Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3055/19.0T8BCL-A.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
INDEMNIZAÇÃO
ALTERAÇÃO DE PREÇOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - No actual regime processual, na falta de acordo das partes, somente é admissível a ampliação do pedido quando esta constitua o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (art. 265º, n.º 2, do CPC).
II - Por desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo deve considerar-se um pedido que esteja contido no âmbito do pedido primeiramente deduzido, de molde a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, sem a dedução de novos factos, quer dizer a ampliação há de estar contida virtualmente no pedido inicial, consubstanciando um acrescento/desenvolvimento do pedido inicial, mantendo com este total conexão.
III - Constitui desenvolvimento do pedido primitivo o pedido em que se pede a ampliação do valor indemnizatório pelos prejuízos resultante de infiltrações, invocadas na petição inicial, em virtude de alterações do preço de mercado da construção civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA e BB instauraram, no Juízo Local Cível ... - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca ..., acção declarativa, sob a forma comum, contra o Condomínio ... e Companhia de Seguros A..., S.A., pedindo a condenação solidária dos RR. a:

a) Efetuar todas as obras necessárias à reparação na fração autónoma propriedade dos autores, nomeadamente substituição do teto em folha de madeira natural de carvalho, reparação das fissuras e pintura das paredes, tapar as rachadelas e pintar paredes nas divisões onde se instalaram as infiltrações e que se encontram deterioradas; ou
b) Indemnizar os Autores pelos prejuízos que as referidas infiltrações de humidade lhe causaram no valor de 3.225,00€ + IVA, a título de danos patrimoniais;
E, em qualquer caso,
c) Pagar aos autores, quantia não inferior a 15.000,00€ a título de danos não patrimoniais.
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Citados, os RR. apresentaram, separadamente, contestação, pugnando pela improcedência da acção (refªs. ...80 e ...58).
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Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador (ref.ª ...66), que julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva da ré Companhia de Seguros A..., S.A., com a consequente absolvição da instância dessa ré; quanto ao mais, foi afirmada a validade e a regularidade da instância; de seguida, procedeu-se à identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, bem como foram admitidos os meios de prova.

O objeto do litígio (questão controvertida) foi identificado nos termos seguintes:
«Se os autores têm direito à indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais causados pelas infiltrações da cobertura do edifício e se esses danos são responsabilidade do réu condomínio».
E foram enunciados os seguintes temas da prova:
«a) - se as patologias verificadas na cobertura do edifício em causa, causaram infiltrações e estragos na fração autónoma dos autores;
b) - se a atuação tardia do réu condomínio na reparação da cobertura originou infiltrações na fração autónoma dos autores;
c) - se a fração dos autores tem as paredes deterioradas por causa de humidades e infiltrações de água;
d) - se as paredes estão empoladas, com fissuras, manchas e bolores e com a tinta a desprender;
e) - se o tecto da fração também tem a madeira empolada com a humidade, desprendendo-se e caindo no chão;
f) - se por via desses factos, a fração se encontra constantemente suja e húmida, com maus odores;
g) - se a reparação dos referidos danos se computa em €3.225,00 (acrescido de IVA);
h) - se os autores sofreram danos morais decorrentes dos factos relatados;
i) - se os autores para efeitos de instalação de uma chaminé procederam à perfuração da cobertura do edifício;
j) - se com tal obra rasgaram a tela original que integrava a cobertura e afetaram a qualidade impermeabilizante da mesma».
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Em 7-12-2022, teve lugar a primeira sessão da audiência de discussão e julgamento (ref.ª ...24).

No decurso dessa sessão de julgamento, a Ex.ma mandatária dos AA. formulou o seguinte requerimento:

 “Os autores vêm no presente momento requerer a ampliação do seu pedido, o que fazem nos seguintes termos: desde a propositura dos presentes autos até à presente data, circunstâncias e factos ulteriores surgiram que permitem ampliar o pedido nos termos que ora se propõem. Com efeito, a presente ação foi proposta no ano de 2019, sendo que desde então e na sequência das alterações de mercado da construção civil derivadas por diversos fatores endógenos, internos e externos, s valor adstrito aos materiais e mão de obra incrementou substancialmente, conforme é de conhecimento público. Aquilo que outrora foi avaliado em 3.225,00€ acrescido de IVA, tal qual se computa na al. b) no pedido em causa nos presentes autos, no dia de hoje à data de fevereiro de 2022, já imputava a quantia de 7.300€ acrescido de IVA à taxa legal. Esta oscilação de preços de mercado, não é desconhecida dos operadores e agentes judiciários e terá que ser tida em consideração. Para além do mais, na al. a) do pedido da presente demanda requer-se que seja o condomínio, em primeira linha, condenado a efetuar todas as obras necessárias à reparação da fração autónoma propriedade dos autores, nomeadamente, substituição do teto, reparação das fissuras, pinturas e paredes, tapar rachadelas, pintar paredes nas divisões e demais defeitos aí elencados e devidamente discriminados. Apenas com o orçamento atual é possível ter a perceção do quanto a fixar a tal título.
Nestes termos, requer-se a ampliação do pedido formulado pelos autores de forma a que tendo por referência o documento identificado no nosso requerimento anterior, designado por “orçamento” datado de .... de 2022, na al. b) do pedido onde conste Indemnizar os Autores pelos prejuízos que as referidas infiltrações de humidade lhe causaram no valor de 3.225,00€ + IVA, a título de danos patrimoniais, deverá passar a constar Indemnizar os Autores pelos prejuízos que as referidas infiltrações de humidade lhe causaram no valor de 7.300,00€ + IVA, a título de danos patrimoniais.
Para fundamento do presente pedido, em termos de admissibilidade, vai requerida a instrução por referência ao Código de Processo Civil no que toca ao direito ao pedido de ampliação do pedido, bem como por referência ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/09/2021, do qual resulta por unanimidade, (processo ... do Sr. Desembargador Baldaia de Morais) que “independentemente da falta de acordo da parte contrária, existindo circunstâncias supervenientes tal qual o presente caso enferma que entronca, deverá a admissibilidade ser operativa e, como tal, admitida em juízo, portanto, uma vez documentada e suportada, o que se requer, neste momento e nos termos exarados. Pede deferimento”.
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Em resposta, pelo Ex.mo mandatário do Réu foi afirmado, em súmula, que a ampliação do pedido é inadmissível nesta altura dos factos, não existindo factos supervenientes que o justifiquem, pedindo o indeferimento do requerido.
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De seguida, pelo Mm.º Juiz “a quo” foi proferido o seguinte despacho:

«Em primeiro lugar, dá-se por reproduzido o teor do imediatamente antecedente despacho proferido por este Tribunal, com particular incidência no que concerne ao facto de os autores não terem peticionado qualquer quantia a apurar supervenientemente em sede de liquidação em execução de sentença.
Por outro lado, do teor da petição inicial resulta que o pedido principal consiste na reparação por parte do réu das patologias alegadamente detetadas, sendo que a título alternativo peticiona o pagamento de uma indemnização pelos prejuízos derivados das alegadas infiltrações.
Este Tribunal admite que o decurso do tempo provoque um agravamento dos preços na área da construção civil. Porém, a dilação de qualquer ação desta natureza poderá, em última análise e na hipótese de serem acolhidas sucessivas ampliações do pedido, originar uma eventual condenação num valor incomparavelmente distinto ou superior ao inicialmente peticionado.
Por outro lado, o decurso do tempo, mais uma vez numa ação desta natureza e na hipótese de serem acolhidas sucessivas ampliações do pedido, poderá originar a apresentação sucessiva de orçamentos que são elaborados por autores e em circunstâncias distintas daquelas que motivaram a instauração da ação, o que poderia levar, ad absurdum, a uma eternização da produção de prova e dos presentes autos.
Além disso, no orçamento que subjaz à ampliação do pedido consta como Cap. 3 “Eletricidade”, alegada patologia essa que não foi referida nem peticionada em sede de reparação na al. a) do pedido final da petição inicial. Este Tribunal quer com isto dizer que o decurso do tempo poderá levar, eventualmente, a trazer ao processo patologias que não foram alegadas em sede de articulados, violando nitidamente o princípio do dispositivo.
Eventualmente os autores poderiam já ter instaurado outra ação com causa de pedir eventualmente distinta ou ampliada e pedido eventualmente distinto ou ampliado, o que se supõe que não fizeram até à presente data.
Por conseguinte, face ao supra-exposto, indefere-se a referida ampliação do pedido.
Atenta a simplicidade da questão e o facto de os autores, com esta conduta processual, não terem provocado qualquer entorpecimento da normal tramitação dos autos, não se fixa, por este incidente, qualquer quantia a título de custas.
Notifique».
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Inconformado com esta decisão, dela interpuseram recurso os Autores (ref.ª ...99) e, a terminar as respetivas alegações, formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I. Andou mal o Tribunal recorrido quando decidiu não deferir a ampliação de pedido requerida pelos recorrentes.
II. Refere o artigo 265º, nº2 do CPC que “2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
III. A lei confere ao autor a possibilidade de ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
IV. A ampliação do pedido foi requerida pelos autores/recorrentes durante a audiência de discussão e julgamento, pelo que quanto à temporalidade nada se terá a dizer.                                        
V. Compreendendo-se a ampliação virtualmente na mesma causa de pedir invocada inicialmente, aquela não deixa de ser admissível ainda que o valor resultante da ampliação já pudesse ter sido reclamado logo na petição inicial.
VI. O pedido primitivo do presente processo é, e tal como referido pelo Tribunal recorrido, a reparação por parte do réu das patologias alegadamente detetadas, sendo que a título alternativo peticiona o pagamento de uma indemnização pelos prejuízos derivados das alegadas infiltrações.
VII. Sendo líquido que as alegadas patologias detetadas no início do processo se decifravam no montante de 3.225,00€, o certo é que no decorrer deste processo essas patologias foram-se agravando e, consequentemente, o montante das mesmas também.
VIII. Deste modo, a ampliação faz todo o sentido, uma vez que a mesma resulta do desenvolvimento do pedido primitivo.
IX. No caso em concreto, não hã dúvida que o pedido de ampliação radica de origem comum ao pedido inicial.
X. Tanto o pedido inicial como o pedido de ampliação têm como causa as alegadas patologias detetadas e que se pretendem ver solucionadas.
XI. Caso o pedido de ampliação não seja deferido e, posteriormente, seja o réu condenado no pagamento de uma indemnização pelas alegadas patologias detetadas e que no momento inicial se decifravam no valor de 3.225,00€ + IVA, efetivamente, o autor nunca será verdadeiramente indemnizado pelos danos que sofreu, 
XII. Uma vez que, o valor para a reparação das patologias já ultrapassa o valor inicial, sabendo-se que, no presente, essa reparação se decifra no montante de 7.300,00€ + IVA.
XIII. Deste modo, nos termos do artigo 265º, nº 2do CPC, deveria a ampliação do pedido requerida ter sido deferida.
XIV. Pelo que deve ser revogado o despacho que indefere a ampliação do pedido e, consequentemente, ser subsistido por um outro que defiro a ampliação requerida.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá o despacho em crise e aqui recorrido, ser revogado e substituído por outro que defira a ampliação de pedido efetuada pelos recorrentes.
(…)

ASSIM DECIDINDO, VOSSAS EXCELÊNCIAS, MUITO ILUSTRES
DESEMBARGADORES».
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Contra-alegou a co-Réu Condomínio ... (ref.ª ...25), pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (ref.ª ...60).
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Objeto do recurso             

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão decidenda consiste em saber da (in)admissibilidade da ampliação do pedido.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

As incidências fáctico-processuais a considerar para a decisão do presente recurso são as descritas no relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos).
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V. Fundamentação de direito.
                       
1. Da (in)admissibilidade da ampliação do pedido.

Como é sabido, o objeto da acção consubstancia-se numa pretensão processualizada integrada pelo pedido e causa de pedir.
Com efeito, nas alíneas d) e) do n.º 1 do art. 552.º do CPC, exige-se que o autor, na petição inicial, exponha os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção e formule o pedido, respectivamente.
Do disposto no n.º 3 do art. 581.º do CPC extrai-se que o pedido consiste no efeito jurídico que o autor pretende obter com a acção, o qual expressa a concreta tutela jurisdicional que o demandante solicita ao propor a ação.
O pedido deve ser claro e inteligível, bem como preciso, determinado e idóneo, devendo constar da parte final da petição inicial.
O pedido deduzido na conclusão da petição representa o corolário lógico dos factos descritos na narração, os quais são precisamente o fundamento do pedido.
O pedido não só conforma ou molda o objeto do processo, como condiciona o conteúdo da decisão de mérito, a emitir pelo tribunal, porquanto o juiz, na sentença, «deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação», não podendo «ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras» (art. 608º, n.º 2, do CPC) e «não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir» (art. 609º, n.º 1, do CPC), sob pena de nulidade da sentença por omissão de pronúncia, por excesso de pronúncia ou por condenação “ultra-petitum”, respetivamente (art. 615º, n.º 1, als. d) e e), do CPC).
Nas palavras de Lebre de Freitas[1], ao propor a ação, o autor formula o pedido, determinado formalmente pela providência requerida e materialmente pela afirmação duma situação jurídica, dum efeito querido ou dum facto jurídico, e fundado, de acordo com a imposição da substanciação, numa causa de pedir, assim conformando o objeto do processo.
O art. 260º do CPC, consagrando o princípio da estabilidade da instância, dispõe que “citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”, estabelecendo o art. 564º, al. b), do mesmo diploma legal que, além de outros, especialmente prescritos na lei, a citação torna estáveis os elementos essenciais da causa, nos termos do art. 260º.
Significa isso que, “(…) antes da citação do réu, qualquer daqueles elementos é livremente modificável, nada impedindo que entre o momento da apresentação da petição e o acto de citação o autor altere a causa de pedir ou o pedido ou demande novos réus (…)[2].
Com a citação, ficam estabilizados os elementos essenciais da instância (sujeitos, pedido e causa de pedir), mas tal não significa que esses elementos fiquem, a partir desse momento, imutáveis ou inalteráveis[3].
Com efeito, e no que respeita ao pedido e causa de pedir são ainda admissíveis, após a citação, as alterações previstas pelos arts. 264º (“Alteração do pedido e da causa de pedir por acordo”) e 265º (“Alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo”).
Havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito” (art. 264º do CPC).
Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação” (art. 265º, n.º 1, do CPC).
Também na falta de acordo, o “autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo” (n.º 2 do art. 265º do CPC).
Este dispositivo legal admite a ampliação do pedido, na ausência de acordo, se efectuado até ao encerramento da discussão em 1ª instância, contanto que a ampliação seja o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Põe-se, por isso, dois limites à ampliação: um limite temporal e um limite de qualidade ou de nexo.
Quanto ao limite de tempo a ampliação é inadmissível depois de encerrada a discussão na primeira instância.
No caso em apreço o limite temporal não se mostra excedido, pois o requerimento de ampliação do pedido foi formulado em pleno decurso da audiência de julgamento, aquando da produção de prova.
Quanto ao limite de qualidade e de nexo a ampliação há-de ser o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, o mesmo é dizer, a ampliação há-de estar contida virtualmente no pedido inicial[4].
Embora a lei não defina o que deve entender-se por “desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo”, a interpretação de tais conceitos deve orientar-se no sentido de a ampliação radicar numa origem comum.
Esse é o entendimento que vem sendo sustentado na doutrina e na jurisprudência[5], ao defenderem que a ampliação do pedido será processualmente admissível, por constituir desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, quando o novo pedido (objecto de ampliação) esteja virtualmente contido no âmbito do pedido inicial, por forma a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, ou da reconvenção, sem recurso a invocação de novos factos[6]. Ou seja, a ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo quando o pedido formulado esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da acção, pressupondo-se, para tanto, que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais.
Como exemplo característico[7]: “pediu-se em acção de reivindicação, a entrega do prédio; pode mais tarde fazer-se a ampliação, pedindo-se também a entrega dos rendimentos produzidos pelo prédio durante a ocupação ilegal.
Outro exemplo: pediu-se a restituição de posse de um prédio; pode depois, em ampliação, pedir-se a indemnização das perdas e danos causados pelo esbulho.
Num e noutro caso a ampliação é consequência do pedido primitivo.
Em vez de ser uma consequência, pode ser um desenvolvimento. Pediu-se o pagamento de uma dívida; pode depois alegar-se que a dívida vencia juros e pedir-se o pagamento destes (…)”.
O citado Professor faz ainda a distinção entre “cumulação” e “ ampliação”, para o que se terá de relacionar o pedido e causa de pedir[8]. Assim, “a ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado facto, se junta outro, fundado em ato ou facto diverso”.
E exemplifica com um caso duma acção em que se pedia a anulação de duas escrituras de doação por simulação e depois se vem a pedir a anulação duma terceira escritura de doação com o mesmo fundamento. Nesse caso, conclui esse insigne processualista, que: «o Autor não se mantém no mesmo acto ou facto jurídico, não desenvolve ou aumenta o pedido anterior, formula um pedido com individualidade e autonomia perfeitamente diferenciada dos pedidos primitivos»”.
O que há que ter presente “é que a ampliação ou o pedido cumulado seja desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo e que, por conseguinte tenham essencialmente origem comum – causas de pedir, se não totalmente idênticas, pelo menos integradas do mesmo complexo de facto»[9].
No caso concreto, o primitivo e principal pedido formulado na petição inicial tem por objeto a reparação por parte do réu das patologias alegadamente detetadas na fracção pertença dos Autores, sendo que a título alternativo peticionam o pagamento de uma indemnização pelos prejuízos derivados das alegadas infiltrações, cujo custo da reparação quantificam no valor de 3.225,00€ + IVA.
Sucede que, sob a alegação do decurso do tempo desde a propositura da ação e “das alterações de mercado da construção civil derivadas por diversos fatores endógenos, internos e externos”, os AA. indicam ter ocorrido um agravamento do “valor adstrito aos materiais e mão de obra” necessários à reparação/ressarcimento de tais patologias, cujo valor computam, actualizadamente, em 7.300,00€ + IVA.
A nosso ver, entendemos que a ampliação pretendida constitui desenvolvimento do primitivo pedido alternativo formulado sob a al. b). Por outro lado, a ampliação requerida não envolve alteração da causa de pedir: as patologias são as mesmas, o que alterou, após o decurso do tempo e das contingências ou factores de mercado, é o seu valor. O mesmo é dizer que a ampliação requerida se considera integrada no mesmo complexo de factos, estando virtualmente contida no pedido inicial, sendo que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifica para mais, o que nos reconduz à sua admissibilidade.
Acresce que, na alegação dos autores, a ampliação do pedido é consequência das alterações de mercado da construção civil entretanto verificadas, que apontam para um custo do valor da reparação das patologias superior ao primitivamente peticionado pelos AA.. Este valor surgiu após a apresentação da petição inicial, pelo que não podia ser considerado na p.i.. Mas mesmo que se entendesse que os AA. deveriam ter diligenciado antes de instaurarem a acção, no sentido de apurar qual o valor do custo da reparação das patologias, ainda assim a lei não impede que se formule uma ampliação do pedido, ainda que esse valor já pudesse ter sido contemplado na petição inicial, por ser a solução que é mais consentânea com o princípio da economia processual, permitindo a apreciação da situação globalmente considerada, em todos as suas consequências, evitando a necessidade de propositura de uma nova acção, com inerentes custos e demoras[10].
Ressalvando sempre o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos que o próprio despacho recorrido, na sua fundamentação, faz menção a argumentos que podem servir de suporte ou reforço à admissibilidade da requerida ampliação do pedido, nomeadamente ao admitir que o decurso do tempo provoque um agravamento dos preços na área da construção civil, o que poderá determinar uma eventual condenação num valor incomparavelmente distinto ou superior ao inicialmente peticionado.
Por outro lado, o argumento da eternização da produção de prova e dos presentes autos não se coloca, posto que, segundo decorre da pesquisa dos autos através do CITIUS, ocorreu já o encerramento da discussão na primeira instância, o que impede a formulação de novos pedidos de ampliação do pedido. 
Por fim, é feita menção à possibilidade de que os autores tinham de ter já instaurado outra acção com causa de pedir eventualmente distinta ou ampliada e pedido eventualmente distinto ou ampliado, o que não fizeram. Ou seja, é o próprio Tribunal “a quo” que admite estarmos perante uma causa de pedir ampliada ou, mais apropriadamente no caso, de um pedido ampliado ao que foi formulado na acção.
Pois bem, tratando-se efectivamente de uma ampliação do pedido, o art. 265º, n.º 2, do CPC legitima a sua formulação nos autos de que este recurso emerge, dando-se prevalência ao princípio da economia processual sobre o princípio da estabilidade da instância, na estrita medida em que se verificam reais vantagens na solução definitiva num único processo do conflito existentes entre as mesmas partes, dado que a relação controvertida é a mesma e assenta virtualmente na mesma causa de pedir.
Acresce que, a ser procedente o pedido formulado na al. b) nos moldes em que o mesmo foi deduzido na petição inicial, temos sérias dúvidas de que poderiam os Autores intentar uma nova acção com vista a reclamarem o eventual agravamento da indemnização pelos prejuízos resultantes das infiltrações sob a alegação das alterações de mercado verificadas.
Ressalve-se, no entanto, que as alegadas novas patologias invocadas – no despacho recorrido é feita menção à patologia da electricidade –, por não terem sido alegadas nem peticionadas em termos de petição inicial, e por quanto a elas não ter sido deduzido o competente articulado superveniente, não poderão ser atendidas.
Em suma, a requerida ampliação do pedido alternativo, sendo integrante da causa de pedir que serviu de suporte ao primitivo pedido indemnizatório (alternativo) nela deduzido, deve ser encarado como desenvolvimento do pedido primitivo alternativo, preenchendo a previsão do n.º 2 do art. 265º do CPC.
Logo, nos termos deste normativo, a ampliação do pedido é legalmente admissível, independentemente da falta de acordo nesse sentido manifestada pelo Réu.
Consequentemente, impõe-se a revogação da decisão recorrida.
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Como a apelação foi julgada procedente, mercê do princípio da causalidade, as custas serão da responsabilidade do réu/recorrido (art. 527º do CPC).
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VI. DECISÃO

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação, e, em consequência, revogando a decisão recorrida, admitem a requerida ampliação do pedido.
Custas a cargo do réu/apelado (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 10 de julho de 2023

Alcides Rodrigues (relator)
Raquel Baptista Tavares (1ª adjunta)
Alexandra Rolim Mendes (2ª adjunta)



[1] Cfr. Introdução ao Processo Civil - Conceito e princípios gerais à luz do novo Código, 4.ª ed., Gestlegal, p. 165.
[2] Cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I, Almedina, p. 89; no mesmo sentido, Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, p. 66.
[3] Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio da Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª ed., 1985, pp. 278/279.
[4] Cfr. Alberto dos Reis, obra citada, pp. 92/93.
[5] Cfr., Alberto dos Reis, obra citada, p. 93 e Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. II, AAFDL, 1987, p. 347; Ac. da RG de 6.02.2020 (relatora Anizabel Sousa Pereira) e Ac. da RP de 19.05.2022 (relatora Judite Pires), todos em www.dgsi.pt.
[6] Quando a ampliação importe a alegação de factos novos, a mesma só é processualmente admissível se tais factos forem supervenientes; nessa hipótese, o autor, ou o reconvinte, deve introduzir os novos factos, nos quais sustenta a ampliação do pedido, através de articulado superveniente, de acordo com o disposto no art. 588.º do CPC, instrumento processual adequado, nestas circunstâncias, para requerer a ampliação do pedido (cfr. Lebre de Freitas, obra citada, p. 166, nota 30).
[7] Cfr. Alberto dos Reis, obra citada, p. 93.
[8] Cfr. obra citada, p. 95.
[9] Cfr. Castro Mendes, obra citada, p. 347.
[10] Cfr. Ac. da RG de 3/05/2011 (relatora Helena Melo), in www.dgsi.pt.
Neste aresto foi, aliás, decidido constituir desenvolvimento do pedido primitivo o pedido em que se pede a ampliação do valor de obras, invocadas na petição inicial, decorrente de uma perícia realizada no processo.