Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3283/23.4T8GMR.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: VICIAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMÓVEL
COMPRA E VENDA
NULIDADE POR IMPOSSIBILIDADE LEGAL DO OBJETO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – A prova da viciação de veículo automóvel importado é efetuada essencialmente através de documentos, designadamente, considerando a pesquisa na plataforma da marca e informações prestadas pela marca aquando da dificuldade sentida pelo concessionário na realização de uma reparação, recurso à documentação técnica do veículo e acesso às bases de dados de veículos furtados de onde foram extraídas peças para este veículo (Registo Shengen).
2 - A compra e venda de veículo falsificado é nula por impossibilidade legal do objeto, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I.RELATÓRIO

“EMP01..., Lda.” deduziu ação declarativa contra AA pedindo que se declare nulo o contrato de compra e venda do veículo de matrícula ..-..-BP, condenando-se o réu a restituir à autora a quantia de € 30.000,00, ou, subsidiariamente, que se declare anulado o contrato de compra e venda do veículo ..-..-BP, condenando-se o réu a restituir à autora a quantia de € 30.000,00 e, ainda, que se condene o réu a pagar à autora, a título de compensação, um valor nunca inferior a € 5.000,00, pelos danos provocados.

Alegou, para o efeito, que adquiriu ao réu, em 14/07/2022, para revenda, pelo valor de € 30.000,00, o referido veículo, que lhe foi mostrado antes da atribuição da matrícula portuguesa, tendo sido o réu quem tratou, instruiu e pagou todo o procedimento junto da Autoridade Tributária e Aduaneira para atribuição da matrícula portuguesa e, na mesma data vendeu o mesmo a terceiro. Acontece que, após o veículo ter apresentado uma anomalia no ar condicionado, acabou o mesmo por ser apreendido pela PSP, em 15/11/2022, à ordem de um processo de Inquérito, quando se encontrava para reparação nas instalações da concessionária ... no Porto, na sequência da própria concessionária ter detetado anomalias no veículo que importam a sua viciação, designadamente, a divergência de matrículas atribuídas, a diferença no motor, a inexistência de aparelho BTA, bem como a existência de peças que serão provenientes de outro veículo que consta como furtado em .... Na sequência do descrito, para salvaguardar o seu bom nome, a autora substituiu o dito veículo e entregou outra viatura ao seu cliente.
A venda deste veículo pelo réu à autora configura um negócio contrário à lei, devendo ser decretada a sua nulidade, ou, caso assim, não se entenda, nunca a autora teria adquirido o mesmo se tivesse conhecimento ou consciência das condições em que o mesmo se encontrava, tendo agido em erro, o que conduz à anulabilidade do negócio. A autora denunciou a situação em 15/12/2022 e solicitou a devolução dos € 30.000,00 pagos. Pelos danos não patrimoniais decorrentes desta situação, peticiona o montante de € 5.000,00.
O réu contestou alegando que adquiriu o veículo para revenda, não se verificando na documentação e/ou no veículo qualquer detalhe que levasse o réu a suspeitar de qualquer viciação. De todo o modo, a autora, antes da compra, levou o veículo à concessionária ... em Guimarães onde mandou proceder ao serviço de revisão geral do veículo, sem que tenha sido detetada qualquer anomalia e o mesmo aconteceu na inspeção extraordinária que precedeu a emissão da Declaração Aduaneira de Veículos, tendo sido emitido o Certificado de Conformidade Europeu. Assim, o réu sempre desconheceu a existência de qualquer vício anterior ou posterior à sua intervenção negocial.
Em sede de audiência prévia foi identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova.
Teve lugar a audiência de julgamento, apos o que foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação, declarando a nulidade do contrato de compra e venda do veículo ..-..-BP e condenando o réu a restituir à autora a a quantia de € 30.000,00, absolvendo o réu do demais peticionado.

O réu interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

1 - Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta sentença de fl…, datada de 26 de maio de 2024, que julgou a presente ação parcialmente procedente e em consequência declarou: a) a nulidade do contrato de compra e venda do veículo ..-..-BP e condenou o R. AA a restituir à A. EMP02..., Lda. a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros); e b) absolveu o Réu AA do demais peticionado;
2 - Somos do entendimento de que, e salvo o devido respeito por opinião contrária, o Tribunal a quo podia e devia ter decidido de forma diferente, atendendo ao teor da prova produzida em sede de audiência de julgamento;
3 - O ora Recorrente entende que o Tribunal ad quem tem elementos probatórios suficientes nos presentes autos para proceder à alteração da Sentença proferida, aqui em crise;
4 - QUESTÃO PRÉVIA: em 06 de junho de 2024, portanto, depois do encerramento da Audiência de Discussão e julgamento dos presentes autos (que ocorreu em 19 de Fevereiro) foi proferido Despacho de arquivamento nos autos de inquérito nº 5/22.... que correu termos pelo Ministério Público – DIAP – ... Secção, do Tribunal da Comarca do Porto, onde estava a ser investigada a alegada viciação do veículo com a matrícula ..-..-BP, em causa nos presentes autos, e à ordem do qual havia sido apreendido o referido veiculo, precisamente, com fundamento nos alegados vícios invocados na presente ação;
5 - O Recorrido, que apenas teve intervenção no referido processo-crime como testemunha, só teve conhecimento deste Despacho, em junho/2024, pelo que, face à superveniência objetiva e subjetiva do documento, e bem assim, à relevância deste para a boa decisão da causa, deverá ser admitido a junção do despacho de arquivamento com a alegação do presente recurso. (DOC. nº 1)
6 – Entende o recorrente que o Tribunal de que se recorre não ponderou convenientemente toda a prova produzida, a qual conjugada com o Despacho de Arquivamento (proferido no âmbito do processo de inquérito nº 5/22....) que ora se junta, levam a uma decisão diferente relativamente à matéria de facto e consequentemente a uma decisão final (sentença) em termos de direito diferente do que aquela que se verificou e de que se recorre;
7 – Nenhuma prova foi produzida, quer documental, quer testemunhal, no sentido de vir o Tribunal a quo a concluir, como concluiu, de que o negócio sub iudicio é nulo;
8 - Incumbia à Autora, aqui Recorrida, o ónus da prova do direito invocado, ou seja, da entrega do veículo viciado, que poderia conduzir à nulidade do contrato de compra e venda, sendo certo que tal prova não foi feita nos presentes autos, de forma à presente ação, vir a final, a ser julgada, mesmo que parcialmente, procedente;
9 - Salvo o devido respeito por opinião contrária, somos do modesto entendimento de que, o Tribunal a quo não apreciou corretamente a prova produzida em sede de audiência de julgamento, e valorou erradamente a prova documental junta aos autos;
10 - Na modesta opinião da recorrente foram incorretamente julgados os seguintes factos (os quais foram dados como provados): Pontos 11; 15 e 16;
11 - E foi ainda incorretamente julgado o seguinte facto (o qual foi dado como não provado) Alínea g) Que o R. quando entregou o referido veículo à A. o fez sem que o mesmo padecesse de qualquer viciação;
12 - Somos do humilde entendimento de que, os factos ora transcritos foram incorretamente julgados, os quais, face à prova produzida e à carreada para os autos deveriam ter sido dados como não provados, aqueles que foram dados como provados; e como provado, o facto que foi dado como não provado;
13 - Conforme refere a Sentença em crise da conjugação dos documentos que se encontram juntos aos autos com a referência n.º ...74, nomeadamente auto de notícia, auto de apreensão, reportagem fotográfica, print´s de pesquisa, informações prestadas pela marca, indicação Shengen e documentação técnica do veículo, documentos que não foram impugnados, resulta que a referida apreensão resultou da forte suspeita de viciação do ..-..-BP;
14 - Contrariamente ao que consta na sentença, importa salientar que, o auto de apreensão que havia sido junto sob o doc. Nº 4 com a PI, foi impugnado aquando da contestação apresentado pelo Réu;
15 - Mas ainda que assim, não fosse, salvo o devido respeito por opinião contrária, dos referidos documentos não resulta, conforme entendeu o tribunal a quo, que além do veículo não ter instalado o aparelho de BTA (caixa telemática autónoma), as etiquetas do pedal e o air-bag correspondem a um outro veículo (…) e que o n.º do motor instalado não é o que corresponde àquele que consta da documentação técnica do veículo;
16 – Dos referidos documentos juntos aos autos informa-se que o “processo (reportando-se ao processo nº 5/22....) encontra-se em investigação na PSP, sendo que do traslado, não consta o relatório de perícia ao veículo ..-..-BP”;
17 - Do Auto de Notícia, resulta que a viatura dos autos foi apreendida, por suspeita de viciação, como medida cautelar de polícia (cf. auto de noticia);
18 - Concluindo-se o Auto de Notícia do seguinte modo: E, perante o explanado e salvo douta opinião julga-se pertinente submeter a viatura a perícia técnica para atestar da existência de viciação, bem como se existem outras peças/componentes da viatura furtada;
19 - À data do encerramento da Audiência de Discussão e Julgamento dos presentes autos, a investigação dos factos aqui em causa estava, assim, a ser levada a cabo no âmbito do processo-crime nº 5/22....;
20 - Da conjugação dos elementos de prova, nomeadamente, dos documentos juntos aos autos pelo Tribunal da Comarca do Porto – DIAP – ... secção do Porto, (com a referência ...74) em 17/01/2024 (cópia do auto de notícia, auto de apreensão respeitante ao veículo ..-..-BP, fotogramas e demais documentos referentes ao processo-crime nº 5/22....) decorre, apenas, que a referida apreensão resultou da forte suspeita de viciação do veículo ..-..-BP;
21 - Ora, a existência de “forte suspeita de viciação”, não pode equiparar-se à existência da própria viciação!
22 - “Suspeita", na lei processual penal, é apenas o elemento fáctico que cria a desconfiança, a dúvida de ter sido praticado um crime;
23 - Uma suspeita de viciação, poderá não se confirmar como uma viciação efetiva, como, aliás, veio a acontecer in casu!
24 - Estávamos, portanto, perante uma possível viciação, uma mera suspeita de existência desta;
25 - A efetiva viciação do veiculo era um facto constitutivo do direito arrogado pela recorrida, e por isso esta tinha o ónus de o provar, e por esta, nenhuma prova foi feita nesse sentido;
26 - A viciação do veículo não foi comprovada nos presentes autos, nem pela prova documental, nem por qualquer outra prova, nomeadamente, testemunhal e/ou pericial;
27 - O Auto de notícia e de apreensão e demais documentos anexos, não fazem prova plena da viciação do veículo!
28 - Uma coisa é haver uma suspeita de viciação, e que ditou a apreensão do veículo, outra é estar comprovada que essa viciação existe!
29 - Tal prova não resultou da audiência de julgamento!
30 - Ora, a simples apreensão do veículo, não significa que está provado que o veículo se encontra viciado e que não poderá mais circular!
31 - Neste caso, temos um auto de noticia, uma apreensão (que foram essenciais na formação da convicção do Tribunal a quo) que mais não é do que uma medida cautelar, sendo, assim, certo que o veiculo poderá ser restituído, como, efetivamente, in casu veio a acontecer!
32 - Somos do modesto entendimento, e salvo o devido respeito por opinião contrária, de que a simples apreensão fundada em suspeitas de viciação, sem assentimento em prova produzida nos presentes autos, não pode por si só, e constituindo apenas meros indícios, configurar certezas absolutas para concluir da forma como o Tribunal a quo concluiu;
33- Na verdade entende o ora recorrente, que toda a prova documental que assenta em meros indícios e que não foi corroborada por qualquer outro meio de prova, não pode ter o valor que o tribunal a quo lhe atribui, e com isto até desvirtuando toda a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento nos presentes autos;
34 - Da prova documental junta aos autos, proveio do processo-crime nº 5/22.... que correu termos pelo Ministério Público – DIAP – ... Secção do Porto, no qual, em 06 de Junho de 2024, portanto, depois do encerramento da Audiência de Discussão e julgamento (ocorrido em 19 de Fevereiro), foi proferido Despacho de Arquivamento por se concluir que nos autos não foram colhidos elementos probatórios da existência de crime pelo que determino o arquivamento dos presentes autos de inquérito nos termos do estatuído no artº 277 do Código de Processo Penal;
35 - Mais, foi ordenada a Restituição do veículo ao seu proprietário (neste caso ao recorrido), sendo levantada a apreensão.
36 - O veículo automóvel apreendido nos autos é, assim, passível de ser utilizado!
37 - O Despacho de arquivamento, onde se concluiu que não foram colhidos elementos probatórios da existência de crime e consequentemente ordena a restituição do veículo aqui em causa ao proprietário (o recorrido), conjugado com a demais prova, só poderá levar-nos a concluir que mal andou a Mma Juiz a quo, ao decidir como decidiu;
38 - Com o devido respeito a Mmª Juiz a quo não apreciou corretamente os referidos documentos, pois da análise dos mesmos, não poderia concluir, como concluiu, que o negócio de compra e venda do veículo aqui em causa é legalmente impossível e consequentemente nulo;
39 - A manter-se a decisão recorrida, a Autora, aqui recorrida, atualmente proprietária do veículo, (face à anulação do negócio com o comprador – o Drº BB) além da restituição do preço, tem ainda direito à restituição do veículo! O que não pode ser admissível!
40 - Em audiência não foi ouvido nenhum perito que atestasse que o veículo estava viciado e nenhuma testemunha apresentada pela Autora foi capaz de atestar a viciação do veículo que levou à sua apreensão!
41 - Do depoimento da testemunha CC - Minutos: 14.13 até 14: 50 - resultou apenas que, a Autora, fazendo fé no auto de notícia que levou à apreensão do veículo, instaurou a ação contra o aqui recorrente;
42 - Deste depoimento não resultou provada a viciação do veículo;
43 - Do depoimento da testemunha BB: Minutos: 1:53 até 12:38, (comprador do carro) apenas resultou que na sequência do relato da apreensão do veiculo, a recorrida, de imediato, procedeu à anulação do negócio e substituição do veículo ao comprador;
44 - Nada obrigava a Autora, aqui recorrida, a agir deste modo, ou seja, a substituir o veiculo ao cliente!
45 – Deste depoimento não resultou provada a viciação do veículo;
46 - Do depoimento da testemunha DD -Minutos: 12:33 até 14:22 resultou que não se detetou nenhum problema no veículo;
47 - Assim, do depoimento desta testemunha também não resultou provada a viciação do veículo;
48 – Do depoimento da testemunha EE: Minutos: 08:33 até 09:18 resultou apenas que entende que se o carro foi aprovado é porque está conforme;
49 - Do depoimento desta testemunha também não resultou provada a viciação do veículo;
50 - Salvo o devido respeito por opinião contrária, NENHUMA testemunha da Autora foi capaz de confirmar, com conhecimento de causa, que o veículo está viciado;
51 - Assim, da prova testemunhal apresentada pela A. não resultou que a viatura estava viciada conforme alegado na PI!
52 - Por sua vez, quer das declarações de parte do Réu, quer dos depoimentos das testemunhas por si apresentadas, que tiverem intervenção na venda do negócio, resultou que foram diligentes na compra do veículo e que o veículo não pode estar viciado;
53 - In casu, nenhum dos intervenientes quer no negócio de compra e venda do veículo, quer no processo de legalização, detetaram ou reportaram qualquer desconformidade entres os documentos e a viatura e bem assim, e bem assim a existência de qualquer anomalia/viciação;
54 - Das declarações de parte do Réu AA: Minutos: 38:00 até 38:14, resultou que o Réu comprou e vendeu a viatura convicto, de que a viatura não padece de qualquer vício e que está em condições técnicas e legais de circulação;
55 - Do depoimento da testemunha FF: Minuto: 8:54 até 11:11, resultou que o nenhum dos intervenientes quer no negócio de compra e venda do veículo, quer no processo de legalização, detetou ou reportou qualquer desconformidade entres os documentos e a viatura, e que acredita a 100% que o carro não tem qualquer tipo de viciação;
56- Do depoimento da testemunha GG Minuto: 07:45 até 07: 57 resultou que não houve nenhum detalhe que o levasse a suspeitar que o veículo pudesse estar viciado;
57 - Assim, quer das declarações prestadas pelo Réu, quer dos depoimentos das testemunhas GG e HH, resultou que foram diligentes aquando da compra do veículo e não detetaram, nem acreditam que o veículo tenha viciação;
58 - Com o devido respeito, não se compreende, e mal andou o Tribunal a quo ao considerar que nem das declarações de parte do R. AA, nem das testemunhas FF e GG resultou que o veículo não tivesse qualquer viciação aquando da venda;
59 – Não era ao Réu que incumbia provar que o veículo não estava viciado!
60 - Era à Autora que incumbia provar a viciação do veículo e essa prova não foi feita!
61 - Na nossa modéstia opinião, o Tribunal a quo não valorou devidamente as declarações de parte do Reu, nem os depoimentos das Testemunhas FF e GG;
62 - Percorrendo a sentença recorrida, constata-se que não se encontra qualquer análise crítica das declarações do Réu nem dos depoimentos prestados pelas testemunhas apresentadas por este;
63 - Não se entendendo pois, a posição do Tribunal “a quo” ao não valorar, sem qualquer justificação séria, tais elementos de prova e/ ou contraprova;
64 - Do que vai dito sobram razões suficientes para se concluir que a alínea g) dos factos não provados foi incorretamente julgada, pois deveria ter sido considerado provado;
65 - Mal andou o Tribunal a quo ao considerar Não provado Que o R. quando entregou o referido veículo à A. o fez sem que o mesmo padecesse de qualquer viciação. - Alínea g)
66 - Deverá merecer censura o resultado probatório alcançado pelo Tribunal, ao considerar suficiente a prova produzida pela Autora para afirmar provada a viciação do veículo e consequentemente declarar nulo o negócio de compra e venda celebrado entre a A. e o Réu;
67 - A resposta dada à matéria de facto pela Mmª Juiz a quo assentou em erro de apreciação de provas;
68 - O Tribunal a quo errou na valoração da prova produzida e sem qualquer análise crítica da mesma, julgou incorretamente os artigos 11, 15, e 16, que deveriam considerar-se não provados;
69 - Na nossa modéstia opinião, com o devido respeito e pese embora o princípio da livre apreciação da prova que temos bem presente, o Tribunal “a quo”, no que aqui interessa, fez uma errada apreciação e valoração da prova produzida;
70 - Assim, a sentença recorrida, tal como se apresenta, viola, as regras do direito processual civil e de direito constitucional, nomeadamente o artº 607º nº 3 e nº 4 do CPC e artº 205º da Constituição da República Portuguesa;
71 - A falta ou fundamentação deficiente é causa de nulidade face ao disposto no artº 615º nº 1 al.b) e c) do Código Processo Civil;
72 - Ora, todos sabemos que nos termos do disposto no artigo 607º, nº5 do C.P.Civil, o Tribunal aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto;
73 - E que as provas, como prescreve o artigo 341º do Código Civil, têm por função demonstrar a realidade dos factos. Contudo, tal princípio de livre apreciação das provas, não é ilimitado, já que tem de assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança;
74 - Tem de existir uma análise conjugada de todas as provas produzidas e uma apreciação à luz das regras da lógica e da experiência comum;
75 - E se tiver dúvidas o Tribunal deve socorrer-se do princípio do Inquisitório, de onde resultam poderes gerais para o Juiz, no sentido de lhe conferir a direção do processo e o poder - dever de determinar oficiosamente as diligências necessárias ao regular e célere andamento do processo e de, ainda, oficiosamente realizar as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio (artigo 6º e 411º do C.P.Civil);
76 - Só que no litígio em apreço o Tribunal de que se recorre não teve dúvidas, o que não é e não foi bom;
77 - Ter dúvidas significa, ter conhecimento, ter sentido crítico, ter ponderação e ter experiência;
78 - Não ter dúvidas significa, falta de cuidado, precipitação nas conclusões, omissões e partir para a celeridade da decisão, em abono da estatística, em prejuízo da justa e ponderada convicção do litígio;
79 - O Tribunal de que se recorre não deveria ter dúvidas era em julgar de forma contrária os artigos 11, 15, e 16 da matéria de facto, supra referidos e ainda a alínea g) dos factos não provados;
80 - E se dúvidas ainda permanecessem no espírito do julgador, face à prova produzida, então e em tempo socorria-se do princípio do inquisitório, ou então julgava em obediência ao prescrito no artigo 416º do C.P.Civil.;
81 - No caso em apreço, fundou o Mmº Juiz a quo a sua convicção, fundamentalmente, na prova testemunhal e documental produzida pelos recorridos, extrapolando e concluindo de forma totalmente errada;
82 - Optou o Tribunal a quo por uma verdade “falsa”.
83 - Porquanto, da prova produzida em Audiência de julgamento não resultou que o veículo está viciado e não mais poderá circular. Apenas resultou que o veículo foi apreendido por haver indícios de viciação!
84 - A prova documental junta aos autos, não foi corroborada e /ou confirmada por nenhum depoimento das testemunhas apresentadas pela Autora;
85 - Vindo agora, a confirmar-se com o Despacho de Arquivamento proferido no processo-crime nº 5/22.... que, efetivamente, os meros indícios da viciação não significavam a viciação efetiva do veículo;
86 - Neste Despacho de Arquivamento, foi ordenada a restituição do veículo, in casu, à Autora, o que significa que este está em condições legais de circular, tal como o Reu e as testemunhas deste sempre defenderam!
87 - Diz o n.º 1 do art.º 280º do Código civil, que é nulo o negócio jurídico cujo o objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável. No seu n.º 2 estabelece-se que é também nulo o negócio contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes;
88 - Será “contrário à lei o negócio cuja realização material se não pode impedir, mas que a lei reprova, ferindo-o de nulidade” ;
89 - A lei não permite a utilização de veículos automóveis com os elementos de identificação falsificados, impondo inclusive a sua apreensão pelas autoridades policiais (art.º 167º n.º 1 al. a), b) e e) e 168º n.º 1 al. a) do atual Cód. da Estrada;
90 - No caso sub iudicio, estamos em presença de uma compra e venda de veículo automóvel destinado à circulação rodoviária;
91 - O veículo foi apreendido à ordem do processo nº 5/22...., Ministério público – procuradoria da Republica da comarca do Porto por alegada viciação;
92 - Foi fazendo fé no auto de apreensão do veículo que a Autora instaurou a presente ação;
93 - Em 08 de Junho de 2024, foi determinado o arquivamento do inquérito à ordem do qual o veículo foi apreendido por não terem sido colhidos elementos probatórios da existência de crime e consequentemente ordenada a restituição do veiculo ao seu proprietário (in casu, à Autora), sendo levantada a apreensão;
94 - Posto isto e tendo em conta de que o veículo poderá voltar a ser usado na circulação rodoviária, o Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou o disposto no artigo 280º do CC;
95 - Na falta de demonstração de que o veículo dos autos estava de facto viciado, perante a prova de que apenas foram detetados "indícios" de uma viciação e face ao arquivamento do processo-crime onde foi apreendido o veículo, não pode o negócio sub iudicio ser declarado nulo;
96 - Ao decidir da forma como o fez, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 280°, n.° 1 do CC;
97 - No presente caso, impõe-se, pois decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo, devendo tal decisão ser no sentido de o recorrente ser absolvido do pedido formulado pela recorrida.

TERMOS EM QUE,
Pelo exposto, pelo mérito dos autos e pelo que doutamente será suprido, deve ao presente recurso ser concedido provimento, sendo o réu absolvido, assim se fazendo JUSTIÇA!

A autora contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença proferida ou, caso assim não se entenda, entendendo que o processo deve ser remetido à 1.ª instância para apreciação do pedido subsidiário.
O recurso foi admitido como de apelação, com efeito meramente devolutivo e subida imediata e nos próprios autos.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto e consequências jurídicas da sua eventual alteração.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

Factos Provados
1. A A. é uma sociedade comercial por quotas que tem por objeto social a compra e venda de veículos novos e usados.
2. No âmbito dessa atividade, a A. adquiriu ao R., no dia 14.07.2022, para revenda, pelo valor de €30.000,00, o veículo de matrícula ..-..-BP, de marca ..., modelo ....
3. O veículo foi mostrado à A. antes da atribuição da matrícula portuguesa, sendo que foi o R., quem tratou, instruiu e pagou todo o procedimento junto da Autoridade Tributária e Aduaneira para atribuição de matrícula portuguesa.
4. Aquando da aquisição pela A. ao R., em julho de 2022, o referido veículo veio acompanhado da DAV - Declaração aduaneira de veículo.
5. Da referida DAV resulta que o veículo de matrícula ..-..-BP, tinha à data da sua regularização aduaneira (vulgo legalização) 6.273 kms, a primeira matrícula em 18.10.2020 e o chassis nº ...93.
6. Na mesma data em que adquiriu o veículo ao R., a aqui A. porque já tinha apresentado o veículo, no âmbito da sua atividade profissional, procedeu à venda do veículo a BB.
7. Ora, sucede que, em setembro de 2022, o veículo apresentou uma anomalia ao nível do ar condicionado e após contacto com a A., a qual informou o comprador BB de que poderia deslocar-se a uma qualquer concessionária da marca para resolver o problema, pois estaria ainda no período de garantia da própria marca, o mesmo levou o veículo à concessionária ... da área da sua residência para ser intervencionada.
8. Ora, desde aquela data (setembro de 2022) até ao dia ../../2022, o veículo esteve nas instalações da concessionária ... no Porto, sem que dessem informação concreta do motivo de tanta demora na intervenção.
9. Já no dia ../../2022, o comprador BB foi chamado às instalações da concessionária ... do Porto, onde para sua surpresa foi informado que o veículo (..-..-BP) ia ser apreendido.
10. Assim, no dia ../../2022, o identificado veículo de matrícula ..-..-BP foi apreendido pela Policia de Segurança Pública, à ordem do processo de inquérito nº 5/22.... que corre termos na ... Secção do DIAP do Porto.
11. A referida apreensão foi realizada quando o veículo se encontrava no Concessionário Automóvel EMP03..., no Porto, na sequência da própria concessionária ter detetado a divergência de matrículas atribuídas, a diferença no motor que ali estava inserido e ainda a inexistência do aparelho BTA (caixa telemática autónoma), bem como a existência de peças que serão provenientes de outro veículo que consta como furtado em ....
12. Perante tal cenário o comprador BB reportou a situação à A., na expectativa de entender o que se estava a passar.
13. Com o passar dos dias, sem explicação para o sucedido e perante o descontentamento que foi sendo demonstrado com a situação pelo identificado comprador, a A. para salvaguardar o seu bom nome e evitar conflitos judiciais, substituiu o veículo apreendido, entregando ao BB outra viatura.
14. Após ter substituído o veículo ao cliente, a A. remeteu ao R. carta registada na qual reclamou a devolução do montante pago pela viatura, alegando que “o veículo em causa foi objeto de apreensão judicial levada a cabo pela PSP ... que informou que o veículo se encontra viciado”.
15. A A. não teria adquirido o veículo se tivesse conhecimento das condições em que o mesmo se encontrava.
16. A A. com esta situação viu o seu bom nome comprometido junto do seu Cliente BB.
17. A A. é uma empresa que está implantada no comércio há 13 anos, sem que nunca tenha registado qualquer situação parecida com a dos autos.
18. A A. é uma empresa reconhecida no meio em que tem o seu posto de vendas, em ..., Guimarães, bem como no resto do país.
19. Antes da atribuição da DAV o veículo foi precedido de uma inspeção extraordinária.
20. Para instruir o processo de legalização do veículo aqui em causa, foi requerido e emitido o COC – Certificado de Conformidade Europeu.

Factos não provados

Não se provaram, com relevância para a decisão da causa, os restantes factos, designadamente:
a) Que o R. se tenha deslocado ao escritório do identificado comprador BB, acompanhado de mais dois elementos de sexo masculino e o intimidou, levando-o a que o mesmo de imediato solicitasse à A. a substituição do veículo sob pena de recurso imediato aos Tribunais.
b) Que com tal atitude do R. tivesse colocado em posição fragilizada a A. perante o seu cliente.
c) Que com toda a situação a A. se tenha sentido descredibilizada e fragilizada.
d) Que a A. antes de concluir o negócio, solicitou ao R. autorização para averiguar com mais pormenor as caraterísticas e condições do veículo, tendo o R. concedido.
e) Que em 31 de maio de 2022, a A. tenha levado o veículo à concessionária ..., sita na Rua ..., freguesia ..., em Guimarães.
f) Que a A. tenha mandado proceder ao serviço de revisão geral do veículo e os funcionários da marca tenham acedido aos vários componentes da viatura, sem que detetassem ou tenham reportado qualquer anomalia ao R., adulteração, inexistência de peças ou até mesmo desconformidade entre os documentos e a viatura.
g) Que o R. quando entregou o referido veículo à A. o fez sem que o mesmo padecesse de qualquer viciação.
           
O recorrente impugna a decisão de facto.
Considera que foram incorretamente julgados os pontos 11, 15 e 16 dos factos provados (que deveriam ser dados como não provados) e a alínea g) dos factos não provados (que, ao contrário, deveria transitar para os factos provados).
O tribunal recorrido baseou-se nos documentos juntos aos autos e que constam da certidão remetida pela Procuradoria da República da Comarca do Porto DIAP – ... Secção relativa ao Inquérito que aí corria com o n.º 5/22.... e que teve origem em queixa relativa à viciação do veículo em causa nestes autos. Documentos estes conjugados com o depoimento da testemunha BB, que havia adquirido a viatura à autora e da testemunha EE que fez a inspeção ao veículo.
Entendo o apelante que de tais documentos apenas se pode retirar a conclusão de que existia uma “forte suspeita de viciação” e que tal não pode equiparar-se à existência da própria viciação.
Salvo o devido respeito, entendemos que o apelante não tem razão.
O veículo foi apreendido na sequência de uma denúncia/queixa do concessionário da marca ... – EMP03... – onde o veículo se encontrava para reparar uma anomalia que havia sido detetada no ar condicionado.
Acontece que, no decurso da tentativa de reparação da viatura, os serviços da concessionária vieram a detetar (ao efetuarem atualização de software, com indicação de vários erros, o que os obrigou a proceder à ligação da viatura à sede da marca ...) que a viatura em questão tinha componentes instalados que pertenciam a um veículo marca ..., matrícula ....3SM, que constava para apreender como furtado em .... Mais constataram que o motor correspondia ao constante do IMTT com o n.º ...84, aquando do processo de legalização e atribuição de matrícula nacional, porém na informação prestada pela ... o n.º de série do motor instalado naquela viatura correspondia ao n.º 10FKBJ2742764 e que a etiqueta do pedal do travão deu indicação, na marca, que foi instalada noutro veículo. Também os serviços da concessionária constataram que a viatura não possuía o aparelho de BTA (caixa telemática autónoma) que permite diversos serviços de telemática, navegação, geolocalização, SOS e assistência. Todas estas desconformidades foram acompanhadas da prova respetiva, designadamente, fotogramas, print’s de pesquisa da plataforma ..., informações prestadas pela marca, documentação técnica do veículo e Indicação/registo Shengen relativa ao veículo furtado em ... e seus elementos de identificação.
Ao contrário do que entende o apelante, estamos aqui perante factos, documentados, e que são suficientes para servirem de base à convicção do julgador.
Dizer que as testemunhas não se aperceberam de nada, é irrelevante perante estes factos, pois mesmo os serviços da concessionária só se aperceberam da viciação após detalhado exame que tiveram que levar a cabo por confronto com os dados da sede da ..., uma vez que não conseguiam proceder à atualização do software da viatura, exatamente por causa das desconformidades que a mesma apresentava.
É certo que o auto de notícia e de apreensão foram remetidos para investigação e, a final, o Ministério Público ordenou o arquivamento do Inquérito ao abrigo do artigo 277.º, n.º 2 do Código Penal (“O inquérito é igualmente arquivado se não tiver sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os agentes”).
A certidão do arquivamento só chegou a estes autos após a realização do julgamento e uma vez que o inquérito corria contra desconhecidos, o arquivamento ficou a dever-se ao facto de não ter sido possível obter indícios suficientes sobre quem teriam sido os agentes do crime. Consta do despacho de arquivamento que “a decisão de acusar depende da existência de indícios suficientes de que certa pessoa foi o agente de determinado crime, sendo que a lei atual define aquele conceito no n.º 2 do artigo 283.º do CPP, como a possibilidade razoável de aplicação de uma reação criminal ao arguido em julgamento”.
Ora, independentemente do arquivamento do Inquérito crime, os elementos constantes dos autos e suficientemente esclarecidos nos documentos a que fizemos referência, demonstram, sem sombra para dúvidas, a viciação a que havia sido sujeita a viatura.
E tanto é suficiente para se dar como provado o que consta do ponto 11 dos factos provados e para se dar como não provado o que consta da alínea g) dos factos não provados. O veículo padecia de viciação que não foi detetada na regularização aduaneira uma vez que, conforme foi dito pela testemunha que realizou a vistoria aquando da importação do veículo –II – quando fazem a inspeção verificam o número do motor através da documentação técnica do veículo, mas não confirmam o resto das peças, assim se compreendendo que na inspeção tal não fosse detetável. Contudo não há dúvida que a indicação do furto tem origem em ... país de onde foi importado o veículo pelo réu, pelo que a viciação teria de ser anterior.
A apelante pretende que as testemunhas não fizeram qualquer prova da viciação da viatura e, para o efeito, transcreve vários excertos dos seus depoimentos, em que referem que não se aperceberam de nada “olhando para o carro”.
Contudo, como é bom de ver, a prova, neste caso, é documental e é suficiente para formar a convicção do julgador nos termos que ficaram a constar da decisão de facto.
A apelante insurge-se, ainda, quanto aos pontos 15 e 16 dos factos provados, apenas porque, não se tendo provado a viciação do veículo, deveriam ter sido dados como não provados.
Ora, não sendo verdadeira a premissa, também a conclusão retirada improcede.
A decisão de facto está fundamentada nos documentos a que vimos fazendo referência, conjugados com a prova testemunhal e os depoimentos de parte (a que se alude especificada e detalhadamente), não se entendendo o motivo pelo qual, a apelante invoca a nulidade da sentença por falta de fundamentação (artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC), muito menos quando resulta da alegação que “o tribunal concluiu de forma totalmente errada” e “optou por uma verdade falsa”, quando, como é sabido, a simples discordância não é motivo de nulidade da sentença.
                       
Quanto ao facto de ter sido ordenada a restituição do veículo em função do arquivamento do Inquérito criminal (e independentemente do bem fundado de tal decisão), tal não obsta à decisão de direito proferida.
Nos termos do disposto no artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil, a declaração de nulidade tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado.
Assim, tendo-se chegado à conclusão de que o negócio de compra e venda deste veículo é nulo por ser legalmente impossível – artigo 280.º, n.º 1 do CC -, considerando, designadamente, que o Código da Estrada não permite a utilização de veículos automóveis com as características e os elementos de identificação falsificados e/ou transformados – artigos 114.º, 115.º e 162.º do Código da Estrada – tem a autora direito à restituição do preço do veículo, no montante de € 30.000,00, contra a restituição do veículo ao réu. Neste sentido veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 17/12/2014, processo n.º 5397/08.1TBMTS.P1, in www.dgsi.pt: “Uma coisa cujas características tenham sido alteradas, fora dos termos permitidos por lei, como sucede no presente caso, em que o veículo vendido foi objeto de falsificação, deve considerar-se fora do comércio e não ser suscetível de objeto negocial por ser legalmente impossível, sendo, portanto, nulo o respetivo negócio jurídico, nos termos do art.º 280.º, n.º 1, do Código Civil. Verificada a nulidade, ao tribunal nada mais restava senão decretá-la e extrair daí os seus efeitos, ordenando a restituição do que fora prestado, nos termos dos art.ºs 286.º e 289.º, n.º 1, ambos do Código Civil”.
Outra questão é a da forma como deverão atuar as autoridades administrativas e/ou policiais, caso este veículo seja posto em circulação, mas tal questão não se prende com estes autos, nem é aqui que deve ser dirimida.
Improcede, assim, a apelação, sendo de confirmar a sentença recorrida.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida, a que se acrescenta, agora, que a autora terá que restituir ao réu o veículo que, entretanto, lhe foi entregue (contra a restituição pelo réu do valor pago pela autora).
Custas pelo apelante.
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Guimarães, 18 de dezembro de 2024

Ana Cristina Duarte
Carla Oliveira
Afonso Cabral de Andrade