Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5245/22.0T8NVF.G2
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: SOCIEDADE
DIREITO AOS LUCROS
DELIBERAÇÃO SOCIAL INVÁLIDA
DELIBERAÇÃO SOCIAL DE DISTRIBUIÇÃO DE LUCRO ABUSIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. O direito ao lucro é um direito essencial dos sócios, já que é precisamente o fim de o repartir a razão determinante da celebração do contrato de sociedade; e a sua repartição periódica (sem esperar pelo momento da liquidação da sociedade) constitui a forma habitual de remuneração do investimento dos sócios.

II. Os art.ºs 217.º, n.º 1 e 294.º, n.º 1 do CSC, que consagram o direito ao dividendo (ou direito ao lucro periódico), mercê da vinculação da sociedade (por quotas e anónima) a distribuir lucros no final de cada exercício, têm natureza supletiva (e não imperativa), já que essa regra da distribuição dos lucros do exercício pode ser afastada pelos estatutos societários, ou por deliberação que obtenha a concordância de 3/4 do capital social.

III. Uma deliberação social cujo conteúdo seja ofensivo de preceitos legais inderrogáveis é aquela que viola uma norma de natureza imperativa, seja esta explícita ou implícita (isto é, resultando da pertença à ordem pública, da concretização de princípios injuntivos ou da tutela de terceiros); e, por isso, na sua verificação há que atender a um duplo critério, formal (que se atém à linguagem expressiva ou enfática do preceito concretamente infringido, referindo a impossibilidade de negação deliberativa), e substancial (que se atém à natureza do interesse tutelado pela norma legal que o conteúdo da deliberação afecta).

IV. Uma deliberação social cuja aprovação seja abusiva é aquela que acarreta vantagens especiais para o(s) sócio(s) que a aprovou(aram), em detrimento da sociedade ou de terceiros, ou que tenha natureza emulativa, visando prejudicar a sociedade ou outros sócios (representando, assim, um acto disfuncional, por ser estranha à finalidade de acautelar os direitos e/ou interesses da sociedade).

V. A deliberação em que uma maioria de 92,5% de sócios/accionistas opta por afectar o lucro distribuível de um exercício à constituição de uma reserva livre (por forma a assegurar a disponibilidade de tesouraria da sociedade, exigida pelo potencial reembolso imediato de um subsídio antes auferido por ela, pela escalada de preços das matérias-primas, pela escassez das mesmas e pela incerteza quanto às consequências económicas e financeiras decorrentes da guerra entre a Rússia e a Ucrânia) e de uma reserva de investimento (por forma a proporcionar à sociedade um benefício fiscal), atingindo todos os sócios/accionistas (maioritários e minoritários) e de forma exactamente igual (isto é, não recebendo qualquer deles dividendos relativos ao exercício em causa), não viola preceito legal inderrogável, nomeadamente os art.ºs 217.º, n.º 1 ou 294.º, n.º 1 do CSC; e não é abusiva, por não consubstanciar vantagens especiais para quaisquer sócios/accionistas, em prejuízo de outros deles, ou um prejuízo para a sociedade.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente na Rua ..., ..., em ... (aqui Recorrente), propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP01..., S.A., com sede na Rua ..., freguesia ..., em ... (aqui Recorrida), pedindo que

· se declarassem nulas, por contrárias à lei, as deliberações tomadas na assembleia geral de accionistas da Ré, realizada no dia ../../2022;

· se declarasse nula ou, pelo menos, anulável, por contrária à lei, a deliberação tomada na assembleia geral extraordinária de accionistas da Ré, realizada no dia 21 de Julho de 2022, de criação de reservas livres.

Alegou para o efeito, em síntese, que, sendo detentora de 7,5% do capital social da Ré (EMP01..., S.A.) - que se dedica ao comércio de painéis para coberturas e revestimentos - não foi convocada para a assembleia geral ordinária realizada no dia ../../2022, pelo que as deliberações então aprovadas seriam nulas, nos termos do art.º 51.º, n.º 1, al. a), do Código das Sociedades Comerciais [1].
Mais alegou que, na assembleia geral extraordinária realizada no dia 21 de Julho de 2022 (para a qual não foi convocada mas onde compareceu), foi aprovada por 92,5% dos votos (mas com o seu voto contra) uma deliberação de aplicação de € 592.686,94 dos resultados líquidos de 2021 em reservas livres; e outro tanto já tinha sido feito no ano de 2020, quando a € 1.607.414,39, e no ano de 2021, quanto a € 1.560.854,67.
Alegou ainda a Autora (AA) que, sendo direito dos sócios quinhoar nos lucros, a dita deliberação seria abusiva, já que totalmente carecida de justificação e causadora de prejuízos para os pequenos accionistas, como ela própria.
Defendeu, por isso, ser a dita deliberação ofensiva dos princípios gerais do direito e nula (por violação do art.º 56.º, n.º 1, al. d), do CSC); ou, pelo menos, anulável (nos termos do art.º 58.º, n.º 1, al. b), do CSC).

1.1.2. Regularmente citada, a (EMP01..., S.A.) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, por não provada, sendo ela própria absolvida dos pedidos.
Alegou para o efeito, em síntese, ter sido a Autora (AA) convocada para ambas as assembleias gerais aqui impugnadas, por meio de cartas registadas com aviso de recepção, remetidas para o seu domicílio, mas que ela própria não reclamou (vindo por isso a serem devolvidas).
Mais alegou ter sido apreciada e aprovada na assembleia geral ordinária de accionistas de ../../2022 a proposta de aplicação dos resultados do exercício de 2021 - nomeadamente, a aplicação de € 2.252.244,34 em reservas livres -, por motivos aí igualmente comunicados e exarados em acta (v.g. mercê de reembolsos de ajudas e incentivos por si recebidos, de despesas exigidas por processos judiciais em curso e cujo desfecho lhe poderá ser desfavorável e pela escalada dos preços das matérias primas).
Alegou ainda que, tendo o seu Conselho de Administração deliberado em 07 de Junho de 2022 quanto à utilização de um benefício fiscal de € 165.955,74, tornou-se necessário convocar nova assembleia geral extraordinária de accionistas para deliberar sobre a alteração daí resultante na aplicação em reservas de parte do resultado líquido de 2021, sendo assim convocada a assembleia geral extraordinária de accionistas que teve lugar no dia 21 de Junho de 2022.
Por fim, alegou que na mesma assembleia geral extraordinária foi explicado e feito constar em acta a justificação para a alteração do proposto e aprovado na assembleia geral de accionistas de ../../2022, nomeadamente no que dizia respeito à aplicação de € 592.686,94 para reservas lives (v.g. por forma a garantir benefícios fiscais num futuro próximo e a existência de capitais próprios, que assegurassem uma disponibilidade de tesouraria imediata).
Defendeu, por isso, a Ré (EMP01..., S.A.) serem as deliberações de aplicação de parte do resultado líquido de 2021 em reservas livres válidas, já que justificadas exclusivamente pelo interesse social, tendo ainda afectado por igual todos os outros seus sócios.

1.1.3. Em sede de audiência prévia, frustrada a conciliação das partes e havendo consenso quanto a serem apenas controvertidas questões de direito, alegaram aquelas o que tiveram por conveniente.

1.1.4. Foi proferido saneador-sentença, fixando à acção o valor de € 8.000,00, certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância e julgando a acção totalmente improcedente.

1.1.5. Inconformado com esta decisão, a Autora (AA) interpôs recurso de apelação, pedindo que se revogasse a sentença recorrida, nomeadamente por a mesma ter omitido pronúncia sobre a alegada ausência da sua convocação para a assembleia geral ordinária de ../../2022.

A Ré (EMP01..., S.A.) contra-alegou, pedindo que o recurso fosse julgado improcedente, reconhecendo, porém, a omissão de pronúncia denunciada.

1.1.6. Foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Guimarães, em 07 de Junho de 2023, julgando o recurso da Autora (AA) procedente, declarando nulo o saneador-sentença por omissão de pronúncia, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela Autora (AA), e, em consequência, em

· Declarar nulo o saneador-sentença recorrido, por omissão de pronúncia, devolvendo-se os autos ao Tribunal a quo para que, prosseguindo a sua marcha normal, supra essa omissão, por este Tribunal ad quem não dispor dos elementos necessários para o efeito.
(…)»
           
1.1.7. Devolvidos os autos à primeira instância, foi proferido novo saneador-sentença, fixando à acção o valor de € 8.000,00, certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância e julgando a acção totalmente improcedente, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Decisão
Termos em que, vistos aqueles factos e o Direito aplicável, julgo a acção de todo improcedente e absolvo a R do pedido.

Custas pela A., por vencida - art.º. 527.º, 1 e 2, do CPC e tabela I-A anexa ao RCP.

Registe e notifique.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformada com esta decisão, a Autora (AA) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a sentença recorrida, por forma a «declarar-se nula ou quando menos, anulável, a deliberação tomada na assembleia de 21 de julho de 2022, de criação de reservas livres, por contrárias à lei».
 
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

1. A sentença em crise não fez uma correta interpretação e aplicação da lei e da prova documental dos autos.

2. A Recorrente é acionista da sociedade comercial Recorrida, na qual é titular de três mil setecentas e cinquenta ações nominativas, no valor unitária de cinco euros.

3. A Recorrente é detentora de uma participação social correspondente a 7,5% do capital social, sendo o capital social da Recorrida de duzentos e cinquenta mil euros.

4. No dia 21 de julho de 2022 foi realizada uma assembleia geral extraordinária, com a seguinte ordem de trabalhos:
Ponto único: deliberar sobre a alteração da aplicação de resultados do exercício de 2021.

5. No decurso da assembleia tomou a Recorrente conhecimento de que terá sido realizada uma assembleia geral, no dia ../../2022, para a aprovação de contas.

6. A Recorrente não esteve presente na referida assembleia.

7. Na assembleia de 21 de julho de 2022 cuja deliberação se pretende ver nula ou quando menos anulada, foi deliberado sobre o ponto único da ordem de trabalhos, aprovar a proposta apresentada de aplicação dos resultados líquidos, com os votos a favor dos acionistas BB, CC, DD, EE, BB e o voto contra da Recorrente.

8. A proposta aprovada decide que o resultado líquido do período, no valor de Eur: 2.252.244,34, fosse aplicado da seguinte forma:
- 1.659.557,40€ para reserva de investimento no âmbito da DLRR a realizar nos anos de 2022 e 2025.
- 592.686,94€ para reservas livres.

9. Tal deliberação é nula ou, quando menos anulável, por violação de lei, nomeadamente, do disposto no artº 56º, 1 al. d) ou, quando menos, anulável por força do artº 58, nº 1 al b) do CSC.

10. Desde que a Recorrente é acionista da sociedade Recorrida, nunca houve qualquer distribuição de lucros.

11. No ano de 2020 foi deliberado aplicar em reservas livres o montante de Eur: 1.607.414,39 e no ano de 2021, foi deliberado aplicar em reservas livres a quantia de Eur: 1.560.854,67.

12. Na noção de sociedade constante do artigo 980º do Código Civil é referida a repartição de lucros como sendo a sua finalidade.

13. O quinhoar nos lucros é um direito dos sócios das sociedades comerciais - artigo 21º, 1, a), do CSC.

14. Os lucros dos sócios justificam-se como contrapartida das suas entradas ou do valor que hajam pago pelas suas participações, como contrapartida do risco envolvido e como contrapartida do esforço e das obrigações que cumpram, no quadro social - neste sentido Prof. Menezes Cordeiro (Código das Sociedades Comerciais Anotado, v. 1º).

15. O direito aos lucros, sendo um direito abstracto, traduz uma expectativa a concretizar com a apresentação das contas, das quais resulte um lucro distribuível, com a aprovação dessas contas e com a aprovação de uma proposta de distribuição de resultados - ibidem Prof Menezes Cordeiro (Código das Sociedades Comerciais Anotado, v. 1º).

16. O artigo 22º do Código das Sociedades Comerciais estipula o critério de repartição dos dividendos.

17. O fim lucrativo e a repartição de lucros da actividade social é elemento fundamental do conceito de sociedade.

18. A decisão de não distribuição dos lucros foi tomada por maioria de 92,5%¾ dos votos, no entanto, esta deliberação é abusiva.

19. O artigo 58º, 1, b), do CSC, determina que são anuláveis as deliberações que sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos.

20. São votos que visam prejudicar a sociedade ou outros sócios.

21. A Recorrente nunca teve qualquer benefício que decorre da sua participação social.

22. Concretizando na deliberação em crise, e no que respeita à quantia destinada a reservas livres, no montante de Eur: 592.686,94€, e a sua não distribuição como lucros, conforme se pode verificar pela deliberação tomada, nenhuma justificação foi apresentada.

23. A deliberação da sociedade comercial, criando reservas livres, nos termos legalmente permitidos, impeditivas até da distribuição de lucros pelos seus sócios representa uma medida cautelar do interesse de todos, incluindo, logicamente, dos próprios sócios.

24. No entanto, conforme consta da acta não foi invocado qualquer necessidade de capitalização, nem de cobertura de prejuízos, nem justificada a constituição de reservas legais ou contratuais, e apenas é referido a constituição de reservas livres no valor de Eur: 592.686,94€.

25. O restante lucro, no montante de Eur:1.659.557,40, foi, todo ele destinado à criação de uma reserva de investimento, demonstrando, ainda mais a desnecessidade de criação de mais uma reserva livre do valor deliberado.

26. Não foi, pois, justificada a não distribuição de lucros, razão pela qual se conclui que a referida deliberação é abusiva.

27. A possibilidade de suprimir a distribuição dos lucros mediante a maioria qualificada não pode deixar de ser excepcional e justificado pelo interesse social, pelo que, nenhuma necessidade se verifica na criação de reservas livres, no valor de Eur: 592.686,94, sendo, por isso, essa deliberação abusiva.

28. Tal deliberação representa um prejuízo nítido do pequeno acionista, como o é a Recorrente.

29. A decisão alcançada prejudica a Recorrente, acionista minoritária, num dano patrimonial de valor correspondente ao valor que deixará de receber.

30. As deliberações de aprovação de contas e consequente aplicação dos resultados líquidos, tem como exclusiva intenção, repete-se, causar à Recorrente um dano patrimonial, traduzido na impossibilidade de receber os lucros existentes na sociedade.

31. A deliberação tomada com os contornos acima descritos configura uma situação de claro abuso de direito, previsto no artº 187º do C.C. e encontram-se verificados os respectivos pressupostos objectivos (adequação da deliberação ao propósito ilegítimo dos associados) e subjectivos (intenção de obter uma vantagem especial para os sócios que votaram a deliberação e um prejuízo para a Autora).

32. Posto isto, a deliberação em crise é ofensiva dos princípios gerais do direito e nula nos termos do artº 56º, 1 al. d) ou, quando menos, anulável por força do artº 58, nº 1 al b) do CSC.

Pelo exposto,

33. Ao decidir em sentido diverso, o douto acórdão desrespeitou, nomeadamente, o disposto no artº 56º, 1 al. d) ou, quando menos, o disposto artº 58, nº 1 al b) do CSC, bem como o artº 187º do C.C e o artº nº 2 do artº 608º do CPC.
*
1.2.2. Contra-alegações

A (EMP01..., S.A.) contra-alegou, pedindo que se negasse provimento ao recurso.

Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

1 - A Apelada enviou para o domicílio da apelante, sito Rua ..., ..., ... ..., duas cartas registadas com aviso de receção contendo, uma delas, cópia da convocatória para a assembleia geral de ../../2022 e outra cópia da convocatória para a assembleia geral de 21 de Julho de 2022.

2 - As convocatórias foram feitas, nos termos do disposto no artigo 377º do C.S.C e do artigo 10.4 dos Estatutos da Apelada.

3 - Nos envelopes das cartas com as convocatórias, posteriormente, devolvidas à Apelada, por não reclamadas, foi aposto pelos Correios ... um carimbo com os dizeres AVISADO, não entregue.

4 - A Apelada fez tudo o que lhe competia fazer para assegurar a notificação à Apelante dos avisos convocatórios para as duas assembleias gerais.

5 - A Apelante deverá, pois, como decido pelo Tribunal a quo, considerar-se válida e eficazmente convocada para ambas as assembleias gerais.

6 - Nas assembleias gerais de 29 de abril e de 21 de julho de 2022 foi invocada e, devidamente, justificada a necessidade de capitalização da Apelada e de constituição de reservas, como resulta das respetivas atas (ata nº ...2 e ata nº ...3)

7 - A deliberação de não distribuição de lucros foi tomada na assembleia geral de ../../2022 pelos acionistas da Apelada presentes, que deliberaram por unanimidade que o resultado líquido do exercício de 2021 fosse aplicado em Outras Reservas, no intuito de reforçar a solidez da EMP01... SA.

8 - A deliberação de aplicação dos lucros do exercício de 2021 na constituição Reserva de Investimento para poder usufruir do Benefício Fiscal DLRR a realizar nos anos de 2022 a 2025 e de outras Reservas (Reserva Livres) foi tomada por mais de três quartos dos votos correspondentes ao capital social, em conformidade com o disposto no artigo 294º, nº1 do C.S.C..

9 - Na assembleia geral de ../../2022 foi explicada e justificada aos sócios presentes a proposta apresentada, como resulta da ata nº ...2.

10 - Na assembleia geral extraordinária de 21 de julho de 2022, foi apresentada aos sócios a justificação da proposta de alteração da aplicação de parte do resultado de exercício numa Reserva Livre de Investimento específica, como claramente resulta da ata nº ...3.

11 - Na verdade, na assembleia geral extraordinária de 21 de julho de 2022, os sócios da EMP01..., SA apenas deliberaram alterar a aplicação de resultados em Reservas Livres, para aplicação de parte do resultado de exercício numa Reserva Livre de Investimento específica para poder usufruir do Benefício Fiscal DLRR e parte em Reservas Livres, como claramente resulta da ata nº ...3.

12 - As deliberações de não distribuição dos lucros de exercício de 2021 foi feita no interesse da sociedade como resulta das atas das respetivas assembleias gerais (ata nº ...2 e da ata nº ...3).

13 - A deliberação em apreço apenas visou, naturalmente, reforçar a situação patrimonial e financeira da sociedade, sendo falso e sem sentido o que a Recorrente afirma no ponto 20 das suas conclusões de recurso.           

14 - A deliberação da constituição duma reserva livre e duma reserva especial que suprimiu a distribuição de lucros não beneficiou, nem visou beneficiar terceiros, nem qualquer sócio minoritário ou maioritário.

15 - Se o direito a quinhoar nos lucros é o primeiro direito dos sócios, sendo nula a cláusula que exclua tal comunhão, o sócio não tem propriamente um direito subjetivo aos lucros, antes tendo uma expectativa jurídica de que, havendo lucros distribuíveis, os mesmos venham a ser objeto de uma deliberação de distribuição aprovada pelos sócios/acionistas.

16 - Do artigo 294º, nº 1 do CSC resulta, claramente, que o princípio geral da distribuição de metade do lucro de exercício pelos acionistas pode ser afastado, pelo próprio contrato social ou por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social em assembleia convocada para o efeito.

17 - A situação da recorrente é igual ao dos demais sócios, já que como resulta das atas nºs 22 e 23, nenhum dos sócios, tanto os minoritários, como a maioritária, recebeu qualquer parcela do lucro distribuível

18 - Não poderá, pois, ser considerada, nem ofensiva dos bons costumes, nem abusiva a deliberação aprovada na assembleia geral extraordinária de 21 de julho de 2022, no seguimento da deliberação aprovada na assembleia geral de ../../2022.

19 - E, assim, tal deliberação não pode ser considerada nula por força do disposto no artigo 56º, nº1 alínea d) nem anulável ao abrigo do disposto no artigo 58º alínea b), ambos do CSC.
*
II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [2].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [3], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
*
2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

2.2.1. Questão incluída no objecto do recurso

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pela Autora (AA), uma única questão foi agora submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· Questão Única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito (nomeadamente, ao ter considerado que a deliberação da assembleia geral extraordinária de 21 de Julho de 2022, de não distribuição de lucros, era válida), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, considerando que a dita deliberação viola disposição legal imperativa, sendo por isso nula, e/ou ser abusiva, sendo por isso anulável), por forma a que se julgue a acção totalmente improcedente (declarando-se a invalidade da deliberação social em causa) ?
*
2.2.2. Questão excluída do objecto do recurso
Tendo a Autora (AA) apresentado um primeiro recurso de apelação nos autos, suscitou no mesmo a questão da invalidade das deliberações tomadas, quer na assembleia geral ordinária de ../../2022, quer na assembleia geral extraordinária de 21 de Julho de 2022.
Fê-lo invocando, simultaneamente, a falta de convocação respectiva para ambas as assembleias (sendo que não teria estado presente na primeira, desconhecendo a sua prévia realização), e a invalidade substancial do nelas deliberado.

Contudo, tendo o Tribunal a quo inicialmente omitido a apreciação daquele primeiro fundamento da acção (alegada falta de convocação da Autora para as assembleias gerais ocorridas), veio posteriormente a suprir a nulidade cometida (no cumprimento de prévio acórdão este Tribunal da Relação de Guimarães); e, em nova decisão por si proferida, concluiu pela sua inexistência [4], bem como pela inexistência da qualquer invalidade substancial da deliberação de não distribuição de lucros.
 Vindo a Autora (AA) a recorrer novamente desta última decisão do Tribunal a quo, já não o fez, porém, com base naquele seu primeiro fundamento (falta de convocação, nomeadamente para a assembleia geral ordinária de ../../2022, onde não esteve presente, ao contrário do sucedido na assembleia geral extraordinária de 21 de Julho de 2022, para a qual não teria sido igualmente convocada mas à qual compareceu), mas apenas com base na sua pretensa invalidade substancial.
Com efeito, não obstante haja reiterado no corpo das alegações do presente recurso, que «não esteve presente, por não ter sido notificada», na «assembleia geral, no dia ../../2022, para a aprovação de contas», por não ter recebido «o aviso para levantar a carta no posto dos correios», certo é que imediatamente a seguir reconheceu que «o Tribunal [a quo] decidiu que a Recorrente não conseguiu ilidir a presunção da sua notificação», conformando-se com esse resultado.
Só assim se compreende que não haja de imediato procurado contestar o juízo formulado pelo Tribunal a quo (quer nos seus pressupostos fácticos, quer nos seus pressupostos de direito); e que, quer no corpo, quer nas conclusões, das respectivas alegações (do recurso ora em apreciação) apenas refira a deliberação de 21 de Julho de 2022 como objecto da sua impugnação, invocando exclusivamente para o efeito a respectiva e pretensa invalidade substancial.

Assim, e pese embora a Ré (EMP01..., S.A.), nas suas contra-alegações, considere que é objecto do presente recurso a questão pertinente «à convocatória para as assembleias gerais» (no sentido da sua existência e regularidade), e se pronuncie sobre ela, defendendo a bondade do juízo feito a propósito pelo Tribunal a quo, está a mesma excluída da apreciação deste Tribunal ad quem, por não ter sido o dito juízo sindicado pela Autora (AA), tendo em consequência transitado em julgado.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1. Questão prévia - Correcta forma de enunciação de factos
Os factos constantes da fundamentação de facto de uma decisão judicial (mormente, os provados) deverão ser apresentados segundo uma ordenação sequencial, lógica e cronológica, conforme a realidade histórica que é suposto retratarem.
Logo, é incorrecta a sua apresentação desordenada, consoante os articulados de onde tenham sido extraídos (e  reproduzindo ipsis verbis a sua redacção, incluindo interjeições coloquiais), o que não só dificulta a inteligibilidade do caso concreto, como propicia inúteis repetições e inadmissíveis contradições [5].

Aa respectiva enunciação (quer de factos provados, quer de factos não provados) deverá ainda ser elencados sem quaisquer expressões interlocutórias ou narrativas, próprias apenas dos articulados [6].
Logo, é incorrecta a redacção que reproduza ipsis verbis o vertido nos articulados, o que novamente propicia inúteis repetições e inadmissíveis enunciados com juízos meramente conclusivos ou de direito.

Precisa-se, a propósito, ser apodíctico que a fundamentação de facto se deve cingir à matéria de facto. Com efeito, e apesar de não existir no actual CPC, de 2013, uma disposição idêntica ao art.º 646.º, n.º 4, do anterior CPC, de 1961 (onde se afirmava que se tinham como «não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito» [7]), entende-se hoje, tal como então, que há que distinguir na decisão de facto entre facto, direito e conclusão: pretende-se que a decisão de facto contenha apenas o facto simples, assertivamente afirmado e demonstrado; e dela sejam excluídos, quer meras realidades hipotéticas, quer conceitos de direito (salvo os que transitaram para a linguagem corrente, por assimilação pelo cidadão comum, uma vez que correspondem a um facto concreto, e desde que não constituem eles próprios o thema decidendu), quer conclusões, que mais não são do que a lógica ilação de premissas [8].
Logo, quando na fundamentação de facto de uma decisão judicial se contenham, como pretensos factos, realidades hipotéticas, conceitos de direito e/ou conclusões, deverão os mesmos ter-se por não escritos (isto é, necessariamente como inexistentes, enquanto factos).
Neste sentido depõe hoje o art.º 607.º, n.º 4, do CPC, onde se lê que, na «fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados», tomando «ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência». Logo, o objecto da sua pronúncia aqui prevista limita-se, tão só e apenas, a factos, dela estando necessariamente excluída matéria conclusiva ou de direito.
*
Ora, e não obstante se tenha deixado expresso no primeiro acórdão proferido nos autos a necessidade de se seguir este entendimento [9], certo é que o mesmo não foi considerado na nova decisão de mérito proferida pelo Tribunal a quo.
Assim, será a factualidade por ele considerada para fundar o seu juízo de mérito reproduzida aqui segundo a forma devida; e, por isso, ordenada (lógica e cronologicamente), expurgada de inúteis repetições e indevidas expressões conclusivas e/ou juízos de direito, e reidentificada.
*
3.2. Factos Provados
Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, o mesmo considerou, «da análise dos articulados e documentação junta», que se resultaram «provados os seguintes factos»:

1 - EMP01..., S.A. (aqui Ré)  tem um capital social de € 250.000,00, sendo cada acção sua no valor unitário de € 05,00; e todas elas detidas conjuntamente pela mãe de AA (aqui Autora) e por cinco filhos, sendo que cada um dos filhos (incluindo a Autora) é detentor de 3.750 acções (correspondentes a 7,5% do capital social), e a mãe de todos detentora de 31.250 acções (correspondentes a 62,5% do capital social), conforme pacto social (junto aos autos como documento n.º ... da contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido), certidão permanente com o código de acesso ...84 e certidão da conservatória do registo comercial (junta como documento n.º ... da petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzida).
(factos enunciados na sentença recorrida sob os números 1, 3, 4 e 5, de I - Da petição; e sob o número 1, de II - da contestação)

2 - A Ré (EMP01..., S.A.) dedica-se com fins lucrativos ao fabrico e comércio de painéis para coberturas e revestimentos (conforme certidão da conservatória do registo comercial, junta como documento n.º ... da petição inicial, já antes dada por integralmente reproduzida).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 2, de I - Da petição)

3 - Desde que a Autora (AA) é accionista da Ré (EMP01..., S.A.), nunca houve qualquer distribuição de lucros.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 10, de I - Da petição)

4 - No ano de 2020 foi deliberado pelos accionistas da Ré (EMP01..., S.A.) aplicar em reservas livres o montante de € 1.607.414,39 (conforme «ATA NÚMERO ...», junta como documento n.º ... da petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzida).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 11, de I - Da petição)

5 - No ano de 2021 foi deliberado pelos accionistas da Ré (EMP01..., S.A.) aplicar em reservas livres o montante de € 1.560.854,67 (conforme «ATA NÚMERO ...», junta como documento n.º ... da petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzida).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 12, de I - Da petição)

6 - Do artigo 10.º, n.º 4, dos Estatutos Societários da Ré (EMP01..., S.A.) decorre que (conforme «PACTO SOCIAL», junto como documento n.º ... da contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido): «Enquanto forem nominativas todas as acções da sociedade, a convocatória das assembleias gerais pode ser feita por cartas registadas a remeter para cada um dos accionistas que comuniquem previamente o seu consentimento, por correio eletrónico com recibo de leitura, devendo a expedição das cartas ou mensagens de correio eletrónico ser efetuadas com uma antecedência de 21 dias em relação à reunião».
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 18, de II - da contestação)

7 - Em ../../2022, a Ré (EMP01..., S.A.) enviou para o domicílio da Autora (AA), sito Rua ..., ..., ... ..., uma carta registada com aviso de receção, contendo cópia de uma segunda convocatória para a sua assembleia geral ordinária agendada para o dia ../../2022 (conforme carta, junta como documento n.º ... da contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzida).
(factos enunciados na sentença recorrida sob os números 2 e 3, de II - da contestação)

8 - A «CONVOCATÓRIA PARA A ASSEMBLEIA GERAL» ordinária da Ré (EMP01..., S.A.) agendada para o dia ../../2022 era do seguinte teor (conforme cópia junta como documento n.º ... da contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzida):
«(…)
De harmonia com a Lei e com o artigo 10.º nº 2 do Pacto Social da sociedade anónima EMP01..., SA, com sede na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., com o número único de pessoa coletiva e de matrícula ...50 na Conservatória do. Registo Comercial ..., com o capital social de duzentos e cinquenta mil euros,
Convoco os senhores acionistas para reunirem em assembleia geral no próximo dia ..., pelas dezassete horas, nas instalações do refeitório da EMP02..., Lda, na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., porquanto a dimensão da sala de reuniões da sede social não permite assegurar as condições de afastamento físico dos intervenientes impostas por Lei na presente situação de Pandemia COVID-19, com a seguinte

ORDEM DE TRABALHOS:

Ponto um: discutir e deliberar sobre o Balanço, Relatório de Gestão e Contas e Parecer do Fiscal Único, relativos ao exercício de 2021,

Ponto dois: apreciar e deliberar sobre proposta de aplicação de resultados do exercício de 2021,

Ponto três: proceder à apreciação geral da Administração e Fiscalização da Sociedade.
A Assembleia Geral considera-se, regularmente, constituída e poderá deliberar, validamente, em primeira convocatória quando estiverem presentes ou representados accionistas titulares de, pelo menos, 50% cinquenta por cento de capital, e em segunda convocação, qualquer que seja o número de acionistas presentes ou representados e o montante de capital que lhe couber, meia hora depois, com o mesmo assunto da primeira convocação.

INFORMAÇÕES AOS ACIONISTAS

1.Os documentos relativos à prestação de contas de 2021, encontram-se na sede social, disponíveis para serem analisados pelos senhores acionistas, durante as horas de expediente.

2.Têm direito a estar presentes na Assembleia Geral, intervir nos trabalhos desta e votar, nos termos da lei e do contrato de sociedade, os Senhores Acionistas que possuam, desde o quinto dia útil anterior ao da reunião, pelo menos uma ação averbada em seu nome no livro de registo de ações. Por cada ação contar-se-á um voto.

3.Representação na Assembleia Geral 
De harmonia com as disposições conjugadas e constantes do art. 10º, nº 6 dos estatutos Societários e do art.º 380.º Código das Sociedades Comerciais, os Senhores Acionistas que o desejem poderão fazer-se representar na assembleia geral, bastando como instrumento de representação voluntária um documento escrito, com assinatura, dirigido ao Sr. Presidente da Mesa da Assembleia Geral e ao mesmo entregue até ao início da reunião, podendo este, em caso de dúvidas sobre a autenticidade da assinatura exigir o respetivo reconhecimento.

4.Exercício do voto por correspondência
Atento o disposto no artigo 10º, nº 5 dos Estatutos Sociais, os acionistas não poderão exercer o seu voto por correspondência.
..., ../../2022
(…)»
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 4, de II - da contestação)

9 - O registo Correios ... da carta registada com aviso de receção, remetida à Autora (AA), contendo a segunda convocatória para a assembleia geral ordinária da Ré (EMP01..., S.A.) agendada para o dia ../../2022, teve o número ...96... (conforme registo respectivo, junto como documento n.º ... da contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 5, de II - da contestação)

10 - No envelope da carta registada com aviso de receção, remetida à Autora (AA), contendo a segunda convocatória para a assembleia geral ordinária da Ré (EMP01..., S.A.) agendada para o dia ../../2022, os Correios ... apuseram um carimbo com os dizeres «AVISADO, não entregue, não atendeu: hora12:50; data 08-04-22- Giro ..., o carteiro FF. Avisado na ...» (conforme envelope, junto como documento n.º ... da contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 6, de II - da contestação)

11 - O envelope referido no facto anterior foi posteriormente devolvido à Ré (EMP01..., S.A.), com a indicação de objecto não reclamado (conforme registo, junto como documento n.º ... da contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 7, de II - da contestação)

12 - No dia ../../2022, reuniu a assembleia geral ordinária da Ré (EMP01..., S.A.), com a ordem de trabalhos indicada na convocatória reproduzida no facto provado enunciado sob o número 8, sendo lavrada a «ATA NÚMERO ...» (junta como documento n.º ... da contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzida).
(factos enunciados na sentença recorrida sob os números 8 e 9, de II - da contestação)

13 - Na assembleia geral ordinária da Ré (EMP01..., S.A.) de ../../2022, e no que diz respeito ao ponto dois da ordem de trabalhos - «Apreciar e deliberar sobre a proposta de aplicação dos resultados do exercício de 2021» - foi proposto e aprovado, por unanimidade dos acionistas presentes, que o resultado líquido do período, no valor positivo de € 2.252.244,34 fosse aplicado em Outras Reservas (Reservas Livres).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 10, de II - da contestação)

14 - O Presidente da Assembleia Geral da Ré (EMP01..., S.A.), GG, na que se realizou em ../../2022, e no que diz respeito ao ponto dois da ordem de trabalhos - «Apreciar e deliberar sobre a proposta de aplicação dos resultados do exercício de 2021» -, questionou o porquê da não distribuição de dividendos, tendo sido explicado que esta decisão se prende com a «exigência de disponibilidade de tesouraria imediata em 2022 relacionada com o potencial reembolso imediato do subsidio reembolsável do PT2020 no valor de € 2.631.437,35 (dois milhões, seiscentos e trinta e um mil, quatrocentos e trinta e sete euros e trinta e cinco cêntimos), com o processo do dumping, ainda em curso, sendo que em caso de desfecho desfavorável o valor mínimo ronda o valor de € 700.000,00 (setecentos mil euros), fora penalidades e despesas associadas, bem como a escalada de preços das matérias-primas em 2022, a escassez das mesmas e a enorme incerteza quanto às consequências económicas e financeiras decorrentes da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, tudo conforme referenciado nos documentos que integram o relatório de contas da empresa».
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 11, de II - da contestação)

15 - Em 7 de Junho de 2022 reuniram os membros do Conselho de Administração da Ré (EMP01..., S.A.), deliberando conforme consta da «ATA NÚMERO ...» daquele órgão (junta como documento n.º ... da contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzida), onde nomeadamente se lê:
«(…)
Aos sete dias do mês de junho de dois mil e vinte e dois, pelas quinze horas, reuniram os membros do Conselho de Administração (…) para tomarem posição quanto à utilização do beneficio fiscal denominado de Dedução dos Lucros Retidos e Reinvestidos (DLRR), que permite a dedução à coleta até 10% dos lucros retidos que sejam reinvestidos em aplicações consideradas relevantes e cujo investimento se realizar nos quatro anos seguintes à constituição da reserva.
Após analisarem as vantagens e as desvantagens da utilização deste benefício fiscal e das obrigações subjacentes ao mesmo, a Presidente do Conselho de de Admnistração HH pôs à votação a seguinte proposta:
- Utilização do benefício fiscal DLRR no montante de 165.955,74 euros (cento e sessenta e cinco mil, novecentos e cinquenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos), que obrigará à constituição de uma reserva especial, correspondente ao investimento a executar nos próximos quatro anos, de 1.659.557,40 euros (um milhão, seiscentos e cinquenta e nove mil, quinhentos e cinquenta e sete euros e quarenta cêntimos), sendo que esta não pode ser utilizada para distribuição aos sócios até ao final do período de 2027.
Foi aprovada por unanimidade a proposta apresentada.
(…)»
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 12, de II - da contestação)

16 - Na sequência da tomada de posição do Conselho de Administração da Ré (EMP01..., S.A.) referida no facto provado anterior, surgiu a necessidade de ser agendada e convocada nova assembleia geral da Sociedade, para que os acionistas deliberassem sobre a aplicação de parte do resultado líquido do período de 2021 em Reserva de Investimento no âmbito da DLRR a realizar nos anos 2022 a 2025 e o restante em Reservas Livres, lendo-se nomeadamente na «ATA NÚMERO ...» daquele órgão (junta como documento n.º ... da contestação, já dada por integralmente reproduzida):
«(…)     
- Tendo em conta que na Assembleia Geral de ../../2022 foi aprovada a aplicação integral do resultado líquido para a Outras reservas (Reservas Livres), impõe-se proceder a nova assembleia geral para que os acionistas deliberem no sentido de aprovar a aplicação do resultado líquido do período de 2021 no valor de 2.252.244,34 euros (dois milhões, duzentos e cinquenta e dois mil e duzentos e quarenta e quatro euros e trinta e quatro cêntimos) em reserva de Investimento no âmbito da DLRR a realizar nos anos de 2022 a 2025 no montante de 1.659.557,40 (um milhão, seiscentos e cinquenta e nove mil, quinhentos e cinquenta e sete euros e quarenta cêntimos) e o restante, 592.686,94 (quinhentos e noventa e dois mil, seiscentos e oitenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos), em Outras Reservas (Reservas Livres). Desta forma, propõe-se a comunicação ao Presente da Assembleia Geral para que este convoque a assembleia geral para este fim.
Foi aprovada por unanimidade a proposta apresentada.
(…)»
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 13, de II - da contestação)

17 - Foi convocada uma assembleia geral extraordinária da Ré (EMP01..., S.A.) para 21 de Julho de2022, lendo-se na pertinente «CONVOCATÓRIA PARA ASSEMBLEIA GERAL» (junta como documento n.º ... da contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzida):
«(…)
De harmonia com o disposto no artigo 10.º nº 2 do Pacto Social da sociedade EMP01..., SA, com sede na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., com o número único de pessoa coletiva e de matrícula ...50 na Conservatória do. Registo Comercial ..., com o capital social de duzentos e cinquenta mil euros,
Convoco os senhores acionistas para reunirem em assembleia geral no próximo dia vinte e um de julho de dois mil e vinte e dois, pelas dezassete horas, nas instalações do refeitório da EMP02..., Lda, sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., porquanto a dimensão da sala de reuniões da sede social não se mostra adequada a assegurar as condições necessárias, com a seguinte 

ORDEM DE TRABALHOS:

Ponto único: deliberar sobre a alteração da aplicação de resultados do exercício de 2021.
A Assembleia Geral considera-se, regularmente, constituída e poderá deliberar, validamente, em primeira convocatória quando estiverem presentes ou representados acionistas titulares de, pelo menos, 50% cinquenta por cento de capital, e em segunda convocação, qualquer que seja o número de acionistas presentes ou representados e o montante de capital que lhe couber, meia hora depois, com o mesmo assunto da primeira convocação.

INFORMAÇÕES AOS ACIONISTAS

1. Os documentos relativos à prestação de contas de 2021, encontram-se na sede social, disponíveis para serem analisados pelos senhores acionistas, durante as horas de expediente.

2. Têm direito a estar presentes na Assembleia Geral, intervir nos trabalhos desta e votar, nos termos da lei e do contrato de sociedade, os Senhores Acionistas que possuam, desde o quinto dia útil anterior ao da reunião, pelo menos uma ação averbada em seu nome no livro de registo de ações. Por cada ação contar-se-á um voto.

3. Representação na Assembleia Geral 
De harmonia com as disposições conjugadas e constantes do art. 10º, nº 6 do Pacto Social e do art.º 380.º Código das Sociedades Comerciais, os Senhores Acionistas que o desejem poderão fazer-se representar na assembleia geral, bastando como instrumento de representação voluntária um documento escrito, com assinatura, dirigido ao Sr. Presidente da Mesa da Assembleia Geral e ao mesmo entregue até ao início da reunião, podendo este, em caso de dúvidas sobre a autenticidade da assinatura exigir o respetivo reconhecimento.

4. Exercício do voto por correspondência
Atento o disposto no artigo 10º, nº 5 dos Estatutos Sociais, os acionistas não poderão exercer o seu voto por correspondência.

..., ../../2022
(…)»
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 13, de II - da contestação)

 18 - Em ../../2022 foi datada e enviada à Autora (AA) uma carta registada com aviso de receção - Registo ...97..., para o seu domicílio, sito na Rua ..., ..., ... ..., notificando-a da convocatória reproduzida no facto provado anterior (conforme carta e registo respectivo, juntos como documentos n.º ... da contestação, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
(factos enunciados na sentença recorrida sob os números 2 e 14, de II - da contestação)

19 - A carta registada com aviso de receção com a convocatória para a assembleia geral extraordinária da Ré de 21 de Julho de 2022 acabou por ser devolvida, com o motivo «objeto não reclamado», contendo o envelope os dizeres «AVISADO, não entregue, não atendeu: hora12:10; data 21-06-22- Giro ..., o carteiro FF. Avisado na ...» (conforme registo respectivo, junto como documento n.º ... da contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 15, de II - da contestação)

20 - No dia 21 de Julho de 2022 realizou-se a assembleia geral extraordinária da Ré (EMP01..., S.A.), a qual teve como ponto único da ordem de trabalhos «Deliberar sobre a alteração da aplicação dos resultados do exercício de 2021»; e onde estiveram presentes, ou representados, os accionistas detentores da totalidade do seu capital social, incluindo a Autora (AA).
(factos enunciados na sentença recorrida sob os números 6 e 7, de I - Da petição; e sob o número 16, de II - da contestação)

21 - Na assembleia geral extraordinária da Ré (EMP01..., S.A.) de 21 de Julho de 2022 foi deliberado, sobre o ponto único da ordem de trabalhos, aprovar a proposta apresentada de aplicação dos resultados líquidos, com os votos a favor dos acionistas BB, CC, DD, EE e BB (maioria de 92,5% do capital social dos acionistas presentes), e o único voto contra da Autora (AA),  conforme consta da «ATA NÚMERO ...» (junta como documento n.º ... da petição inicial, que aqui  se dá por integralmente reproduzida).
(factos enunciados na sentença recorrida sob o número 8, de I - Da petição; e sob os números 17 e 18, de II - da contestação)

22 -  A Autora (AA) não apresentou qualquer justificação para a sua tomada de posição (de voto contra).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 18, de II - da contestação)

23 - A proposta aprovada na assembleia geral extraordinária da Ré (EMP01..., S.A.) de 21 de Julho de 2022 decidiu que o resultado líquido do período, no valor de € 2.252.244,34, fosse aplicado, € 1.659.557,40 em reserva de investimento no âmbito da DLRR a realizar nos anos de 2022 e 2025, e € 592.686,94 em reservas livres, lendo-se nomeadamente na «ATA NÚMERO ...»:
«(…)
Aberta a sessão, o presidente da mesa, Dr. GG, deu as boas vindas aos presentes. De seguida, entrou-se na discussão do ponto único da Ordem de Trabalhos, “Deliberar sobre a alteração da aplicação de resultados do exercício de 2021”, tendo dado a palavra à Presidente do Conselho de Administração CC que (…) propôs que o resultado líquido do período no valor positivo de 2.252.244,34 Euros (dois milhões, duzentos e cinquenta e dois mil e duzentos e quarenta e quaro euros e trinta e quatro cêntimos), da seguinte forma:
- 1.659.557,40 euros (um milhão, seiscentos e cinquenta e nove mil, quinhentos e cinquenta e sete euros e quarenta cêntimos) para reserva de investimento no âmbito da DLRR a realizar nos anos de 2022 a 2025.
- 592.686,94 euros (quinhentos e noventa e dois mil, seiscentos e oitenta e seis (quinhentos e noventa e dois mil, seiscentos e oitenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos) para Outras Reservas (Reservas Livres).
O Presidente da Assembleia Geral Dr. GG questionou o porquê desta alteração face ao proposto e aprovado na assembleia geral de ../../2022, nomeadamente a sua aplicação na totalidade em Outras reservas, tendo a Presidente do Conselho de Administração CC, coadjuvada pela secretária e assessora contabilística Sr.ª II, explicado que no início do período de 2022 a empresa, fruto da dimensão e dos resultados que se previam para o período de 2021, decidiu contratar uma empresa especializada em benefícios fiscais, a qual nos apresentou as propostas finais na reunião no dia vinte e sete de maio de 2022. Na referida reunião e após aprovação da Administração foi decidido o aproveitamento do benefício fiscal denominado de DLRR (Dedução dos lucros retidos e reinvestidos) no período de 2021, sendo que este permite à empresa a dedução da coleta de IRC até 10% dos lucros retidos, exigindo, entre outras questões, a constituição de reserva especial correspondente ao montante dos lucros retidos e reinvestidos, sendo que esta não pode ser utilizada para distribuição aos accionistas antes do fim do quinto exercício posterior ao da sua constituição, o que no caso concreto corresponde ao período de dois mil e vinte e sete. Assim, a não alteração da aplicação de resultados do período de 2022, não permitiria à empresa a utilização deste beneficio, traduzindo-se no pagamento de IRC adicional de 165.955,74 euros (cento e sessenta e cinco mil, novecentos e cinquenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos).
(…)»
(factos enunciados na sentença recorrida sob os números 9, 13 e 14, de I - Da petição;  e sob o número 17, de II - da contestação)

24 - Na assembleia geral extraordinária da Ré (EMP01..., S.A.) de 21 de Julho de 2022 não foi invocada qualquer necessidade de capitalização, nem de cobertura de prejuízos, nem justificada a constituição de reservas legais ou contratuais.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 13, de I - Da petição)
*
3.3. Factos não provados
Na mesma decisão, o Tribunal a quo decidiu que todos «os outros factos foram considerados irrelevantes, conclusivos ou de direito».
*
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Direito ao lucro
4.1.1. Contrato de sociedade - Repartição de lucro
Lê-se no art.º 980.º do CC que contrato de sociedade «é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade».
Logo, no fim típico da sociedade inclui-se o de obter e maximizar os lucros a partir da actividade social que desenvolva.

Mais se lê, no art.º 1.º, n.º 2, do CSC, que são sociedades comerciais «aquelas que tenham por objecto a prática de actos de comércio e adoptem o tipo de sociedade em nome colectivo, de sociedade por quotas, de sociedade anónima, de sociedade em comandita simples ou de sociedade em comandita por acções».
Lê-se ainda, no art.º 6.º do CSC que a «capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, exceptuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular» (n.º 1); e considera-se «contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir
justificado interesse próprio da sociedade garante [10] ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo» [11] (n.º 3).
Logo, não só a sociedade comercial tem como finalidade típica o lucro [12], como o mesmo constitui a medida da sua capacidade.
Compreende-se, assim, que, em regra, a sociedade comercial esteja impedida de prestar gratuitamente (mas não de forma remunerada) garantias reais ou pessoais a dívidas de outras sociedades; e que os  actos que pratique violando o seu fim lucrativo devam ser considerados nulos, dado o carácter imperativo do art.º 6.º do CSC, decorrente do princípio da protecção de interesses de terceiros subjacente a diversas regras da disciplina comercial portuguesa (ainda art.º 294.º do CC [13]).
Compreende-se, ainda, que os sócios tenham o direito de exigir que a gestão da sociedade seja orientada para o lucro [14]. É precisamente por isso que, quando não concordem com uma gestão não lucrativa levada a cabo pelo órgão de administração da sociedade comercial em que participem, a lei lhes permite que apesentem um voto de desconfiança quanto a algum(s) do(s) membro(s) desse órgão de gestão, ou que peçam a sua destituição, em assembleia geral anual (conforme art.ºs 376.º e 455.º, n.º 2, do CSC).
*
4.1.2. Direito ao lucro
4.1.2.1. Consagração legal
Relativamente ao direito ao lucro, lê-se no art.º 21.º, n.º 1, al. a), do CSC, que todo «o sócio tem direito» a «quinhoar nos lucros».
Logo, o direito ao lucro é um direito essencial dos sócios, traduzindo-se, por um lado, no já referido «direito de exigir que a sociedade tenha por finalidade o escopo lucrativo e, por outro, no direito de participar na distribuição de lucros pela sociedade» (Paulo Tarso Domingues, Variações sobre o Capital Social, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 265).
Compreende-se que assim seja, já que é precisamente o «fim de repartir os lucros (…) a razão que determina as partes a celebrar o contrato de sociedade» (Manuel António Pita, Direito aos Lucros, Almedina, Coimbra, 1989, pág. 18); e a repartição periódica desses lucros (sem esperar pelo momento da liquidação da sociedade) constitui a forma habitual de remuneração do seu investimento [15].
Os lucros dos sócios justificam-se facilmente, «(a) como contrapartida das suas entradas ou do valor que hajam pago pelas suas participações; (b) como contrapartida do risco envolvido: o de perderem essas entradas ou o valor pago pelas participações, sem nada receber; (c) como contrapartida do esforço e das obrigações que cumpram, no quadro social» (António Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2.ª edição - 2014, Almedina, Fevereiro de 2014, pág. 141).
Mais se lê, no art.º 22.º, n.º 3, do CSC, que é «nula a cláusula que exclui um sócio da comunhão nos lucros ou que o isente de participar nas perdas da sociedade, salvo o disposto quanto a sócios de indústria» [16].
Logo, nem por acordo de todos os sócios poderá ser incluída no contrato uma cláusula que afaste a regra da repartição do lucro, «regra se destina a proteger não só os actuais sócios como os que futuramente adquiram essa qualidade» (Manuel António Pita, Direito aos Lucros, Almedina, Coimbra, 1989, pág. 112); e, por isso, uma cláusula estatutária que permitisse à sociedade não distribuir aos sócios o lucro apurado seria nula [17].
Fala-se, assim, de um direito inderrogável e irrenunciável [18] (como consequência da proibição legal do pacto leonino) [19].
*
Lê-se ainda, no art.º 22.º, n.º 1, do CSC, que, na «falta de preceito especial ou convenção em contrário, os sócios participam nos lucros e nas perdas da sociedade segundo a proporção dos valores das respectivas participações no capital». Compreende-se que assim seja, já que deverá ser quem mais arriscou que mais deverá ganhar, e vice-versa.
Precisa-se, porém, que a convenção contratual que preveja um diferente critério de participação nos lucros não pode, porém, fazê-lo de forma a torná-la irrisória, o que se traduziria na não participação nos lucros da sociedade (defendendo, por isso, a doutrina uma interpretação extensiva do art.º 22.º, n.º 1, citado).
*
4.1.2.2. Lucro distribuível
Inexistindo uma definição legal de lucro societário, pode definir-se genericamente o mesmo como a diferença positiva entre o custo e a receita da actividade económica da sociedade [20].
Pode, ainda, distinguir-se entre o lucro social e objectivo, que traduz o incremento patrimonial criado directamente na esfera da sociedade, e o lucro subjectivo, o que se destina a ser depois repartido entre os sócios [21].
*
Precisando o que possa ser o lucro passível de ser objecto de distribuição aos sócios, lê-se no art.º 32.º, n.º 1, do CSC, que, sem «prejuízo do preceituado quanto à redução do capital social, não podem ser distribuídos aos sócios bens da sociedade quando o capital próprio desta, incluindo o resultado líquido do exercício, tal como resulta das contas elaboradas e aprovadas nos termos legais, seja inferior à soma do capital social e das reservas que a lei ou o contrato não permitem distribuir aos sócios ou se tornasse inferior a esta soma em consequência da distribuição».

Esta norma, que é um reflexo do princípio da intangibilidade do capital social [22], pressupõe o lucro de exercício, isto é, o acréscimo patrimonial gerado pela sociedade num determinado exercício económico e obtido através de contratos onerosos com terceiros, excluindo-se, porém, os ganhos da sociedade sujeitos ao regime da reserva legal [23]. Logo, há lucro de exercício «quando o valor do património líquido da sociedade é, no final do ano económico e em resultado da sua actividade, superior ao que existia no início» (Paulo de Tarso Domingues, Estudos de Direito das Sociedades, 8.ª edição, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 213 e segs).
Compreende-se, por isso, que o lucro de exercício seja apurado anualmente, com a aprovação do relatório de gestão (que deverá conter uma proposta de aplicação de resultados devidamente fundamentada), das contas do exercício e dos demais documentos de prestação de contas [24].

Pressupõe ainda o art.º 32.º, n.º 1, do CSC o conceito de lucro periódico ou de balanço, isto é, o «acréscimo patrimonial gerado e acumulado pela sociedade desde o início da sua actividade até determinada data (a data a que se reporta o balanço) e que é distribuível pelos sócios», dele naturalmente se excluindo os montantes alocados a reservas obrigatórias (Paulo de Tarso Domingues, Estudos de Direito das Sociedades, 8.ª edição, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 213).

Precisa-se, a propósito, que reserva societária é comumente definida como a «cifra representativa de valores patrimoniais da sociedade, derivados normalmente de lucros que os sócios não podem ou não querem distribuir, que serve principalmente para cobrir eventuais perdas sociais e para autofinanciamento» (Ac. da RL, de 07.02.2023, Pedro Brighton, Processo n.º 19495/19.2T8SNT.L1-1).
Compreendem-se aqui: a reserva legal (imposta pelos art.ºs. 218.º, 295.º, n.º 1 e 478.º, do CSC, e que apenas pode ter as aplicações discriminadas no art.º 296º do CSC [25]); a reserva estatutária (estabelecida pelo pacto social, sem aplicação específica [26]); a reserva livre (constituída por deliberação dos sócios, em respeito pelos art.ºs 217.º, n.º 1 e 294.º, n.º 1, que lhes afecta a totalidade ou parte dos lucros de exercício distribuíveis [27]); e a reserva oculta (que resulta de no balanço se omitir uma verba no activo, ou incluir uma verba fictícia no passivo, e/ou subvalorizar bens do activo ou sobrevalorizar o passivo, surgindo o património líquido da sociedade com um valor inferior ao valor real, sendo precisamente a diferença entre um e outro valor que a constitui [28]).
*
Mais se lê, no art.º 33.º do CSC, que não «podem ser distribuídos aos sócios os lucros do exercício que sejam necessários para cobrir prejuízos transitados ou para formar ou reconstituir reservas impostas pela lei ou pelo contrato de sociedade» (n.º 1); e não podem ainda «ser distribuídos aos sócios lucros do exercício enquanto as despesas de constituição, de investigação e de desenvolvimento não estiverem completamente amortizadas, excepto se o montante das reservas livres e dos resultados transitados for, pelo menos, igual ao dessas despesas não amortizadas».
Está aqui em causa o lucro do exercício distribuível, isto é, o lucro do exercício depois de deduzidos os montantes necessários para (i) cobrir prejuízos transitados, (ii) formar ou reconstituir reservas legais ou contratuais [29], ou (iii) amortizar despesas de constituição, investigação e de desenvolvimento (excepto, neste último caso, se o montante das reservas livres e dos resultados transitados for, pelo menos, igual ao das despesas não amortizadas).
*
Logo, para se determinar o montante que, em cada ano, será passível de ser distribuído pelos sócios, importa fazer uma avaliação daquilo que a sociedade tinha no início e no fim do exercício, por forma a apurar a existência de um saldo positivo e do seu exacto montante.
Contudo, enquanto houver prejuízos a cobrir e reservas a constituir ou a reforçar, não poderão os sócios receber quaisquer quantias (ou bens) a título de lucros: só o lucro de balanço (diferença entre o património social líquido da sociedade, por um lado, e a soma do capital [30] e das reservas indisponíveis [31], por outro) será então passível de distribuição; e o que cada um dos sócios/accionistas receba (beneficiando o seu património pessoal) será o respectivo dividendo (fruto, precisamente, de cada participação social).

Compreende-se, assim, que o regime do art.º 32.º, n.º 1, do CSC, não impeça que uma sociedade, ainda que num determinado ano não tenha gerado lucro (não haja lucro do exercício), proceda à distribuição de dividendos, desde que o lucro de balanço (os lucros acumulados em anos anteriores) o permita [32].
Compreende-se ainda (e inversamente) que, mesmo que uma sociedade tenha gerado lucros num determinado exercício (haja lucros de exercício), poderá não ser possível proceder à sua repartição, desde que não disponha de lucro de balanço.
*
4.1.2.3. Direito à efectiva repartição do lucro distribuível
Apurado o lucro potencialmente distribuível (assente no lucro de balanço), lê-se no art.º 217.º, n.º 1, e 294.º, n.º 1, do CSC, que, salvo «diferente cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada, não pode deixar de ser distribuído aos» sócios ou accionistas, consoante o caso, «metade do lucro do exercício que, nos termos desta lei, seja distribuível».
Fala-se, assim, de um direito ao dividendo (ou direito ao lucro periódico), mercê da vinculação da sociedade (por quotas e anónima) a distribuir lucros no final de cada exercício, correspondendo essa sua obrigação a metade dos lucros de exercício distribuíveis, desde que os estatutos societários não prevejam o contrário, ou que a própria sociedade delibere no sentido da retenção obtendo a concordância de 3/4 do capital social.

Defende-se, assim, a natureza supletiva (e não imperativa) destas normas, isto é, da regra da distribuição dos lucros do exercício que estabelecem poder ser alterada por uma das duas vias nelas indicadas.
Neste mesmo sentido se pronuncia a mais avalizada doutrina, nomeadamente:

i) João Labareda, Das Acções das Sociedades Anónimas, AAFDL, 1988, págs. 146 e 147 - onde, pronunciando-se sobre a possibilidade de uma sociedade anónima passar sem distribuir lucros respeitantes a algum ou alguns exercícios, face ao disposto no 294.º, n.º 1, do CSC, se lê que «há, portanto, uma regra supletiva segundo a qual o sócio tem direito à partilha anual dos lucros, fixando-se em metade do total distribuível aqueles que obrigatoriamente são divididos».
«Mas prevêem-se duas situações alternativas que afastam a regra geral, a primeira é a existência de uma cláusula contratual em contrário, nada obstando à previsão de possibilidade de não haver qualquer distribuição no final do exercício. Neste caso competirá à assembleia geral deliberar, nos termos gerais, sobre o destino dos lucros, salvo se estiver prevista a constituição de certo tipo de reservas e os lucros obtidos não forem de molde a proporcionarem remanescente.
A outra alternativa é a de, na omissão do pacto, a própria assembleia, então por maioria de três quatros dos votos correspondentes ao capital social, deliberar não distribuir lucros ou distribuir menos de metade dos lucros obtidos».

ii) Raúl Ventura, Sociedade por Quotas, Volume I, 2.ª edição, Almedina, 1989, pág. 336 - onde, depois de referir que a norma do art.º 294.º é em tudo semelhante à do art.º 217.º e ao comentar a expressão «salvo diferente cláusula contratual», acaba por reconhecer que, no plano formal, esta cláusula é diferente da regra supletiva, mas substancialmente respeita a intenção da lei, na justa medida em que assegura aos sócios a distribuição de metade dos lucros, mas não contra a vontade deles. Nesta medida, «se no contrato de sociedade todos permitem a derrogação dessa regra, tanto faz que o façam por estabelecimento de percentagens diferentes, como deixando à assembleia o referido poder».

iii) Evaristo Ferreira Mendes, «Direito ao Lucro de Exercício no CSC», Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, Lisboa (UCE) 2002, pág. 497 (como antes em «Lucros de Exercício», Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXXVIII, 1996, págs. 257 e segs., mormente 359 a 364) - onde se lê, defendendo a natureza supletiva da norma em causa e criticando o entendimento que defende a nulidade das cláusulas que afastam o regime geral consagrado nos art.ºs 217.º, n.º 1 e 294.º, n.º 1, do CSC, por ser «dificilmente aceitável num ordenamento jurídico que, justamente, consagra como regra geral do direito societário - em relação à qual a dos preceitos do CSC é especial - uma norma desse tipo (art. 991 CC)», para além de que isso «significaria invalidar uma prática estatutária com larga tradição».

iv) Filipe Cassiano dos Santos, «O Direito aos Lucros no Código das Sociedades Comerciais», Problemas do Direito das Sociedades, Almedina, 2008, págs. 189 e 190 - onde conclui, depois de se referir ao disposto nos art.ºs 217.º, n.º 1 e 294.º, do CSC, que «este resultado pode ser paralisado: duradouramente, por cláusula contratual em contrário; pontualmente (para um exercício), por deliberação de aplicação de resultados sujeita a requisitos especiais (e que são a convocação para o efeito de não distribuir metade do lucro e a aprovação de uma maioria qualificada correspondente a ¾ do capital social».

v) António Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2.ª edição - 2014, Almedina, Fevereiro de 2014, págs. 638, 639 e 840 (como já antes em Direito das Sociedades, Volume II (Das Sociedades em Especial), Almedina, 2014, pág. 582 [33])  lendo-se na última, a propósito do art.º 294.º, n.º 1, do CSC, onde se lê ser a norma supletiva, podendo a «regra base (…) ser afastada por clausula estatutária em contrário. Tal cláusula pode elevar, baixar ou suprimir a exigência da maioria de ¾ ou pode alterar a cifra de metade do lucro distribuível». Pode ainda a mesma regra base ser afastada por deliberação em contrário «por maioria de ¾», sendo que a «formação de tal maioria não é, por si, abuso: este terá de resultar seja da presença de votos abusivos - 58.º/1, b) -  seja da violação do 334.º do CC».

vi) Paulo de Tarso Domingues, Código das Sociedades Comerciais em Comentário (coordenação de Jorge M. Coutinho de Abreu),  Volume III, Almedina, pág. 339 - onde se lê que o «direito dos quotistas à distribuição de pelo menos metade do lucro de exercício distribuível não é um direito absoluto»; e, por isso, «pode ser afastado pelos sócios», ou «através de uma cláusula do pacto, que estabeleça regime diverso do previsto no art. 217°», ou, «na ausência de cláusula contratual que disponha de modo diverso, através uma deliberação aprovada por uma maioria qualificada de 3/4 dos votos correspondentes ao capital social.
Com este regime, pretendeu a lei alcançar uma solução de compromisso entre, por um lado, a vontade do(s) sócios(s) maioritários que, as mais das vezes, desde logo por estarem associados à gestão da empresa societária, pretenderão não distribuir lucros, e, por outro lado, o interesse do(s) sócios) minoritário(s) que, por via de regra, desejarão a maior distribuição possível do lucro. O equilíbrio destes dois interesses foi na nossa lei estabelecido através da exigência de um consenso mais alargado, obrigando a uma maioria qualificada (de 3/4 dos votos correspondentes ao capital social) para que possa deixar de ser distribuída aquela parcela correspondente a 50% do lucro de exercício distribuível.
Com efeito, a cláusula contratual que estabeleça um regime diferente do regime legal supletivo poderá constar do pacto originário - e, nesse caso, terá resultado do consenso unânime dos sócios -, ou proceder de uma alteração superveniente, hipótese em que deverá ser aprovada pelo menos por 3/4 dos votos correspondentes ao capital social (cfr. art. 265°)»; e, por «outro lado, é também esta a maioria que se exige para a aprovação válida de uma deliberação que vise não distribuir aquela parcela de 50% do lucro».

A jurisprudência tem-se maioritariamente pronunciado do mesmo modo [34].
*
A natureza supletiva da norma em causa (possibilidade de suprimir a distribuição de, pelo menos, metade dos lucros mediante deliberação da maioria qualificada de ¾), não prescinde, porém, que o seu afastamento seja justificado pelo interesse social (sob pena de inaceitável violação do direito dos sócios minoritários e do comprometimento dos interesses que fundaram a própria sociedade, da qual os mesmos não deixam de fazer parte) [35].
*
4.1.2.4. Deliberação de distribuição (de lucros)
Apurado o lucro de exercício distribuível, o respectivo destino (nomeadamente, a sua afectação a resultados transitados ou a reservas, ou a sua distribuição pelos sócios) é objecto da proposta de aplicação de resultados preparada pelo órgão de gestão [36].
Contudo, precisa-se no art.º 31.º, n.º 1, do CSC, que, salvo «os casos de distribuição antecipada de lucros e outros expressamente previstos na lei, nenhuma distribuição de bens sociais, ainda que a título de distribuição de lucros de exercício ou de reservas, pode ser feita aos sócios sem ter sido objecto de deliberação destes».

Ora, enquanto uns acentuam a segunda parte desta disposição legal («nenhuma distribuição de bens sociais, ainda que a título de distribuição de lucros de exercício ou de reservas, pode ser feita aos sócios sem ter sido objecto de deliberação destes»), defendendo a necessidade de uma deliberação declarativa da repartição dos lucros [37], outros acentuam a sua primeira parte («salvo os casos expressamente previstos na lei»), defendendo que entre os casos legalmente previstos estão os art.ºs 217.°, n.º 1 e 294.°, n.º 1, não sendo assim necessária a deliberação dos sócios sobre a divisão de bens sociais [38].
Precisa-se, porém, que, quer para um entendimento, quer para o outro, será sempre necessário que sejam aprovadas as contas da sociedade, uma vez que só por elas será possível determinar qual o lucro de exercício e, consequentemente, o dividendo a que cada sócio terá direito [39] (sendo que o art.º 67.º do CSC permite que os sócios minoritários promovam judicialmente a aprovação das contas, por forma a que  a mesma não fique dependente da vontade da maioria, obstaculizando desse modo à concretização do direito ao lucro daqueles).

Discute-se, ainda, qual a natureza da deliberação que aprove uma distribuição de dividendos: para uns, com ela o direito subjectivo dos accionistas à distribuição periódica de dividendos converte-se num direito concreto de crédito (o direito ao dividendo deliberado) [40], sendo, por isso constitutiva, do mesmo [41]; para outros, esta deliberação tem natureza meramente declarativa [42]; e outros ainda preferem chamar «activados» aos direitos que outra parte da doutrina designa como concretos, considerando-os incluídos na participação social, «porque são precisamente o mesmo que os correspondentes direitos abstractos; o sócio tem direito ao lucro já votado porque tem direito a todos os lucros que forem votados» [43].
*
Certo é que, a partir da deliberação (que aprove uma distribuição de dividendos), o sócio/accionista passa a ser credor da sociedade; e, por isso, não pode posteriormente a colectividade dos sócios (em assembleia geral) condicionar, restringir ou revogar este seu direito ao dividendo (a antes deliberada distribuição), através de uma nova deliberação [44].
Precisa-se, a propósito, que enquanto o direito abstracto ao lucro não é um direito destacável da participação social e que possa, portanto, ser autonomizado e alienado (uma vez que tal poria em causa a própria «integridade do direito social», consubstanciando materialmente um pacto leonino, pois que haveria sócios sem direito a quinhoar no lucro), o mesmo já não sucede com  o «crédito de dividendos, vencidos ou vincendos, mas determinados», que poderá ser destacado e autonomizado da participação social (Pedro Pais de Vasconcelos, 1999, pág.173) [45].
*
4.1.3. Deliberação social inválida
4.1.3.1. Deliberações sociais nulas
Lê-se no art.º 56.º, n.º 1, do CSC, que são «nulas as deliberações dos sócios: a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados; b) Tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios com direito de voto tenham sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado por escrito o seu voto; c) Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios; d) Cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios».

Estando em causa os casos mais graves de invalidade de deliberações sociais, a enunciação das que são cominadas de nulas é taxativa [46].
*
4.1.3.1.1. Conteúdo ofensivo dos bens costumes
Precisando o que sejam deliberações «cujo conteúdo seja ofensivo dos bens costumes», começa-se por reconhecer que se está perante «um conceito indeterminado que devemos esforçar-nos por precisar, oferecendo a menor margem possível a subjectivismos perniciosos» (conforme Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 4.ª edição, Fevereiro de 2011, págs. 439-474).
Assim, dir-se-á que, em regra, se designa por «bons costumes» o conjunto de regras de comportamento sexual, familiar e deontológico, acolhidas pelo Direito, em cada momento histórico, que, não estando codificadas, provocam consenso em concreto, pelo menos nos casos limite, encontrando-se na sua concretização um grupo que se prende com princípios cogentes da ordem jurídica e outro que se liga à moral social (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I - Parte Geral, Tomo I, Almedina, pág. 193) [47].
Logo, para se determinar os limites impostos pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, pág. 299) [48].
Compreende-se, por isso, que se afirme que «não se considera aqui como atentado aos bons costumes, latamente, todo o comportamento ilícito, mas apenas, mais circunscritamente, aquele que atenta contra os fundamentos mais profundos da moral - e não, unicamente, a moral sexual, mas toda a que poderá afectar o humano comportamento; não a moral deste ou daquele, mas a moral pública, isto é, a que pode dizer-se comum à sociedade em que se insere».
Assim, a «fórmula do critério sociológico definidora dos bons costumes que nos parece mais feliz é a adoptada pelo Supremo Tribunal alemão: "o sentido do decoro ou da dignidade de todas as pessoas que pensam com equidade e justiça"».
Face à mesma, deverão «ser consideradas como contrárias aos bons costumes aquelas deliberações cujo conteúdo envolva as matérias seguintes:
a) tráfico de bens cuja comercialidade é reprovada pela moral pública (tráfico sexual, esponsais, tráfico de influência...);
b) exploração económica eticamente censurável pelo aproveitamento das circunstâncias para se extorquir uma prestação patrimonial indevida ou para se comerciarem bens incomerciáveis (recebimento de luvas; quota litis; remuneração para não se cometer um delito...); 
c) sujeição do semelhante a formas de servidão (obrigação de prestação de serviço por toda a vida, de abraçar ou abjurar determinada religião, de não escrever desfavoravelmente a determinado assunto ou certa pessoa, de votar ou não votar sempre em certo sentido...)» (Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 4.ª edição, Fevereiro de 2011, pág. 439-474, e Deliberações dos Sócios, artigos 53º a 63º, Almedina, 1993).
Dir-se-á, porém, que os «tribunais têm concretizado os bons costumes sobretudo na área da deontologia comercial, que impõe um mínimo de distribuição de lucros e de equilíbrio nos negócios. Assim, foram considerados contrários aos bons costumes: distribuir lucros por dois fundos e uma conta nova, prosseguindo uma prática de vinte e cinco anos de não-distribuição aos sócios; vender a uma irmã de um sócio o único imóvel da sociedade por um preço muito inferior ao real; vender por 210.000 c. o estabelecimento e sede da sociedade, quando o sócio minoritário presente ofereceu 518.000 c., equivalentes ao valor real; trespassar um estabelecimento e vender terrenos por menos de metade do seu valor real» (António Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2.ª edição, 2014, Almedina, Fevereiro de 2014, pág. 231, com indicação em nota de rodapé das concretas decisões).
 Concluindo, «uma deliberação ofensiva dos bons costumes é aquela que se pode considerar violadora de um conjunto de regras morais e de conduta social, generalizadamente reconhecidas em dado momento numa sociedade, regras de convivência, de práticas de vida que as pessoas honestas e corretas aceitam comummente, ou seja, a moral social dominante, traduzindo-se em comportamentos chocantes, numa perspectiva social, designadamente instigando a prática de actividades consideradas ilícitas» [49] (Ac. da RG, de 12.03.2020, Ana Cristina Duarte, Processo n.º 6604/18.8T8VNF.G1).
*
4.1.3.1.2. Conteúdo ofensivo de preceitos legais inderrogáveis
Precisando agora o que sejam deliberações «cujo conteúdo seja ofensivo de preceitos legais inderrogáveis», começa-se por precisar que a natureza imperativa em causa pode ser explícita ou implícita; e neste último caso «a imperatividade pode resultar da pertença à ordem pública; da concretização de princípios ou subsectores injuntivos; ou da tutela de terceiros» (António Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2.ª edição, 2014, Almedina, Fevereiro de 2014, pág. 231) [50].
Logo, o que importa verificar aqui é a «aferição da nulidade simplesmente pela natureza imperativa da disposição legal violada - a qual terá de ser perscrutada, ao cabo de contas, através de “dois critérios; um, formal, a beber na linguagem expressiva ou enfática do preceito concretamente infringido a referir impossibilidade de negação deliberativa; outro, substancial, definido pela natureza do interesse tutelado pela norma legal que o conteúdo da deliberação afecta» (Jorge Henrique Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 5.ª edição, Almedina, pág. 452).
Estarão necessariamente em causa preceitos legais «de tal modo estruturantes da sociedade que os sócios não os possam pôr em causa», nem mesmo de forma unânime. «Inserem-se aqui, designadamente, aquelas deliberações que versam sobre os chamados direitos irrenunciáveis que nem um sócio individualmente, nem o colectivo, possam pôr em causa» (Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, 3.ª edição, Almedina, Dezembro de 2007, pág. 641).
Os tribunais, ao «abrigo deste preceito», têm considerado «nula a deliberação: que limite os poderes representativos de um gerente de SPQ (260.º/1), pertencentes à ordem pública societária; que vise impedir um terceiro de ser representante de uma sociedade associada; que atente, em geral, contra interesses de terceiros; que contenda com a distribuição de lucros pelos sócios; que crie um regime de reforma dos administradores; que conceda um mandato totalmente geral» (António Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2.ª edição, 2014, Almedina, Fevereiro de 2014, pág. 232, com indicação em nota de rodapé das concretas decisões).
*
4.1.3.2. Deliberações sociais anuláveis
Lê-se no art. 58.º, n.º 1, do CSC, que são «anuláveis as deliberações que: a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade; b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos; c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação».
*
4.1.3.2.1 Conteúdo abusivo
Precisando o que sejam deliberações que «sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos», dir-se-á que serão aquelas que «acarretem vantagens especiais para o próprio, em detrimento da sociedade ou de terceiros», ou «tenham natureza emulativa, visando prejudicar a sociedade ou outros sócios» (António Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades, Volume I (Das Sociedades em Geral), 2004, Almedina, Junho de 2004, pág. 663).
Ora, enquanto «o segundo requisito é subjectivo, materializando-se na intenção do sócio, o primeiro é objetivo, perspetivando a deliberação, que deve ser adequada para satisfazer a referida intenção» (Paulo Olavo Cunha, Deliberações Sociais. Formação e Impugnação, Almedina, Setembro de 2020, pág. 239).
           
Precisa-se que, opondo-se necessariamente «vantagens especiais» a «vantagens gerais», exige-se que «as vantagens que assistam particularmente a um sócio ou a terceiro, e não a todos os sócios ou a uma generalidade de terceiros».
Precisa-se ainda que «acto emulativo», «na tradição romana, é o que vise provocar danos gratuitos a outrem» (António Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades, Volume I (Das Sociedades em Geral), 2004, Almedina, Junho de 2004, págs. 663 e 664).

Logo, a «deliberação social abusiva exprime um acto disfuncional, porquanto não visa acautelar os direitos da sociedade mas, ao invés, é estranha a essa finalidade, do ponto em que apenas almeja satisfazer o propósito do sócio ou sócios que assim, através do voto, colhem para si, ou para terceiros, vantagens que prejudicam a sociedade ou outros sócios» (Ac. do STJ, de 19.05.2015, Fonseca Ramos, Processo n.º 477/03.2TBVNO.C3.S1, repetido depois no Ac. da RG, de 29.06.2017, Conceição Bucho, Processo n.º 4863/16.0T8VNF.G1) [51].

Discute-se ainda se o instituto do abuso do direito, consagrado no art.º 334.º do CC, se aplica, ou não, no âmbito das deliberações sociais, articulando-se com o art.º 58.º, n.º 1, al. b), do CSC, nomeadamente por este último não prever taxativamente todas as situações de abuso do direito que possam aqui ocorrer (sendo, então, necessário recorrer à cláusula geral do CC, para sancionar os restantes casos que não se enquadrem no preceito especial do CSC) [52].
*
4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.1. Conteúdo ofensivo dos bens costumes
Concretizando, verifica-se que, pretendendo a Autora (AA) impugnar a deliberações da assembleia geral extraordinária da Ré (EMP01..., S.A.) realizada no dia 21 de Julho de 2022, o fez defendendo ser a mesma «nula», «por violação da lei, nomeadamente, do disposto no artº 56º, 1 al. d)» do CSC, onde (recorda-se) se lê que  são «nulas as deliberações dos sócios» cujo «conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios».
Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, e relativamente a uma eventual «ofensa dos bons costumes», nem a mesma foi (expressa e/ou nominalmente) invocada pela Autora (AA), nem esta alegou quaisquer factos susceptíveis de a concretizarem.

Com efeito, e ao longo da alegação que ela própria reservou para a deliberação que exclusivamente impugna nestes autos de recurso, não se descortina qualquer comportamento chocante da Ré (EMP01..., S.A.) na sua aprovação, nomeadamente por violar a moral social dominante, ou as regras próprias do comércio em geral (sem prejuízo da sua eventual remanescente ilegalidade, por violação de outros preceitos, fins ou interesses salvaguardados pelo direito civil e societário).
*
4.2.2. Conteúdo ofensivo de preceitos legais inderrogáveis
Concretizando novamente, e agora relativamente a uma eventual «ofensa de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios», pretendeu a Autora (AA) radicá-la no carácter imperativo do direito ao lucro, fazendo coincidir este direito com o de auferir anualmente um dividendo (permitido pelo lucro do exercício).
Ora, e salvo novamente o devido respeito por opinião contrária, não lhe assiste razão, não só porque o imperativo direito ao lucro não coincide com o direito a auferir anualmente um dividendo, como porque a norma que consagra o direito ao lucro do exercício (no caso, o art.º 294.º, n.º 1, do CSC) tem natureza supletiva, podendo nomeadamente ser afastada por deliberação de ¾ dos sócios reunidos em assembleia.
 
Com efeito, e reiterando o que detalhadamente se expôs supra (em 4.1.2. Direito ao lucro), o que é direito inderrogável dos sócios é o poder de cada um participar na distribuição de lucros pela sociedade, quando a mesma ocorra (isto é, regularmente ou apenas no momento final da respectiva liquidação), e não que essa remuneração do seu investimento se faça obrigatoriamente todos os anos.
Recorda-se ainda que o art.º 294.º, n.º 1, do CSC, ao consagrar o direito dos accionistas à distribuição de metade do lucro do exercício que, nos termos da lei, seja distribuível, salvaguarda desde logo uma «diferente cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada», permitindo que nessa salvaguarda se veja precisamente a natureza supletiva da norma que consagra o dito direito.
Ora, e no caso concreto, a deliberação de 21 de Julho de 2022 - de aplicação do resultado líquido do exercício de 2021 em reservas (sendo € 1.659.557,40 para reserva de investimento no âmbito do benefício fiscal denominado Dedução dos Lucros Retidos e Reinvestidos, a realizar nos anos de 2022 a 2025, e € 592.686,94 em reservas livres) foi aprovada por uma maioria de 92,5% do capital social dos acionistas presentes, tendo apenas a Autora (AA) votado contra (e representando a mesma 7,5% do capital social).
*
4.2.3. Conteúdo abusivo
Concretizando uma derradeira vez, verifica-se que a Autora (AA) radicou ainda a impugnação que aqui fez da deliberações da assembleia geral extraordinária da Ré (EMP01..., S.A.) realizada no dia 21 de Julho de 2022 na respectiva anulabilidade, «por força do artº 58º, nº 1 al. b)» do CSC, onde (recorda-se) se lê que são «anuláveis as deliberações que» sejam «apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos».
Alegou para o efeito que «na deliberação em crise, e no que respeita à quantia destinada a reservas livres, no montante de Euros: 592.686,94, e a sua não distribuição como lucros, conforme se pode verificar pela deliberação tomada, nenhuma justificação foi apresentada», nomeadamente, «não foi invocada qualquer necessidade de capitalização, nem de cobertura de prejuízos, nem justificada a constituição de reservas legais ou contratuais».
Mais alegou que, relativamente ao «restante lucro, no montante de 1.659.557,40 €, foi todo ele destinado à criação de uma reserva de investimento, demonstrando, ainda mais a desnecessidade de criação de mais uma reserva»; e representar a mesma «um prejuízo nítido do pequeno acionista, como o é a Recorrente» (causando-lhe um «dano patrimonial de valor correspondente ao valor que deixará de receber»), tendo as «deliberações de aprovação de contas e consequente aplicação dos resultados líquidos (…) como exclusiva intenção (…) causar à recorrente um dano patrimonial, traduzido na impossibilidade de receber os lucros existentes na sociedade».
Ora, e salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, não lhe assiste razão, não só porque a deliberação em causa se encontra fundamentada (quer quanto à constituição de uma reserva livre, quer quanto à constituição de uma reserva de investimento), como porque não é abusiva.
*
Com efeito, e conforme decorre dos factos dados como provados, previamente à deliberação de 21 de Julho de 2022 existiu uma outra, de ../../2022, cujo ponto dois da ordem de trabalhos era precisamente o de «Apreciar e deliberar sobre a proposta de aplicação dos resultados do exercício de 2021».
Na mesma os accionistas da Ré (EMP01..., S.A.) presentes - todos à excepção da Autora (AA), que foi regulamente convocada para o efeito - deliberaram, por unanimidade, que o resultado líquido do exercício de 2021, no valor positivo de € 2.252.244,34, fosse aplicado em «Outras Reservas» (reservas livres) no intuito de reforçar a robustez financeira da Sociedade.
Relativamente à fundamentação desta deliberação, lê-se expressamente na «ATA NÚMERO ...» que, tendo o Presidente da Assembleia Geral questionado o porquê da não distribuição de dividendos, foi explicado que essa decisão se prendia com a «exigência de disponibilidade de tesouraria imediata em 2022 relacionada com o potencial reembolso imediato do subsidio reembolsável do PT2020 no valor de €2.631.437,35 (dois milhões, seiscentos e trinta e um mil, quatrocentos e trinta e sete euros e trinta e cinco cêntimos), com o processo do dumping, ainda em curso, sendo que em caso de desfecho desfavorável o valor mínimo ronda o valor de € 700.000,00 (setecentos mil euros), fora penalidades e despesas associadas, bem como a escalada de preços das matérias-primas em 2022, a escassez das mesmas e a enorme incerteza quanto às consequências económicas e financeiras decorrentes da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, tudo conforme referenciado nos documentos que integram o relatório de contas da empresa».

Decorre ainda dos mesmos factos provados que, em 7 de Junho de 2022, o Conselho de Administração da Ré (EMP01..., S.A.), tendo tomado conhecimento do beneficio fiscal denominado Dedução dos Lucros Retidos e Reinvestidos (que permite a dedução à coleta até 10% dos lucros retidos que sejam reinvestidos em aplicações consideradas relevantes e cujo investimento se realize nos quatro anos seguintes à constituição da reserva), deliberou que a Sociedade devia tomar posição quanto à sua utilização.
Tornou-se, assim, necessário realizar nova assembleia geral de accionistas, para deliberarem sobre a aplicação de parte do resultado líquido do período de 2021 em reserva de investimento no âmbito do referido benefício fiscal, a realizar nos anos 2022 a 2025, mantendo-se o restante nas reservas livres já antes fixadas (uma vez que a deliberação de ../../2022 não fôra objecto de qualquer impugnação).

Veio, em consequência, a ser tomada a deliberação de 21 de Julho de 2022, cujo ponto único da ordem de trabalhos foi precisamente o de «deliberar sobre a alteração da aplicação de resultados do exercício de 2021».
Na mesma os accionistas da Ré (EMP01..., S.A.) presentes - todos, incluindo a Autora, que fôra regulamente convocada para o efeito - deliberaram, por maioria de 92,5% do capital social (com o único voto contra da Autora), manter a deliberação aprovada em ../../2022, de aplicação do resultado líquido do exercício de 2021 em reservas, só que já não integralmente em reservas livres, reduzindo-se estas a € 592.686,94, por forma a que os remanescentes € 1.659.557,40 fossem afectos a reserva de investimento no âmbito do benefício fiscal denominado Dedução dos Lucros Retidos e Reinvestidos, a realizar nos anos de 2022 a 2025.
Relativamente à fundamentação desta deliberação, lê-se expressamente na «ATA NÚMERO ...» que, tendo o Presidente da Assembleia Geral pretendido saber o porquê desta alteração - face ao proposto e aprovado na Assembleia Geral de ../../2022 -, foi «explicado que no início do período de 2022 a empresa, fruto da dimensão e dos resultados que se previam para o período de 2021, decidiu contratar uma empresa especializada em benefícios fiscais, a qual nos apresentou as propostas finais na reunião no dia vinte e sete de maio de 2022. Na referida reunião e após aprovação da Administração foi decidido o aproveitamento do benefício fiscal denominado de DLRR (Dedução dos lucros retidos e reinvestidos) no período de 2021, sendo que este permite à empresa a dedução da coleta de IRC até 10% dos lucros retidos, exigindo, entre outras questões, a constituição de reserva especial correspondente ao montante dos lucros retidos e reinvestidos, sendo que esta não pode ser utilizada para distribuição aos accionistas antes do fim do quinto exercício posterior ao da sua constituição, o que no caso concreto corresponde ao período de dois mil e vinte e sete. Assim, a não alteração da aplicação de resultados do período de 2022, não permitiria à empresa a utilização deste beneficio, traduzindo-se no pagamento de IRC adicional de 165.955,74 euros (cento e sessenta e cinco mil, novecentos e cinquenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos)».

Logo, foi expressa e exuberantemente fundamentada a não distribuição de lucros do exercício de 2021, quer a sua inicial afectação total em reservas livres (pela deliberação de ../../2022), quer a sua posterior afectação parcial em reservas livres e numa específica reserva de investimento, condicionante da obtenção de um benefício fiscal (pela deliberação de 21 de Julho de 2022, a única aqui impugnada, mas que com aquela primeira se conexiona).
*
Já relativamente ao pretenso teor abusivo da deliberação de 21 de Julho de 2022, é a própria Autora (AA) quem, nas suas alegações de recurso, reconhece que a «deliberação da sociedade comercial, criando reservas livres, nos termos legalmente permitidos, impeditivas até da distribuição de lucros pelos seus sócios, representa uma medida cautelar do interesse de todos, incluindo, logicamente, dos próprios sócios» [53].
 Ora, a deliberação de não distribuição da totalidade do resultado líquido do exercício de 2021, afectando o mesmo a reservas livres, foi a tomada em ../../2022; e não foi por ela aqui impugnada.

Já relativamente à deliberação de 21 de Julho de 2022, recorda-se que a mesma apenas afectou parte daquele montante a uma específica reserva de investimento, por forma a que a Ré (EMP01..., S.A.) pudesse vir a auferir um beneficio fiscal.
Dir-se-á ainda que a constituição desta reserva de investimento não tornou, ipso facto, abusiva a manutenção do remanescente numa reserva livre, já que o escopo desta não coincide, obrigatória ou exclusivamente, com investimento (como da justificação apresentada para a sua constituição, na «ATA NÚMERO ...» exuberantemente resulta, referindo-se para o efeito a «exigência de disponibilidade de tesouraria imediata em 2022» relacionada com o «potencial reembolso imediato do subsidio reembolsável do PT2020 no valor de €2.631.437,35», com «a escalada de preços das matérias-primas em 2022», «a escassez das mesmas» e «a enorme incerteza quanto às consequências económicas e financeiras decorrentes da guerra entre a Rússia e a Ucrânia»).  

Prosseguindo, recorda-se ainda que qualquer uma daquelas deliberações afectou todos os sócios (a maioritária e os minoritários, como a própria Autora), de forma exactamente igual (isto é, não recebendo qualquer deles dividendos relativos ao exercício de 2021). Assim, não se vê como pudessem consubstanciar vantagens especiais para os demais sócios (ou para algum deles), em prejuízo dela própria, aqui Autora.
um eventual prejuízo para a Ré (EMP01..., S.A.) - resultante das ditas deliberações - será sempre necessariamente inexistente, uma vez que ela só poderá beneficiar com a constituição de reservas livres e de uma reserva de investimento (que lhe proporcionará um benefício fiscal).
Ora, na verificação do carácter abusivo, ou não abusivo, de uma deliberação de não distribuição de lucros ter-se-á sempre de sopesar «o interesse inegável dos sócios a receberam a contrapartida económica da sua participação na sociedade em termos de lucros, com o interesse social na garantia de solvabilidade e sustentabilidade da própria sociedade»; e o «art. 58º nº 1 al. b) do CSC não impõe a sanção da anulabilidade à deliberação vantajosa para a maioria e desvantajosa para a minoria, a sociedade ou terceiros, mas somente àquela que, para além daquelas características nele mencionadas, acresça o carácter anormalmente excessivo do conteúdo aprovado (Ac. da RP, de 28.03.2023, Maria da Luz Seabra, Processo n.º 5197/20.0T8VNG.P1).

Por fim, e face a tudo quanto se deixou já dito, a deliberação impugnada também não causa danos gratuitos à Autora (AA), já que: sendo real a sua desvantagem imediata (ao não auferir dividendo reportado ao resultado líquido do exercício de 2021), não deixará (como accionista) de beneficiar de uma mais robusta situação económico-financeira da Ré (EMP01..., S.A.); e à sua desvantagem corresponde um efectivo benefício da Sociedade (o que impede a natureza emulativa da deliberação em causa).
*
Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso de apelação da Autora (AA).
*
V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Autora (AA), e, em consequência, em

· Confirmar integralmente o saneador-sentença recorrido.
*
Custas da apelação pela Autora recorrente (art.º 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).
*
Guimarães, 29 de Maio de 2024.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.


[1] O Código das Sociedades Comerciais (doravante aqui CSC) foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 02 de Setembro.
[2] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). 
[3] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[4] Lê-se, a propósito, no saneador-sentença do Tribunal a quo:
«(…)
Da Convocatória para AG
Dispõe o art.º 377 CSC, sob a epigrafe “Convocação e forma de realização da assembleia”
1 - As assembleias gerais são convocadas pelo presidente da mesa ou, nos casos especiais previstos na lei, pela comissão de auditoria, pelo conselho geral e de supervisão, pelo conselho fiscal ou pelo tribunal.
2 - A convocatória deve ser publicada.
3 - O contrato de sociedade pode exigir outras formas de comunicação aos accionistas e, quando sejam nominativas todas as acções da sociedade, pode substituir as publicações por cartas registadas ou, em relação aos accionistas que comuniquem previamente o seu consentimento, por correio electrónico com recibo de leitura.
4 - Entre a última divulgação e a data da reunião da assembleia deve mediar, pelo menos, um mês, devendo mediar, entre a expedição das cartas registadas ou mensagens de correio electrónico referidas no n.º 3 e a data da reunião, pelo menos, 21 dias.
5 - A convocatória, quer publicada, quer enviada por carta ou por correio electrónico, deve conter, pelo menos:
a) As menções exigidas pelo artigo 171.º;
b) O lugar, o dia e a hora da reunião;
c) A indicação da espécie, geral ou especial, da assembleia;
d) Os requisitos a que porventura estejam subordinados a participação e o exercício do direito de voto;
e) A ordem do dia;
f) Se o voto por correspondência não for proibido pelos estatutos, descrição do modo como o mesmo se processa, incluindo o endereço, físico ou electrónico, as condições de segurança, o prazo para a recepção das declarações de voto e a data do cômputo das mesmas.
6 - As assembleias são efectuadas:
a) Na sede da sociedade ou noutro local, escolhido pelo presidente da mesa dentro do território nacional, desde que as instalações desta não permitam a reunião em condições satisfatórias; ou
b) Salvo disposição em contrário no contrato de sociedade, através de meios telemáticos, devendo a sociedade assegurar a autenticidade das declarações e a segurança das comunicações, procedendo ao registo do seu conteúdo e dos respectivos intervenientes.
7 - O conselho fiscal, a comissão de auditoria ou o conselho geral e de supervisão só podem convocar a assembleia geral dos accionistas depois de ter, sem resultado, requerido a convocação ao presidente da mesa da assembleia geral, cabendo a esses órgãos, nesse caso, fixar a ordem do dia, bem como, se ocorrerem motivos que o justifiquem, escolher um local ou meio de reunião diverso da reunião física na sede, nos termos do número anterior.
8 - O aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada. Quando este assunto for a alteração do contrato, deve mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica à disposição dos accionistas na sede social, a partir da data da publicação, sem prejuízo de na assembleia serem propostas pelos sócios redacções diferentes para as mesmas cláusulas ou serem deliberadas alterações de outras cláusulas que forem necessárias em consequência de alterações relativas a cláusulas mencionadas no aviso.
Do artigo 10,4 dos estatutos da Sociedade R. junto a fls. 32 estabelece que “Enquanto forem nominativas todas as acções da sociedade, a convocatória das assembleias gerais pode ser feita por cartas registadas a remeter para cada um dos accionistas que comuniquem previamente o seu consentimento, por correio electrónico com recibo de leitura, devendo a expedição das cartas ou mensagens de correio electrónico ser efectuadas com uma antecedência de 21 dias em relação à reunião”.
Ora, da factualidade dada como assente (nomeadamente dos factos provados da contestação com os números 3 a 6, 14 e 15) resulta que foram remetidas para o domicilio da A. convocatórias para as duas AG postas em crise por aquela.
Ambas foram efectuadas mediante carta registada com aviso de recepção, missivas onde depois foi aposto o dizer “Avisado”, e posteriormente devolvido por não reclamado.
A morada aposta nas missivas é aquela que a A. indica como sendo a sua morada, na petição inicial que apresenta.
Pode, portanto, concluir-se que as convocatórias foram correctamente efectuadas, conforme decorre da lei e dos estatutos.
Conforme se lê no Ac. do STJ, de 13-4-21 “Recai sobre a sociedade, aqui Ré, o ónus de provar ter dado cabal cumprimento ao envio da convocatória para a Autora, de molde a que esta tivesse conhecimento da mesma, recaindo sobre a Autora o ónus de provar que, se não recebeu a aludida convocatória, não foi por culpa sua, por forma a quebrar o efeito obstaculativo adveniente do normativo inserto no nº 3 do artigo 244º do CCivil”.
No caso, a R. cumpriu o seu ónus de prova, não tendo tal ocorrido com a A.
Pelo exposto, considero a A. devidamente convocada para as AG
(…)»
[5] Neste sentido, de que os factos constantes da fundamentação de facto da decisão judicial deverão ser apresentados segundo uma ordenação sequencial, lógica e cronológica (e não de forma desordenada, consoante os articulados de onde tenham sido extraídos e reproduzindo ipsis verbis a sua redacção, incluindo interjeições coloquiais), na doutrina:
. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, I Volume, 2013, Almedina, Outubro de 2013, pág. 543 - onde se lê que os «factos que constituem fundamentação de facto devem ser integralmente descritos. O juiz deve aqui relatar a realidade histórica tal como ela resultou demonstrada da produção de prova. (…)
Não há aqui qualquer fundamento para o juiz se cingir aos enunciados verbais adotados pelas partes. O que importa é o facto, e este pode ser descrito de diversas formas. Ele é aqui o cronista, o tecelão da narrativa fiel à prova produzida, não devendo compô-la com fragmentos literais de frases articuladas, fabricando uma desconexa manta e retalhos».
. Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, página 22 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença, os «enunciados de facto devem também ser expostos numa ordenação sequencial lógica e cronológica que facilite a conjugação dos seus diversos segmentos e a compreensão do conjunto factual pertinente, na perspetiva das questões jurídicas a apreciar. Com efeito, a ordenação sequencial das proposições de facto, bem como a ligação entre elas, é um fator de inteligibilidade da trama factual, na medida em que favorece uma interpretação contextual e sinótica, em detrimento de uma interpretação meramente analítica, de enfoque atomizado ou fragmentário. Por isso mesmo, na sentença, cumpre ao juiz ordenar a matéria de facto - que se encontra, de algum modo parcelada, em virtude dos factos assentes por decorrência da falta de impugnação - na perspetiva do quadro normativo das questões a resolver».
. António Santos Abrantes Geraldes, «Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 10 e 11 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6425) - onde se lê que, na sentença, «na enunciação dos factos apurados o juiz deve usar uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção. Por isso é inadmissível (tal como já o era anteriormente) que se opte pela enunciação desordenada de factos, uns extraídos da petição, outros da contestação ou da réplica, sem qualquer coerência interna.
Este objectivo - que o bom senso já anteriormente deveria ter imposto como regra absoluta - encontra agora na formulação legal um apoio suplementar, já que o art. 607º, nº 4, 2ª parte, impõe ao juiz a tarefa de compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, o que necessariamente implica uma descrição inteligível da realidade litigada, em lugar de uma sequência desordenada de factos atomísticos».
. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, Almedina, Junho de 2014, pág. 322 - onde se lê que, «depois de concluída a produção de prova e quando elaborar a sentença, é função do juiz relatar - e relatar de forma expressa, precisa e completa - os factos essenciais que se provaram em juízo. Tal relato haverá de constituir uma narração arrumada, coerente e sequencial (lógica e cronologicamente), na certeza de que isso deve ser feito “compatibilizando toda a matéria de facto adquirida”, como prescreve a parte final do nº 4 do art. 607º».
Na jurisprudência mais recente: Ac. da RL, de 24.04.2019, Laurinda Gemas, Processo n.º 5585/15.4T8FNC-A.L1-2; ou Ac. da RL, de 02.07.2019, José Capacete, Processo n.º 1777/16.7T8LRA.L1-7.
[6] Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 20 e 21 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença,  os «enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a retratar com objetividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correção sintática e propriedade terminológica e semântica».
Ora, tendendo as partes «a adestrar a factualidade pertinente no sentido estrategicamente favorável à posição que sustentam no seu confronto conflitual, daí resultando enunciados, por vezes, deformados, contorcidos ou de pendor mais subjetivo ou até emotivo», caberá «ao juiz, na formulação dos juízos de prova, expurgar tais deformações, sendo que, como é entendimento jurisprudencial corrente, não se encontra adstrito à forma vocabular e sintática da narrativa das partes, mas sim ao seu alcance semântico. Deve, pois, adotar enunciados que, refletindo os resultados probatórios, sejam portadores de um sentido semântico, o mais consensual possível, de forma a garantir que a controvérsia se desenvolva em sede da sua substância factual e não no plano meramente epidérmico dos seus modos de expressão linguística».
[7] Precisa-se, a propósito, que apesar «da citada disposição legal não referisse direta e expressamente sobre» preposições de «matéria de facto que fossem vagas, genéricas ou conclusivas o certo é que na jurisprudência consolidou-se o entendimento de que tal disposição legal era de aplicar analogicamente a tais situações, sempre que a matéria em causa se integrasse no thema decidendu, por se reconduzirem à formulação de juízos de valor que se devem extrair de factos concretos, objeto de alegação e prova» (Ac. da RG, de 20.09.2018, Vera Sottomayor, Processo n.º 778/16.0T8BCL.G1).
[8] Neste sentido:
. na doutrina -  António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, Almedina, 1999, págs. 147-148, onde se lê que terão de ser erradicadas da decisão sobre a matéria de facto «as alegações com conteúdo técnico-jurídico, de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem (v.g. renda, contrato, proprietário, residência permanente, etc.)».               
Ainda Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 312, onde se lê que a matéria de facto «não pode conter qualquer apreciação de direito», ou seja, «qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica».
. na jurisprudência, entre muitos - Ac. da RG, de 20.09.2018, Vera Sottomayor, Processo n.º 778/16.0T8BCL.G1, onde se lê que, não tendo o «Código do Processo Civil de 2013» reproduzido o art.º 646.º, n.º 4, do CPC de 1961, «no entanto é de considerar que se mantém tal entendimento, interpretando a contrario sensu o n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados. Ou seja, o tribunal só pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida “os factos” e não as conclusões ou juízos de valor a extrair dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, o que é uma operação intelectual bem distinta».
«Importa ainda salientar que apesar de só os factos concretos poderem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão são ainda de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, desde que não integrem o conceito do próprio objeto do processo ou seja não constitua a sua verificação o conteúdo do objeto de disputa das partes.
Por outro lado, são também de afastar as expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio».
Ainda Ac. da RE, de 28.06.2018, Florbela Moreira Lança, Processo n.º 170/16.6T8MMN.E1, onde se lê que, «sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado».
[9] Lê-se, a propósito, no dito acórdão, com bold aqui apócrifo:
«(…)
De forma conforme, do elenco de factos provados (que mantém a indevida enunciação por articulados de onde foram retirados, e não uma ordenação lógica e cronológica da realidade que é suposto retratarem, e onde se encontra omisso o teor das actas das assembleias gerais impugnadas onde foi explicada/justificada a não distribuição de lucros) (…).
(…)»
[10] Precisando o «justificado interesse próprio» dir-se-á que o mesmo «remete para a existência de uma relação entre a prestação da garantia e o interesse da sociedade», não bastando, porém, a invocação dessa relação, sendo ainda necessário que a sociedade concretize «as vantagens que retirará por prestar a garantia». E o ónus de alegar e provar que aquele interesse existe pertence àquele «que tem interesse em afirmar a garantia» (Alexandre de Soveral Martins, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 115).
[11] Precisando a «posição da sociedade garante na relação de domínio ou de grupo», discute-se se a sociedade garante pode ser a dominante ou a dependente, a totalmente dominante ou a totalmente dependente, a directora ou a subordinada.
[12] Precisa-se, a propósito, que nem todas as sociedades prosseguem o lucro, já que as chamadas sociedades não lucrativas não têm, ab initio, intuito lucrativo.
Será, por exemplo, o caso das SGPS, «que tipicamente não têm como fim, a título principal, a obtenção de lucro e a sua distribuição pelos sócios», das sociedades subordinadas, cuja gestão «é feita com vista à obtenção de lucro na sociedade subordinante», e/ou das sociedades instrumentais (special purpose vehicles), «instituídas para a prossecução de um fim específico com utilidade, mas não para a produção e distribuição directa de lucro» (Pedro Pais de Vasconcelos, A Participação Social nas Sociedades Comerciais, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, págs. 76 e segs.). 
Dir-se-á, ainda, que a falta de intuito lucrativo não consta do elenco das causas de dissolução das sociedades comerciais, conforme art.ºs 141.º a 143.º do CSC.
[13] Recorda-se que se lê no art.º 294.º do CC que
[14] Neste sentido, Pedro Pais de Vasconcelos, A Participação Social nas Sociedades Comerciais, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, págs. 71 e segs.
[15] Enfatiza-se que a remuneração do investimento inicial do sócio pode ocorrer igualmente com a valorização das suas participações sociais e a obtenção da correspondente mais-valia no momento da sua alienação.
Fala-se, a propósito, no direito à quota de liquidação ou ao lucro final ou de liquidação (excedente do património social líquido sobre a cifra do capital social (art.ºs 154° e segs. do CSC).
Tradicionalmente, a doutrina tendia a considerar que o direito ao lucro se consubstanciava, precisa e fundamentalmente, neste preciso direito, e não no direito à participação no lucro periódico.
Neste sentido, Filipe Cassiano dos Santos, A posição do accionista face aos lucros de balanço. O direito do accionista ao dividendo no Código das Sociedades Comerciais, BFDUC, Coimbra Editora, Coimbra, 1996, pág. 19.
Contudo, a pouco e pouco foi-se alterando, ou mitigando, este entendimento, defendendo-se cada vez mais que é a distribuição anual de lucros, e não a que ocorre com a liquidação da sociedade, que está sobretudo ínsita no direito ao lucro.
Dando conta desta evolução, Ac. da RP, de 22.02.2021, Eugénia Cunha, Processo n.º 2532/16.0T8AVR.P2.
[16] António Menezes Cordeiro vê aqui uma concretização do vector existente no «Direito português (…) que veda a disposição de direitos futuros» (de que dá vários exemplos), sendo precisamente a lógica de «evitar o descontrolo e a irreflexão de dar aquilo de que se não dispõe» que «veda os pactos leoninos» (in Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2.ª edição - 2014, Almedina, Fevereiro de 2014, pág. 147).
[17] No mesmo sentido: Paulo de Tarso Domingues, Variações sobre o Capital Social, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 281 e segs.; ou António Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2.ª edição - 2014, Almedina, Fevereiro de 2014, pág. 147.
[18] Precisando os conceitos de derrogação e de denúncia, dir-se-á que o acto de derrogação afastará a norma jurídica, ao contrário da renúncia que, como acto individual, põe termo a uma pretensão concreta. «É renunciável o direito que pode ser extinto através de uma declaração para o efeito dirigida à sociedade pelo sócio e que apenas produz efeitos num caso concreto; é derrogável o direito que possa ser afastado através de cláusula estatutária que, pelo seu carácter normativo, produz efeitos para todos os casos idênticos que no futuro ocorram, em relação aos sócios actuais e àqueles que no futuro adquiram essa qualidade» (Manuel António Pita, Direito aos Lucros, Almedina, 1989, págs. 142 e 143).
No mesmo sentido, Raúl Ventura, Sociedade por quotas, Volume I, Almedina, Coimbra, 1993, pág. 324 e segs.
[19] Será igualmente nula a deliberação dos sócios ou da administração que exclui um sócio dos lucros (art.ºs 56.º, n.º 1, al. d), e 411.º, n.º 1, al. c), do CSC).
[20] Neste sentido, Pedro Pais de Vasconcelos, A Participação Social nas Sociedades Comerciais, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 71.
[21] Paulo de Tarso Domingues, Variações sobre o Capital Social, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 264 e segs., onde defende que é a vertente subjectiva do lucro que é precisamente o quid specificum das sociedades comerciais, que permite diferenciá-las das outras estruturas associativas (associações, cooperativas, ACEs, consórcios, etc.), onde tal circunstância não se verifica.
[22] O princípio da intangibilidade (ou da conservação) do capital social reflecte a preocupação de favorecer a aproximação (mas não necessariamente de garantir) entre a cifra do capital social (correspondente à soma do valor nominal de todas as participações sociais subscritas) e o património social.
Manifesta-se no conjunto de normas destinadas precisamente a obter este resultado, de que o regime contido nos art.ºs 32.º e 33.º do CSC é dos mais relevantes exemplos.  
[23] Recorda-se que o regime da reserva legal está previsto nos art.ºs 295.º e 296.º do CSC.
Precisa-se, porém, que o art.º 295.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais sujeita ao regime da reserva legal realidades que não são reservas legais em si mesmas, na medida em que se lhes não aplica o regime da constituição da reserva legal - são inscritas em contas de reservas independentes da reserva legal e, por outro lado, são alocadas integralmente a essas reservas (e não apenas na percentagem fixada no n.º 1 e até ao montante fixado aí ou nos estatutos). Não obstante, estes montantes são regulados pelo regime da utilização da reserva legal, o que dita a sua indisponibilidade. Estes valores não podem ser considerados lucros da sociedade, «porque, se o fossem, teriam de contribuir para a constituição da reserva legal e não poderiam ser levados integralmente a outras reservas» (Manuel António Pita, Direito aos Lucros, Almedina, Coimbra, 1989, págs. 35 e segs.).   
[24] Estes documentos devem ser preparados pelo órgão de gestão, sujeitos à apreciação do órgão de fiscalização (se existir), em certos casos, certificadas por um auditor externo, e finalmente aprovadas pelos sócios, em assembleia geral anual (conforme art.ºs 65.º e segs. do CSC).
[25]  As reservas legais destinam-se por lei a cobrir a perda de exercício que não possa ser coberta pela utilização de outras reservas (livres ou estatutárias), a cobrir perdas transitadas de exercício anterior que não possam ser cobertas pelo lucro do exercício nem por outras reservas, e a incorporação no capital social.
[26]  As deliberações de distribuição de bens sociais que desrespeitem a intangibilidade da reserva estatutária ou a sua constituição são consideradas nulas, nos termos dos art.ºs 32.º, n.º1, 33.º, n.º1 e 56.º, n.º 1, al. d), do CSC.
[27] As reservas livres são habitualmente utilizadas para potenciar a actividade societária (v.g. investimentos futuros e previsíveis), para cobrir perdas ou para incorporar no capital social.
[28] As reservas ocultas são proibidas pelo art.º 33.º, n.º 3, do CSC (onde se lê que as «reservas cuja existência e cujo montante não figuraram expressamente no balanço não podem ser utilizadas para distribuição aos sócios»); e, por isso, as deliberações que aprovem contas com reservas ocultas são nulas. 
[29] Precisa-se que a «noção de reserva é difícil de delimitar, porquanto existem duas acepções do termo: uma restritiva; a outra extensiva. Na definição restritiva, as reservas correspondem aos lucros de exploração e outras receitas que a sociedade delibera não distribuir a fim de reforçar a sua situação financeira. Na definição extensiva, as reservas abrangem todo o aumento de valor do activo, o que inclui as chamadas reservas ocultas, que resultam nomeadamente de uma valorização de bens do activo não contabilizada ou de um excesso de amortizações» (António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais e Valores Mobiliários, 5.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 89-90).
Logo, não incluem os lucros distribuíveis os montantes incluídos em reservas ocultas.
[30] Naturalmente que o capital social, nesta fase da vida societária, não pode ser devolvido aos sócios.
[31] Naturalmente que as reservas que a lei ou o contrato de sociedade destinam à prossecução de determinados fins estabelecidos pela lei ou pelo pacto não podem ser distribuídas aos sócios.
[32] Neste sentido: Evaristo Ferreira Mendes, «Direito ao Lucro de Exercício no CSC», Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, Lisboa (UCE) 2002, pág. 508; ou António Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2.ª edição - 2014, Almedina, Fevereiro de 2014, pág. 168..
Contudo, esta repartição de lucros, deliberada pelos sócios em momento diferente do da aprovação das contas do exercício, terá não só que se conter dentro dos limites legalmente fixados no art.º 32.º do CSC, como terá necessariamente de se fundar num balanço especial elaborado para o efeito (o qual não deverá ter mais de três meses relativamente à data da deliberação), por forma a assegurar que apenas são distribuídos lucros e que o princípio da intangibilidade do capital se mantém intocado.
O órgão de administração não deverá, porém, executar esta deliberação extraordinária de repartição de lucros, quando tenha «fundadas razões» para crer que a mesma é ilícita ou enferma de irregularidades (art.º 31.º, n.º 2, do CSC).
[33] Lê-se na mesma que «a distribuição de lucros fica dependente da inexistência de “diferente cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos” (294º/1, aliás semelhante ao artigo 217º/1). Toda esta matéria é supletiva, embora fique marginada por normas imperativas, com exemplo nas que fixam “lucros não disponíveis”. Supletivamente, deve ser distribuído aos accionistas metade do lucro de exercício distribuível. Trata-se de matéria que compete à assembleia geral anual: 376/1,b)».
[34] Neste sentido: Ac. da RG, de 09.03.2010, Rosa Tching, Processo n.º 191/07.0TBVRM.G1; Ac. da RG, de 19.04.2010, Espinheira Baltar, Processo n.º 122/09.2TBVRM.G1; Ac. do STJ, de 12.10.2010, Urbano Dias, Processo n.º 191/07.OTBVRM.G1.S1; Ac. do STJ, de 16.12.2010, Garcia Calejo, Processo n.º 1851/07.0TVVNF.P1.S1; Ac. da RC,  de 21.12.2010, Carlos Gil; Processo n.º 210/09.5TBTCS.C1; Ac. da RC, de 19.02.2013, Henrique Antunes, Processo n.º 89/10.4TBTCS.C1; Ac. da RG, de 10.05.2018, Maria Cristina Cerdeira, Processo n.º 5396/15.7T8VNF.G2; Ac. da RL, de 22.11.2022, Nuno Teixeira, Processo n.º 1163/21.7T8BRR.L1-1; Ac. da RP, de 28.03.2023, Maria da Luz Seabra, Processo n.º 5197/20.0T8VNG.P1; ou Ac. da RL, de 14.12.2023, Amélia Sofia Rebelo, Processo n.º 12060/22.9T8SNT.L1-1.
[35] Neste sentido, Ac. da RP, de 22.02.2021, Eugénia Cunha, Processo n.º 2532/16.0T8AVR.P2, acentuando a «especial e excecional» justificação da deliberação de não distribuição anual de lucros (consentânea com o progressivo entendimento de que é esta distribuição anual de lucros, e não a que ocorre com a liquidação da sociedade, que está sobretudo ínsita no direito ao lucro).
[36] Os gerentes ou administradores devem prestar contas perante a colectividade dos sócios; e esta deve apreciar tais contas, em regra, no prazo de 3 meses a contar do encerramento do exercício social (art.º 65.º, n.º 5, do CSC). Estão em causa essencialmente o balanço do exercício e a respectiva conta ou demonstração de resultados.
Juntamente com a apresentação dos documentos de prestação de contas, os mesmos devem ainda formular uma proposta de aplicação dos resultados obtidos, sobre a qual a colectividade dos sócios deve deliberar (arts. 66.º, n.º 2, al. f), 263.º, n.ºs 2 e 3, 376.º, n.º 1, al. b) e 248.º, n.º 1, do CSC).
[37] Para os defensores deste primeiro entendimento (v.g. Pereira de Almeida, António Caeiro, António Menezes Cordeiro), o direito subjectivo ao lucro (ainda que elemento essencial do conceito de sociedade) não permite que os sócios, individualmente considerados, tenham o direito a exigir a distribuição do lucro de balanço (ou lucro total), cabendo apenas à colectividade dos sócios decidir livremente, por maioria absoluta, se, quando e como, se procederá à sua repartição.
Precisa que a titularidade do direito (abstracto) ao lucro não permite ao sócio exigir da sociedade a distribuição da riqueza por ela criada, ou uma qualquer concreta repartição dela: a distribuição do lucro dependerá sempre de uma deliberação social que a aprove (não sendo o sócio até que a mesma ocorra titular de um direito concreto ao lucro): só com ela o direito (abstracto) do sócio ao lucro se determina e materializa (nasce), designando-se então por direito ao dividendo (direito de crédito equiparável ao direito de um qualquer terceiro credor sobre a própria sociedade).
António Menezes Cordeiro defende que, subjacente à atribuição desta competência à assembleia geral, «reside o facto de a distribuição de  bens sociais ter implicações na robustez financeira da sociedade e nas opções referentes ao reinvestimento do resultado produtivo da sociedade: e prende-se, igualmente, com o tratamento conferido aos seus sócios, reflectindo-se no valor das respectivas participações sociais»  (Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2.ª edição - 2014, Almedina, Fevereiro de 2014, pág. 163).
[38] Para os defensores deste segundo entendimento (v.g. Filipe Cassiano dos Santos, Jorge M. Coutinho de Abreu, Manuel António Pita), uma vez aprovadas as contas do exercício, qualquer sócio/accionista - caso não haja uma deliberação válida e atempada sobre a aplicação dos resultados do exercício - poderá: a interpelar a sociedade para que proceda à efectiva distribuição dos lucros; a recorrer a uma acção judicial de cumprimento; e, eventualmente, a recorrer a uma acção executiva.
[39] Neste sentido, Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2.ª edição - 2014, Almedina, Fevereiro de 2014, pág. onde se lê que o «direito aos lucros é um direito abstracto: traduz uma expectativa, que se concretizará: (a) com a apresentação das contas, das quais resulte um lucro distribuível; (b) com a aprovação dessas contas; (c) com a aprovação de uma proposta de distribuição de resultados».
 [40] Como direito de crédito que é, será transacionável.
[41] Neste sentido, do carácter constitutivo (do direito de crédito ao dividendo) da deliberação, António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, Valores Mobiliários e Mercados, 6.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 166.
[42] Neste sentido, do carácter declarativo da deliberação, Filipe Cassiano dos Santos, A posição do accionista face aos lucros de balanço. O direito do accionista ao dividendo no Código das Sociedades Comerciais, BFDUC, Coimbra Editora, Coimbra, 1996, págs. 94 e segs.
[43] Neste sentido, Raúl Ventura, Sociedade por quotas, Volume I, Almedina, Coimbra, 1993, pág. 767.
[44] Defende-se que o direito ao dividendo, tendo origem na qualidade de sócio, com a deliberação de distribuição de lucros, autonomiza-se dela, assumindo o carácter de direito extra-corporativo; e, por isso, não poderá depois ser afectado contra a vontade dos sócios/accionistas.
Ora, ao cair fora da esfera societária, este direito ao dividendo cai fica necessariamente subtraído ao poder deliberativo dos sócios, sendo, por isso, nula qualquer deliberação que o vise condicionar, restringir ou anular.
Neste sentido: Paulo de Tarso Domingues, Variações sobre o Capital Social, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 269; António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, Valores Mobiliários e Mercados, 6.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 163; e Ana Sá Couto e Joana Torres Ereio, «Transmissão do Direito ao Dividendo» (in http://www.uria.com/documentos/publicaciones/3073/documento /articuloUM.pdf?id=3001).
Contudo, Raúl Ventura critica esta distinção entre «direito abstracto» e «direito concreto»; e argumenta que a terminologia usada se presta a confusões, sugerindo, em seu lugar, a expressão «activação» (do direito) porque entende que «o direito ao lucro - como outros direitos de semelhante estrutura resultantes do contrato de sociedade - é um só, desde o contrato de sociedade até ao efectivo recebimento pelo sócio» («Reflexões sobre direitos de sócios», CJ, Ano IX, Tomo 2, pág. 7).
[45] No mesmo sentido, e de forma mais geral, apenas se considera admissível a transmissibilidade de direitos sociais concretos (ainda que futuros) e já não de direitos sociais abstractos.
[46] António Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2.ª edição, 2014, Almedina, Fevereiro de 2014, pág. 229.
[47] No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 10.12.1991, BMJ, nº 412, pág. 460, onde se lê que os bons costumes são «um conjunto de regras de convivência que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e correctas aceitam comummente, contrários a laivos ou conotações, imoralidade ou indecoro social».
Ainda, neste sentido de moral social dominante: Ac. da RL, de 29.11.2011, Maria Amélia Ribeiro, Processo n.º 845/11.6TYLSB.L1-7; e Ac. da RC, de 14.03.2017, Fonte Ramos, Processo n.º 1327/12.4TBLRA.C1.
[48] Enfatiza-se que, num «sistema jurídico laico, será directamente o critério sociológico que nos ajudará a precisar esta moral pública - reservando-se ao critério religioso, numa sociedade que não prescinde da religião, a magistratura de influência que consegue moldar mais ou menos marcadamente áreas importantes do critério sociológico, ou desempenhar, ao menos, um papel moderador» (Pinto Furtado, ibidem).
[49] Exemplos fáceis deste tipo de deliberações nulas (promovendo práticas ilícitas) será, por «exemplo, qualquer sociedade que tome uma deliberação que contribua para a facilitação da prostituição; também certos aspectos que digam respeito a um tipo de actuação social, que seja vedado por regras de ordem pública. Por exemplo, os órgãos sociais deliberarem que, para determinados efeitos, os administradores da sociedade deveriam proceder ao pagamento de “luvas” a entidades públicas» (Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, 3.ª edição, Almedina, Dezembro de 2007, págs. 640-641).
[50] No mesmo sentido, e do mesmo Autor, Manual de Direito das Sociedades, Volume I, 2004, Almedina, pág. 651, onde se defende que, com a expressão «preceitos inderrogáveis», o legislador quis-se reportar a preceitos legalmente imperativos; e, nesse sentido, o carácter imperativo da lei é, em regra, claro. «Grosso modo, podemos dizer que uma regra societária é imperativa: quando integre a ordem pública; quando concretize princípios injuntivos; quanto institua ou defenda posições de terceiros».
[51] No mesmo sentido, Ac. da RL, de 08.03.2023, Amélia Sofia Rebelo, Processo n.º 17579/20.3T8LSB.L1-1, onde se lê que «a vantagem especial prevista pela al. b) do nº 1 do art. 58º do CSC (…) haverá de traduzir-se num qualquer proveito ou benefício anómalo, estranho ou tido por irrazoável aos interesses da sociedade, e que só existe por efeito da utilização do direito de voto inerente à qualidade de sócio para obter a satisfação de interesses extra sociais dos sócios maioritários ou de terceiros por estes pretendido beneficiar».
[52] Debruçando-se sobre esta polémica, Ac. da RL, de 07.02.2023, Pedro Brigthon, Processo n.º 19495/19.2T8SNT.L1-1.
[53] Reproduz assim, o que ipsis verbis se lê no Ac. do STJ, de 12.10.2010, Urbano Dias, Processo n.º 191/07.OTBVRM.G1.S1: a «a sociedade não é pertença exclusiva dos sócios e a deliberação comercial criando reservas livres, nos termos legalmente permitidos, impeditivas até da distribuição de lucros pelos seus sócios representa uma medida cautelar do interesse de todos, incluindo logicamente os próprios sócios».