Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JORGE TEIXEIRA | ||
Descritores: | PATRIMÓNIO HEREDITÁRIO PENHORA DO DIREITO E ACÇÃO Á HERANÇA ILIQUIDA E INDIVISA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/21/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | Sumário (do relator): I- A penhora do direito e acção a herança ilíquida e indivisa não abrange qualquer um (ou uma quota parte) dos bens que, em concreto, integram o património hereditário. II- E assim sendo, herdeiro é titular de um direito sobre o conjunto da herança e não sobre bens certos e determinados. III- Logo, implicando a contitularidade desses direitos um direito a uma parte ideal desta considerada em si mesma e não sobre cada um dos bens que a compõem, desconhecendo-se sobre qual ou quais deles o direito se concretizará, quem o vier a adquirir só através da posterior partilha verá concretizado tal direito. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães. I – RELATÓRIO. Recorrente: Caixa …. Recorrido: A. V.. Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão, J2. Nos presentes autos de Reclamação de créditos instaurados contra A. V., foram praticados os seguintes actos: Em 13-11-2012 foi junto aos autos, pelo então AE do processo, Sol. José, um auto de penhora, onde consta penhorado o seguinte: Prédio rústico, sito no lugar de ..., freguesia de ..., Barcelos, inscrito na matriz respectiva sob o artigo …, descrito na Cons. do Registo Predial ... sob o n.º …/...; Em 28-06-2013, foi junta aos autos a certidão registral do referido imóvel. Nesta, consta que o mesmo pertence, em comum e sem determinação de parte ou direito, aos herdeiros de J. S., de quem o Executado é filho - Ap. 989, de 13-07-2012. Na mesma data, pela Ap. 990, foi registada uma penhora, em que figura como sujeito activo a (então) Exequente e como sujeito passivo o aqui Executado. Neste registo de penhora consta a seguinte indicação: "Penhora do quinhão hereditário na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de J. S.". Posteriormente, em 09-11-2018, foi junto aos autos novo auto de penhora, referindo a agente de execução que esse auto anula e substitui o lavrado nos autos datado de 13/11/2012, cujo registo foi efectuado pela Conservatória do Registo Predial ... em 13/07/2012 pela ap.990. Nesse auto é referida a existência de quatro verbas que compõe o penhorado quinhão. Na sequência da referida rectificação veio a agente de execução repetir a citação dos credores, originando a reclamação de créditos da Segurança Social e a impugnação da requerente. Na sequência da referida rectificação veio a agente de execução repetir a citação dos credores, originando a reclamação de créditos da Segurança Social e a impugnação da requerente. Por despacho proferido nos autos entendeu-se que, uma vez que está penhorado nos autos é o quinhão hereditário na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de J. S., ou seja, o direito que o Executado tinha (e tem) na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai, o referido J. S., pese embora a rectificação efectuada ao auto de penhora, não devia a agente de execução ter repetido as citações dos credores reclamantes, uma vez que o direito penhorado permanece o mesmo. E assim sendo, foram dadas sem efeito as citações dos credores efectuadas (porque já haviam sido realizadas) e, subsequentemente, a reclamação apresentada e impugnação à mesma, pois que a citação já havia sido feita, sendo a reclamação de créditos em questão uma duplicação de outra que foi objecto de sentença, que julgou verificado e graduado o crédito, já transitada em julgado. Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso a Reclamante, de cujas alegações extraiu as seguintes conclusões: 1.ª - Por força da substituição do primeiro auto de penhora pela agente de execução, foi o primeiro auto anulado, decisão com a qual o tribunal a quo concordou, e bem, já que só ao segundo foi atribuído um conteúdo verdadeiramente coincidente com a realidade 2.ª - Porém, a decisão impugnada merece reparo porque assentou numa errada interpretação dos factos em discussão, já que, diversamente do entendido pelo tribunal, os dois autos de penhora tiveram por objecto diferentes direitos/bens do património do executado: - no primeiro, apenas havia sido penhorado o “quinhão hereditário” que incidia exclusivamente sobre o prédio descrito na CRP sob o n.º ... - já no segundo, além de ter sido penhorado o “quinhão hereditário” composto também pela sua quota-parte sobre o prédio descrito na CRP sob o n.º ..., foi ainda penhorado um veículo automóvel e estabelecimentos comercias 3.ª - Estas segundas diligências de penhora, por serem suscetíveis de afetar a esfera jurídica de outros credores, implicaram forçosamente citação de todos os credores do executado que, relativamente aos bens, fossem titulares de direito real de garantia, para além da Fazenda Nacional e da Segurança Nacional - vd. al. b) do n.º 1 e n.º 2 do art. 786.º do CPC 4.ª - Também não esteve bem o tribunal ao desconsiderar que a sentença já proferida, para a qual remeteu, pode produzir os seus efeitos perante a nova realidade verificada, uma vez que, por via da anulação do primeiro auto de penhora, todos os actos subsequentes - como sejam reclamação de créditos, decisão sobre a sua verificação e graduação - têm que ser dados sem efeito - vd. n.º 2 do art. 195.º do CPC 5.ª - O tribunal não deveria ainda ter remetido para a sentença anteriormente proferida porque os efeitos nela previstos não reflectem as reais e atuais circunstâncias do caso em apreço, pois que estamos perante duas realidades totalmente diferentes: seja em termos de sujeitos, de factos, de bens, como de efeitos - vd. art. 621.º CPC 6.ª - O despacho impugnado está ainda ferido de nulidade porque o tribunal se pronunciou sobre uma questão que não foi cometida a julgamento, uma vez que nenhuma das partes suscitou o problema da legalidade das segundas citações e que a decisão sobre a (não) necessidade das citações recai exclusivamente sobre o agente de execução - vd. art. 3.º e al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC - vd. n.º 1 do art. 719.º e n.º 1 do art. 723.º do CPC - vd. Ac. do TRL, de 23.11.2017, proc. 2897-12.2TBTVD-A.L1-6 7.ª - Tal como é ainda nulo porque o tribunal não fundamentou devidamente a sua decisão, ao não ter invocado qualquer razão de direito para decidir como decidiu - vd. al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC. * O Apelado não apresentou contra-alegações.* Colhidos os vistos, cumpre decidir.* II – Delimitação do objecto do recurso.Sendo certo que, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, podem ser enunciadas as seguintes questões a decidir: - Analisar da invocada nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia, prevista no artigo 615, nº 1, al. d), do C.P.C.. - Apreciar da existência do vício de falta de fundamentação, prevista no artigo 615, nº 1, al. b), do C.P.C.. - Analisar da eventual invalidade da citação dos credos e da decorrente reclamação de créditos apresentada. * III – FUNDAMENTAÇÃO.Fundamentação de facto. Além do que consta do relatório da presente decisão e com relevância para a decisão da causa, da decisão recorrida constam, designadamente, os seguintes fundamentos de facto e de direito: (…) Na sequência da referida rectificação veio a agente de execução repetir a citação dos credores, originando a reclamação de créditos da Segurança Social e a impugnação da requerente. Ora, salvo melhor opinião, o que está penhorado nos autos é o quinhão hereditário na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de J. S., ou seja, o direito que o Executado tinha (e tem) na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai, o referido J. S.. Assim, apesar da rectificação efectuada ao auto de penhora, não devia a senhora agente de execução ter repetido as citações dos credores reclamantes, pois que o direito penhorado permanece o mesmo. Assim, dou sem efeito as citações dos credores efectuadas (porque já haviam sido realizadas) e, subsequentemente, a reclamação apresentada e impugnação à mesma, pois que a citação já havia sido feita. Aliás a reclamação de créditos em questão é uma duplicação de outra que foi objecto de sentença, que julgou verificado e graduado o crédito, já transitada em julgado. (…) Fundamentação de direito. Invoca a Recorrente a existência de nulidade por excesso de pronúncia, alegando como fundamento que a decisão recorrida se pronunciou sobre uma questão que não foi cometida a julgamento, uma vez que nenhuma das partes suscitou o problema da legalidade das segundas citações, sendo que a decisão sobre a (não) necessidade das citações recai exclusivamente sobre o agente de execução, Esta nulidade por conhecimento indevido ou excesso de pronúncia, verifica-se, em tese, em todos aqueles casos em que sejam conhecidas e apreciadas questões que na sentença não podiam ser tratadas ou julgadas, por não terem sido colocadas em causa por qualquer das partes e não serem de conhecimento oficioso. Este tipo de nulidade, tal como a omissão de pronúncia, está também directamente relacionada com o comando legal fixado no nº 2, do artº 608º, do CPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”. Esta norma suscita o problema de se saber qual o sentido exacto da expressão «questões» nele empregue, sendo elucidativos os ensinamentos de Alberto dos Reis, o qual refere que “(…) assim como a acção se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir) (…) também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado”. (1) E, assim sendo, óbvio resulta que o conceito (questões) terá ser considerado num sentido amplo, ou seja, englobando tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que sobre elas as partes hajam suscitado. Daí que a doutrina e a jurisprudência distinguem, por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” e, concluem que só a falta de apreciação das primeiras – das "questões” – integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das «razões» ou «argumentos» invocados para concluir sobre as questões. (2) De tudo decorre, assim, que não basta à regularidade da decisão a fundamentação que contém, revelando-se ainda necessário que trate e aprecie o divergência jurídica carreada para autos pelas partes, podendo assim considerar-se que esta causa de nulidade da decisão complementa a da nulidade por falta de fundamentação, pois que, o contraditório proporcionado às partes com relação aos aspectos jurídicos da causa não pode deixar de encontrar a devida expressão e resposta na decisão. (3) Destarte e sintetizando, estando defeso ao Juiz ocupar-se de questões não suscitadas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso, a nulidade da decisão por pronúncia indevida (conhecimento indevido), constituindo hipótese inversa à da omissão de pronúncia, apenas ocorre nos casos em que na decisão se conhece questão de que não se podia tomar conhecimento. Ora, como supra se referiu, como fundamento da nulidade que invoca, alegam a Recorrente que a decisão recorrida se pronunciou sobre uma questão que não foi cometida a julgamento, uma vez que nenhuma das partes suscitou o problema da legalidade das segundas citações. Ora, salvo o muito e devido respeito, não se nos afigura que a questão suscitada possa ser configurada como nulidade por excesso de pronúncia, pois que, e sem curar de saber da assertividade ou não da substancia do despacho recorrido, o certo é que a decisão recorrida se limita extrair ilações fundadas em actos processuais anteriormente praticados, que, no seu entendimento, por não permitidos ou, pelo menos, por se revelarem inúteis, deverão ser anulados, pois, e como aí se refere, “apesar da rectificação efectuada ao auto de penhora, não devia a senhora agente de execução ter repetido as citações dos credores reclamantes, pois que o direito penhorado permanece o mesmo”, pelo que foram dadas “sem efeito as citações dos credores efectuadas (porque já haviam sido realizadas) e, subsequentemente, a reclamação apresentada e impugnação à mesma, pois que a citação já havia sido feita”. E assim sendo, o que haverá de ser discutido é a substancia desta decisão, não podendo nunca entender-se que ao assim decidir o tribunal recorrido tenha extravasado as questões sobre as quais lhe era legitimo pronuncia-se, seja por lhe terem sido cometidas pelas partes, seja porque delas oficiosamente podia conhecer. Na verdade, e sendo certo o princípio da oficiosidade na aplicação do direito, que pode até envolver a requalificação jurídica da pretensão deduzida, não pode sobrepor-se à necessidade que decorra de disposição legal segundo a qual determinado vício ou efeito jurídico, para que seja apreciado, deve ser invocado pelo interessado, como indubitável resulta também a existência de um poder-dever de gestão material do processo, de modo a optimizá-lo, com vista a uma maior eficiência do próprio sistema, impendendo sobre o juiz o dever dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório, adoptando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável. E assim sendo, embora seja questionável a questão substancial que serviu de fundamento à anulação das citações e das reclamações apresentadas, nunca poderá falar-se da existência de uma nulidade por “conhecimento indevido”, pois o que se fez foi uma avaliação da pertinência, adequação e validade de actos processuais praticados perfeitamente legitima e conforme com poderes de gestão processual atribuídos ao juiz, que, errada ou certa, em nada contende ou ultrapassa o âmbito das questões sobre que legitimamente se pode pronunciar. Inexiste, por isso, a invocada nulidade. Mais alega a Recorrente que o despacho recorrido será também nulo porque o tribunal não fundamentou devidamente a sua decisão, ao não ter invocado qualquer razão de direito para decidir como decidiu. Estruturalmente, na arquitectura do nosso ordenamento jurídico, a fundamentação das decisões constitui a sua verdadeira e válida fonte de legitimação, e por isso tal específico dever se encontra constitucionalmente plasmado (art. 205º, nº 1 da C.R.P., ao prescrever que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente devem ser fundamentadas na forma prevista na lei). Como é sabido, o dever de fundamentação (4) cumpre, em geral, duas funções: uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação de controlo crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação, e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, juízo concordante ou divergente; outra, de ordem extraprocessual, que procura tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, garantindo a transparência do processo e da decisão. A necessidade de fundamentação radica quer na função dos tribunais como órgãos de pacificação social, o que torna necessária a explicitação dos fundamentos das decisões como forma de persuasão das partes sobre a legalidade da solução encontrada (procurando o convencimento das partes mediante a argumentação dialéctica própria da ciência jurídica), quer na recorribilidade das decisões judiciais, o que implica a necessidade da parte vencida conhecer os fundamentos em que o julgador se baseou para os poder impugnar devidamente (5). Tal exigência de fundamentação – garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático e do direito fundamental de recurso, que com essa justificação modela a fórmula constitucional e o conteúdo de tal exigência (6) – está expressamente consagrada, em termos gerais, no art. 154º do C.P.C., mostrando-se ainda patente em vários preceitos processais civis – vejam-se o art. 607º, nº 4 do C.P.C. (quanto à exigência de fundamentação do despacho que decida da matéria de facto controvertida), o art. 607º, nº 3 do C.P.C. (relativo à exigência de fundamentação da sentença) e o próprio art. 615º, nº 1, b) do C.P.C. (que comina com a nulidade os despachos ou sentenças que não observem o dever de fundamentação). Para que a decisão careça de fundamentação “não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito” (7). Assim, por exemplo, Miguel Teixeira de Sousa (8) refere que “... esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (artigo 208º, nº 1 CRP e artigo 158º, n° 1 CPC) ...o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo ( ... ) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão ( ... ); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível". No mesmo sentido se pronuncia, Lebre de Freitas (9), afirmando que "... há nulidade quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação". De igual modo, Antunes Varela (10), entende que a nulidade existe quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão e não a mera deficiência de fundamentação. De tudo o exposto, como evidente resulta que, quer a ausência total de fundamentação, quer a existência de uma fundamentação de facto ou de direito que seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, constituirão causas de nulidade da sentença por falta de fundamentação. Ora, tecidas estas breves considerações e revertendo agora à análise da situação vertente, temos que, analisada a decisão recorrida com relação à sua fundamentação, embora se reconheça ser exígua e, por isso, ser perfeitamente justificável um maior aprofundamento das questões nela versadas, até pelas consequências que dela decorrem, parece-nos, no entanto, que são perfeitamente perceptíveis os seus fundamentos, de molde a permitirem às partes “o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação” e o “controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, garantindo a transparência do processo e da decisão”. Na verdade, analisados os fundamentos da decisão recorrida constata-se dela consta o seguinte: Ao nível da fundamentação factual: Em 13-11-2012 foi junto aos autos, pelo então AE do processo, Sol. José, um auto de penhora, onde consta penhorado o seguinte: Prédio rústico, sito no lugar de ..., freguesia de ..., Barcelos, inscrito na matriz respectiva sob o artigo …, descrito na Cons. do Registo Predial ... sob o n.º .../...; Em 28-06-2013, foi junta aos autos a certidão registral do referido imóvel. Nesta, consta que o mesmo pertence, em comum e sem determinação de parte ou direito, aos herdeiros de J. S., de quem o Executado é filho - Ap. 989, de 13-07-2012. Na mesma data, pela Ap. 990, foi registada uma penhora, em que figura como sujeito activo a (então) Exequente e como sujeito passivo o aqui Executado. Neste registo de penhora consta a seguinte indicação: "Penhora do quinhão hereditário na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de J. S.". Posteriormente, em 09-11-2018, foi junto aos autos novo auto de penhora, referindo a agente de execução que esse auto anula e substitui o lavrado nos autos datado de 13/11/2012, cujo registo foi efectuado pela Conservatória do Registo Predial ... em 13/07/2012 pela ap.990. Nesse auto é referida a existência de quatro verbas que compõe o penhorado quinhão. Na sequência da referida rectificação veio a agente de execução repetir a citação dos credores, originando a reclamação de créditos da Segurança Social e a impugnação da requerente. Na sequência da referida rectificação veio a agente de execução repetir a citação dos credores, originando a reclamação de créditos da Segurança Social e a impugnação da requerente. Ao nível da fundamentação jurídica: “Na sequência da referida rectificação veio a agente de execução repetir a citação dos credores, originando a reclamação de créditos da Segurança Social e a impugnação da requerente. Ora, salvo melhor opinião, o que está penhorado nos autos é o quinhão hereditário na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de J. S., ou seja, o direito que o Executado tinha (e tem) na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai, o referido J. S.. Assim, apesar da rectificação efectuada ao auto de penhora, não devia a senhora agente de execução ter repetido as citações dos credores reclamantes, pois que o direito penhorado permanece o mesmo. (…) Em face desta motivação, cumprirá apreciar se o juiz demonstrou o processo lógico e racional pelo qual as alcançou e se o expôs aos destinatários. Ora, podendo discutir-se o enquadramento e a relevância jurídica que lhes foi dada, o certo é que a decisão recorrida expressa, de modo sintético mas perceptível, os factos e as razões de direito em que se fundamentou. E assim sendo, não se constata que seja nula por ausência de fundamentação, e isto, seja ao nível do facto (a decisão enumera ou especifica a matéria factual em que se alicerçou e as razões ou meios probatórios em que se fundamentou) –, seja ao nível do direito (elenca a decisão os argumentos jurídicos que entendeu aplicáveis aos factos apurados). Aliás, embora sem grande relevância para a análise da situação, que bem entendeu a Recorrente os fundamentos do despacho recorrido, à evidência resulta da fundamentação do recurso interposto que dilucida de modo claro e exaustivo os fundamentos desse mesmo despacho. Destarte, não se verificando qualquer das nulidades invocadas, improcede nesta parte a apelação. Mais alega a Recorrente que a decisão impugnada merece reparo porque assentou numa errada interpretação dos factos em discussão, já que, diversamente do entendido pelo tribunal, os dois autos de penhora tiveram por objecto diferentes direitos/bens do património do executado: - No primeiro, apenas havia sido penhorado o “quinhão hereditário” que incidia exclusivamente sobre o prédio descrito na CRP sob o n.º ... - Já no segundo, além de ter sido penhorado o “quinhão hereditário” composto também pela sua quota-parte sobre o prédio descrito na CRP sob o n.º ..., foi ainda penhorado um veículo automóvel e estabelecimentos comercias Acresce que, em seu entender, estas segundas diligências de penhora, por serem susceptíveis de afectar a esfera jurídica de outros credores, implicaram forçosamente citação de todos os credores do executado que, relativamente aos bens, fossem titulares de direito real de garantia, para além da Fazenda Nacional e da Segurança Nacional - vd. al. b) do n.º 1 e n.º 2 do art. 786.º do CPC Ora, sendo complexa a questão reveste-se de linear evidência, podendo mesmo dizer-se que, não fora os erros e imprecisões cometidas na substancia de alguns dos actos que foram praticados, e nenhuma razão assistiria à Recorrente. Contudo, em nosso entender, por decorrência de tais actos incorrectamente praticados afigura-se-nos que acaba por assistir à Recorrente inteira razão na pretensão que deduz. Senão vejamos. Como se refere na decisão recorrida, “em 13-11-2012 foi junto aos autos, pelo então AE do processo, um auto de penhora, onde consta penhorado o seguinte: “Prédio rústico, sito no lugar de ..., freguesia de ..., Barcelos, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 365, descrito na Cons. do Registo Predial ... sob o n.º .../...”, sendo que, em 28-06-2013, foi junta aos autos a certidão registral do referido imóvel, dela constando que o mesmo pertence, em comum e sem determinação de parte ou direito, aos herdeiros de J. S., de quem o Executado é filho. Posteriormente, em 09-11-2018, foi junto aos autos novo auto de penhora do quinhão hereditário na herança aberta por óbito de J. S., pai do Reclamado, referindo a agente de execução que esse auto anula e substituí o lavrado nos autos datado de 13/11/2012, cujo registo foi efectuado pela Conservatória do Registo Predial ... em 13/07/2012 pela ap.990. Nesse auto é referida a existência de quatro verbas que compõe o penhorado quinhão. Na sequência da referida rectificação veio a agente de execução repetir a citação dos credores, originando a reclamação de créditos da Segurança Social e a impugnação da requerente. Ora, como é consabido, dispõe o nº1 do artigo 743º, sob a epígrafe, “Penhora em caso de comunhão ou compropriedade”: “1. Sem prejuízo do disposto no nº4 do artigo 781º, na execução movida contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fracção de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso.” Em consonância com a regra geral de que só os bens do executado se encontram sujeitos à execução, o nº 1, do artigo 743º, do C.P.C., dispõe que não podem ser penhorados, a menos que a execução seja movida contra todos os contitulares: a) no caso de compropriedade de um bem indiviso, uma parte especificada desse mesmo bem; b) no caso de comunhão num património autónomo (ex., herança ou bens comuns do casal), os bens nele compreendidos ou uma fração de qualquer um deles. Daqui resulta que uma tal norma afirma a impenhorabilidade dos próprios bens ou de uma fracção dos mesmos (no caso de uma universalidade ou património colectivo), ou de uma parte especificada de um bem (no caso de bens indivisos), sendo que, o direito do herdeiro aos bens património da herança e os cônjuges à meação dos bens comuns do casal são também eles, direitos a uma universalidade. Ora, no caso em apreço o que foi penhorado foi o próprio prédio (e não o direito e acção) rústico supra identificado (integrante de uma herança ilíquida e indivisa), inscrito na matriz respectiva sob o artigo …, descrito na Cons. do Registo Predial ... sob o n.º .../...”. Daqui resulta que, pertencendo esse mesmo prédio, em comum e sem determinação de parte ou direito, aos herdeiros de J. S., de quem o Executado é filho, o que tinha de ser penhorado, e não foi, era o direito e acção deste último àquela herança indivisa, e não, de modo directo, como sucedeu, um bem integrante dessa mesma herança ilíquida e indivisa ou património autónomo. Como é sabido, o que aos adquirentes do direito à meação e ao quinhão hereditário fica atribuída é a possibilidade de poder exercer naquela universalidade jurídica um seu direito próprio perante os restantes interessados no "direito à meação” e no “quinhão hereditário”, designadamente legitimando-os a, com vista a concretizar esta sua prerrogativa, se e quando assim o entenderem, darem os passos necessários tendentes a haver para si a quota-parte dos bens determinados que integram tal património. Sendo a meação e a herança uma universalidade jurídica de bens, cada interessado não tem uma quota-parte em cada um de todos esses bens mas uma quota referida àquela universalidade, ao conjunto de todos os bens, só pela partilha se determinando aqueles em que se concretiza a quota-parte ou quinhão de cada interessado. O cônjuge meeiro não tem, assim, um direito de propriedade sobre concretos bens do património conjugal, mas apenas um direito à meação nos bens comuns do casal, tal como o herdeiro não tem um direito real sobre bens concretos da herança, detendo apenas o direito a um quinhão hereditário, a uma quota-parte ideal da herança global em si mesmo. E assim sendo, o cônjuge e o herdeiro são apenas titulares de um direito sobre o conjunto do património ou da herança e não sobre bens certos e determinados destes. A contitularidade desses direitos implica um direito a uma parte ideal desta considerada em si mesma e não sobre cada um dos bens que a compõem, desconhecendo-se sobre qual ou quais deles o direito se concretizará. (11) Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa, de 21/03/2019, “a herança ilíquida e indivisa (,,,) constitui um património autónomo, sendo que com o acto de aceitação os herdeiros apenas assumem uma quota ideal e abstracta do todo hereditário, pois só com a partilha, ainda que com efeitos retractivos à abertura da herança, é que cada um dos herdeiros fica a conhecer e obtém a qualidade de sucessor dos concretos bens que lhe foram atribuídos. Pelo que, aceite a herança, como universalidade de direito que é, o património hereditário, apesar de devidamente titulado, continua indiviso até ser feita a partilha. Donde, até á realização desta, cada um dos herdeiros apenas tem, na sua esfera jurídica individual, no seu património próprio, o direito a uma quota ou fracção ideal do conjunto e não o direito a uma parte específica ou concretizada dos bens que constituem o acervo hereditário. É legalmente admitida a penhora do direito a uma herança por partilhar, o que é equivalente a penhora de um quinhão hereditário, ou seja, admite-se a penhora do direito que a esses bens, ainda não determinados nem concretizados, tiver o executado. Porém, já obsta a lei a que se proceda à penhora de uma parte especificada de bem indiviso, o que é o caso da herança, conforme decorre dos artigos 743º, nº. 1 e 781º, nºs. 1 e 2, ambos do Cód. de Processo Civil. Tendo os Executados herdado, do seu falecido pai, uma quota ideal e abstracta do todo hereditário, seria esse todo, ou seja, os seus quinhões hereditários, a merecer a devida ponderação de penhora por parte do Exequente, e não um alegado direito dos Executados sobre bem imóvel determinado, com registo activo a favor destes, e de sua mãe, possibilitado com base no artº. 49º, do Cód. do Registo Predial. Ou seja, procedeu-se como se existisse já determinação do bem que fazia parte do quinhão hereditário dos Executados, como se já tivesse sido operada partilha (…). Assim, nas situações de penhora do direito e acção à herança, a execução prosseguirá com a penhora e venda do direito, e é este direito que irá ser alienado na execução e que, quem o vier a adquirir só através da posterior partilha dos bens que compõem o património da herança verá concretizado tal direito, sendo que, como é evidente, indagar se o património penhorado integra bens e quais são, é um ónus que em primeira linha impende sobre o credor/exequente, para ver satisfeito o seu crédito, e por outro, recairá também sobre aqueles que pretendam adquirir tal património que, certamente, antes de concretizarem essa intenção, esclarecerão o valor daquilo que estão a adquirir, ou seja, o valor dos bens que eventualmente integrarão o direito e acção ao património autónomo objecto de penhora. À luz de tudo o acabado de expender facilmente se entende que a primeira penhora que incidiu sobre um concreto bem da herança ilíquida e indivisa sura identificada, teve um objecto que, além de não permitido (já incide sobre um bem integrante de um património autónomo), é completamente diverso do da segunda penhora que, essa sim, incidiu sobre o quinhão hereditário do Reclamado na herança aberta por óbito de J. S., seu pai. Assim sendo, sejam quais tiverem sido as razões pelas quais a srª agente de execução procedeu à anulação e substituição do auto lavrado nos autos datado de 13/11/2012, cujo registo foi efectuado pela Conservatória do Registo Predial ... em 13/07/2012, dúvidas não podem restar de que só na segunda penhora foi efectiva e correctamente penhorado o direito e acção do Reclamado à aludida herança ilíquida e indivisa, não podendo por isso, dizer-se, como se diz na decisão recorrida, que “apesar da rectificação efectuada ao auto de penhora, não devia a senhora agente de execução ter repetido as citações dos credores reclamantes, pois que o direito penhorado permanece o mesmo”, bem como, dar-se sem ”efeito as citações dos credores efectuadas e, subsequentemente, a reclamação apresentada e impugnação à mesma, pois que a citação já havia sido feita”. Com efeito, a segunda penhora, embora a srª agente de execução tenha visado através anular e substituir a primeira penhora, o certo é que constitui um novo e válido acto, que não incide sobre o mesmo objecto, tendo, portanto, um diverso conteúdo, e que, obviamente, só impropriamente se pode dizer que substitui a primeira, uma vez que esta, recaindo sobre um bem sobre o qual não podia recair directamente, não foi validamente efectuada, sendo que, e por decorrência, impõe-se a efectuação de novas citações, porque mais de uma repetição rectificada de penhora anteriormente efectuada, a nova penhora constitui um acto autónomo e de conteúdo diverso e que, enquanto tal, se tem de ser dado a conhecer aos interessados. Na verdade, não se está perante a repetição de um acto, uma vez que a primeira penhora foi incorrectamente efectuada, pois incidiu sobre um bem concreto (o que não podia acontecer) e não sobre o direito e acção à herança, razão pela qual, na procedência deste fundamento da apelação, decide-se revogar a decisão recorrida, determinando-se a sua substituição por outra que, considerando válidas as segundas citações, ordene o normal prosseguimento dos autos com a decorrente apreciação das reclamações de crédito apresentadas e as respectivas impugnações, culminando na prolação de uma sentença de verificação e graduação de créditos. IV- DECISÃO. Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, decide-se revogar a decisão recorrida, determinando-se a sua substituição por outra que, considerando válidas as segundas citações, ordene o normal prosseguimento dos autos com a decorrente apreciação das reclamações de crédito apresentadas e as respectivas impugnações, culminando na prolação de uma sentença de verificação e graduação de créditos. Custas pela Apelante na proporção do respectivo decaimento. Guimarães, 21/ 11/ 2019. Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil. 1. Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., pg. 54. 2. Cfr. Neste sentido, Acórdão STJ de 02.07.1974, de 06.01.1977 e de 05.06.1985, entre outros. 3. Cfr. Anselmo de Castro, obra e local citados na nota anterior. 4. Como foi salientado já no Ac. TC nº 304/88, de 14/12 no BMJ 382/230 e no DR, II Série, de 11/04/1989. 5. Cfr. A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 688 e 689. 6. Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional de 11/01/2000, na sítio http://w3.tribunalconstitucional.pt. 7. Cfr. A. Varela e outros, obra citada, p. 687. 8. Cfr. Estudos Sobre o Processo Civil. pg. 221. 9. In Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, pg. 669. 10. In Manual de Processo Civil, pg. 667. 11. Cfr. Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. I, pág. 193 e 194; acórdão do STJ de 30/01/2013, proc. nº. 1100/11.7TBABT, acessível em www.dgsi.pt |