Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
773/22.0T8GMR.G1
Relator: FRANCISCO SOUSA PEREIRA
Descritores: ENFERMEIROS
ARS
ACORDO DE COOPERAÇÃO
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
ACORDO COLECTIVO DE TRABALHO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Se os enfermeiros vinculados a um Hospital E.P.E. por contrato individual de trabalho são integrados numa Misericórdia, por via de um designado Acordo de Cooperação celebrado entre uma ARS e essa Misericórdia, e aquando dessa integração aquele Hospital não estava obrigado a aplicar, nem aplicava, qualquer Regulamentação Colectiva, não está a Misericórdia obrigada a aplicar um Acordo Colectivo que posteriormente tenha sido celebrado entre os Hospitais EPE e Associações Sindicais ainda que, no dito Acordo de Cooperação, tenha ficado a constar que “Aos trabalhadores com contrato de trabalho são aplicáveis as disposições correspondentes à transmissão de estabelecimento previstas no Código de Trabalho”.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

Apelante: AA e Outros
Apelado: Santa Casa da Misericórdia ...

I – RELATÓRIO

AA e Outros, com os demais sinais nos autos, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Santa Casa da Misericórdia ..., também nos autos melhor identificada, pedindo a condenação desta a:

a-) retribuir mensalmente, cada um dos AA. com o salário de 1.205,00€;
b-) a pagar a cada um dos AA., o montante de 15.725,92€, a título de diferenças salariais, de outubro 2015 a janeiro de 2022;
c-) nas diferenças salariais vincendas, à razão de 206,92€ mês, para cada um dos AA. e até efetiva correção dos salários;
e ainda,
d-) os montantes que se vierem a liquidar em sede de execução de sentença e decorrentes das horas extraordinárias prestadas, e em resultado das diferenças salariais que deviam ter ocorrido, desde outubro de 2015 e até efetiva correção do salário;
c-) nas custas e demais encargos legais.”

Alegaram, para o efeito e muito em síntese, que celebraram contratos individuais de trabalho a termo certo, nas datas que indicam todas no ano de 2007, e que foram sendo sucessivamente renovados, com o então EMP01..., E.P.E., para exercerem as funções, que sempre prestaram no Hospital ..., correspondentes à categoria profissional de Enfermeiro Nível 1.
Nos termos do contrato que celebraram, a remuneração inicial foi fixada em 950,00€ ilíquidos, a título de subsídio de alimentação ficaram os AA. a auferir o montante de 4,03€, e a título de acréscimo salarial ficou consignado receberem 14,286% dos seus salários base condicionado à assiduidade que não deverá comportar qualquer falta, à exceção das associadas à proteção da maternidade, férias e à qualidade do seu desempenho avaliado pela inexistência de qualquer reclamação, interna ou externa, que seja reputada procedente.
Como compensação do modo de organização do horário, ficaram os AA. a receber um acréscimo remuneratório com base nas normas dos artigos 192º e 257º do Código do Trabalho (isto em 2007), ou seja, de remuneração de trabalho por relação em tempo de semana em que é prestado, segundo critério análogo ao previsto no artigo no Decreto-Lei nº 62/79, de 30 de março.
A remuneração base e as remunerações acessórias previstas, ficaram definidas transitoriamente e até à conclusão da celebração da regulamentação coletiva de trabalho entre Hospitais E.P.E..
Em 14 de novembro de 2014, foi assinado um Acordo de Cooperação, entre a Administração Regional de Saúde do ..., I.P., e a ré, que no essencial transmitiu a gestão do Hospital ... para a ré, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2015.
No que respeita aos trabalhadores e, em concreto aos AA., estes nos termos da cláusula XIII, nºs 5 e 8, do dito Acordo de Cooperação, transitaram para a R., o que não permite, em circunstância alguma, que lhes sejam reduzidos os seus direitos, nomeadamente a serem graduados de acordo com o Acordo Coletivo de Trabalho n.º 8/2010, de 13 de Setembro, e respetivas tabelas salariais, pelo que deveriam auferir, desde Outubro de 2015 e até à presente data, o vencimento mensal de 1.205,00€, mas auferindo ainda actualmente o vencimento de apenas 998,08€.

A ré - tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se, nessa sede, a conciliação - apresentou contestação, defendendo-se por via de excepção, invocando a incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria (excepção que veio a ser declarada improcedente em sede de despacho saneador).
 Por impugnação a ré, admitindo embora a matéria relativa à celebração dos alegados contratos de trabalho e que os mesmos lhe foram transmitidos em razão do Acordo de Cooperação e do DL 138/2013, de 09.10, impugna diersa matéria alegada pelos autores, como seja a respeitante à remuneração acordada entre os autores e o EMP01..., E.P.E..

Prosseguindo os autos, e após realização da audiência final, veio a proferir-se sentença com o seguinte diapositivo:
Assim e nos termos expostos, julgo a ação totalmente improcedente por não provada e, consequentemente, absolvo a ré Santa Casa da Misericórdia ... dos pedidos contra si deduzidos pelos autores AA, BB e CC.”

Inconformados com esta decisão, dela vieram os autores interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
“Da Impugnação da matéria de facto
(…)
A ré respondeu ao recurso, terminando a contra-alegação com as seguintes conclusões:
(…)

Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

Tal parecer mereceu resposta por parte dos recorrentes reafirmando, em suma, a posição já vertida nas alegações do recurso.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:
- Nulidade da sentença;
- Impugnação da matéria de facto;
- Errado enquadramento jurídico dos factos provados.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
“1. A autora AA celebrou contrato individual de trabalho subordinado, a termo certo, com início a 08 de abril de 2007 e termo a 07 de abril de 2008, podendo ser renovado por igual período, com o EMP01..., E.P.E., para exercer sob a autoridade e direção deste as funções correspondentes à categoria profissional de Enfermeira Nível 1.
2. A autora BB celebrou contrato individual de trabalho subordinado, a termo certo, com início a 07 de março de 2007 e termo a 06 de março de 2008, podendo ser renovado por igual período, com o EMP01..., E.P.E., para exercer sob a autoridade e direção deste as funções correspondentes à categoria profissional de Enfermeira Nível 1.
3. O autor CC celebrou contrato individual de trabalho subordinado, a termo certo, com início a 08 de março de 2007 e termo a 07 de março de 2008, podendo ser renovado por igual período, com o EMP01..., E.P.E., para exercer sob a autoridade e direção deste as funções correspondentes à categoria profissional de Enfermeiro Nível 1.
4. O local de trabalho de cada um dos autores, face aos contratos celebrados, tanto poderia ser o estabelecimento de saúde sito em ..., ou o estabelecimento de saúde sito em ..., ambos pertencentes ao EMP01..., E.P.E.
5. Os contratos dos três autores foram sucessivamente renovados, tendo os mesmos sempre trabalhado no estabelecimento de saúde de ....
6. A remuneração base mensal fixada em cada um dos contratos foi de €950,00.
7. A título de subsídio de alimentação foi fixada, para cada um dos contratos a quantia de €4,03.
8. A título de acréscimo salarial ficou consignado, em cada um dos contratos, receberem 14,286% dos seus salários base condicionado à assiduidade que não deverá comportar qualquer falta, à exceção das associadas à proteção da maternidade, férias e à qualidade do seu desempenho avaliado pela inexistência de qualquer reclamação, interna ou externa, que seja reputada procedente.
9. Relativamente ao trabalho suplementar, extraordinário, o mesmo ficou a ser remunerado de acordo com o regime das normas dos artigos 197.º e seguintes e 258.º do Código do Trabalho, isto em 2007.
10. Como compensação do modo de organização do horário, foi estipulado que cada um dos autores recebesse um acréscimo remuneratório com base nas normas dos artigos 192.º e 257.º do Código do Trabalho (em 2007), ou seja, de remuneração de trabalho por relação em tempo de semana em que é prestado, segundo critério análogo ao previsto no artigo no Decreto-Lei n.º 62/79, de 30 de março.
11. A remuneração base e as remunerações acessórias previstas em cada um dos contratos dos autores, ficaram definidas transitoriamente e até à conclusão da celebração da regulamentação coletiva de trabalho entre Hospitais E.P.E. e as respetivas associações sindicais ou até à definição dos incentivos, com base no que viesse a ser proposto pela Comissão Negociadora do Ministério da Saúde, à data.
12. Cada um dos autores esteve ao serviço do EMP01..., E.P.E até 31 de dezembro de 2014.
13. A Administração Regional de Saúde do ..., I.P. e a Santa Casa da Misericórdia ..., a 14 de novembro de 2014, celebraram um Acordo de Cooperação que regulou a devolução do Hospital ... à Santa Casa da Misericórdia ..., definindo os termos em que a prestação de cuidados de saúde era contratada e assegurada pelo hospital e transmitindo a gestão do referido hospital à aqui ré, com efeitos a 01 de janeiro de 2015.
14. Ao abrigo do Acordo de Cooperação, foram transmitidos para a Santa Casa da Misericórdia ... os contratos de trabalho que ligavam os trabalhadores da EPE e a posição que dos mesmos decorre.
15. A transmissão dos respetivos contratos de trabalho aconteceu sem o consentimento individual e respetivo de cada um dos autores.
16. No dia 1 de janeiro de 2015, a Ré assumiu a gestão do Hospital ..., em ..., ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 138/2013, de 9 de outubro, e nos termos que constam do Acordo de Cooperação celebrado com a Administração Regional de Saúde do ..., I.P..
17. Ao abrigo do referido Acordo de Cooperação, na sequência da transmissão para a ré da posição de empregador, nos contratos de trabalho dos funcionários que possuíam contrato individual de trabalho com a anterior entidade pública, a ré integrou os autores no seu quadro de funcionários, a partir de 01 de janeiro de 2015.
18. A ré é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS).”

E deu como não provados os seguintes factos:
“1. Os autores auferem € 998,08.”

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

- Da nulidade da sentença:
Alegam os recorrentes que a douta sentença recorrida viola o disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º Código de Processo do Trabalho, bem como viola o comando ínsito no art.º 74.º, do Código de Processo do Trabalho.

Em suma, alegam que ainda que o Tribunal a quo considerasse, como considerou, que o Acordo Coletivo de Trabalho n.º 8/2010, de 13 de Setembro não tinha aplicação ao caso, sempre deveria, exercitando o seu poder de livre aplicação das regras de direito, subsumir o caso ao regime legal que considerasse aplicável, o que não fez.
O Tribunal recorrido, pura e simplesmente ignorou as questões de Direito, deixando a situação laboral dos Autores sem qualquer definição, ficando estes no livre-arbítrio da Ré.”

Não nos parece que seja assim.

O artigo 615.º do CPC, cuja epígrafe é causas de nulidade da sentença, prescreve no seu n.º 1, alínea d):
1 - É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)

Iniciando a Fundamentação de Direito, o Tribunal recorrido enunciou que “A questão que se discute entre as partes nos autos e que é essencial para a decisão aqui a proferir é a da definição do regime legal a aplicar aos contratos de trabalho dos autores (…)

Ora, depois de exaustivamente discorrer sobre a legislação que foi sendo aplicável às relações laborais estabelecidas entre profissionais de enfermagem e os Hospitais E.P.E. integrados no Serviço Nacional de Saúde, quer mediante vínculos de natureza pública (contratos de trabalho em funções públicas) quer através de contratos individuais de trabalho, e concluir pela inaplicabilidade às relações laborais existentes entre os autores e a ré do Acordo Coletivo de Trabalho n.º 8/2010, nomeadamente, o Tribunal recorrido fez constar da fundamentação da sentença expressamente o seguinte:
A ré foi, por seu turno, subscritora do Acordo Coletivo de Trabalho, publicado no BTE n.º 38, de 15/10/2016, celebrado entre a Santa Casa da Misericórdia ... e outras e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais e outros, sendo este aplicável à relação laboral aqui em apreço.” (realce nosso)

Mais concluindo:
Fundando-se os pedidos dos autores na aplicabilidade, à sua relação laboral, de um Acordo Coletivo de Trabalho, a conclusão pela falta de fundamento dessa sua aplicabilidade, tem de necessariamente levar à improcedência da ação, o que deve ser declarado.

Ante o exposto, inexiste a arguida nulidade da sentença, sendo certo, ademais, que nem agora os autores/recorrentes se arrogam com direito a qualquer crédito/regalia que lhes seja devido em razão da aplicabilidade do Acordo Coletivo de Trabalho que o Tribunal recorrido entendeu aplicável e que a ré lhes não reconheça, razão pela qual também se não descortina qualquer violação do art. 74.º do CPT, que prevê a condenação extra vel ultra petitum.

- Da impugnação da matéria de facto:

Entendem os recorrentes que devem acrescer aos factos provados os factos seguintes:
1. No âmbito da função pública os trabalhadores com Contrato Individual de Trabalho (CIT’s) têm um regime próprio, diferente dos restantes enfermeiros que se encontram no exercício de funções, sendo que até à celebração do Acordo Coletivo de Trabalho celebrado entre os Sindicatos dos Enfermeiros e o Ministério da Saúde, a Tabela Salarial era a mesma;
2. Após a celebração do Acordo Coletivo de Trabalho, passou a aplicar-se uma nova tabela, que é diferente e de valores superiores, à que é aplicada pelas IPSS’s;
3. À data da transmissão dos AA. para a Ré, foi transmitido a esta que os trabalhadores que para si iam ser transmitidos e que se encontravam vinculados à função pública por via de contratos individuais de trabalho (CIT’s), continuariam a gozar dos mesmos direitos;
4. Após a transmissão, e durante apenas alguns meses, a Ré manteve os mesmos salários que os Autores  auferiam no EMP01...;
5. O prémio de assiduidade, que é devido aos funcionários públicos com contrato de trabalho em funções públicas, incluindo os autores, é pago pela Ré;
6. Quando ocorreram alterações salariais dos CIT’s, a Ré não alterou os salários aos AA., nos termo da lei, mantendo-os na mesma situação salarial;
7. A Ré não sabe qual o regime legal que deve aplicar aos AA. e recusa-se a atualizar os salários dos AA., de acordo com o regime legal e aplicável aos CIT’s..

A propósito, alegou a recorrida que os recorrentes pretendem aditar matéria conclusiva, e que apesar de transcreverem depoimentos não deram cumprimento ao seu ónus de especificar concretamente os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados nem tao pouco explicar qual a relação entre os depoimentos transcritos e a “matéria de facto” que pretendem ver aditada.

Com efeito, a matéria que os recorrentes pretendem ver aditada tem natureza conclusiva, e até jurídica, contendendo ademais e directamente com o thema decidendum, como é manifestamente o caso dos números 1, 2, e 5, 6 e 7 propostos, logo por isso não deve constar do elenco dos factos provados.

Sucede também que os recorrentes efectivamente não deram cumprimento a todos os ónus previstos no art. 640.º do CPC, nomeadamente quando aí se estabelece que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
(…)

De facto, os recorrentes limitam-se a especificar a matéria que querem ver aditada, mas omitem a origem dessa matéria, onde a buscaram, sendo certo que na sentença apenas se refere como não provados os seguintes factos: Os autores auferem € 998,08.
Acresce que analisados os articulados também não se descortina que tal matéria tenha sido alegada, pelo menos nos termos em que agora é expressamente pedido o seu acrescentamento aos factos provados.

Se, eventualmente, entendem os recorrentes que tal matéria – apenas - resultou da discussão da causa, deveriam ter suscitado a sua tomada em consideração pelo Tribunal recorrido oportunamente – cf. arts. 72.º do CPT e 5.º, n.º 2, do CPC.
Com efeito, reconhece-se a possibilidade de o Juiz considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais, bem como os que sejam complemento ou concretização de outros que a parte haja oportunamente alegado – admitindo-se que os fatos descritos v.g. nos sugeridos números 3 e 4 se possam apodar de complementares -, quando resultem da instrução e da discussão da causa e desde que à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório, pelo que a introdução de factos complementares, decorrentes da instrução da causa, só é possível no decurso do julgamento em primeira instância, mediante iniciativa da parte ou oficiosamente.[1]

Por outro lado, os recorrentes não identificam minimamente os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, pois limitam-se a identificar – quer no registo da gravação quer transcrevendo-os – os excertos dos depoimentos que consideram relevantes para a prova da matéria que pretendem acrescentar, mas sem conexionar qualquer concreto depoimento/excerto com concreta matéria do rol daquela cujo aditamento é pedido.

Ante todo o exposto, não se conhece da impugnação da matéria de facto.

- Do errado enquadramento jurídico dos factos provados:
Os recorrentes terminam as alegações do recurso peticionando que, e em qualquer caso, seja a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” revogada e substituída por outra, “que aplique o direito de forma adequada, julgando a ação totalmente procedente”.
Contendendo com a questão supra enunciada, na decisão recorrida discorreu-se, nomeadamente, nos termos seguintes:
O Decreto-Lei n.º 247/2009 - aplicável aos enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho – tem como finalidade, conforme mencionado na parte final do preâmbulo, “garantir que os enfermeiros das instituições de saúde no âmbito do SNS possam dispor de um percurso comum de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica”. Justamente por isso, o seu articulado é apenas composto por 14 artigos, regulando os aspetos essenciais da carreira de enfermagem dos enfermeiros contratos em regime de contrato individual de trabalho. O diploma não visou regular todas as matérias relativas aos contratos individuais de trabalho celebrados entre as entidades nele mencionado e enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho. A intervenção do legislador teve em vista definir os pontos fundamentais do regime legal da carreira, para assegurar aquele propósito de se estabelecer “um percurso comum de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica”. Em tudo o mais, esses contratos de trabalho estão sujeitos à disciplina do Código do Trabalho e legislação complementar, bem assim, “em especial, aos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho” (art.º 1.º do Código do Trabalho).
O Decreto-Lei n.º 248/2009 teve por finalidade definir “o regime legal da carreira de enfermagem, enquanto carreira especial da Administração Pública”.
Por força do disposto no art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 247/2009, de 11 de setembro, a remuneração e posições remuneratórias dos trabalhadores em regime de contrato individual de trabalho é fixada por Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho. No sistema «jus laboral», no que concerne ao âmbito pessoal das convenções coletivas de trabalho, vigora o princípio da filiação, segundo o qual «a convenção coletiva obriga o empregador que a subscreve ou filiado em associação de empregadores celebrante, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante» (artigo 496.º n.º 1 do Código do Trabalho). Não havendo portaria de extensão (artigo 514.º e seguintes do Código do Trabalho) o regime decorrente dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho não pode ser aplicado aos trabalhadores.
Assim, quanto aos autores, a manutenção das relações laborais estabelecidos entre cada um e o EMP01..., estava sujeito ao regime legal da carreira aplicável aos enfermeiros nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integradas no Serviço Nacional de Saúde, regulado pelo Decreto-Lei n.º 247/2009, sendo o estatuto originário de todos o de enfermeiros contratados por contrato de trabalho sujeito ao regime do Código do Trabalho e respetiva legislação especial, como tal não podiam ser graduados de acordo com o Acordo Coletivo de Trabalho n.º 8/2010, de 13 de setembro.
Antes do Acordo de Cooperação, a entidade empregadora dos autores era uma EPE - Empresa Pública Empresarial, integrado no sistema Nacional de Saúde e, como tal, sujeita ao cumprimento estrito da lei, nomeadamente, respeitando as especificidades próprias das carreiras de enfermagem, nos termos regulados pelos diplomas supramencionados.
Os autores foram contratados em regime de contrato individual de trabalho, pelo que, salvo o devido respeito por opinião contrária, entende-se inexistir fundamento para se aplicar, aos seus contratos de trabalho, o regime jurídico da carreira especial de enfermagem. O que foi efetivamente aplicado, pela EPE, foi o regime jurídico dos enfermeiros vinculados ao abrigo de contrato individual de trabalho.
Com a transmissão de estabelecimento para a Santa Casa de Misericórdia, através do Acordo de Cooperação, os autores passaram a integrar o quadro de funcionários da Santa Casa da Misericórdia, com contrato individual de trabalho, tal como mantinham com a anterior entidade empregadora, mesmo sendo esta uma entidade pública empresarial, sendo-lhes aplicável o Código do Trabalho e o Decreto-Lei n.º 247/2009.
A Santa Casa da Misericórdia é uma pessoa coletiva de direito privado e de utilidade pública administrativa, incluindo-se entre os seus fins estatutários o desenvolvimento de atividades de serviço ou interesse público que lhe sejam solicitadas pelo Estado ou outras entidades públicas.
Resultava do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de junho que que os profissionais de enfermagem contratados por pessoas coletivas públicas ao abrigo deste regime de CIT não detinham “a qualidade de funcionário público” nem a de “agente administrativo”.
Pretendem os autores beneficiar da aplicação do Acordo Coletivo de Trabalho n.º 8/2010, de 13 de setembro, que estabelece na sua Cláusula 1.ª «Âmbito 1 — O presente Acordo Colectivo de Entidade Empregadora Pública, doravante designado por Acordo, aplica -se, por um lado, a todos os trabalhadores que exercem funções na Administração Central do Sistema de Saúde, I. P., doravante designada por ACSS, I. P., vinculados em regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo determinado e indeterminado, filiados nos Sindicatos representados pela Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública, doravante designada por FNSFP.». Ora, os autores, não obstante tenham iniciado os seus contratos de trabalho quando o Hospital era uma entidade pública empresarial, no caso, o EMP01... E.P.E., nunca assumiram o vínculo de regime de trabalho em funções públicas, antes celebraram contratos individuais de trabalho subordinado, a termo certo. Ou seja, nunca os autores teriam preenchido os pressupostos legais de aplicação do Acordo Coletivo que invocam.”

Concorda-se com esta argumentação, que só pode desembocar, como sucedeu, na conclusão de que nunca os autores preencheram os pressupostos legais de aplicação do Acordo Coletivo que invocaram na fundamentação da acção, Acordo Coletivo de Trabalho n.º 8/2010, de 13 de Setembro.
           
Não é inteiramente correcto o afirmado pelos recorrentes, na conclusão 10.ª, de que “Exerciam funções como enfermeiros e prestavam o seu trabalho no EMP01..., EPE, ao abrigo das normas previstas no seu contrato de trabalho, nas convenções coletivas de trabalho e no Código do Trabalho.”, pois que as respectivas relações laborais, enquanto estiveram ao serviço do EMP01..., EPE, não eram reguladas por qualquer Convenção Coletiva, isto mesmo resultando, aliás, daquilo que alegaram para fundamentar a acção e, bem assim, do que agora sustentam na conclusão 18.ª: “A verdade é que, até ao ano de 2015, não existia diploma ou convenção coletiva que regulamentasse sobre a carreira dos enfermeiros em contrato individual de trabalho.”. (sublinhado nosso)

Só em 2015, no BTE n.º 43 de 22.11.2015, vieram a ser publicados o Acordo Colectivo celebrado entre o EMP02... EPE e outros e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses – SEP, e o Acordo Colectivo celebrado entre o EMP02... EPE e outros e o Sindicato Independente dos Profissionais de Enfermagem, aplicáveis às entidades empregadoras que os subscreveram e aos trabalhadores enfermeiros em regime de contrato de trabalho, filiados na respectiva associação sindical outorgante – Acordos Colectivos esses que, na cláusula 2.ª/Níveis remuneratórios e posições remuneratórias, estabelecem que “Os níveis e posições remuneratórias dos trabalhadores enfermeiros abrangidos pelo presente instrumento, são correspondentes aos aplicáveis aos trabalhadores enfermeiros integrados na carreira especial de enfermagem.”.

E se é certo que, como afirmam os recorrentes, em 2018, com a publicação do BTE n º 11 de 22/03/2018 e do BTE n º 24 de 29/06/2018 (melhor dito, com os ACT celebrados entre o EMP03... EPE e outros e os Sindicatos aí identificados, publicados nos referidos BTE), foram acordadas regras de progressão dos enfermeiros em CIT, prevendo uma forma de “alteração do posicionamento remuneratório”, alteração esta que remete para o regime vigente para os trabalhadores em funções públicas, isto é, ficando dependente da avaliação do desempenho a fazer de acordo com as regras vigentes para os enfermeiros naquelas funções, já nos parece menos correcto o afirmado na conclusão 23.ª, de que “Tendo sido nessa base legal, e de forma transitória (até à publicação da respetiva regulamentação coletiva), que o EMP01... - Hospital ... -, sempre procedeu ao reposicionamento remuneratório dos AA., remetendo, no que à retribuição e progressão na carreira diz respeito, para o regime aplicável aos enfermeiros com contrato de trabalho com funções públicas integrados no Serviço Nacional de Saúde, aplicando o disposto no Acordo Coletivo de Trabalho n.º 8/2010, de 13 de setembro, até à data da produção dos efeitos da transmissão operada (01-01-2015)”.
           
Com efeito, o que a propósito sabemos é o que decorre dos números 6 a 11 dos factos provados, e que correspondem, nos seus diversos parágrafos, ao estipulado na cláusula 7.ª (Remuneração) dos contratos de trabalho celebrados entre cada um dos autores/recorrentes e o EMP01..., E.P.E., e tais factos não sustentam minimamente que este “sempre procedeu ao reposicionamento remuneratório dos AA., remetendo, no que à retribuição e progressão na carreira diz respeito, para o regime aplicável aos enfermeiros com contrato de trabalho com funções públicas integrados no Serviço Nacional de Saúde, aplicando o disposto no Acordo Coletivo de Trabalho n.º 8/2010, de 13 de setembro”.

Ora, o que consta daquela cláusula 7.ª são as condições remuneratórias do trabalhador enfermeiro então admitido (por contrato individual de trabalho), não se fazendo aí qualquer remissão, estática ou dinâmica, para as condições que regulam os trabalhadores enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas – o segmento “ou seja, de remuneração de trabalho por relação em tempo de semana em que é prestado, segundo critério análogo ao previsto no Decreto-Lei n.º 62/79, de 30.03”, diploma que visou, ao tempo, disciplinar o regime de trabalho e sua remuneração nos Estabelecimentos Hospitalares, não pode ser lido naquele sentido pois que, o que expressamente ficou fixado foi que “Como compensação do modo de organização do horário, receberá um acréscimo remuneratório com base nas normas dos artigos 192.º e 257.º do Código do Trabalho (em 2007) (se isso é análogo ao critério previsto Decreto-Lei é mera conclusão) -, nem tampouco para qualquer IRCT aplicável às relações estabelecidas entre Hospitais E.P.E. integrados no SNS e trabalhadores enfermeiros por estes admitidos ao abrigo de contratos individuais de trabalho – o que consta do n.º 11 dos factos provados - A remuneração base e as remunerações acessórias previstas em cada um dos contratos dos autores, ficaram definidas transitoriamente e até à conclusão da celebração da regulamentação coletiva de trabalho entre Hospitais E.P.E. e as respetivas associações sindicais ou até à definição dos incentivos, com base no que viesse a ser proposto pela Comissão Negociadora do Ministério da Saúde, à data -, que radica no último paragrafo da dita cláusula 7.ª, têm mera natureza de salvaguarda, quiçá desnecessária, da aplicabilidade futura de IRCT que viesse a ser celebrado “entre os Hospitais E.P.E. e as respectivas associações sindicais” (o que só veio a suceder, como se disse, em 2015, com a publicação, no BTE n.º 43 de 22.11.2015, dos Acordos Colectivos celebrados entre o EMP02... EPE e outros e os Sindicatos acima identificados).

Sucede que a celebração destes Acordos Colectivos de Trabalho é inócua para o caso, não se repercutindo na relação laboral dos autores (trabalhadores da ré).

Efectivamente, a ré integrou os trabalhadores, ora recorrentes, nos seus quadros em 01.01.2015 – cf. pontos 13 a 17 dos factos provados.
Todavia, como deflui do que supra se explanou, nem anteriormente, nem nessa data, era aplicável à relação laboral dos autores qualquer IRCT.

Os recorrentes, para concluírem que têm direito, no que respeita à sua carreira profissional e às suas correspetivas retribuições salariais, a ver aplicado o Código do Trabalho, mas também, e designadamente, o consagrado pelos IRCT’s aplicáveis aos trabalhadores enfermeiros vinculados por contrato de trabalho celebrado com entidades públicas empresariais do setor da saúde integradas no SNS, fazem também apelo a que “(…) no Acordo de Cooperação celebrado nos autos, previu a Cláusula XIII, nos seu n.º 8 o seguinte: “Aos trabalhadores com contrato de trabalho são aplicáveis as disposições correspondentes à transmissão de estabelecimento previstas no Código de Trabalho”.

É verdade que o Acordo de Cooperação – que consta dos autos como doc. 1 da contestação e mencionado, nomeadamente, no número 13 dos factos provados – comporta a citada cláusula, com um n.º 8 nos termos transcritos.
Mas, salvo melhor opinião, a mesma não abona a tese dos recorrentes.

É que, não obstante o regime previsto no CT para a transmissão de empresa ou estabelecimento, nomeadamente os efeitos da transmissão prescritos no art. 285.º do CT, v-g. quando aí se diz (no n.º 1) que “transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores” e que (n.º 3) “Com a transmissão constante dos n.ºs 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.” – ainda que interpretado à luz do pertinente Direito emanado das Instituições da União Europeia como pretendem os recorrentes -, o que acontece no caso presente, como acima dissemos, é que o EMP01... não estava obrigado a aplicar qualquer Regulamentação Colectiva, pelo que tal (para si inexistente) obrigação era insusceptível de ser transmitida para a ré.

Aliás, prevê o art. 498.º do CT, sob a epígrafe Aplicação de convenção em caso de transmissão de empresa ou estabelecimento, que:
1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que vincula o transmitente é aplicável ao adquirente até ao termo do respectivo prazo de vigência ou no mínimo durante 12 meses a contar da transmissão, salvo se entretanto outro instrumento de regulamentação colectiva de trabalho negocial passar a aplicar-se ao adquirente.
2 - Após o decurso do prazo referido no número anterior, caso não seja aplicável ao adquirente qualquer instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, mantêm-se os efeitos já produzidos no contrato de trabalho pelo instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que vincula o transmitente, relativamente às matérias referidas no n.º 8 do artigo 501.º
3 - O disposto nos números anteriores é aplicável a transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica.
4 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 2.” (sublinhámos)

Repetindo-nos, no caso, aquando da transmissão, que obviamente é o momento que releva, nenhum instrumento de regulamentação colectiva de trabalho vinculava o transmitente (Centro Hospitalar), pelo que não tem a adquirente (ré) que o aplicar, ainda que com as limitações previstas no mesmo artigo.

E concordando-se embora com os recorrentes quando alegam que “(…) tal transmissão não permite (nem pode!), em circunstância alguma, que sejam reduzidos os direitos laborais dos Recorrentes”, o certo é que não se descortina qualquer direito que assistisse aos recorrentes e lhes tenha sido subtraído pela ré.
           
V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da recorrente.
Notifique.
Guimarães, 20 de Fevereiro de 2025

Francisco Sousa Pereira (relator)
Vera Maria Sottomayor
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso


[1] Ac. RL de 30-05-2023, Proc. 84365/20.6YIPRT.L1-7, Luís Pires Sousa, Ac. RP de 03-10-2022, Proc. 2798/19.3T8VNG.P1, Rita Romeira, e Ac. RG de 16-02-2023, Proc. 3741/21.5T8MTS.G1, Maria Leonor Barroso, todos em www.dgsi.pt