanhante substituta, junção de informação clínica atualizada a solicitar à USF e audição do beneficiário –, entendendo tais diligências desnecessárias e não legalmente exigíveis. 3) Salvo melhor entendimento, as diligências prévias omitidas são essenciais à decisão de revisão da medida de acompanhamento, sendo que a audição do beneficiário de acompanhamento se mostra mesmo obrigatória, o que, assim sendo, configura uma irregularidade geradora de nulidade processual (cf. artigos 195º, nº 1, 897º, nº 2, 898º, ex vi 904º, nº 3 do Código de Processo Civil e 139º do Código Civil). 4) É princípio basilar do regime do maior acompanhado que o Tribunal tem, obrigatoriamente, de manter contacto direto com o beneficiário, imposição legal esta presente nas normas previstas sob os artigos 897º, nº 2, 898º do Código de Processo Civil e 139º, nº 1 do Código Civil, que, por força do estatuído sob o artigo 904º, nº 2 do Código de Processo Civil, se estende à revisão da medida de acompanhamento. 5) A nosso ver, será também imprescindível aferir se os acompanhantes mantêm as condições legalmente exigíveis para o exercício do cargo, conforme disposto no artigo 1944º do Código Civil, pelo que se mostra, ainda, imprescindível conhecer o teor dos respetivos assentos de nascimento e certificados de registo criminal, como assim aferir da natureza de eventuais processos cível ou criminal pendentes em que sejam intervenientes. 6) Ao decidir conforme o fez, o Tribunal a quo incorreu na violação das normas previstas sob os artigos 897º, nº 2, 898º, ex vi 904º, nº 3 do Código de Processo Civil e 139º e 1944º do Código Civil. Termina entendendo que seja concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença proferida e determinar a realização prévia das diligências omitidas. * Não foi apresentada resposta.* D) Foram colhidos os vistos legais.E) A questão a decidir na apelação é a de saber se deverá ser revogada a sentença recorrida. * II. FUNDAMENTAÇÃOA) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede. * B) O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.* C) O MP insurge-se contra o indeferimento das diligências instrutórias promovidas pelo Ministério Público – junção de assentos de nascimento, certificados de registo criminal e listagem de processos (cível e criminal) pendentes das acompanhante e acompanhante substituta, junção de informação clínica atualizada a solicitar à USF e audição do beneficiário –, entendendo tais diligências desnecessárias e não legalmente exigíveis.O apelante sustenta que as diligências prévias omitidas são essenciais à decisão de revisão da medida de acompanhamento, sendo que a audição do beneficiário de acompanhamento se mostra mesmo obrigatória, o que, assim sendo, configura uma irregularidade geradora de nulidade processual (cf. artigos 195º, nº 1, 897º, nº 2, 898º, ex vi 904º, nº 3 do Código de Processo Civil e 139º do Código Civil). Vejamos. Conforme refere Miguel Teixeira de Sousa in O Regime do Acompanhamento de Maiores: Alguns Aspetos Processuais, O Novo Regime do Maior Acompanhado, CEJ, fevereiro de 2019, páginas 35-36, “ao processo especial de acompanhamento de maiores aplicam-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de decisão e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes (art. 891º, nº 1). Esta regulamentação contém uma remissão para o regime dos processos de jurisdição voluntária nos seguintes aspetos: ─ Poderes do juiz: o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; além disso, só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias para a boa decisão da causa (art. 986º, nº 2); ─ Critério de decisão: nas providências a tomar, o tribunal deve adotar, em cada caso, a solução que julgue mais conveniente e oportuna (art. 987º); isto significa que, nos processos de acompanhamento de maiores, o critério de decretamento da respetiva medida é a discricionariedade; ─ Alteração das decisões: as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; a superveniência pode ser objetiva ou resultar de ignorância da parte ou de outro motivo ponderoso que tenha conduzido à omissão da alegação (art. 988º, nº 1).” Conforme se refere no Acórdão da Relação de Guimarães de 23 de maio de 2024, no processo 151/23.3T8MLG.G1, relatado pelo Desembargador Paulo Reis, em www.dgsi.pt, “ademais, nos termos que decorrem do disposto no artigo 891º, nº 1 do CPC, ao processo de acompanhamento de maior é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes. Tal como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, em anotação a este último preceito, «a multiplicidade de circunstâncias observáveis é incompatível com uma rigidez processual, compreendendo-se, assim, a alteração do paradigma revelada pela maior aproximação ao regime dos processos de jurisdição voluntária (arts. 986º a 988º) expressamente ressalvado no nº 1 (…). Do novo regime emerge um claro reforço dos poderes inquisitórios do juiz (art. 986º, nº 2), o fortalecimento do poder de direção, que pode manifestar-se através da limitação aos meios de prova que, em concreto, se revelem necessários, e ainda a possibilidade de se alicerçar a decisão em razões de oportunidade ou de conveniência, sempre sob o signo da satisfação dos interesses do beneficiário (art. 987º). É essa alteração de paradigma que justifica que as decisões sejam suscetíveis de revisão, desde que circunstâncias supervenientes o exijam, sem prejuízo da revisão supletiva e quinquenal das medidas de acompanhamento (art. 155º do CC)» . Assim, ao processo especial de acompanhamento de maiores aplicam-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de decisão e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes (art.º 891º, nº 1), ainda que, formalmente, o processo de acompanhamento de maiores não seja considerado um processo de jurisdição voluntária, não só porque não se encontra inserido no Título XV do Livro V do Código de Processo Civil, mas também porque não há nenhuma disposição legal que o qualifique como tal. Deste modo, por força da remissão prevista no artigo 891º, nº 1 do CPC para o regime dos processos de jurisdição voluntária, resulta que o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, de forma a adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, sem sujeição a critérios de legalidade estrita, nos termos que resultam do disposto nos artigos 986º a 988º, do CPC. Neste domínio, «[o] regime do processo de acompanhamento de maiores atribui, especificamente, poderes de gestão processual ao juiz do processo; assim, este juiz pode decidir sobre a publicidade a dar ao início e ao decurso do processo e à decisão final (art.º 153º, nº 1, CC; art.º 893º, nº 1, e 902º, nº 3), as comunicações e ordens a dirigir a instituições e entidades (art.º 894º e 902º, nº 3), o meio de proceder à citação do beneficiário (art.º 895º, nº 1), a nomeação de um ou vários peritos (art.º 897º, nº 1, e 899º, nº 1) e ainda sobre o exame do beneficiário numa clínica da especialidade (art.º 899º, nº 2)»; Saliente-se, porém, que os poderes-deveres do juiz que se fundam no princípio do inquisitório não se limitam à prova de iniciativa oficiosa, cumprindo ao juiz ordenar as diligências dos procedimentos probatórios relativos aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio. ( … ) Por outro lado, contrariamente ao que sucede com a falta de audição do beneficiário, enquanto diligência obrigatória em qualquer caso (artigo 897º, nº 2 do CPC), os restantes meios probatórios indicados pelo recorrente dependem de um juízo do tribunal sobre a respetiva pertinência ou necessidade, não gerando a sua falta qualquer nulidade processual. Conforme se referiu, os poderes-deveres do juiz que se fundam no princípio do inquisitório não se limitam à prova de iniciativa oficiosa, cumprindo ao juiz ordenar as diligências dos procedimentos probatórios relativos aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio. Ora, sucede que, na decisão recorrida, que decide manter integralmente a medida de acompanhamento, nos exatos termos constantes da sentença com a ref. ...94, se refere que compulsada a informação apresentada pela Segurança Social, a qual se tem por clara e suficiente, entende-se por desnecessária nova audição do beneficiário, bem como as restantes diligências pedidas pelo Ministério Público, não se tendo as mesmas por legalmente exigíveis para efeitos de manutenção da medida e indo assim indeferidas.” No entanto, importa notar que a informação em questão foi dirigida aos serviços Sociais do Município constando de fls. 64, foi recolhida no contacto telefónico com a irmã do acompanhado, DD, o que não permitira concluir, como o faz o tribunal recorrido que a mesma é suficiente, tendo em conta que não se mostra que tal informação tenha tido em conta outros elementos probatórios, para além do referido contacto telefónico. Daí que se nos afigure que as diligências requeridas possam contribuir para complementar a informação disponibilizada e se mostrem necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, motivo pelo qual se impõe a sua obtenção, para mais tendo decorrido o período de cinco anos desde a prolação da sentença, datada de 14/06/2019, relevando aferir se os acompanhantes mantêm as condições legalmente exigíveis para o exercício do cargo. Especificamente quanto à audição do acompanhado, impõe-se algumas considerações adicionais. Refere-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 16/09/2019, no processo 12596/17.3T8LSB-A.L1.L1-2, relatado pela Desembargadora Laurinda Gemas, disponível no endereço www.dgsi.pt também Margarida Paz, no artigo “O Ministério Público e o Novo Regime do Maior Acompanhado”, págs. 130-131, incluído no mesmo e-book (acima citado), se pronunciou a este respeito: «Uma das principais novidades do novo regime do maior acompanhado é a reintrodução da audição pessoal e direta do beneficiário, apelidada de interrogatório no CPC de 2013, e com longa tradição jurídico-processual no nosso ordenamento jurídico. Desaparece, pois, a regra, introduzida pelo CPC 2013, que permitia o decretamento da interdição/inabilitação sem o interrogatório do requerido. Assim, nos termos do nº 1 do artigo 139º do CC, o acompanhamento é decidido após audição pessoal e direta do beneficiário. Por sua vez, o nº 2 do artigo 897º do CPC determina que o juiz deve proceder, sempre, à audição pessoal e direta do beneficiário, deslocando-se, se necessário, ao local onde o mesmo se encontre, de acordo com a regra fixada no artigo 143º, nºs 1 e 2, do CPC. O artigo 898º do CPC, com a epígrafe “audição pessoal”, estabelece, no nº 1, que a audição pessoal e direta do beneficiário visa averiguar a sua situação e ajuizar das medidas de acompanhamento mais adequadas. O nº 2 do artigo 898º, por sua vez, regula a própria audição, devendo as questões ser colocadas pelo juiz, com a assistência do requerente, dos representantes do beneficiário e do perito ou peritos, quando nomeados, podendo qualquer dos presentes sugerir a formulação de perguntas. Por fim, nos termos do nº 3 do artigo 898º, o juiz pode determinar que parte (e não a totalidade) da audição decorra apenas na presença do beneficiário. A audição pessoal e direta do beneficiário, na concretização dos princípios constantes do artigo 3º da Convenção, constitui o respeito pela dignidade inerente, autonomia individual, incluindo a liberdade de fazer as suas próprias escolhas, e independência da pessoa com deficiência [alínea a)], bem como a sua participação e inclusão plena e efetiva na sociedade [alínea c)]. Neste contexto, audição pessoal e direta do beneficiário não deve apenas ocorrer relativamente à tomada de decisão da medida ou medidas de acompanhamento a decretar pelo tribunal». Toda a doutrina que se conhece é pacífica a respeito da obrigatoriedade e importância da audição pessoal e direta do beneficiário. Também a jurisprudência o vem reconhecendo, conforme se alcança do acórdão da Relação de Coimbra de 04-06-2019, proferido no processo nº 647/18.9T8ACB.C1, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário tem o seguinte teor: “A audição direita do beneficiário pelo juiz, no âmbito do processo especial de acompanhamento de maiores, determinada no nº 2 do artigo 897º do Código de Processo Civil, na redação da Lei nº 49/2018, de 14 de agosto, deve ocorrer em todos os processos, sem exceção”. Neste acórdão destacam-se os elementos literal e histórico de interpretação da lei que claramente apontam no sentido da obrigatoriedade da audição do beneficiário, referindo-se que: “(I) Em primeiro lugar, a interpretação literal da norma mostra que o legislador pretende que o beneficiário seja sempre ouvido pelo juiz. Com efeito, o mencionado artigo 897º (Poderes instrutórios) tem a seguinte redação: (…) Acerca da audição do beneficiário, o Conselho Superior de Magistratura no parecer que emitiu aquando da preparação da futura Lei nº 48/2018, de 14 de agosto, referiu o seguinte: «A obrigatoriedade de audição do visado vem consagrar a revogação do criticado regime atual, no sentido da dependência do contacto pelo juiz (interrogatório judicial) da circunstância de ter havido contestação. Aplaude-se a nova inversão do paradigma, consagrando-se a necessidade de contacto direto entre o juiz e o putativo beneficiário de acompanhamento. Tratando-se de norma processual, será explicitada no respetivo regime. De qualquer forma e para que dúvidas não restem e como forma de sublinhar a importância estrutural desse contacto direto, o Executivo aceitou a sugestão do CSM de aditamento da expressão “pessoal e direta” após “audição”, afastando a possibilidade de redução dessa mesma audição ao chamamento (ou convocação) aos autos e subsequente resposta do requerido – pois também com esta formalidade ele é ouvido». ( … ) Verifica-se, pois, que a letra da lei não deixa lugar a dúvidas quando diz que o juiz em pessoa procede à audição «pessoal e direta» e fá-lo «sempre», «em qualquer caso», obrigatoriedade esta que também resulta dos dois mencionados pareceres, emitidos por entidades relevantes na formação da vontade do legislador. (II) Em segundo lugar, esta audição tem uma finalidade, como não podia deixar de ser. (…) Por conseguinte, a promoção desta finalidade, que consiste na ponderação «das medidas de acompanhamento mais adequadas» aconselha a que se proceda a uma observação da situação real em que se encontra o beneficiário. Com efeito, se o juiz não observar a situação real em que vive o beneficiário, deslocando-se ao meio onde vive, não conseguirá através da faculdade, digamos, da imaginação, elaborar uma imagem ou representação mental dessa situação que coincida com a realidade. (III) Em terceiro lugar, pode ainda descortinar-se uma razão que consiste em evitar que terceiros (familiares, amigos ou pessoas próximas) consigam submeter uma pessoa à medida de acompanhamento sem que ela careça de tal medida, tendo como finalidade, por exemplo, apropriar-se dos bens ou rendimentos produzidos pelos bens do pretenso sujeito carecido de acompanhamento. Estes casos serão de verificação rara, mas a sua hipotética existência futura não pode ser excluídos e um modo de os impedir consistirá em prever que o beneficiário possa estar em contato direito com o juiz, incluindo a sós, contribuindo de modo efetivo para a decisão do caso que lhe diz respeito. Assim, decorre dos citados normativos legais que, tendo entrado em vigor a nova lei, nos processos de interdição/inabilitação pendentes, o juiz deverá, lançando mãos dos princípios da gestão processual e adequação formal, adequar o processado às novas regras e princípios orientadores, uma das quais é a da obrigatoriedade da audição pessoal e direta do beneficiário. Logo, nos processos que - como o presente - ainda se encontrem na fase de instrução, essa adequação formal implicará, sem sombra de dúvida, a realização de audição pessoal e direta do Beneficiário. A não ser que estejamos perante situações (que a experiência nos diz serem pouco frequentes) em que comprovadamente tal diligência se não possa realizar, pois não deixará de ter aqui aplicação o princípio da limitação dos atos, não sendo lícito realizar no processo atos inúteis (cf. art. 130º do CPC). Por exemplo, se do relatório de exame pericial resultar que o Beneficiário não tem condições médicas para ser ouvido (v.g., por estar numa situação de coma), não se justificará obrigar o Juiz (e demais intervenientes processuais) a uma deslocação a um hospital apenas para constatar isso mesmo.” No mesmo sentido no Acórdão da Relação de Guimarães de 28-05-2020, no processo 891/18.9T8FAF.G1, relatado pela Desembargadora Eva Almeida, em www.dgsi.pt se refere em jeito de conclusão que “ … a audição pessoal e direta do requerido/beneficiário, com o objetivo de averiguar a sua situação e ajuizar das medidas de acompanhamento mais adequadas, é uma diligência de importância estrutural no regime jurídico do maior acompanhado, que não comporta exceções nem possibilidade de dispensa (Ver também o acórdão do TRP de 4.6.2019 (647/18.9T8ACB.C1) in dgsi.pt). A omissão de diligência essencial e impreterível, influi no exame e decisão da causa, inquinando a própria sentença, uma vez que esta, ao dar cobertura a este desvio ilegal ao formalismo processual previsto no artigo 897º nº 2 e 898º nº 1 do CPC, acaba por assumi-lo. Tal omissão, à semelhança do que se vem entendendo para a falta de audição das partes (violação do princípio do contraditório) (Ac. do STJ de 22.02.2017 (5384/15.3T8GMR.G1.S1 :”Esta nulidade processual coberta pelo acórdão, ainda que não se configure como uma das nulidades previstas no art.º 615º nº 1 do CPC, acaba por inquinar o mesmo, ferindo-o de nulidade” in dgsi.pt), ou para a omissão da audição da criança no processo de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo (Acórdão do TRE de 18-10-2018 (937/15.2T8TMR.E1) in dgsi.pt), conduz à nulidade da sentença proferida com postergação desse dever do juiz (e direito do requerido), por falta de pronúncia sobre questões que deveria apreciar e porque conheceu de questões, no caso decidiu sobre a necessidade e tipo de medida de acompanhamento, quando ainda não estava habilitado a fazê-lo (excesso de pronúncia) – art.º 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil. Consequentemente a omissão da audição pessoal e direta do requerido/beneficiário pelo Mmº juiz “a quo”, influindo no exame e decisão da causa, configura não só uma nulidade processual (art.º 195º nº 1 do CPC), que inquina a própria decisão proferida (sentença) e que pode ser arguida em sede de recurso a interpor da mesma, como também configura a nulidade da sentença prevista na al. d) do nº 1 do art.º 615º do CPC (A este propósito veja-se o comentário de Miguel Teixeira de Sousa in https://blogippc.blogspot.com/2019/04/jurisprudencia-2018-208.html). Assim sendo, tendo em conta o que antecede, face à imposição legal de audição do beneficiário de acompanhamento, mesmo no caso de revisão periódica da medida, para mais quando decorreu o prazo máximo de cinco anos para a sua revisão (artigo 155º Código Civil), a omissão da audição do acompanhado constitui nulidade da sentença recorrida, nos termos do disposto no artigo 615º nº 1, al. d) NCPC, para além de configurar uma nulidade processual (artigo 195º nº 1 do NCPC), que inquina a própria decisão proferida (sentença). Por todo o exposto, resulta que a decisão terá de ser revogada e a apelação julgada procedente, declarando-se a nulidade da sentença recorrida e determinando-se a junção de assentos de nascimento, certificados de registo criminal e listagem de processos (cível e criminal) pendentes das acompanhante e acompanhante substituta, a junção de informação clínica atualizada a solicitar à USF e a audição presencial do acompanhado. Sem custas. * D) Em conclusão e sumariando:… *** III. DECISÃOEm conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, declarando-se a nulidade da sentença recorrida e determinando-se a junção de assentos de nascimento, certificados de registo criminal e listagem de processos (cível e criminal) pendentes das acompanhante e acompanhante substituta, a junção de informação clínica atualizada a solicitar à USF e a audição presencial do acompanhado. Sem custas. Notifique. * Guimarães, 30/01/2025 Relator: António Figueiredo de Almeida 1ª Adjunta: Desembargadora Alexandra Rolim Mendes 2ª Adjunta: Desembargadora Raquel Baptista Tavares |