Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3403/22.6T9BRG.G1
Relator: CARLOS DA CUNHA COUTINHO
Descritores: CARTA DE CONDUÇÃO CADUCADA
TÍTULOS CONDUÇÃO EMITIDOS POR ESTADOS-MEMBROS DA COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/31/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- A condução de veículo automóvel na via pública por condutor, cidadão estrangeiro natural de um país de língua oficial portuguesa e titular de carta de condução aí emitida, mas com o respectivo prazo de validade ultrapassado, integra apenas a prática de uma contra-ordenação, sancionada com coima pelo artigo 125.º, n.º 8 do Código da Estrada;
II- Na verdade, com a nova redacção do artigo 125.º do Código da Estrada, operada com a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 46/2022, de 12/7, quis o legislador, afastar a tipicidade da conduta prevista no artigo 3.º, n.º 1 e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, a casos, como o dos autos, em que o condutor é possuidor de título de condução com prazo de validade ultrapassado.
III- Como se escreve no preâmbulo do Decreto-Lei nº 46/2022, foi intenção do legislador, “reforçar e melhorar a mobilidade entre cidadãos de Estados-Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”, alterando-se o Código da Estrada e promovendo-se “a dispensa das trocas de cartas de condução, habilitando-se a condução no território nacional com títulos emitidos naqueles Estados, através do reconhecimento dos títulos de condução estrangeiros”.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

A) Relatório:

1) No Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., foi proferido Despacho, datado de 18/04/2023 que rejeitou o requerimento do Ministério Público para aplicação de pena em processo sumaríssimo, ao arguido AA, ao abrigo do disposto nos artigos 395.º, n. º1, b) e 311.º n.º 3 d) do Código de Processo Penal.
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2) Inconformado com esta decisão, da mesma interpôs o Ministério Público o presente recurso, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
1. No âmbito dos presentes autos, o Ministério Público deduziu acusação em processo especial sumaríssimo requerendo a aplicação de sanção a AA pela prática em .../.../22, cerca das 05h53m, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, nº 2, do D.L. nº 2/98, de 03/01, por referência aos artigos 121.º e 122.º, 125.º e 128.º, todos do Código da Estrada, pelo facto do arguido, cidadão de nacionalidade brasileira, ter conduzido o veiculo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-JN, na via pública no passado dia .../.../22 com a carteira nacional de habilitação (CNH) emitida pela República Federativa do Brasil caducada desde 21.01.2021;
2. Só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito;
3. O crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, nº2 do DL nº 2/98, de 03.01 apresenta-se como um crime de perigo abstracto, que tutela a segurança rodoviária e tem como elementos do tipo: A condução na via pública ou equiparada; A inexistência de título legítimo que habilite o condutor a exercer a condução de veículo (artigos 121º e 122º, nº 1 do Código da Estrada); e o dolo (elemento subjectivo do tipo).
4. Dispõe ainda o artigo 125.º do Código da Estrada que além da carta de condução são títulos habilitantes para a condução de veículos a motor os títulos de condução emitidos por Estado estrangeiro em conformidade com o anexo n.º 9 da Convenção Internacional de Genebra, de 19 de setembro de 1949, sobre circulação rodoviária, ou com o anexo n.º 6 da Convenção Internacional de Viena, de 8 de novembro de 1968, sobre circulação rodoviária e Títulos de condução emitidos por Estado estrangeiro, desde que em condições de reciprocidade.
5. A República Federativa do Brasil e a República Portuguesa subscreveram a Convenção de Viena de 1968 sobre circulação rodoviária e, também, pelo Despacho nº 10.942/2000 (publicado em Diário da República, 2ª Série, de 27/05/2000) o Estado Português reconheceu os documentos brasileiros equivalentes às cartas de condução (“Carteira Nacional de Habilitação” brasileira) fazendo depender a possibilidade de condução em território nacional à validade do titulo de condução.
6. Donde se conclui - a contrario - que as que tenham o prazo de validade ultrapassado não habilitam ao exercício dessa condução.
7. A validade de título de condução estrangeiro ao abrigo do artigo 125.º do Código da Estrada, é um pressuposto para que os seus titulares possam conduzir em Portugal sem restrições durante determinado período (185 dias após a entrada em território nacional) ou até adquirirem residência.
8. Tal conclusão resulta da leitura do artigo 41.º, n.º 2 da Convenção de Viena sobre a Circulação Rodoviária, celebrada em Viena em 8 de Novembro de 1968, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 107/2010, a que o Brasil aderiu.
9. A isto acresce a leitura conjugada dos artigos 125.º, n.ºs 3 e n.º 8 do Código da Estrada e 13.º e 14.º do Regulamento da Habilitação legal para conduzir, onde também o pressuposto da validade surge expresso como condição para a troca e substituição do titulo de condução estrangeiro.
10. O título de condução emitido por Estado estrangeiro, que tenha habilitado o seu portador à condução de veículos em Portugal, nos termos do estabelecido no artigo 125º, nº 1, alíneas c) e d), do Código da Estrada, uma vez ultrapassado o respectivo prazo de validade, deixa de ser passível de substituição por carta de condução portuguesa ou sequer de permitir a emissão a partir dele de um documento desta natureza, razão pela qual não pode permitir-se a equiparação do título de condução nacional ao estrangeiro, para os efeitos pretendidos pelo tribunal, quando o próprio legislador ordinário faz a distinção.
11. Assim, o regime de caducidade e cancelamento previsto nos n.ºs 1 a 6 do artigo 130.º do Código da Estrada só se aplica aos títulos de condução emitidos pelo Estado Português, pelo que a coima cominada no n.º7 do mesmo artigo é também privativa dessa categoria de títulos.
12. Não se afigura estarmos perante qualquer violação do princípio da igualdade desde logo porque, a emissão dos documentos que habilitam à condução de veículos e a definição dos pressupostos da sua atribuição, revalidação, troca ou substituição, no território em que se exerce a soberania de determinado Estado, tem sido, de um modo geral, apanágio desse mesmo Estado que dá amplitude ao legislador ordinário para optar por uma maior ou menor aproximação entre os títulos nacionais e estrangeiros.
13. Pelo exposto, o arguido AA foi acusado em processo especial sumaríssimo porquanto a sua conduta integra a prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 03/01 e não a contraordenação prevista no artigo 130.º, nº7 do Código da Estrada.
14. Impõe-se, assim, por conseguinte, a revogação do despacho de rejeição do requerimento do Ministério Público proferido em 18.04.2023 pelo Tribunal a quo e a substituição por outro que admita o requerimento do Ministério Público e ordene a notificação do arguido nos termos e para os efeitos do artigo 396.º do Código de Processo Penal;
15. O despacho recorrido violou o disposto nos artigos 3.º, nº 2, do D.L. nº 2/98, de 03/01, por referência aos artigos 121.º e 122.º, 125.º, 128.º e 130.º, todos do Código da Estrada.
16. Assim não se entendendo, sempre deveriam os autos ter sido reenviados para julgamento sob a forma comum, não existindo qualquer fundamento para a rejeição liminar do requerimento do Ministério Público, porque é controvertida na jurisprudência a questão em apreço.
17. A irrelevância penal dos factos imputados ao arguido, conducente à rejeição da acusação nos termos do artigo 311.º, n.º 2, al. a), e n.º 3, al. d), do CPP, tem de ser manifesta, indiscutível, evidente, inequívoca, não bastando que seja meramente discutível e discutida por uma das várias correntes seguidas pela jurisprudência.
18. Pelo exposto e com os fundamentos expendidos, deve a decisão recorrida ser revogada.

O recorrente termina pedindo que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se o despacho do Mmo. Juiz do Tribunal a quo, substituindo-o por outro e que admita o requerimento do Ministério Público e dê cumprimento ao disposto no artigo 396.º do Código de Processo Penal ou, assim não se entendendo, que remeta os autos para julgamento em processo comum.
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3) Notificado do requerimento de interposição de recurso o arguido respondeu ao recurso interposto pelo Ministério público, pugnando pela sua improcedência e confirmação da decisão recorrida, concluindo que:

1. Não merece qualquer censura a douta decisão do tribunal a quo, a qual é integralmente acertada e, por isso, deverá ser confirmada.
2. O Arguido era, à data dos factos, portador de Carteira Nacional de Habilitação emitida pela República Federativa do Brasil.
3. Sendo que tanto a República Federativa do Brasil como a República Portuguesa subscreveram a Convenção de Viena de 1968 sobre a circulação rodoviária.
4. A República Federativa do Brasil integra a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
5. A Carteira Nacional de Habilitação que o Arguido possuía era um documento equivalente à carta de condução portuguesa e, por isso, um título habilitante para o exercício da condução em território português, conforme estipulam os artigos 121.º e 125.º do Código da Estrada, a contrario, do art.º 3.º n.º 1 do DL n.º 2/98, de 03/01.
6. Aplica-se ao Arguido o princípio da aplicação do regime mais favorável, a Carteira Nacional de Habilitação do Arguido é um título habilitante para o exercício da condução em território nacional uma vez que foi emitida pela República Federativa do Brasil, tendo em conta que o Brasil integra a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), nos termos do que estipula a atual redação do art.º 125.º, n.º 1, alínea c) do Código da Estrada.
7. Não pode a alegação de que o Arguido praticou a alegada contraordenação prevista no art.º 125.º, n.º 8 do Código da Estrada ser acolhida por este douto Tribunal como integradora dos elementos da prática do crime.
8. O facto de a Carteira Nacional de Habilitação do arguido se encontrar sem validade à data dos factos, há pouco mais de 1 ano, acarreta a mera caducidade do mesmo, o que constitui a alegada contraordenação, conforme estatuído no n.º 7 do art.º 130º do Código da Estrada, na redação em vigor à data dos factos.
9. Apenas os titulares de título de condução cancelados se consideram, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido (art.130.º n.º 5 do Código da Estrada).
10. O título de condução é cancelado quando tenha caducado há mais de cinco anos sem que tenha sido revalidado e o titular não seja portador de idêntico documento de condução válido (art.º 130º n.º 3 al d) e n.º 5 do Código da Estrada, na redação em vigor à data dos factos).
11. O título de condução do Arguido não se encontrava cancelado, não tendo o Arguido praticado o crime de condução sem habilitação legal.
12. O art.º 130.º do Código da Estrada não faz qualquer distinção entre títulos de condução portugueses ou estrangeiros, pelo que, ao contrário daquele que é o entendimento do Ministério Público, que não acompanhamos, sempre se terá que dizer que a referida norma é aplicável quer aos títulos de condução nacionais quer aos títulos de condução emitidos por Estados Estrangeiros.
13. Sendo a referida norma, em cumprimento do princípio da igualdade, aplicável aos quer aos títulos de condução nacionais quer aos títulos de condução emitidos por Estado Estrangeiro.
14. Aliás, o Código da Estrada ao estabelecer que o título emitido por entidade brasileira habilita o Arguido a conduzir em território nacional, todas as restantes normas daquele diploma legal, na sua plena amplitude, passam a ser obrigações, deveres e direitos extensíveis ao Arguido, não existindo qualquer razão válida para que assim não seja no que diz respeito ao art.º 130.º do Código da Estrada.
15. O alegado comportamento do Autor não integra a prática de qualquer crime, pelo que, bem decidiu o Tribunal a quo ao rejeitar, por despacho, o requerimento do Ministério Público e ordenar o arquivamento dos autos.
16. Contrariamente ao invocado no recurso do MP, o tribunal a quo aplicou devidamente o estipulado nos artigos 125.º e 130.º do Código da Estrada e nos artigos 311.º e 395.º do Código de Processo Penal, bem como cumpriu os princípios da igualdade e da aplicação da lei mais favorável ao Arguido.
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4) O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416.º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Senhor Procurador – Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que receba a acusação, designando-se data para a realização da audiência.
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5) Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido apresentou resposta, pedindo que o despacho objeto de recurso seja confirmado na íntegra, “negando-se provimento ao recurso interposto”.
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6) Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
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Cumpre apreciar e decidir.
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B) Fundamentação:

1. Âmbito do recurso e questões a decidir:

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, face ao disposto no artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que estabelece que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”; são, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (identificação de vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, pela simples leitura do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2, e 410.º, nº 3, do mesmo diploma legal). O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113; bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, n.º 7/95, de 19/10/1995, publicado no DR 1ª série, de 28/12/1995; e ainda, entre muitos, os Acórdãos do STJ de 11/07/2019, consultados em www.dgsi.pt; de 25.06.1998, in BMJ 478, pág. 242; de 03/02/1999, in BMJ 484, pág. 271; de 28/04/1999, in Coletânea de Jurisprudência, acórdãos do STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 193.
Acresce que da conjugação das normas constantes dos artigos 368.º e 369.º, por remissão do artigo 424.º, n.º 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objeto do recurso pela ordem seguinte:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pelos vícios enumerados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a que se segue impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art.º 412.º, do mesmo diploma;
Por último, as questões relativas à matéria de Direito.
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2. No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentadas pelo Ministério Público, a questão a decidir é a seguinte:
- Existe ou não fundamento para julgar o requerimento do Ministério Público para aplicação de pena em processo sumaríssimo, manifestamente infundado com o consequente arquivamento do processo?
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3. O Despacho recorrido:
Naquilo em que a mesma releva para o conhecimento do objeto do recurso, é o seguinte o teor do despacho impugnado:
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O tribunal é material, funcional e territorialmente competente.
Não há nulidades, excepções ou questões prévias que cumpra conhecer.
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Nos termos do disposto no art.º 395º nº1 al. b) do CPP, o tribunal rejeita o requerimento do Ministério Público para aplicação de pena em processo sumaríssimo quando o requerimento for manifestamente infundado, nos termos do disposto no nº3 do artigo 311º do CPP.
Para efeitos do disposto naquele preceito, considera-se a acusação manifestamente infundada se, entre outras circunstâncias, os factos nela descritos não constituírem crime (art.º 311º, n.º 3, al. d ) do C.P.P. ).
Pois bem.
O Ministério Público deduziu acusação, em processo sumaríssimo, contra o arguido AA, imputando-lhe a prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º nº2 do DL nº 2/98, de 3/01.
Para tanto, alegou, em síntese, que o arguido AA, no dia .../.../22, cerca das 05h53m, na Av. ..., ..., ..., conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-JN, com a carteira nacional de habilitação (CNH) emitida pela República Federativa do Brasil caducada desde 21.01.2021.
Ora, o Despacho n.º ...00, publicado na 2ª série do Diário da República, em 27.05.2000, veio reconhecer que "As carteiras nacionais de habilitação brasileiras (CNH) que se apresentem dentro do seu prazo de validade habilitam à condução de veículos em território nacional, ao abrigo da alínea e) do nº 1 do artigo 125º do Código da Estrada".
Tal despacho remete para a al. e) do nº 1 do 125º do CE, mas tal remissão deve ser reportada à redacção do CE vigente ao tempo da sua publicação. O conteúdo normativo da al. e) do nº 1 do 125º do CE, na antiga redacção, corresponde, no essencial, ao da al. d) do texto actualmente em vigor.
Por outro lado, tanto a República Federativa do Brasil como a República Portuguesa subscreveram     a     Convenção     de     Viena     de     1968     sobre     circulação     rodoviária. Em face do exposto, podemos concluir que o documento emitido pelo Estado Brasileiro de que o arguido era titular ao tempo dos factos por que responde integra o universo de títulos de condução definido pelas als. c) e d) do nº 1 do artº 125º do CE.
Assim sendo, desde que fosse válido dúvidas não existem que habilitava o arguido a conduzir em território nacional.
Sucede que tal título caducara a 21 de Janeiro de 2021, ou seja, pouco mais de um ano antes da data dos factos.
A questão que ora se coloca é a de saber se um arguido que conduz na via pública um veículo e é titular de carta de condução brasileira que caducara há menos de dez anos comete um crime de condução sem habilitação legal ou apenas a contra-ordenação p. e p. pelo artº 130º nº7 do Código da Estrada.
Aqui, a jurisprudência diverge.
Nos termos do Ac. RE de 7/01/2016, in www.dgsi.pt, “O título de condução emitido por Estado estrangeiro, que tenha habilitado o seu portador à condução de veículos em Portugal, ao abrigo do disposto nas als. c) e d) do nº 1 do art. 125.º do Código da Estrada, uma vez ultrapassado o respectivo prazo de validade, deixa irremediavelmente de ser passível de substituição por carta de condução portuguesa ou sequer, a emissão a partir dele de um documento desta natureza, sem necessidade de aguardar o prazo de 5 anos previsto, referido na al. d) do nº3 do artº 130º do referido diploma legal.
O regime de caducidade e cancelamento previsto nos n.ºs 1 a 6 do artigo 130.º do Código da Estrada só se aplica aos títulos de condução emitidos pelo Estado Português, pelo que a coima cominada no nº7 do mesmo artigo é também privativa dessa categoria de títulos.
A detenção pelo arguido, aquando da prática dos factos por que responde, de um título de condução brasileiro, caducado há menos de cinco anos, é inócua para o efeito de afastar a tipicidade do art. 3.º do DL nº2/98, de 3 de Janeiro.”
Não perfilhamos esta posição, a qual, na nossa perspectiva, é violadora do princípio de igualdade, tanto mais que o nº 7 do artº 130º do Código da Estrada é claro e não distingue tais situações, não cabendo ao intérprete fazê-lo.
Na verdade, como se decidiu no Ac. RC de 15/05/2013, in www.dgsi.pt, “A definição do conceito de falta de habilitação com relevância criminal emerge directamente do citado art. 130º do C.E.: título cancelado por decorridos mais de 5 anos do prazo de renovação – crime. Passando o título caducado há menos de 5 anos a constituir mera contra-ordenação (n.º7).
Salvo o devido respeito por entendimento contrário, afigura-se que o princípio da legalidade e da tipicidade da responsabilidade criminal impõe o entendimento de que, sendo o título válido/reconhecido em Portugal e estando caducado há menos de 5 anos, deve ser subsumido ao nº 7, como impõe a letra, clara, do preceito.
Independentemente da forma, requisitos, procedimento administrativo para a sua substituição.
Se o título emitido pela Venezuela é reconhecido em Portugal por efeito de convenção internacional vinculativa de ambos os Estados, daí têm que ser retiradas todas as consequências inerentes a tal reconhecimento.
Aliás, ainda que o título não pudesse ser revalidado, em Portugal (por caducado), nada impedia que fosse revalidado no país de origem, e substituído em Portugal dentro do aludido prazo de 5 anos.
Se a lei não distingue não cabe ao intérprete fazê-lo - ubi lex non distinguet nec nos distinguire debemus.
Assim (…), sendo o título em causa reconhecido em Portugal e estando caducado há menos de 5 anos, deve improceder a acusação pelo crime, por a conduta ter passado a ser sancionada como mera contra-ordenação.”
Note-se que agora e face à actual redacção do artº 130º nº3 al. d) do Código da Estrada, o prazo de caducidade a considerar não é de cinco anos, mas de dez anos.
Em suma: os factos imputados ao arguido AA não consubstanciam a prática de qualquer crime, nomeadamente, do crime de condução sem habilitação legal, mas apenas de uma mera contra-ordenação.
Conforme sustenta Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição, pág. 1002, nos casos de rejeição do requerimento do MP por os factos imputados não constituírem crime, não há lugar a reenvio para outra forma de processo, nem, de resto, tal reenvio faria sentido, uma vez que a rejeição é definitiva, estando o despacho judicial de rejeição definitiva do requerimento do MP sujeito à regra do artº 399º do CPP e não à regra do artº 395º nº4 do mesmo diploma.
Termos em que, ao abrigo do disposto no arts 395º nº1 al. b) e 311º nº3 al. d) do CPP, rejeito o requerimento do MP de fls 60 e ss e, em consequência, ordeno o arquivamento oportuno dos autos.
Sem custas, atenta a isenção subjectiva de que goza o MP. Notifique.
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Após trânsito, e uma vez que o comportamento do arguido AA consubstancia prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo artº 130º nº7 do Código da Estrada, abra vista ao MP para os efeitos tidos por convenientes”.
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4. Apreciação do recurso:

Cabe a este Tribunal de recurso, ponderar se havia ou não fundamento, para a rejeição do requerimento do Ministério Público, por ser manifestamente infundado, porque “…os factos imputados ao arguido AA não consubstanciam a prática de qualquer crime, nomeadamente, do crime de condução sem habilitação legal, mas apenas de uma mera contra-ordenação”.

Vejamos.

O despacho em causa foi proferido no âmbito de um processo sumaríssimo, cuja regulamentação vem prevista nos artigos 392.º a 398.º do Código de Processo Penal. Estabelece o artigo 392.º deste diploma legal que «em caso de crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou só com pena de multa, o Ministério Público, por iniciativa do arguido ou depois de o ter ouvido e quando entender que ao caso deve ser concretamente aplicada pena ou medida de segurança não privativas da liberdade, requer ao tribunal que a aplicação tenha lugar em processo sumaríssimo». O requerimento do Ministério Público «é escrito e contém as indicações tendentes à identificação do arguido, a descrição dos factos imputados e a menção das disposições legais violadas, a prova existente e o enunciado sumário das razões pelas quais entende que ao caso não deve concretamente ser aplicada pena de prisão» - cf. o n.º 1 do artigo 394.º do Código de Processo Penal.

De acordo com o disposto no artigo 395.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, este requerimento do Ministério Público pode ser rejeitado pelo Juiz:

a) Quando for legalmente inadmissível o procedimento;
b) Quando o requerimento for manifestamente infundado, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 311.º;
c) Quando entender que a sanção proposta é manifestamente insuscetível de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

No caso dos autos, fundamentou-se a rejeição do requerimento do Ministério Público, na alínea d), por ser manifestamente infundado, sendo que tal se verifica segundo o disposto no artigo 311.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, quando:
a) (…);
b) (…);
c) (…);
d) …os factos não constituírem crime.

Escreve a propósito Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código de Processo Penal, anotação 8 ao artigo 311.º, pág.790), que “o fundamento da inexistência de factos que constituam crime só pode ser aferido pelo texto do requerimento e tal só ocorre quando faltem os elementos típicos objetivos e subjetivos de qualquer ilícito criminal”. Como também escreve a propósito, Fernando Gama Lobo (in Código de Processo Penal anotado, 2015), “é manifestamente infundada a acusação que não contenha factos que preencham a tipicidade criminal. Trata-se de uma questão de subsunção jurídica dos factos às normas penais. É fundamentalmente o problema da qualificação jurídica dos factos da acusação”. No entanto, como acrescenta o mesmo autor, “face à complexidade da questão e ao plano indiciário em que nos encontramos, salvo raríssimas excepções, em que os factos inequivocamente não são subsumíveis a qualquer norma penal, a decisão de requalificação jurídica dos factos, só deverá ser tomada no final do julgamento, pois só aí estará definitivamente apurada a matéria de facto subsumível aos tipos legais (que poderá decorrer até do regime das alterações de factos e sua qualificação jurídica)”: deve o Juiz evitar por isso, “precipitações nesta matéria, até porque requalificar os factos da acusação, fica sujeito a recurso”.
No caso dos autos é imputada ao arguido, a prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, nº 2, do D.L. nº 2/98, de 03/01, por referência aos artigos 121.º e 122.º, 125.º e 128.º, todos do Código da Estrada.

Do despacho final proferido pelo Ministério Público no dia 11/04/2023, consta o seguinte (transcrição parcial):
Em processo especial sumaríssimo, nos termos do artigo 392.º do Código de Processo Penal, o Ministério Público requer a aplicação de sanção a:
AA, filho de BB e de CC, nascido a .../.../1991, barbeiro, natural da ..., residente na Rua ..., trás, DD, ...,
Porquanto indiciam suficientemente os autos que:
No dia .../.../22, cerca das 05h53m, na Av. ..., ..., ..., o arguido AA conduziu o veiculo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-JN, com a carteira nacional de habilitação (CNH) emitida pela República Federativa do Brasil caducada desde 21.01.2021.
Nestas circunstâncias de tempo e lugar o arguido foi interveniente em acidente de viação.
O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, com o propósito conseguido de conduzir o referido veículo, bem sabendo que não se encontrava válida e legalmente habilitado para o efeito.
Bem sabia que a sua conduta era proibida e punível por lei criminal.
Incorreu assim o arguido em autoria material e na forma consumada na prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, nº 2, do D.L. nº 2/98, de 03/01, por referência aos artigos 121.º e 122.º, 125.º e 128.º, todos do Código da Estrada.
O Senhor Juiz fundamentou a rejeição do requerimento do Ministério Público, na alínea d) do n.º 3 do artigo 311.º do Código de Processo Penal - não constituírem crime os factos vertidos nesse requerimento – porque entendeu que “os factos imputados ao arguido AA não consubstanciam a prática de qualquer crime, nomeadamente, do crime de condução sem habilitação legal, mas apenas de uma mera contra-ordenação”. Segundo a decisão recorrida, sendo o arguido era um cidadão brasileiro, titular de carta de condução brasileira e por isso, “desde que fosse válido…habilitava o arguido a conduzir em território nacional”, sendo que não o sendo por ter caducado “pouco mais de um ano antes da data dos factos”, devia a sua conduta ilícita ser sancionada como mera contra-ordenação, sob pena de violação do princípio da igualdade aos distinguir as condutas de cidadãos portadores de títulos de condução emitidos pelo Estado Português dos outros condutores, como o arguido, tendo em conta que “o nº 7 do artº 130º do Código da Estrada é claro e não distingue tais situações, não cabendo ao intérprete fazê-lo”. A decisão recorrida, embora reconhecendo jurisprudência em sentido diverso, cita em abono da sua posição, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/05/2013 que entendeu que “o princípio da legalidade e da tipicidade da responsabilidade criminal impõe o entendimento de que, sendo o título válido/reconhecido em Portugal e estando caducado há menos de 5 anos, deve ser subsumido ao nº 7, como impõe a letra, clara, do preceito, independentemente da forma, requisitos, procedimento administrativo para a sua substituição”.
Ora, pela nossa parte concordamos com a posição sufragada no despacho recorrido, mesmo tendo em conta o regime legal em vigor à data dos factos, além do mais pela flagrante violação do princípio da igualdade de tratamento que decorria da aplicação de sanções diferentes para uma mesma conduta. No entanto, havendo como havia e como é reconhecido na decisão recorrida, posições divergentes ao nível da jurisprudência, que entendiam que o regime de caducidade e cancelamento previsto nos n.ºs 1 a 6 do artigo 130.º do Código da Estrada e a coima prevista no n.º 7, só se aplicava aos títulos de condução emitidos pelo Estado Português, admitimos que não seria o caso de estarmos perante uma acusação, “manifestamente infundada”, seguindo o entendimento acima citado de Fernando Gama Lobo.
Porém, quer o Ministério público no seu requerimento para aplicação de pena em processo sumariíssimo, quer o  Juiz que proferiu o despacho recorrido, ignoram a alteração legislativa que ocorreu entretanto na sequência da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 46/2022, de 12/7 e que alterou a redação do artigo 125.º do Código da Estrada, “solucionando a referida divergência jurisprudencial”, como salientou o Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão de 15/12/2022: como se acrescenta neste acórdão, “condutas que, segundo uma corrente jurisprudencial, antes eram punidas criminalmente (como crime de condução de veículo sem habilitação legal), configuram agora uma mera contraordenação sancionada com coima de (euro) 300 a (euro) 1500”.

Efectivamente, na sequência da entrada em vigor daquela alteração legislativa, o artigo 125.º do Código da Estrada, estabelece agora o seguinte:
«1 - Além da carta de condução são títulos habilitantes para a condução de veículos a motor os seguintes:
a) Títulos de condução emitidos pelos serviços competentes pela administração portuguesa do território de Macau;
b) Títulos de condução emitidas por outros Estados membros da União Europeia ou do espaço económico europeu;
c) Títulos de condução emitidos por outros Estados-Membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) ou da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), desde que verificadas as seguintes condições cumulativas:
i) O Estado emissor seja subscritor de uma das convenções referidas na alínea seguinte ou de um acordo bilateral com o Estado Português;
ii) Não tenham decorrido mais de 15 anos desde a emissão ou última renovação do título;
iii) O titular tenha menos de 60 anos de idade;
d) Títulos de condução emitidos por Estado estrangeiro em conformidade com o anexo n.º 9 da Convenção Internacional de Genebra, de 19 de setembro de 1949, sobre circulação rodoviária, ou com o anexo n.º 6 da Convenção Internacional de Viena, de 8 de novembro de 1968, sobre circulação rodoviária;
e) Títulos de condução emitidos por Estado estrangeiro, desde que em condições de reciprocidade;
f) [Revogada.]
g) Licenças internacionais de condução, desde que apresentadas com o título nacional que as suporta;
h) Licenças especiais de condução;
i) Autorizações especiais de condução;
j) Licença de aprendizagem.
2 - A emissão das licenças e das autorizações especiais de condução bem como as condições em que os títulos estrangeiros habilitam a conduzir em território nacional são fixadas no RHLC.
3 - Os titulares das licenças referidas nas alíneas d), e) e g) do n.º 1 estão autorizados a conduzir veículos a motor em Portugal durante os primeiros 185 dias subsequentes à sua entrada no País, desde que não sejam residentes.
4 - Após fixação da residência em Portugal, o titular das licenças referidas no número anterior deve proceder à troca do título de condução, no prazo de 90 dias.
5 - Os títulos referidos no n.º 1 só permitem conduzir em território nacional se os seus titulares tiverem a idade mínima exigida pela lei portuguesa para a respetiva habilitação, encontrando-se válidos e não apreendidos, suspensos, caducados ou cassados por força de disposição legal, decisão administrativa ou sentença judicial aplicadas ao seu titular em Portugal ou no Estado emissor.
6 - [Revogado.]
7 - [Revogado.]
8 - Quem infringir o disposto nos n.os 3 a 5, sendo titular de licença válida, é sancionado com coima de (euro) 300 a (euro) 1500».
 Voltando ao caso dos autos, temos o seguinte:
O arguido é um cidadão Brasileiro (país membro da CPLP como é sabido) que tinha menos de 60 anos de idade (nasceu em .../.../1991), era titular de uma carteira nacional de habilitação (CNH), válida, emitida pela República Federativa do Brasil, mas que estava caducada desde 21/01/2021. Se não estivesse caducada, nada de ilícito tinha sido cometido porque, ao contrário do que é alegado na 10.ª conclusão do recurso, não é agora necessária a substituição da carteira nacional de habilitação Brasileira, por uma carta de condução portuguesa. Na verdade, desde que o título de condução de que sejam titulares esteja válido, podem os condutores dos países de língua oficial portuguesa conduzir no território nacional, estejam aqui de forma permanente ou não. Como se escreve no preâmbulo do Decreto-Lei nº 46/2022, foi intenção do legislador, “reforçar e melhorar a mobilidade entre cidadãos de Estados-Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”, alterando-se o Código da Estrada e promovendo-se “a dispensa das trocas de cartas de condução, habilitando-se a condução no território nacional com títulos emitidos naqueles Estados, através do reconhecimento dos títulos de condução estrangeiros”.
Ora, como a carteira nacional de habilitação Brasileira, estava caducada desde 21/01/2021, o arguido não podia conduzir um veículo automóvel na via pública por não cumprir o pressuposto previsto no n.º 5 do artigo 125.º, do Código da estrada que, como vimos, exige que o título de condução estivesse válido, mas não caducado, como estava.
Deste modo, considerando o regime legal em vigor, ao conduzir o veículo em causa sendo titular de um título de condução caducado, violou o disposto no referido artigo 125.º, n.º 5 do Código da estrada. E qual a consequência para essa conduta? Responde o artigo 125.º, n.º 8 do mesmo diploma legal: o agente é “sancionado com coima de (euro) 300 a (euro) 1500”.
Acresce que como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/02/2023 (proferido no processo n.º 962/22.7GLSNT.L1-5, consultado em www.dgsi.pt), “na construção legislativa do regime aplicável aos títulos de condução estrangeiros, o Legislador optou pelo acolhimento da possibilidade de se reconhecer a revalidação de títulos cuja data de caducidade tenha sido já atingida, tal como sucede com os títulos de condução emitidos pelo Estado português”, o que afasta o risco apontado na decisão recorrida, de violação do princípio da igualdade de tratamento dado a condutores portugueses e dos países de língua oficial portuguesa, “possibilidade que constitui fundamento para se diferenciar o tratamento das infracções criminais e contra-ordenacionais”. Como se acrescenta no mesmo acórdão, “a legislação brasileira prevê que os títulos caducados – designadamente a carteira nacional de habilitação – possam ser revalidados. (…) não existe na lei brasileira é um prazo máximo para revalidação, decorrido o qual, em caso de inação do titular da CNH, esta caduque definitivamente. A revalidação é, ali, possível a todo o tempo (embora com exigências diferentes consoante o tempo já decorrido sobre a data em que “expirou a validade”). A carteira nacional de habilitação é, pois, sempre passível de revalidação”.
Deste modo, concluindo como se concluiu no acórdão supra citado do Tribunal da Relação de Évora que seguimos de perto, diremos que a actual redacção do artigo 125.º, n.º 5 do Código da Estrada, conjugada com o disposto no n.º 8 do mesmo artigo, “demonstra ter o legislador afastado a tipicidade da conduta praticada pela arguida com referência ao artigo 3.º, n.º 1 e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, antes a subsumindo à contraordenação prevista no n.º 8 do referido normativo”. Consequentemente, também aqui não pode proceder a pretensão do Recorrente, “até por força do princípio da aplicação imediata da lei penal mais favorável consagrado no artigo 2.º, n.º 4 do Código Penal, para quem entenda que, no momento da prática dos factos a conduta da arguida era subsumível ao ilícito tipificado no artigo 3.º, n.º 1 e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro”.
Concluindo, integrando a conduta do arguido a prática de uma contraordenação, impõe-se a improcedência do recurso nos termos expostos.
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C) Decisão:

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, embora com diversa fundamentação, manter o despacho recorrido nos seus precisos termos.
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Sem custas.
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Notifique.
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Guimarães, 31 de Outubro de 2023 (o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos seus signatários – artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
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Carlos da Cunha Coutinho (relator)
Ana Teixeira (1.ª Adjunta)
António Bráulio Alves Martins (2.º Adjunto)