Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | JOSÉ ALBERTO MARTINS MOREIRA DIAS | ||
Descritores: | CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL TRADIÇÃO DA COISA INDEMNIZAÇÃO POR BENFEITORIAS | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/22/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil). 1- O contrato-promessa tem eficácia meramente obrigacional pelo que o promitente comprador que obteve do promitente vendedor a traditio do prédio objeto do contrato-promessa é, em princípio, mero detentor desse prédio. 2- Tanto o possuidor como o detentor de boa fé ou de má fé do prédio que obteve a traditio deste do promitente-vendedor, tem direito a ser indemnizado pelas benfeitorias úteis que realizou no prédio, de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, desde que alegue e prove que essas benfeitorias não podem ser levantadas sem detrimento (sem prejuízo) do prédio, salvo se esse detrimento for facto notório, em que aquele se encontra dispensado da alegação e prova da facticidade demonstrativa desse detrimento. 3- A instalação de móveis na cozinha, de recuperador, de esquentador, de aparelhos de ar condicionado e de tijoleira colocada na garagem pelo promitente-comprador, que no âmbito do contrato-promessa celebrado obteve da promitente vendedora a traditio do prédio objeto desse contrato-promessa, que veio a ser resolvido validamente pelo promitente-comprador, traduz na realização pelo detentor de boa fé do prédio (promitente comprador) de benfeitorias úteis. 4- É facto notório que a colocação de tijoleira na garagem do prédio não pode ser levantada deste, sem detrimento do próprio prédio (isto é, do chão em cimento, ao qual a tijoleira foi colada com cimento cola), não estando esse detrimento dependente da alegação e prova pelo promitente comprador de factos tendentes a demonstrar esse detrimento, assistindo-lhe o direito a ser indemnizado por essa benfeitoria útil pela promitente-vendedora, de acordo com as regras do enriquecimento sem causa. 5- Tendo o promitente comprado resolvido validamente o contrato-promessa com traditio do prédio dele objeto, o montante da indemnização referida em 4) corresponderá à valorização do prédio provocado pela realização da benfeitoria realizada pelo promitente comprador no prédio (colocação da tijoleira na garagem), à data da resolução do contrato-promessa, mas essa indemnização nunca poderá exceder a quantia despendida pelo promitente comprador com a realização dessa benfeitoria. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães. I- RELATÓRIO. Recorrente: L. M.. Recorrido: X – Construções Unipessoal, Lda. L. M., residente na Rua … – Galeria Comercial …, freguesia de … Guimarães, instaurou a presente ação declarativa, como processo comum, contra X – Construções Unipessoal, Lda., com sede na Travessa …, freguesia de …, Fafe, pedindo que: a) se declare o incumprimento definitivo, com culpa exclusiva da Ré na não celebração da escritura de compra e venda, cujo bem melhor está identificado no art. 1º da petição; b) que, em consequência desse incumprimento culposo se condene a Ré a entregar ao Autor o sinal prestado em dobro, no montante de 10.000,00 euros, nos termos do disposto no art. 442º do CC; c) se condene a Ré a indemnizar o Autor pelas despesas que suportou com o mobiliário da cozinha e que não tem mais qualquer utilidade e a ressarci-lo pelas despesas do esquentador, recuperador de calor, tijoleira da garagem e aparelhos de ar condicionado, que ficaram no imóvel, no valor global de 10.194,45 euros; d) se condene a Ré a pagar juros de mora legais, desde a data da citação até integral pagamento. Para tanto alega, em síntese, ter celebrado com a Ré o contrato promessa de compra e venda, junto a fls. 10 e 11 dos autos, mediante o qual a última prometeu vender-lhe, que lhe prometeu comprar, um terreno, com uma moradia a ser construída nesse terreno pela Ré, tudo (terreno e moradia) pelo preço global de 90.000,00 euros, a ser pago, 4.000,00 euros, no ato da celebração do contrato-promessa, através de cheque, de que foi dada a respetiva quitação; 9.000,00 euros até ao final de junho de 2017; e a restante parte do preço na data da celebração da escritura de compra e venda, tendo ficado acordado que essa escritura seria celebrada logo que a obra estivesse concluída, com licença de habitabilidade emitida, prevendo-se a sua realização até final de dezembro de 2017, devendo a Ré avisar o Autor com uma antecedência mínima de quinze dias do dia e hora da celebração dessa escritura; Acontece que a moradia não ficou concluída até dezembro de 2017, pelo que com o acordo do gerente da Ré, o Autor e o seu agregado familiar foram residir para aquela em março de 2018, apesar desta ainda não ter licença de habitabilidade emitida; A partir de finais de abril e maio começaram a surgir infiltrações na moradia, que o Autor prontamente denunciou à Ré, que mandou que fossem efetuadas obras com vista à eliminação dessas infiltrações e que uma vez realizadas, não as lograram eliminar; O Autor contactou, por diversas vezes, a Ré e os serviços da imobiliária para que fosse resolvido o problema das infiltrações, o que não aconteceu, recusando-se a última a aceitar as reclamações do Autor e em executar as obras de reparação necessárias à eliminação dessas infiltrações, pelo que em 05/07/2018, o Autor resolveu o contrato-promessa celebrado; Em finais de julho de 2018, a Ré cortou a eletricidade e a água que abastecia a moradia, forçando a saída abrupta do Autor e do seu agregado familiar; O Autor entregou à Ré 4.000,00 euros aquando da celebração do contrato promessa e em 10/07/2017, a quantia de 1.000,00 euros; Entretanto a Ré já vendeu o imóvel objeto do contrato-promessa a terceiro; Durante o período de tempo em que o Autor esteve na moradia, instalou na mesma móveis de cozinha, que foram feitos sob medida e que não têm aplicabilidade noutro local, cujo custo ascendeu a 5.349,59, acrescido de IVA; um recuperador de calor no valor de 699,00 euros; um esquentador, cujo custo ascendeu a 645,45 euros; adquiriu e aplicou na garagem tijoleira, cujo custo ascendeu a 770,00 euros; e aplicou quatro aparelhos de ar condicionado, cujo custo ascendeu a 1.500,00 euros, que ficaram na moradia aquando da sua saída desta; A Ré assumiu perante o Autor o pagamento das quantias referentes à tijoleira, recuperador de calor e de ar condicionado, mas até hoje nada pagou; Por carta de 24/09/2018, a Ré notificou o Autor para remover da moradia os móveis de cozinha e do esquentador, o que é um prazo insuficiente para se arranjar os meios necessários para se proceder à remoção dos móveis, o que impossibilitou o Autor de o fazer, ficando estes na posse do imóvel. A Ré contestou impugnando parte da factualidade alegada pelo Autor, concluindo pela improcedência da ação e pedindo que fosse absolvida do pedido. Deduziu reconvenção, pedindo que o Autor-reconvindo fosse condenado a pagar-lhe a quantia global de 2.451,64 euros, acrescida de juros de mora, desde a notificação até efetivo pagamento. Para tanto alega, em síntese, ter notificado por diversas vezes o Autor para levantar os móveis da cozinha, o que este não fez, pelo que teve de contratar uma empresa para levantar a cozinha e o esquentador, transportá-los e depositá-los, no que despendeu 1.193,10 euros; A esse valor acrescem 120,00 euros mensais pelo depósito, enquanto o Autor não proceder ao respetivo levantamento; Acresce que, a pedido do Autor, pavimentou, em calceta, o logradouro da habitação, no que despendeu 600,00 euros; procedeu à abertura de uma porta e construiu uma escadas de acesso direto da garagem ao logradouro, no que despendeu 553,50 euros; A Ré pagou 105,04 euros de consumo de água feito pelo Autor e o agregado familiar deste. A Ré reconvinte ampliou o pedido reconvencional de 2.451,64 euros para a quantia de 7.451,64 euros, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, até efetivo e integral pagamento. O Autor replicou impugnando os factos alegados pela Ré-reconvinte em sede de reconvenção, concluindo pela improcedência desse pedido reconvencional. Pronunciou-se quanto à ampliação do pedido reconvencional, sustentando que a ampliação não cumpre os requisitos legais, pelo que não deve ser admitida. Dispensou-se a realização de audiência prévia, fixou-se o valor da causa em 22.646,09 euros, admitiu-se a reconvenção, proferiu-se despacho saneador, indeferiu-se a ampliação do pedido reconvencional operada pela Ré-reconvinte, fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova e conheceu-se dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes e designou-se data para a realização de audiência final. Realizada audiência final, proferiu-se sentença, julgando a ação parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva: “Face a tudo quanto ficou exposto, nos termos das disposições legais citadas, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré “X CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL LDA.”, a restituir ao Autor a quantia de € 1.000,00 (mil euros) paga a título de sinal, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento, em virtude da resolução do contrato promessa celebrado entre as partes, absolvendo a Ré do mais peticionado. Custas a cargo de Autor e Ré, na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário àquele concedido - artigos 527º, nºs 1 e 2, 528º, nº1, CPC”. Inconformado com o assim decidido, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões: A – Foi proferida pela Mt Juiz “a quo” a seguinte decisão: “Face a tudo quanto ficou exposto, nos termos das disposições legais citadas, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré “X CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA.”, a restituir ao Autor a quantia de € 1.000,00 (mil euros) paga a título de sinal, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento, em virtude da resolução do contrato promessa celebrado entre as partes, absolvendo a Ré do mais peticionado.” B - Entendemos ter a douta sentença, interpretado erradamente as normas legais aplicáveis à situação concreta. C – Foi dado como - FACTO NÃO PROVADO - o seguinte: Não se provou que: “d. O Autor pagou à R., a título de sinal, a quantia de 4.000,00, na data da celebração do contrato promessa”. D - Fez errada interpretação da lei e dos factos existentes nos autos, devendo tal facto, ser incluído nos factos provados, e decidindo como decidiu, extravasou, o âmbito do processo, violando as regras do formalismo processual. E - Na verdade, na petição inicial, designadamente no artigo 1º é efetuada a transcrição do contrato promessa de compra e venda, celebrado entre A. e a R.. F – Na referida transcrição, designadamente na alínea c) é dito “Com sinal e princípio de pagamento o A. entregou a quantia de à R. de € 4.000,00 (quatro mil euros) em cheque, de que foi dada a respetiva quitação” G - Na contestação apresentada pela R., no artigo 1º, a R. aceita o alegado no artº 1º da petição inicial. H - Na contestação apresentada pela R., no artigo 1º, a R. aceita o alegado no artº 1º da petição inicial. I - A R. na contestação apresentada, deduziu ainda um pedido reconvencional e mais tarde em 14.05.2019, através de requerimento com a Refª Citius nº 3240117, veio requerer uma AMPLIAÇÃO DO PEDIDO, J - Alegando,” …onde requer que o SINAL prestado pelo A. , no valor de € 5.000,00, seja declarado perdido a favor da R., nos termos do nº 2 do artº 442 do CC, devido ao incumprimento definitivo com culpa exclusiva do A.” L – O referido requerimento foi apreciado no despacho saneador tendo a requerida AMPLIAÇÃO DO PEDIDO, sido indeferida. M – Apesar do indeferimento, não foi ordenado o desentranhamento do referido requerimento de ampliação. N – O referido requerimento continua a fazer parte dos presentes autos. G - Devido a tal, o teor do referido requerimento é um elemento probatório a ser tido em conta, o que não aconteceu. H - De acordo com o art. 413º, do CPC, que estabelece o “Princípio da aquisição processual”, todos os “materiais” (afirmações e provas) aduzidos por uma das partes ficam adquiridos para o processo. I - Ou seja, efetuada a prova em tribunal sobre um determinado facto (um ou vários) através do material probatório respetivo (documentos, depoimentos, etc.), ela passa a pertencer ao processo, sendo irrelevante saber quem a produziu. J - Assim, existe nos autos prova documental inequívoca de que a quantia recebida pela R. a título de sinal, foi a de € 5.000,00 (CINCO MIL EUROS). L - Fez errada interpretação da lei e dos factos existentes no autos, devendo tal facto, ser incluído nos factos provados. M – Assim, deve a R. ser condenada a restituir a totalidade do sinal - € 5.000,00 – e não a quantia de € 1.000,00, conforme o decretado na Sentença “a quo”, de que ora se recorre. N – Para além disso, na sentença proferida é dito “ No que se refere ao valor de € 10.194,45 igualmente peticionado pelo Autor, respeitante aos bens e equipamentos deixados no imóvel ou que não têm utilização, cumpre concluir que inexiste fundamento para a pretendida “indemnização”. O - Na verdade, nos factos provados, no ponto nº 13 é dito: “O Autor instalou na habitação, móveis de cozinha que foram feitos sob medida, no valor de € 6580.00 (€ 5.349,59 acrescido de IVA); recuperador de calor no valor de € 699,00; esquentador e respetiva instalação cujo custo ascendeu a € 645,45; tijoleira colocada na garagem cujo custo de aquisição ascendeu a € 770,00; quatro aparelhos de ar condicionado, de valor não concretamente apurado”. P - No ponto nº 14 é dito: Os móveis e equipamentos descritos em 13, ficaram no imóvel após a saída do Autor. Q - Entendemos e com o devido respeito, que a Mmo. Juíz “a quo” fez errada interpretação da Lei. R - Dispõe o artº 1273 do CC, que “n. 2 – Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa”. S - É matéria assente, que de acordo com referido ponto nº 13, o A. suportou o custo de € 10.194,45. T - Também é matéria assente, o disposto no ponto 14, que os móveis e equipamento descritos no citado ponto 13, ficaram no imóvel após a saída do A. U - Pelo que, o despacho proferido quando à inexistência de fundamento para o direito à indemnização do A., viola o disposto no artº 1273º do CC, fazendo uma errada interpretação da Lei. V - O A. provou a aquisição do equipamento e ainda as obras efetuadas, bem como o custo que teve com elas. X - Pode-se concluir, que à luz das regras da experiência e das normais decorrências da vida, o imóvel ficou valorizado com o pavimento em tijoleira que foi colocado na garagem, bem como quanto ao recuperador de calor instalado na sala. Z - Verificamos a existência de uma vantagem patrimonial para a R., à custa do A., que fica mais empobrecido. AA - Dispõe o artº 479º do CC “Aquele que sem causa justificativa enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”. BB - A R. ficou com a tijoleira e o recuperador no imóvel, pois verifica-se pela interpelação da mesma de setembro de 2018, que o A. só foi interpelado para proceder ao levantamento dos móveis de cozinha e do esquentador. CC - A R. assumiu tacitamente que o recuperador e tijoleira da garagem passaram a fazer parte do imóvel, enriquecendo o seu património à custa do empobrecimento do A. DD - Quanto a esta parte, deveria ter a R. sido condenada a indemnizar o A., nos termos do disposto no artº 479º do CC.. EE - Quanto aos móveis de cozinha, estes foram efetuados para aquele local específico, tendo medidas e design que só se aplicam naquele espaço. FF - Na motivação, é dito pela testemunha E. N., que a reutilização do equipamento seria difícil, sendo necessário para os retirar partir a pedra colocada em cima dos móveis e o vidro colocado entre os armários” GG - O A. adquiriu mobiliário para a cozinha porque tinha a expectativa de realizar o negócio. HH - Aliás, mudou-se com a família para a habitação, havendo séria vontade de celebrar o negócio. II - O negócio não foi celebrado por culpa exclusiva da R., conforme o teor dos pontos 3 a 8 dos factos provados. JJ – O A. criou expectativas, teve custos e o negócio teve de ser resolvido, por culpa do incumprimento da R.. LL - O A., sofreu o prejuízo equivalente à aquisição dos mencionados móveis de cozinha, pois tem de os pagar e os móveis não são reutilizáveis. MM - A responsabilidade civil deve ter uma função sancionatória e tuteladora das expectativas e esperanças dos cidadãos na sua vida de relação, que se deve pautar por padrões de moralidade e eticidade. NN - Estamos in casu perante um caso de perda de chance em que o valor dos móveis de cozinha não pode ser negado ao seu titular, o ora A.. OO - Há perda de chance quando se perde um proveito futuro ou se não evita uma desvantagem por causa imputável a terceiro. PP - Dispõe o artº 563 do CC “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. QQ - Através do citado normativo é consagrada a teoria da causalidade adequada na formulação negativa de Ennnecerus Nipperdy, cfr. Acórdão do STJ, com o Proc. nº 824/06.5TVLSB.I.2.SI, de 01.07.2014. RR - Assim, a resolução aconteceu por culpa exclusiva da R., o que provocou o prejuízo do valor de aquisição dos móveis de cozinha, pois o A. com a celebração do contrato promessa de compra e venda e ainda com o facto de ter ido viver para o imóvel, criaram-lhe expectativas, que foram goradas. SS - Existe nexo de causalidade entre a conduta da R. e os prejuízos sofridos pelo A.. TT - Pelo que, o A. direito a ser indemnizado por tal prejuízo. Por tudo isso, deve conceder-se provimento ao presente recurso. A apelada contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação, concluindo as suas contra-alegações, nos seguintes termos: A - Entendeu o tribunal o quo proferir a seguinte decisão, que passamos a transcrever a íntegra: “III. Dispositivo Face a tudo quanto ficou exposto, nos termos das disposições legais citadas, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré “X CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL LDA.”, a restituir a quantia de € 1.000,00 (mil euros) paga a título de sinal, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento, em virtude da resolução do contrato promessa celebrado entre as partes, absolvendo a Ré do mais peticionado.” B - Ora, salvo douta opinião, entende a recorrida, que a decisão do tribunal “a quo” é integralmente acertada, não assistindo qualquer razão ao recorrente, devendo o presente recurso ser rejeitado, por falta de fundamento de direito e de facto. C - A primeira questão levantada pelo recorrente refere-se ao facto dado como não provado, que diz o seguinte: “d. O Autor não pagou à Ré, a título de sinal, a quantia de € 4.000,00, na data da celebração do contrato promessa.” D - Pelo que quanto ao referido estamos em total desacordo com o recorrente, entendendo a recorrida que o Tribunal a quo andou bem na análise dos factos, uma vez que fundou a sua convicção na globalidade da prova produzida em sede de audiência de julgamento e na prova documental junta aos autos. E - Aliás, está claro no contrato promessa, que só após boa cobrança do cheque de € 4.000,00, a recorrente, daria a respetiva quitação do seu recebimento, e não no próprio contrato. F - Mais, o Recorrente, com o propósito de induzir o Tribunal a quo em erro alterou o facto identificado na al. c) do artigo 1.º da sua petição inicial, não tendo feito uma transcrição fiel e verdadeira do facto existente no contrato promessa de compra e venda, celebrado entre as partes, alterando o mesmo, conforme lhe convinha, com o intuito de enganar o douto Tribunal à quo, o que não conseguiu, uma vez que no contrato promessa de compra e venda, junto aos autos como DOC.1 da petição inicial, consta a seguinte redação que passamos a transcrever fielmente: “----4º: - Como sinal e princípio de pagamento o segundo entrega neste ato aos primeiros o valor de 4.000€ (QUATRO MIL EUROS), em cheque pelo que após boa cobrança será dada a respetiva quitação. G - E portanto, em lado algum, no contrato promessa, junto aos autos, consta que foi dada a respetiva quitação, mas sim que após boa cobrança seria dada a respetiva quitação. H - O recorrente não fez prova cabal do desconto do referido cheque pela recorrida, nomeadamente, juntando, o comprovativo do desconto do mesmo, prova facilmente acessível ao mesmo, apenas juntou cópia do cheque emitido à ordem da Ré, recorrida. I - Jamais tendo a Ré recebido a referida quantia. J - Mais requer que o tribunal use como prova o requerimento ampliação do pedido do recorrida, o qual foi, devidamente, apreciado e indeferido e portanto, não foi aceite pelo douto Tribunal a quo, logo, salvo o devido respeito, o dito requerimento não faz parte dos presentes autos e portanto, jamais poderá constituir meio de prova. K - Pelo que andou bem o Tribunal a quo no enquadramento de tal facto como facto não provado, fazendo acertada interpretação da lei. L - Para além disso, foi pelo recorrente, levantada uma questão de direito quanto à interpretação lei que se prende com o direito ou não à indemnização respeitante aos bens e equipamentos deixados no imóvel ou que não têm utilização. M - Quanto a esta matéria entende a recorrida que o Tribunal a quo andou bem ao decidir dar como assente que inexiste fundamento para a pretendida indemnização. Senão vejamos: N - Nos termos do artigo 342,º, n.º 1 do Código Civil, incumbe a quem invocar o direito a indemnização por realização de benfeitorias o ónus de provar as características das obras efetuadas com vista à respetiva qualificação, bem como à possibilidade de remoção das benfeitorias sem detrimento da coisa benfeitorizada, para efeitos do disposto no artigo 1273.º do Código Civil. (sublinhado nosso) O - Ora, considerando as despesas levadas a cabo pelo recorrente, reclamadas em sede de indeminização, concluímos que se tratam se intervenções de adaptação funcional da habitação, aumentando o respetivo valor e as suas comodidades, i.e., são benfeitorias úteis. P - Tal como supra referido o promitente-comprador com traditio beneficia de um direito pessoal de gozo, de natureza análoga ao direito pessoal de gozo que assiste ao locatário ou comodatário. Q - Mais, embora o recorrente estivesse reforçado pela natureza do sinal e pela entrega antecipada da coisa, não pode, exceder os limites da expectativa da alienação prometida. R - Assim, e tal como referido pelo tribunal a quo e defendido no Ac STJ 10.07.2008, in www.dgsi.pt, afigura-se aplicável o disposto no artigos 1046.º, n.º 1, e 1138.º, n.º 1 do Código Civil, pelo que é aplicável ao recorrente/autor o regime do possuidor de má fé. S - Nessa sequência, assistiria ao recorrente, e só, o direito a ser reembolsado das benfeitorias úteis, que não fossem suscetíveis de ser removidas sem detrimento da coisa, nos termos prescritos no artigo 1273.º do Código Civil. T - Sendo que o recorrente não provou que os móveis da cozinha não fossem por si “aproveitáveis”, e aplicáveis noutro local. U - Aliás, ficou bem claro em sede de prova testemunhal, pela testemunha E. N., tia do recorrente, testemunha por si arrolada, que, embora pudesse haver alguma depreciação de algumas partes da cozinha, para adaptação a outro local, jamais negou que a mesma fosse totalmente inaproveitável se retirada daquele local, até porque era constituída por vários módulos. V - Mais, o Recorrente nada alegou a propósito da insusceptibilidade de levantamento do recuperador de calor, esquentador, tijoleira da garagem e aparelhos de ar condicionado. U - Assim, inexiste qualquer vantagem patrimonial da recorrida. X - A recorrida notificou o recorrente várias vezes para retirar todos os seus pertences do imóvel. Y - A recorrida nunca assumiu, tacitamente, ou de qualquer outro modo, algum dos bens deixados pelo recorrente no imóvel, pelo que, jamais obteve qualquer vantagem patrimonial à custa do empobrecimento deste. Z - Pelo que andou bem o Tribunal a quo ao improceder integralmente o pedido de indemnização, no valor de € 10.194,45, do recorrente. AA – O Tribunal a quo, fez uma clara e precisa valoração da prova, sendo que do cotejo da prova produzida outra não podia ser a decisão a proferir, não merecendo os factos provados e não provados qualquer alteração BB - É, portanto, absolutamente, imerecido o alegado pelo ora recorrente, não merecendo a douta sentença qualquer reparo, devendo a douta sentença recorrida manter-se na íntegra. Nestes termos, e com o que doutamente será suprido, deve negar-se provimento ao recurso interposto pelo recorrente e confirmar-se a Douta Decisão recorrida. * Corridos os vistos legais, cumpre decidir.* II- FUNDAMENTOSO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC. No seguimento desta orientação, as questões que são colocadas pelo apelante à consideração desta Relação resumem-se ao seguinte: a- se ao não concluir pela prova da facticidade da alínea d) dos factos não provados na sentença, a 1ª Instância incorreu em violação de regras de direito probatório material que impunham que se concluísse pela prova dessa concreta facticidade, uma vez que: a.1- o apelante juntou em anexo à petição inicial o contrato-promessa, o qual não foi impugnado pela apelada e do respetivo teor decorre que esta declara que “o Autor pagou à Ré, a título de sinal, a quantia de 4.000,00 euros, na data da celebração do contrato-promessa”; a.2- a apelada aceitou na contestação a facticidade que vem alegada pela apelante no art. 1º da petição inicial e, consequentemente, que este lhe pagou a quantia de 4.000,00 euros, a título de sinal, e reafirmou essa aceitação em sede de ampliação do pedido reconvencional que deduziu, onde alega “requerer que o sinal prestado pelo Autor, no valor de 5.000,00 euros, seja declarado perdido a favor da Ré, nos termos do n.º 2 do art. 442º do CC, devido ao incumprimento definitivo, com culpa exclusiva do Autor”; b- em caso de procedência, com êxito, da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo apelante, se a sentença recorrida, ao condenar a apelada a restituir ao apelante apenas a quantia de mil euros, incorreu em erro de direito, impondo-se a alteração da decisão de mérito nela proferida no sentido de se condenar a apelada a restituir ao apelante a quantia de 5.000,00 euros, entregues a título de sinal; c- independentemente do êxito da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo apelante, se a sentença sob sindicância incorreu em erro de direito ao não ter condenado a apelada a restituir ao apelante a quantia de 10.194,45 euros, respeitantes aos bens e equipamentos deixados no imóvel, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, quando esse enriquecimento sem causa da apelada em detrimento do apelante se verifique e essa condenação é imposta pelo art. 1273º do CC. * A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOA 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade: 1. Autor e Ré subscreveram, em 9.2.2017, acordo escrito intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, nos termos do qual aquele prometeu comprar e esta prometeu vender um imóvel, correspondente à “casa do meio” de três fogos que a Ré iria construir no terreno de sua propriedade, descrito sob o nº … da Conservatória do Registo Predial, inscrito sob o artigo … da matriz, composta por rés do chão, andar e logradouro, pelo preço global de € 90.000,00. 2. O aludido contrato dispunha, ainda, que: como sinal e princípio de pagamento o Autor entregava no ato à Ré o valor de € 4.000,00 (quatro mil euros) em cheque e que após boa cobrança seria dada a respetiva quitação; a parte restante do preço, ou seja, a quantia de € 86.000,00 seria paga da seguinte forma: até ao final do mês de junho do mesmo ano e como reforço do sinal a quantia de € 9.000,00; no dia da realização da escritura a quantia de € 77.000,00; a escritura definitiva seria celebrada logo que a obra estivesse concluída com licença de habitabilidade, prevendo-se a sua realização até final do mês de dezembro do ano de 2017, devendo a Ré avisar o Autor com uma antecedência mínima de 15 dias, o dia e a hora da sua realização. 3. Com o acordo da Ré, o Autor, a sua companheira, grávida, e a filha de 4 anos, passaram a residir no imóvel em março de 2018, quando não tinha sido, ainda, emitida a licença de utilização que permitiria a celebração do contrato definitivo. 4. A partir do final de abril, início de maio, começaram a aparecer sinais de humidade nos pisos superior e térreo da habitação, designadamente nos tetos e rodapés dos quartos (ficando as portas dos quartos danificadas e os móveis cheios de bolor) e na parede da garagem junto às escadas e na arrecadação. 5. O Autor e a sua companheira deram conhecimento ao legal representante da Ré do descrito em 4., no seguimento do que, após o mesmo se ter deslocado à habitação, deu ordens ao carpinteiro para substituir a porta do quarto da filha do Autor e os rodapés dos quartos existentes no piso superior, que estavam completamente danificados com humidade e bolor. 6. Contudo, o problema da humidade manteve-se e agravou-se, passando o bolor a espalhar-se pelos móveis, pela roupa e demais objetos pessoais. 7. Fazendo o Autor temer pela saúde da sua família. 8. O Autor e a sua companheira contactaram diversas vezes o legal representante da Ré, a fim de ser resolvida a situação, dizendo-lhes o mesmo que o problema se devia ao facto de as janelas durante o dia não estarem abertas. 9. Por carta de 5.7.2018, o Autor declarou à Ré resolver o contrato promessa, por ter perdido o interesse na celebração do contrato, em virtude dos problemas de humidade, que a Ré não tinha solucionado. 10. No final de julho, a Ré fez cessar o fornecimento de água e luz do imóvel. 11. O Autor entregou à Ré, a título de sinal, a quantia de € 1.000,00, por cheque datado de 10.7.2017. 12. O imóvel objeto do contrato promessa já foi, entretanto, vendido pela Ré a terceiro. 13. O Autor instalou na habitação: móveis da cozinha que foram feitos sob medida, no valor de € 6.580,00 (€ 5.349,59 acrescido de IVA); recuperador de calor no valor de € 699,00; esquentador e respetiva instalação, cujo custo ascendeu a € 645,45; tijoleira colocada na garagem cujo custo de aquisição ascendeu a € 770,00; quatro aparelhos de ar condicionado, de valor não concretamente apurado. 14. Os móveis e equipamento descritos em 13. ficaram no imóvel após a saída do Autor. 15. Em setembro de 2018, a Ré interpelou o Autor para retirar do imóvel os móveis de cozinha e esquentador no prazo de 5 dias, o que o Autor não fez. 16. A Ré retirou da habitação os referidos móveis e esquentador. * Por sua vez, a 1ª Instância julgou como não provados os factos que se seguem: a. O Autor contactou a Ré através da imobiliária que mediou o negócio, a fim de ser resolvida a situação da humidade no imóvel. b. Autor e Ré acordaram que o Autor dispunha até final do mês de agosto para retirar os seus pertences. c. O Autor não conseguiu tirar os seus pertences por não ter luz no imóvel. d. O Autor pagou à Ré, a título de sinal, a quantia de € 4.000,00, na data da celebração do contrato promessa. e. Os aparelhos de ar condicionado instalados pelo Autor custaram € 1.500,00. f. Os móveis da cozinha não podem ser aplicados noutro local. g. A Ré paga € 120,00 mensais pelo depósito dos móveis de cozinha e esquentador nas instalações de uma outra empresa. h. A Ré procedeu a pavimentação do logradouro da habitação, no valor de € 600,00, e à colocação de uma porta no valor de € 553,50, a título de trabalhos extra, a pedido do Autor. i. A Ré pagou a quantia de € 105,04 de consumo de água da habitação. j. A Ré assumiu perante o Autor o pagamento do valor do recuperador de calor, tijoleira e aparelhos de ar condicionado. * B- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.B- Impugnação do julgamento da matéria de facto julgada não provada na alínea d) – violação de regras de direito probatório material pelo tribunal a quo. O apelante impugna o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto à facticidade julgada não provada na alínea d), em que esta conclui pela não prova do seguinte: “d- O Autor pagou à Ré, a título de sinal, a quantia de 4.000,00 euros, na data da celebração do contrato promessa”, alegando que o tribunal a quo fez uma errada interpretação da lei e dos factos existentes nos autos, devendo essa facticidade ser julgada provada, isto porque, no art. 1º da petição inicial, aquele transcreveu o contrato promessa celebrado entre apelante e apelada, e “na referida transcrição, designadamente na alínea c), é dito “Como sinal e princípio de pagamento o Autor entregou a quantia à Ré de 4.000,00 euros em cheque, de que foi dada a respetiva quitação” e no art. 1º da contestação, “a Ré aceita o alegado no art. 1º da petição inicial”, concluindo: “Assim, porque a R. reconheceu, aceitou o alegado no artigo 1º da petição inicial, não pode vir a Mma. Juiz a quo dar como não provado tal facto”. Alega ainda, que “a Ré, na contestação apresentada, deduziu ainda um pedido reconvencional e mais tarde, em 14/05/2019, através do requerimento com a Ref. Citius …, veio requerer uma ampliação do pedido, (…) onde requer que o sinal prestado pelo Autor, no valor de 5.0000,00 euros, seja declarado perdido a favor da Ré, nos termos do n.º 2 do art. 442º do CC, devido ao incumprimento definitivo com culpa exclusiva do A.. Tal requerimento foi apreciado no despacho saneador, tendo a requerida ampliação do pedido sido indeferida. Apesar do indeferimento, não foi ordenado o desentranhamento do referido requerimento de ampliação, continuando o mesmo a constar dos presentes autos de que ora se recorre. Devido a tal, o teor do referido requerimento é um elemento probatório a ser tido em conta”, por força do princípio da aquisição processual, “o que não aconteceu”, pelo que “existe nos autos prova documental inequívoca de que a quantia recebida pela Ré, a título de sinal, foi a de 5.000,00 euros”, tendo o tribunal a quo feito “uma interpretação da lei e dos factos existentes nos autos, devendo tal facto, ser incluído nos factos provados”. Se bem interpretamos a alegação da apelante, esta imputa à 1ª Instância, quanto à facticidade julgada não provada na enunciada alínea d), a violação de duas regras de direito probatório material, a saber: a) a violação da força probatória que emana do contrato-promessa, que não foi arguido de falso pela apelada, sequer foi impugnada a assinatura nele aposta da autoria desta ou o respetivo teor; e b) a violação do comando decorrente do n.º 2 do art. 574º do CPC. Vejamos se lhe assiste razão. B.1.1- Violação da força probatória decorrente do contrato-promessa. No art. 1º da petição inicial o apelante alegou ter celebrado com a apelada um contrato, intitulado de “contrato-promessa”, para cujo teor aí remete, identificando-o como “Doc.1” e que efetivamente juntou em anexo à petição inicial, a fls. 10 e 11 dos autos, passando após, nesse art. 1º, a transcrever o teor desse contrato, fazendo-o, no entanto, de forma não rigorosa, posto que alega, nesse art. 1º, al. c) da petição inicial, que nele ficou convencionado que: “Como sinal e princípio de pagamento o Autor entregou a quantia de à R., de 4.000,00 euros em cheque de que foi dada a respetiva quitação”, quando basta a mera leitura da cláusula 4ª desse contrato, para se verificar que não é isso que nele as partes convencionaram, mas antes o que se segue: “Como sinal e princípio de pagamento o segundo entrega neste ato aos primeiros o valor de 4.000,00 euros, em cheque pelo que após boa cobrança será dada a respetiva quitação”. Na classificação legal da prova documental escrita, em que a lei distingue entre documentos autênticos ou particulares, e estes últimos como documentos particulares strictu sensu e documentos particulares autenticados (arts. 363º, 369º, 373º e 377º do CC), é indiscutível que o documento de fls. 10 e 11, intitulado de “contrato-promessa de compra e venda”, que se encontra assinado por apelante e apelada, consubstancia um documento particular. Tendo esse documento sido outorgado entre as partes dos presentes autos, tendo o apelante, em sede de petição inicial, imputado a assinatura que se encontra nele aposta à apelada, não tendo esta arguido a falsidade desse documento, sequer impugnado de falsa a assinatura nela aposta como sendo da sua autoria, sequer, ainda, o teor desse documento, mas antes pelo contrário, declarando expressamente nos arts. 1º e 10º da contestação, ter celebrado esse contrato com o apelante, nos termos do disposto nos arts. 374º, n.º 1 e 376º, n.ºs 1 e 2 do CC, o documento em causa faz prova plena quanto às declarações que nele constam como atribuídas a apelante e a apelada, considerando-se provados os factos compreendidos na declaração na medida em que forem contrárias aos interesses do declarante, mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão, pelo que, nesses casos de indivisibilidade da declaração, a parte que se quiser valer da força probatória plena decorrente daqueles preceitos, terá também de aceitar os outros factos ou circunstâncias que constam dessa declaração, salvo se provar a sua inexatidão (art. 360º do CC). No caso, não se suscita qualquer questão de indivisibilidade da declaração feita pela apelada que consta da cláusula 4ª do contrato de fls. 10 e 11 e em função do que se vem dizendo, perante o regime legal fixado nos arts. 374º, n.º 1 e 376º, n.ºs 1 e 2 do CC, encontra-se plenamente provado nos autos, de modo que não é admitida prova em contrário, que na data da celebração daquele contrato, intitulado corretamente de contrato-promessa de compra e venda, em 09/02/2017, o apelante “como sinal e princípio de pagamento entregou à apelada a quantia de 4.000,00 euros, em cheque”, de que esta lhe daria quitação “após boa cobrança”. Logo, dir-se-á que nos presentes autos, contrariamente ao pretendido pelo apelante, encontra-se plenamente provado que a apelada não deu quitação àquela em relação à quantia de quatro mil euros que lhe entregou a título de sinal e princípio de pagamento, na data da celebração desse contrato promessa, em 09/02/2017, titulada por cheque, mas apenas que essa quitação lhe seria dada caso o cheque entregue pelo apelante, titulando esses quatro mil euros, viesse a obter “boa cobrança”, o que naturalmente estava dependente da alegação e prova pelo apelante (art. 342º, n.º 1 do CC) em como o cheque em causa obteve efetivamente boa cobrança. Decorre do que se vem dizendo que ao concluir pela não prova em como o Autor (apelante) tivesse pago à Ré (apelada), a título de sinal, a quantia de 4.000,00 euros, na data da celebração do contrato-promessa, a 1ª Instância não incorreu em qualquer violação de regra de direito probatório inerente à força probatória decorrente desse documento particular. Termos em que improcede este fundamento de recurso. B.1.2 – Violação do regime do art. 574º, nº 1 do CPC. Advoga o apelante que ao concluir pela não prova dessa concreta facticidade, a 1ª Instância teria incorrido na violação da regra de direito probatório material enunciada no n.º 2 do art. 572º do CPC, mas sem manifesta razão. No ordenamento jurídico substantivo nacional vigora o ónus da impugnação especificada, de acordo com o qual, ao contestar, o réu tem de tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor (n.º 1 do art. 574º), sob pena de não o fazendo, se considerarem admitidos por acordo os factos essenciais e complementares da causa de pedir invocada pelo mesmo na petição inicial que não sejam impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerado no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito (n.º 2 do mesmo preceito). No caso, não existe qualquer obstáculo legal à confissão do facto em análise pela apelada, pelo que quanto ao mesmo vigora, em pleno, o ónus da impugnação especificada e a cominação prevista no n.º 2 do art. 574º do CPC para o incumprimento desse ónus, pelo que urge verificar se ocorre efetivamente violação dessa cominação por parte da 1ª Instância ao julgar como não provada a facticidade da al. d) dos factos não provados na sentença. No art. 1º da petição inicial, conforme bem diz o apelante, este procedeu à transcrição do doc. 1, isto é, do contrato-promessa que junta a fls. 10 e 11 dos autos, em anexo à petição inicial, onde conforme já se demonstrou, na al. c) desse art. 1º, o apelante não procedeu à transcrição do que efetivamente consta da cláusula 4ª desse contrato, mas antes alega que “como sinal e princípio de pagamento o Autor entregou a quantia à Ré de 4.000,00 euros em cheque, de que foi dada a respetiva quitação”. No art. 1º da contestação, a apelada declara expressamente aceitar como “exato o alegado”, entre outros, no art. 1º da petição inicial, o que levaria a que se concluísse, conforme pretende o apelante acontecer, que apesar do que consta alegado nesse art. 1º da p.i. não corresponder ao teor da cláusula 4ª do contrato celebrado, a apelada (Ré) aceitou expressamente ter recebido daquele a referida quantia de 4.000,00 euros, a título de sinal. Acontece que essa interpretação é arredada pelo teor do art. 10º da contestação, em que a apelada alega ter efetivamente celebrado “com o Autor o contrato promessa de compra e venda, junto com a petição inicial como doc. 1, e que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais”, com o que, salvo o devido respeito por opinião contrária, a apelada concretizou a sua afirmação genérica vertida no enunciado art. 1º da contestação, no sentido de considerava exato o alegado pelo apelante no art. 1º da p.i., na medida em que é verdade ter celebrado o contrato promessa alegado pelo apelante, com o exato teor que dele consta e que, inclusivamente, dá por reproduzido, teor esse que, relembra-se, o apelante também afirma reproduzir no mencionado art. 1º da petição inicial, tanto assim que o transcreve entre aspas, mas fazendo-o em termos não rigorosos. Por conseguinte, o alcance e o sentido do alegado pela apelada no art. 1º da contestação é, única e exclusivamente, no sentido da aceitação pela mesma de que celebrou o contrato promessa que vem identificado pelo apelante (Autor) no art. 1º da petição inicial, para cujo teor este aí remete (“Doc. 1”) e que afirma reproduzir – “O Autor celebrou um contrato promessa com a Ré, nos seguintes termos (Doc. 1)” (seguindo-se a transcrição desse Doc. 1, cujos dizeres aquele apelante inclusivamente intercala entre aspas), e não as reproduções infiéis que o apelante faz desse mesmo documento no mencionado art. 1º da petição inicial. Refira-se, aliás, que porque o apelante, naquele art. 1º da petição inicial não reproduz fielmente o teor do Doc. n.º 1, isto é, do contrato promessa de fls. 10 e 11, não obstante dar a entender que o reproduz, procedendo, inclusivamente, a essa pretensa reprodução entre as aspas, nunca seria legítimo considerar que as expressões transcritas nesse art. 1º da petição inicial que se mostram desconformes ao teor daquele contrato são aceites pela apelada face ao por esta declarado no art. 1º da contestação, mas antes a lisura e a boa fé impunham (e impõem) que a transcrição desse contrato feita pelo apelante no art. 1º da petição inicial, na parte em que se mostre desconforme ao teor do contrato de fls. 10 e 11 dos autos, se encontra impugnado pela apelada, sob pena de se estar a premiar a incúria do apelante, que não cuidou em reproduzir fielmente o teor desse contrato e, quiçá, a má fé deste, potenciando involuntária ou quiçá voluntária e, inclusivamente, dolosamente o erro da apelada, levando-a inconscientemente a aceitar factos que a mesma não pretendia efetivamente aceitar, por não corresponder àquilo que se encontra efetivamente clausulado no contrato celebrado e que pretensamente o apelante transcreve (entre aspas) no art. 1º da p.i.. Argumenta o apelante que o recebimento da quantia de 5.000,00 euros pela apelada é por esta confessada na ampliação do pedido reconvencional de fls. 72 a 73, onde no ponto 4º dessa ampliação alega “Pelo que, vem a Ré/Reconvinte requerer a ampliação do pedido no sentido de o mesmo abranger a condenação do Autor, com a perda do sinal prestado, no valor de 5.000,00 euros (cinco mil euros), a favor da Ré/Reconvinte (…)”. Para além de se nos afigurar que o apelante pretende prevalecer-se de um equívoco em que incorreu o mandatário da apelada na redação do identificado art. 4º, dir-se-á que independentemente de se estar ou não perante um equivoco de que a apelante se pretende aproveitar, o teor do mencionado art. 4º configura uma confissão judicial feita pelo mandatário da apelada em sede de ampliação de pedido e, portanto, fora dos articulados(1), mas em que este mandatário dispõe de procuração outorgada pela apelada, conferindo-lhe poderes especiais para confessar, desistir e transigir (cfr. procuração de fls. 59). Com efeito, nesse art. 4º o mandatário da apelada reconhece a realidade de factos desfavoráveis à sua constituinte (a apelada) e favoráveis ao apelante – o pagamento de 5.000,00 euros pelo apelante à apelada, a título de sinal (arts. 352º e 355º, nºs 1 a 3 do CC). Sucede que as declarações confessórias feitas pelo advogado, oralmente ou por escrito, vinculam a parte (no caso, a apelada), salvo se forem retiradas enquanto a parte contrária (o apelante) as não tiver aceitado especificadamente (arts. 46º e 465º, n.º 2 do CPC). Logo, para que essa confissão judicial vale-se como efetiva confissão por parte da apelada, para além dessa confissão ter de ser inequívoca – art. 35, n.º 1 do CC (o que se nos prefigura não ser o caso, antes tudo apontado estar-se perante um equivoco em que o ilustre mandatário da apelada incorreu na redação do mencionado art. 4º da ampliação do pedido), essa confissão pode ser retirada enquanto a parte contrária (o apelante) não a tiver aceitado especificadamente (arts. 46º e 465º, nº 2 do CPC). Acontece que conforme se vê da resposta à ampliação do pedido apresentada pelo apelante a fls. 87 e 88, em que este se opôs a essa ampliação, nela o primeiro não declara especificadamente aceitar essa pretensa confissão feita pelo ilustre mandatário da apelada no art. 4º da ampliação do pedido, sequer o faz posteriormente antes da prolação da sentença recorrida, o que significa que essa pretensa confissão não pode valer efetivamente como confissão. Decorre do que se vem dizendo que ao concluir pela não prova da facticidade da al. d), a 1ª Instância não incorreu em violação de nenhuma das normas de direito probatório material invocadas pelo apelante. Termos em que sem necessidade de maiores considerações, conclui-se que ao concluir pela não prova da facticidade da alínea d), a 1ª Instância não incorreu na violação de qualquer norma de direito probatório material, incluindo a do n.º 2 do art. 574º do CPC, improcedendo igualmente este fundamento de recurso. Mantendo-se inalterada a matéria de facto julgada provada e não provada pela 1ª Instância, resta verificar se a sentença recorrida padece dos erros de direito que o apelante lhe assaca. B.2- Mérito. B.2.1- Absolvição da apelada do pedido de restituição da quantia de 5.000,00 euros – prejudicada. O apelante imputa erro de direito à sentença recorrida na parte em que condenou a apelada a restituir-lhe a quantia de mil euros, a título de sinal, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento, pretendendo que por via da procedência da impugnação do julgamento da matéria de facto que impugna, se conclua pela prova de que a quantia recebida pela apelada a título de sinal, foi de cinco mil euros e, em consequência, se condene esta a restituir-lhe “a totalidade do sinal - 5.000,00 euros - e não a quantia de 1.000,00 euros, conforme decretado na sentença”. Conforme decorre do que se vem dizendo, o erro de direito que o apelante assaca à decisão de mérito proferida na sentença, na parte relativa à restituição do sinal, dependia, em absoluto, do êxito da impugnação do julgamento da matéria de facto que opera. Na verdade, compulsadas as alegações e as conclusões de recurso apresentadas pelo apelante, verifica-se que este apenas sindica e contesta o apuramento da matéria de facto provada e não provada na sentença quanto à quantia que entregou à apelada a título de sinal, e apenas no pressuposto de que ocorreu erro de julgamento do tribunal a quo quanto ao apuramento da quantia entregue pelo mesmo à apelada a título de sinal, pede que se altere a sentença no sentido da condenação da apelada a restituir-lhe a quantia de 5.000,00 euros. Ou seja, em caso de improcedência da impugnação do julgamento da matéria de facto que opera, o objeto do recurso interposto pelo apelante não inclui a matéria de direito, isto é, qualquer sindicância à determinação das normas jurídicas escolhidas e/ou à respetiva interpretação. Acontece que tendo improcedido, pelos fundamentos acima elencados, a impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo apelante, mantendo-se inalterada a facticidade julgada provada e não provada pela 1ª Instância quanto à quantia entregue a título de sinal, necessariamente ficou prejudicado o conhecimento dos erros de direito que o apelante imputa à parte decisória da sentença em que condena a apelada a restituir-lhe apenas a quantia de mil euros, o que se declara, nos termos do art. 608º, n.º 2 ex vi art. 663º, n.º2, parte final, do CPC. B.2.2- Absolvição da apelada a restituir ao apelante a quantia de 10.194,45 euros – benfeitorias. A 1ª Instância qualificou o contrato de fls. 10 e 11 celebrado entre apelante e apelada, respetivamente, como promitente comprador e promitente vendedora, como contrato-promessa de compra e venda bilateral e julgou que o apelante resolveu validamente esse contrato-promessa e condenou a apelada a restituir-lhe a quantia recebida a título de sinal (mil euros), em singelo, mas absolveu a apelada da quantia peticionada pelo apelante, a título de benfeitorias realizadas no prédio objeto desse contrato-promessa, com o argumento que apesar de se estar perante benfeitorias úteis, que este não provou que os móveis da cozinha não fossem por si aproveitáveis, e nada alegou e provou a propósito da insusceptibilidade do levantamento do recuperador de calor, esquentador, tijoleira da garagem e aparelhos de ar condicionado. O apelante imputa erro de direito a essa decisão, sustentando que a mesma viola o disposto no art. 1273º do CC, na medida em que provou a aquisição e as obras efetuadas no prédio objeto do contrato-promessa validamente por si resolvido, bem como o custo que teve com essas obras, alegando que à luz das regras da experiência e das normais decorrências da vida o pavimento que foi colocado na garagem, bem como com o recuperador instalado na sala, valorizaram o prédio objeto do contrato-promessa resolvido e que, como tal, se verifica a existência de uma vantagem patrimonial da apelada à custa daquele e quando esta última assumiu tacitamente que o recuperador e a tijoleira da garagem passaram a fazer parte do imóvel. Quanto aos móveis da cozinha, o apelante sustenta que esses móveis foram efetuados para aquele local específico, tendo medidas e design que só se aplicam naquele espaço e foram por si adquiridos porque tinha e expectativa de realizar o negócio definitivo, o qual não se veio a concretizar exclusivamente por culpa da apelada, ocorrendo, in casu, uma perda de chance do mesmo quanto ao proveito futuro desses móveis, que cumpre à apelada ressarcir. Vejamos se assiste razão ao apelante nas críticas que assaca à sentença recorrida. No caso dos autos, estamos perante a celebração de um contrato-promessa de compra e venda bilateral, em que a apelada, na qualidade de promitente vendedora, prometeu vender ao apelante, promitente comprador, que lhe prometeu comprar, um terreno, com uma moradia que a primeira se obrigou a erigir nesse terreno, pelo preço global de 90.000,00 euros, em que já após a celebração desse contrato-promessa a apelada entregou o prédio objeto do contrato ao apelante, que nele passou a residir, mais o seu agregado familiar, a partir de março de 2018 (cfr. pontos 1, 2 e 3 dos factos apurados), pelo que, no âmbito desse contrato-promessa bilateral, ocorreu a tradição da coisa dele objeto da promitente-vendedora (apelada) para o promitente-comprador (apelante). Os contratantes não atribuíram eficácia real ao contrato-promessa que celebraram e daí que este, conforme de resto é regra, tenha eficácia meramente obrigacional, não tendo, por isso, eficácia translativa do direito de propriedade do prédio objeto do mesmo, na medida em que nele os contratantes apenas assumiram a obrigação de celebrar o contrato prometido (obrigação de facere) e será esse contrato definitivo ou prometido que operará a transmissão do direito de propriedade da promitente vendedora para o promitente comprador sobre o prédio objeto do contrato-promessa (2). Assim, face à natureza meramente obrigacional do contrato-promessa celebrado entre as aqui partes, quando ocorra a entrega material da coisa prometida vender pelo promitente vendedor ao promitente comprador, como aconteceu no caso, o contrato-promessa não investe, em regra, o promitente comprador na posse do bem objeto do contrato, mas confere-lhe apenas autorização para a usar até à celebração do contrato definitivo ou até à declaração da nulidade, anulabilidade ou à resolução do contrato-promessa celebrado, sendo o promitente comprador, com a traditio da coisa, investido num verdadeiro direito de uso sobre esta, que lhe é concedido pelo promitente vendedor na expectativa da celebração do contrato definitivo. A posse que é exercida pelo promitente comprador sobre o bem é uma posse em nome alheio, isto é, em nome do promitente-vendedor, não passando o promitente comprador de um mero detentor ou possuidor precário do bem, nos termos dos art. 1253º, al. c) do CC (3). Neste sentido, pondera Antunes Varela, o promitente comprador não é possuidor da coisa, precisamente porque sabendo ele como ninguém, que a coisa pertence ainda ao promitente vendedor e só lhe pertencerá a ele depois de realizado o contrato translativo prometido, não pode agir seriamente com a intenção de um titular da propriedade ou de qualquer outro direito real sobre a coisa (4). Assim, sem prejuízo da doutrina e da jurisprudência reconhecerem que situações excecionais existem em que a tradição da coisa pelo promitente vendedor ao promitente comprador envolve a transmissão de uma posse real e efetiva em nome próprio – e não a mera detenção –, como será o caso em que o promitente vendedor paga a totalidade do preço convencionado ao promitente vendedor pela compra da coisa, mas por qualquer motivo atendível, o primeiro entrega-a ao último como se esta já fosse sua propriedade, ou quando as circunstâncias que motivaram a traditio sejam incompatíveis com atos de mera tolerância a serem exercidos sobre ela pelo promitente comprador (5), o contrato-promessa, dada a sua natureza meramente obrigacional, não é, em regra, “suscetível de por si só, transmitir a posse ao promitente. Se este obtém a entrega de coisa antes da celebração do negócio translativo, adquire o corpus possessório, mas não adquire o animus possidendi, ficando, pois, na situação de mero detentor ou possuidor precário (6). Não se subsumindo o caso dos autos a nenhuma das mencionadas situações excecionais em que se está perante uma verdadeira posse, com corpus e animus possidendi exercida pelo promitente comprador sobre o prédio objeto do contrato-promessa celebrado entre apelante e a apelada, o primeiro não passa, pois, de um mero detentor desse prédio. Acontece que estando apurado que durante o período em que deteve o prédio, o apelante instalou na moradia objeto do contrato-promessa móveis de cozinha feitos sob medida, um recuperador de calor, um recuperador e respetiva instalação, colocou tijoleira na garagem e instalou quatro aparelhos de ar condicionado (cfr. ponto 13º dos factos provados) e tendo o apelante resolvido validamente o contrato promessa (assim decidiu a 1ª Instância e este segmento da sentença recorrida não foi impugnada pelas partes, em sede de recurso, pelo que se encontra transitado em julgado), impõe-se apurar dos reflexos jurídicos da resolução do contrato-promessa bilateral com traditio celebrado entre apelante e apelada quanto aos “trabalhos” assim efetuados pelo apelante no prédio objeto do contrato-promessa resolvido. Nos termos do art. 433º do CC, salvo disposição em contrário, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade, com ressalva do disposto nos artigos 434º e 435º, em que se estabelece limites à retroatividade dos efeitos da resolução e medidas protetivas dos terceiros adquirentes do bem objeto do contrato resolvido, exceções essas que não têm qualquer relevo no caso dos autos. Deste modo, há que se convocar o regime jurídico que regula os efeitos da declaração da nulidade e da anulabilidade dos negócios jurídicos, para se aferir dos efeitos jurídicos decorrentes da resolução do contrato-promessa operado pelo apelante quanto aos “trabalhos” que realizou durante o período de tempo em que foi detentor do prédio objeto desse contrato. Esse regime jurídico consta do art. 289º e nos termos deste, tanto a declaração da nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (n.º 1); tendo alguma das partes alienado gratuitamente coisa que devesse restituir, e não podendo tornar-se efetiva contra o alienantes a restituição do valor dela, fica o adquirente obrigado em lugar daquele, mas só na medida do seu enriquecimento (n.º 2) e manda em qualquer dos casos aplicar, diretamente ou por analogia, o disposto nos arts. 1269º e seguintes (n.º 3). Por sua vez, lê-se no art. 1273º, que tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela (n.º 1). Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa (n.º 2). Já quanto às benfeitorias voluptuárias, rege o art. 1275º, nos termos do qual o possuidor de boa fé tem direito a levantar as benfeitorias voluptuárias, não se dando detrimento da coisa; no caso contrário, não pode levantá-las nem haver o valor delas (n.º 1) e o possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que haja feito (n.º 2) Deste modo, resulta da conjugação dos arts. 289º, n.º 3, 1273º e 1275º do CC, que no caso de declaração da nulidade, da anulabilidade ou de resolução de um contrato, designadamente, de um contrato-promessa, a parte que por via do contrato invalidado ou resolvido adquirira a posse material e efetiva sobre a coisa objeto desse contrato e tenha realizado nela benfeitorias, isto é, que adquiriu a qualidade de efetivo possuidor do prédio objeto desse contrato, quer se trate de possuidor de boa fé ou de má fé, tem direito, no que tange a benfeitorias nela realizadas, apenas e tão-só a ser indemnizado pelas benfeitorias necessárias e quanto às benfeitorias úteis, assiste-lhe o direito a levantá-las, salvo se esse levantamento não poder ser feito em detrimento da coisa, situação em que lhe assiste o direito a ser indemnizado. A indemnização por benfeitorias necessárias e úteis (quanto a estas últimas, se não puderem ser levantadas sem prejuízo da coisa) é calculada segundo as regras do enriquecimento sem causa. Já tratando-se de benfeitorias voluptuárias, o possuidor de má fé perde-as em caso de declaração da nulidade, anulabilidade ou de resolução do contrato através do qual o possuidor adquirira a coisa em que as realizou; já estando de boa fé, o possuidor poderá levantar as benfeitorias voluptuárias, não se dando detrimento da coisa, posto que havendo detrimento, não pode exigir qualquer indemnização, ao contrário do que acontece com as benfeitorias úteis. Neste sentido escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, o princípio consagrado no enunciado art. 1273º quanto às benfeitorias necessárias “é o de que o possuidor, esteja de boa fé ou de má fé, goza do direito a ser indemnizado. É obrigado à indemnização do titular do direito. Evita-se, assim, mesmo em relação ao possuidor de má fé, um locuplemento injusto”. Tratando-se de benfeitorias úteis, “para evitar o locuplemento, mas, ao mesmo tempo, para evitar prejuízos ao titular do direito, admite-se que o possuidor, de boa ou má fé, levante essas benfeitorias, não havendo detrimento da coisa. (…). O detrimento refere-se à coisa e não às benfeitorias. Quanto a estas, a possibilidade de detrimento não tem relevância jurídica”. No “caso de ser impossível, dado o detrimento da coisa levantar as benfeitorias úteis, neste caso, o possuidor tem direito a uma indemnização, incumbindo-lhe o ónus de prova que do levantamento das benfeitorias resulta detrimento para a coisa. A indemnização é fixada, diz a lei, pelo valor das benfeitorias, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa” (7). E acrescentam que “… a lei confere ao possuidor o direito de ser indemnizado, segundo as regras do enriquecimento sem causa, das benfeitorias necessárias que haja realizado e ainda das benfeitorias úteis que não possam ser levantadas sem detrimento da coisa” (8). Destarte, aquele que em virtude de um contrato que venha a ser declarado nulo, anulado ou resolvido, tenha adquirido a posse real e efetiva sobre a coisa objeto desse contrato, isto é, que seja efetivo possuidor da coisa e que nela realize benfeitorias, quanto às benfeitorias necessárias, quer esteja de boa fé ou de má fé, tem sempre direito à indemnização a calcular de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, enquanto que em relação às benfeitorias úteis, tem apenas direito a levantá-las, salvo se alegar e provar (art. 342º, n.º 1 do CC) que não as pode levantar sem detrimento da coisa, devendo, neste caso, ser indemnizado, igualmente de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (9). Tratando-se de benfeitorias voluptuárias, “é muito diferente a situação do possuidor de boa fé da do de má fé. Enquanto que o primeiro pode levantá-las, não se dando detrimento da coisa, o segundo perde-as sempre em benefício do titular do direito. Havendo detrimento, o possuidor de boa fé não pode exigir qualquer indemnização” (10). Note-se que apesar dos arts. 1273º e 1275º do CC, regerem para o caso da realização de benfeitorias pelo efetivo possuidor da coisa, só sendo aplicável de modo direto, à posse propriamente dita, e não à mera detenção ou posse precária, sendo, por isso, nos termos do n.º 3 do art. 289º do CC, aplicáveis diretamente às benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias que sejam realizados pelo real e efetivo possuidor da coisa que tenha adquirido essa posse por via de contrato declarado nulo, anulado ou resolvido, este n.º 3 do art. 289º manda aplicar analogicamente o regime jurídico previsto nos mencionados arts. 1273º e 1275º aos possuidores em nome alheio, ou seja, aos meros detentores da coisa que tenham adquirido essa detenção por via de um contrato que venha a ser declarado nulo, anulado ou resolvido, como é o caso do aqui apelante, o qual, na qualidade de promitente comprador e no âmbito do contrato-promessa que veio a resolver validamente, adquiriu a detenção sobre o prédio objeto desse contrato-promessa da apelada (11). Posto isto, precise-se que o conceito de “benfeitorias” consta no n.º 1 do art. 216º do CC, que as define como “todas as despesas feitas para conservar a coisa”. Note-se que “benfeitorias” não se confundem com encargos, acessão, sequer com despesas de produção ou cultura. O conceito de benfeitorias abrange apenas as despesas naturais ou materiais e já não as jurídicas ou civis. A estas (impostos, juros, amortizações, etc.) cabe antes, na terminologia do Código, a designação corrente de encargos (12). Por sua vez para se distinguir “benfeitorias” de “acessão industrial”, a doutrina recorre frequentemente ao critério da relação do autor da obra com o bem: se se trata de alguém ligado à coisa por qualquer relação ou vínculo jurídico, estar-se-á perante uma benfeitoria, enquanto se se tratar de um estranho, de pessoa que não tem um contacto jurídico com o bem, trata-se de acessão (13). Acresce que se impõe distinguir entre benfeitorias e despesas de produção ou cultura. As benfeitorias visam a utilidade (permanente) da coisa. As despesas de produção ou cultura visam diretamente cada colheita, que se destinam a preparar e portanto um resultado transeunte (14). As benfeitorias, conforme resulta do que acima se disse e resulta expressamente do n.º 2 do art. 216º são classificadas como necessárias, úteis ou voluptuárias. Nos termos do n.º 3 do art. 216º são benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis, as que não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias, as que não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante. Assentes nas mencionadas premissas, como acima se deixou dito, tendo o apelante, na qualidade de promitente comprador, celebrado com a apelada (promitente vendedora), o contrato-promessa bilateral de compra e venda de fls. 10 e 11, mediante o qual a última lhe prometeu vender, e aquele lhe prometeu comprar, um terreno, com uma moradia construída, a ser nele edificada pela promitente-vendedora, a partir de março de 2018, o apelante passou a residir, mais o seu agregado familiar, nessa moradia, mediante autorização da apelada, com o que o apelante passou a ter a traditio do prédio objeto desse contrato-promessa e a ser detentor deste. Na qualidade de detentor, o apelante instalou na moradia, móveis de cozinha, feitos sob medida, no valor de 6.580,00 euros, com IVA incluído; um recuperador de calor, no valor de 699,00 euros; um esquentador e respetiva instalação, cujo custo ascendeu a 645,45 euros; tijoleira, colocada na garagem, custo de aquisição ascendeu a 770,00 euros; e quatro aparelhos de ar condicionado, de valor não concretamente apurado (cfr. ponto 13º dos factos apurados). A 1ª Instância considerou que o apelante resolveu validamente o contrato-promessa celebrado por carta de 05/07/2018 e este segmento da sentença recorrida, relembra-se, não foi colocado em crise pela apelada (que nem sequer interpôs recurso), pelo que se encontra transitado em julgado, sendo inatacável, sob pena de se violar o caso em julgado que cobre esse segmento. A propósito dos mencionados trabalhos efetuados pelo apelante durante o período de tempo em que teve a traditio do prédio, considerou a 1ª Instância que se tratava de benfeitorias, o que se subscreve, na medida em que esses trabalhos foram realizadas por quem – o apelante - se encontrava na detenção desse prédio, por via do acordo estabelecido com a promitente vendedora que lhe concedeu o uso sobre o último, no âmbito do contrato-promessa que tinham celebrado e na expectativa de que viesse a ser celebrado o contrato definitivo e, por isso, por quem se encontrava ligado ao prédio objeto do contrato-promessa por via desse vinculo jurídico (acordo) que celebrou com a apelada, concedendo-lhe o uso do mesmo e esses “trabalhos” visaram, e potenciaram, um aumento permanente desse prédio. Considerou a 1ª Instância que se tratava mais propriamente de “benfeitorias úteis”, o que igualmente merece a nossa total adesão, na medida em que os “trabalhos” realizados pelo apelante no prédio durante o período de tempo em que teve a detenção deste, não tiveram indiscutivelmente por escopo evitar a perda, destruição ou deterioração deste, não sendo indispensáveis para a sua conservação (não se tratando, por isso, de benfeitorias necessárias), mas destinaram-se a permitir que esse prédio fosse dotado de condições de habitabilidade (caso da instalação dos móveis de cozinha e do esquentador) e aumentar essas condições de habitabilidade (caso da instalação do recuperador de calor, da colocação da tijoleira na garagem e dos quatro aparelhos de ar condicionado), as quais indiscutivelmente aumentaram o valor do prédio objeto do contrato-promessa, tratando-se, por conseguinte, de benfeitorias úteis. O apelante realizou essas benfeitorias úteis no âmbito da traditio do prédio que lhe foi conferido pela apelada no âmbito do contrato-promessa celebrado, contrato esse que o apelante veio a resolver validamente, pelo que o apelante realizou-as enquanto detentor de boa fé do prédio (15). Como quer que seja, resolvido o contrato promessa celebrado entre apelante e apelado, o apelante, na qualidade de detentor de boa fé do prédio objeto desse contrato-promessa, em que realizou as mencionadas benfeitorias úteis, ainda que fosse detentor desse prédio de má fé (o que não é o caso), nos termos dos arts. 289º, n.º 3 e 1273º do CC, apenas tem direito a proceder ao levantamento dessas benfeitorias úteis, salvo se alegar e provar que esse levantamento não pode ser realizado sem detrimento, isto é, sem prejuízo do prédio, mais concretamente, da moradia onde as mesmas foram realizadas, situação em que terá de direito a ser indemnizado pelas mesmas de acordo com as regras do enriquecimento sem causa. Deste modo, o direito à indemnização pelas benfeitorias úteis realizadas pelo apelante no prédio está dependente da alegação e prova pelo mesmo em como essas benfeitorias que realizou durante a detenção do prédio não podem dele ser levantadas sem detrimento deste, salvo naturalmente nos casos em que esse facto revista a natureza de facto notório, em que por força do disposto nos arts. 5º, n.º 2, al. c) e 412º, n.º 1 do CPC, o apelante se encontra dispensado desse ónus de alegação e prova, uma vez que os factos notórios, isto é, aqueles que são do conhecimento geral, ou seja, os que sejam do conhecimento da massa dos cidadãos nacionais, regularmente informados, com acesso aos meios normais de informação, de modo que o facto aparece revestido dum caráter de certeza (16), não carecem de prova sequer de alegação. Note-se que o detrimento a que alude o art. 1273º do CC, refere-se à coisa detida pelo apelante em que este realizou às benfeitorias, ou seja, o “detrimento” ou prejuízo decorrente do levantamento das benfeitorias tem de se afirmar em relação à coisa em que estas foram realizadas, ou seja, no caso, à moradia em que o apelante as realizou e não em relação às benfeitorias, isto é, aos móveis de cozinha, recuperador de calor, esquentador e respetiva instalação, tijoleira colocada na garagem e quatro aparelhos de ar condicionado instalados, uma vez que se estes puderem ser levantados pelo apelante sem prejuízo para a moradia, mesmo que sejam danificados em consequência do respetivo levantamento da moradia ou não possam ser reaproveitados pelo apelante, tal facto é totalmente irrelevante, não tendo relevância jurídica, não conferindo ao apelante o direito a ser indemnizado pela apelada de acordo com as regras do enriquecimento sem causa. Destarte, apenas nos casos em que se verifique que os identificados móveis da cozinha feitos à medida para a moradia objeto do contrato-promessa, onde foram instalados, o recuperador de calor, o esquentador e respetiva instalação, a tijoleira colocada na garagem e os quatro aparelhos de ar condicionado instalados pelo apelante nessa moradia não podem ser levantados desta sem detrimento, isto é, sem prejuízo da própria moradia, é que assiste ao apelante o direito a ser indemnizado pelas mesmas de acordo com as regras do enriquecimento sem causa. Verificado que seja que essas benfeitorias úteis realizadas pelo apelante na moradia podem dela serem levantadas sem detrimento desta, ainda que o apelante as tenha deixado nesta quando a entregou ao apelante, contrariamente ao que parece ser o entendimento do apelante sufragado nas suas alegações de recurso, o mesmo não pode arrogar-se titular de qualquer direito a ser indemnizado pela apelada pelo valor destas, designadamente, por apelo às regras da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (salvo, naturalmente, caso as pretenda levantar e seja impedido de o fazer pela apelada – o que não está em causa nos presentes autos) ou por apelo a outro instituto jurídico quaisquer, incluindo o do enriquecimento sem causa, uma vez que a lei, mais concretamente, os arts. 289º, n.º 3 e 1273º do CC, como institutos jurídicos especiais que são, afastam, no caso, a aplicação de outros institutos jurídicos, limitando a indemnização devida ao apelante, e impondo que essa indemnização seja determinada segundo as regras do enriquecimento sem causa (e não de acordo com as previstas nos arts. 562º e segs. do CC), aos casos em que essas benfeitorias úteis não possam ser levantadas da moradia sem prejuízo desta. O ónus da alegação e da prova de que as benfeitorias em causa não podem ser levantadas da moradia sem detrimento desta, como facto constitutivo do direito à indemnização a que o apelante se arroga titular perante a apelada, pertence naturalmente, de acordo com as regras do ónus da prova enunciadas no n.º 1 do art. 342º do CC, ao apelante. No entanto, nos casos em que esse facto seja notório, como também já referido, o apelante encontra-se desonerado desse ónus alegatório e probatório, porquanto, reafirma-se, nos termos dos arts. 5º, n.º 2, al. c) e 412º, n.º 2 do CPC, os factos notórios não carecem de prova, sequer de alegação, no que dissentimos da sentença recorrida, quando nela se escreve que “o Autor não provou que os móveis da cozinha não fossem por si aproveitáveis e nada alegou e provou a propósito da insusceptibilidade de levantamento do recuperador de calor, esquentador, tijoleira da garagem e aparelhos de ar condicionado”. Com efeito, para efeitos da indemnização reconhecida pelo art. 1273º do CC, é totalmente irrelevante que os móveis de cozinha instalados pelo apelante na moradia tivessem sido feitos sob medida da cozinha (conforme o foram – ponto 13º dos factos provados) e possam ou não ser aplicados pelo último noutro local (o que o apelante efetivamente não provou – al. f) dos factos não provados), posto que o que releva é se independentemente disso, esses móveis de cozinha podem ser levantados pelo apelante da moradia em que os instalou sem detrimento, ou seja, em prejuízo dessa moradia, isto é, sofrendo a moradia estragos/danos em consequência direta e necessária desse levantamento. O que se acaba de dizer em relação aos móveis de cozinha é igualmente válido (tal como considerado pela 1ª Instância na sentença sob sindicância) quanto ao recuperador do calor, esquentador e respetiva instalação, tijoleira colocada na garagem e os quatro aparelhos de ar condicionado. No entanto, diferentemente do ponderado nessa sentença pela 1ª Instância, prefigura-se que é facto notório, que os móveis de cozinha, o recuperador de calor, o esquentador e respetiva instalação e os quatro aparelhos de ar condicionado, podem ser levantados da moradia sem lhe causar, como consequência direta e necessária desse levantamento, danos, facto esse que, por conseguinte, não carece de alegação e prova, mas antes resulta das regras da experiência comum de todo e qualquer cidadão, com um mínimo de experiência e de senso que essas benfeitorias podem ser levantadas sem detrimento da moradia. Com efeito, os móveis de cozinha são instalados na moradia mediante o poisar desses móveis no solo da cozinha e no caso de existência de móveis superiores, suspensos, mediante a fixação destes às paredes da cozinha, por parafusos, bastando, pois, levantar os móveis do solo e desaparafusar os parafusos que prendem os móveis superiores, suspensos no ar, à parede, para os levantar da moradia. Quanto ao recuperador de calor, bastará tirar o tubo de exaustão fixado ao tubo da moradia destinado a conduzir os gases à chaminé e levantar o recuperador do calor do local onde este foi instalado na moradia. Quanto ao esquentador e respetiva instalação, é do conhecimento geral que ou esse esquentador tem dimensões que o levam a pousar no chão, ou, como é regra, é fixado, mediante parafusos, à parede da moradia, no local existente nesta, destinado à instalação do esquentador, onde já se encontra a instalação de energia elétrica e de abastecimento de água, processando-se a instalação do esquentador pela ligação do fio de abastecimento elétrica do esquentador a esse ponto de eletricidade, existente no local, e mediante a ligação dos tubos de abastecimento de água do esquentador aos pontos de água existentes no local, pelo que basta desaparafusar esses tubos e fio de eletricidade desses locais e desaparafusar o esquentador da parede (caso seja do tipo fixado à parede da moradia) para proceder ao respetivo levantamento desta. O que se acaba de dizer em relação ao esquentador é igualmente válido em relação aos quatro aparelhos de ar condicionado. Logo, salvo casos muito excecionais (que o apelante não cuidou em alegar e provar, conforme era seu ónus fazer, por forma a fazer prova do direito indemnizatório a que se arroga titular perante a apelada), os móveis de cozinha, o recuperador de calor, o esquentador e respetiva instalação e os quatro aparelhos de ar condicionado são notoriamente benfeitorias úteis efetuadas pelo apelante na moradia, mas que podem dela ser levantadas sem prejuízo da moradia onde foram instalados, pelo que não conferem, nos termos do art. 289º, n.º 3 ex vi art. 1273º do CC, qualquer direito ao apelante de por elas ser indemnizado, independentemente de as ter deixado na moradia quando a entregou à apelada, na sequência da resolução válida do contrato-promessa celebrado e de as poder ou não reaproveitar noutro local. Decorre do que se vem dizendo, que ao concluir pela improcedência do pedido indemnizatório quanto a essas concretas benfeitorias, a 1ª Instância não incorreu nos erros de direito que o apelante assaca à sentença recorrida, impondo-se a respetiva confirmação, embora por fundamentos não totalmente coincidentes dos nela sufragados pela 1ª Instância. Resta a questão da tijoleira colocada na garagem da moradia pelo apelante, no que despendeu 770,00 euros na aquisição dessa tijoleira (cfr. ponto 13º dos factos provados). É facto notório que a tijoleira é fixada ao chão da moradia mediante cimento cola. Para o efeito, o chão da moradia tem de estar cimentado, sendo a tijoleira fixada a esse chão com cimento cola. Deste modo, o levantamento da tijoleira do chão da garagem da moradia onde foi afixada apenas é viável mediante a utilização de um instrumento denominado de “ponteiro” ou “talhadeira”, apontado à tijoleira e mediante a utilização de uma marreta, batendo sob a parte superior desse “ponteiro” ou “talheira”, até a tijoleira se desprender do chão em cimento da moradia em que foi colada com cimento cola. Essa operação leva não só à inutilização da própria tijoleira (inutilização essa irrelevante para efeitos do direito indemnizatório), mas também do próprio chão em cimento da garagem, ao qual a tijoleira foi colada com cimento cola (esta já relevante para esses efeitos). Isto é, face ao que se acaba de dizer, que é do conhecimento geral, bastando para o efeito assistir a uma obra de construção civil (e quem já não assistiu, designadamente, em obras de remodelação realizadas nas casas em que se habita), é facto notório, não carecendo por isso, de alegação, sequer de prova que o levantamento da tijoleira aplicada no chão da garagem, não pode ser levantado deste, sem prejuízo do próprio chão da garagem ao qual foi colada. Porque assim é, salvo o devido respeito por entendimento contrário, nos termos do disposto no art. 289º, n.º 3 ex vi art. 1273º do CC, diversamente do decidido pela 1ª Instância, entendemos que o apelante tem direito de ser indemnizado pela benfeitoria útil que realizou na moradia e que consistiu na colocação da tijoleira na garagem da moradia e cujo custo de aquisição ascendeu a 770,00 euros. Nos termos do n.º 2 do at. 1273º a indemnização que assiste ao apelante receber da apelada deverá ser calculada de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, isto é, de acordo com o disposto nos arts. 479º e 480º do CC, nos termos dos quais, por referência à data da receção da carta resolutiva do contrato promessa celebrado (al. b) do art. 480º do CC), essa indemnização obedece a dois limites, a saber: a) a apelada encontra-se obrigada a restituir todo o objeto com que efetivamente se encontra enriquecida, uma vez que a obrigação de restituir a que se referem os artigos 473º e segs. do CC não visa reparar o dano do apelante, fim esse que é prosseguido pelo instituto da responsabilidade civil, mas apenas o de suprimir ou eliminar o enriquecimento de alguém à custa de outrem; b) e o objeto da obrigação de restituir deve compreender tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido. Neste sentido ponderam Pires de Lima e Antunes Varela, sustentando que conferindo a lei ao possuidor ou detentor de boa fé ou de má fé “o direito a ser indemnizador, segundo as regras do enriquecimento sem causa, das benfeitorias necessárias que haja realizado e ainda das benfeitorias úteis que não possam ser levantadas sem detrimento da coisa (art. 1273º)”, esses dois limites funcionam da seguinte maneira: “as benfeitorias podem valer menos do que aquilo que o possuidor despendeu para as realizar e pode verificar-se também a hipótese inversa. Se, por exemplo, as benfeitorias custaram 200 e apenas valorizaram a coisa em 100, a obrigação de restituir não excederá o montante de 100, por ser este o valor com que o proprietário se enriquece à custa do possuidor. Se, ao invés, as benfeitorias custaram 100 e valorizaram a coisa em 200, o montante da restituição será igualmente de 100, visto ser esse o valor com que o proprietário normalmente se enriquecerá à custa do possuidor. A diferença entre o custo das benfeitorias e o valor que elas acrescentaram à coisa possuída resultará, em regra, de fatores (localização, natureza, qualidade da coisa) que pertencem mais ao proprietário do que ao possuidor, segundo a ordenação jurídico-económica dos bens” (17). Tal significa que no caso dos autos, o montante da indemnização devido pela apelada ao apelante, pelas benfeitorias úteis que este realizou na moradia objeto do contrato-promessa de compra e venda validamente resolvido, consistente na colocação da tijoleira na garagem da moradia, terá por referência o enriquecimento da apelada, em detrimento do apelante, verificado pela mais valia (enriquecimento) que a realização dessas obras incrementaram no valor do prédio objeto desse contrato-promessa à data em que este foi validamente resolvido pelo apelante, ou seja, tratando-se a resolução de um ato recetivo, que opera a resolução do contrato-promessa mal a carta de 05/07/2008 (cfr. ponto 9º dos factos provados) chegou ao poder da apelada (arts. 224º, 432º, n.º 1, 433º, 436º, n.º 1, 479º, n.º 2 e 480º, al. b) do CC), a indemnização corresponderá ao incrementada do valor do prédio em consequência da realização dessas benfeitorias úteis (colocação da tijoleira na garagem da moradia), à data da receção da carta pela apelada a que se alude no ponto 9º dos factos provados, mas nunca poderá exceder a quantia de 770,00 euros, que o apelante despendeu na realização dessas benfeitorias. Destarte, verificando-se que as obras realizadas na moradia, consistentes na colocação da tijoleira da garagem, incrementaram necessariamente o valor do prédio objeto do contrato-promessa, à data em que este foi validamente resolvido, mas desconhecendo-se esse quantum valorativo do prédio determinado por essa benfeitoria, nos termos do art. 609º, n.º 2 do CPC, impõe-se relegar para incidente de liquidação o apuramento do quantum indemnizatório devido ao apelante pela apelada, indemnização essa que corresponderá ao valor do incremento do valor do prédio objeto do contrato-promessa que a colocação da tijoleira na garagem determinou, à data da receção da carta pela apelada a que se alude no ponto 9º dos factos provados, em que o apelante resolveu validamente esse contrato-promessa, mas nunca poderá exceder a quantia de 770,00 euros, que o último despendeu na realização dessa benfeitoria. Resulta do que se vem dizendo, proceder parcialmente a presente apelação, impondo-se revogar a sentença recorrida, na parte em que absolveu a apelada da totalidade do pedido indemnizatório formulado pelo apelante, em que este pretendia obter a condenação da apelada a pagar-lhe a quantia de 10.194,45 euros, a título de benfeitorias realizadas no prédio objeto do contrato-promessa, e substitui-la pela condenação da apelada a pagar ao apelante, uma indemnização, cujo quantum se relega para incidente de liquidação, correspondente ao valor do incremento do prédio objeto do contrato-promessa que a colocação da tijoleira na garagem determinou no incremento do valor do prédio, à data da receção da carta pela apelada a que alude o ponto 9º dos factos provados, em que o apelante resolveu validamente esse contrato-promessa, mas que nunca poderá exceder a quantia de 770,00 euros, que o apelante despendeu na realização dessas benfeitorias, confirmando-se no mais, o decidido na sentença. * Decisão:* Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a presente apelação e, em consequência: - revogam a sentença recorrida, na parte em que absolve a apelada da totalidade do pedido indemnizatório formulado pelo apelante, em que este pretende obter a condenação da apelada a pagar-lhe a quantia de 10.194,45 euros, a título de benfeitorias realizadas no prédio objeto do contrato-promessa e substituem-na pela condenação da apelada a pagar ao apelante uma indemnização, cujo quantum relegam para incidente de liquidação, correspondente ao valor do incremento do valor do prédio objeto do contrato-promessa que a colocação da tijoleira na garagem determinou no valor desse prédio, à data da receção da carta pela apelada a que alude o ponto 9º dos factos provados, em que o apelante resolveu validamente esse contrato-promessa, mas que nunca poderá exceder a quantia de 770,00 euros, que o apelante despendeu na realização dessas benfeitorias; - no mais, confirmam o decidido na sentença recorrida. * Custas por apelante e apelado na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 95% para o apelante e em 5% para a apelada (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).* Notifique.* Guimarães, 22 de outubro de 2020 Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores: Dr. José Alberto Moreira Dias (relator) Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto) Dr. José Manuel Alves Flores (2º Adjunto) 1. cfr. art. 147º do CPC, onde se define “articulado” como “as peças em que as partes expõem os fundamentos da ação e da defesa e formulam os pedidos correspondentes”, isto é, são articulados a petição inicial, a contestação, a réplica e o articulado superveniente, mas já não as restantes peças escritas, nomeadamente, a ampliação do pedido. Neste sentido Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, págs. 241 a 243. 2. Ac. STJ. de 10/07/2008, Proc. 08A49, in base de dados da DGSI. 3. Acs. RG. de 19/02/2015, Proc. 1123/06.8TBEPS.G1; RE de 03/11/2016, Proc. 1294/13.7TBLGS.E1; RL. de23/06/2009, Proc. 881/06.4TBPDL.L1-1, in base de dados da DGSI. 4. Antunes Varela, in RLJ, ano 128º, pág. 146. 5. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, 2ª ed., Coimbra Editora, págs. 6 e 7, onde ponderam: “São concebíveis, todavia, situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excecionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse. Suponha-se, por exemplo, que havendo sido paga já a totalidade do preço ou que, não tendo as partes o propósito de realizar o contrato definitivo (a fim de, v.g., evitar o pagamento da sisa ou precludir o exercício de um direito de preferência), a coisa é entregue ao promitente-comprador como se sua fosse já e que, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos atos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade. Tais atos não são realizados em nome do promitente-vendedor, mas sim em nome próprio, com a intenção de exercer sobre a coisa um verdadeiro direito real. O promitente-comprador atua, aqui, uti dominus, não havendo, por conseguinte, qualquer razão para lhe negar o acesso aos meios de tutela da posse”. No mesmo sentido Acs. STJ. 11/03/1999, BMJ, 485º, pág. 404; de 09/09/2008, Proc. 08A1988, in base de dados da DGSI; RL. 22/02/2005, CJ, t. 1ª, pág.120. 6. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 6. 7. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 42. 8. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 467. 9. Acs. RC. de 28/06/2016, Proc. 280/13.1TCND.C1; RL. de 20/10/2010, Proc. 1537/09.1YRLSB-7 in base de dados da DGSI. 10. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 45 e 46. 11. Ac. STJ. de 10/07/2008, Proc. 08A249, in base de dados da DGSI; Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., vol. III, pág. 44. 12. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., vol. I, pág. 208. 13. Ana Prata, “Dicionário Jurídico”, vol. I, 5ª ed., Almedina, pág. 209, Acs. STJ. de12/10/2004, CJ/STJ. t. 3º, pág. 59; RL. de 26/11/1998, CJ., t. 5º, pág. 105. 14. M. Brito, “Código Civil Anotado”, 1º, pág. 238. 15. Ac. RC, de 23/03/2011, CJ, 2011m t. 1º, pág. 44. 16. Acs. STJ. de 25/10/2005, CJ/STJ, 2005, t. 3º, pág. 91 e 18/05/2006, Proc. 06B1644, in base de dados da DGSI. 17. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 466 e 467; Acs. STJ. de 08/11/2012, Proc. 2286/04.2TBFIG; 10/01/2013, Proc. 1346/10.5TBTMR.G1; de 17/11/2015, Proc. 480/11.9TBMCN.P1.S1; RC. de 20/10/2015, Proc. 1444/10.5TBCBR.C1, in base de dados da DGSI. |