Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
893/19.8PAVNF.G2
Relator: ISABEL FERREIRA DE CASTRO
Descritores: PENA DE MULTA
INCUMPRIMENTO
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
Nos casos em que o condenado não vier justificar por iniciativa própria as razões do incumprimento da pena de multa ou dos dias de trabalho pelos quais requereu a substituição daquela, é claramente maioritário o entendimento jurisprudencial segundo o qual, antes da decisão de conversão a que se reporta o artigo 49º, n.º 1, do Código de Processo Penal: (1) é imprescindível que seja assegurado ao condenado o direito de se pronunciar sobre as razões do incumprimento; (2) a audição do condenado não tem que ser presencial, podendo ser efetuada por escrito; (3) na sequência de notificação para o efeito, que deve ser concretizada na pessoa do condenado e do respetivo defensor.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. - RELATÓRIO

1. No processo comum que, sob o n.º 893/19...., corre termos no Juízo Local Criminal de ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi proferido despacho judicial em 20.11.2023, mediante o qual se decidiu converter a pena de 210 (duzentos e dez) dias de multa em que AA havia sido condenado em 140 (cento e quarenta) dias de prisão subsidiária.
2. Inconformado com tal decisão, dela veio o identificado condenado interpor o presente recurso, sendo a respetiva motivação rematada pelas seguintes conclusões e petitório [transcrição[1]]:
«A) Foi determinado ao arguido, por despacho judicial, o cumprimento da pena de multa que lhe foi aplicada, em prisão subsidiária pelo tempo correspondente à multa ainda não paga reduzido a dois terços, ou seja, 140 dias de prisão.
B) O Recorrente não concorda o despacho proferido.
C) Na verdade, o Recorrente entende que lhe foi coartado o direito de audição prévia á sua detenção, o que se reconduz a uma nulidade do despacho.
D) Não só o julgador se viu impossibilitado de tomar contacto com o arguido de modo adequado a tirar conclusões sobre a sua culpa, como o próprio se viu impossibilitado de falar em sua defesa, oferecendo à apreciação do Tribunal o que tivesse por relevante para que, em consciência e com respeito pelos princípios fundamentais da Lei, se pudesse chegar a uma decisão nesta matéria.
E) Tão pouco invoca a Sra. Juiz a quo qualquer fundamento atendível para dispensar a audição do Recorrente antes de decretar a sua prisão.
F) E não justificando a Srª. Juiz a razão de ser da sua decisão em prescindir do contraditório do arguido apenas se pode dizer a sua decisão como infundada e arbitrária.
G) Razão pela qual, entendemos, ser um despacho que enfermada de nulidade insanável, o que exclui a admissibilidade legal da decisão recorrida.
H) Ora, ordenando o referido despacho o cumprimento de uma pena de prisão, entende-se que é um acto decisório judicial e como tal deve ser sempre e obrigatoriamente fundamentado e deveria especificadamente enunciar todos os elementos de prova em que fundamentou a sua convicção sobre tal determinação.
I) Só assim o Recorrente pode exercer o contraditório, expondo os seus argumentos, de forma a alterar a decisão.
J) Não poderá bastar-se o Tribunal e o arguido com a indicação de uma norma, sem indicação factual, concreta e sustentada com a prova produzida, da base que gera a convicção do Mmo. Juiz.
K) O Despacho recorrido, omisso de qualquer fundamentação, sempre impedirá e tomará inviável a defesa do ora Recorrente, pois colide frontalmente com os direitos do arguido e da sua defesa.
L) Cremos que o Tribunal deveria também ter tentado executar o património do Recorrente.
M) Não obstante entendermos que há uma falta de fundamentação do despacho recorrido, também entendemos que o arguido deve ser ouvido presencialmente.
N) Assim se fazendo inteira justiça.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente Recurso revogando-se o Despacho Judicial de que se recorre, e consequentemente, ser:

a) A Pena de Prisão revogada nos termos e com os fundamentos alegados;
Ou, quando assim no for entendido, e sem conceder, serem os autos remetidos ao Tribunal recorrido para que seja reparado o vício de que padece o Despacho e que impede o arguido de exercer cabalmente a sua defesa pela via do recurso
V/ Exa., porém, fará como for de Justiça.»

3. A Ex.ma Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta ao recurso, pugnando pela improcedência do recurso.
4. Neste Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu circunstanciado parecer, concluindo que o recurso não deve obter provimento.
5. Foi cumprido o estatuído no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta ao predito parecer.
6. Colhidos os vistos e realizada a conferência, em consonância com o estatuído no artigo 419º, n.º 3, al. c), do Código de Processo Penal, cumpre apreciar e decidir.
*
II. – FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objeto do recurso

1.1. Constitui entendimento pacífico que, em matéria de recurso, é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, nas quais sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigos 412.º, n.º 1 e 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal), que se delimita o objeto do mesmo e se fixam os limites do horizonte cognitivo do tribunal superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente pelo tribunal ad quem[2].
1.2- Assim, no caso concreto, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, e não se vislumbrando quaisquer [outros] vícios de conhecimento oficioso, as questões a apreciar e a decidir traduzem-se em saber se o despacho de conversão da multa em prisão subsidiária:
- enferma de nulidade insanável por preterição do direito de audição prévia e presencial do condenado/recorrente;
- padece de nulidade por falta de fundamentação.

2. - Incidências processuais relevantes para a decisão

Dos autos extraem-se os seguintes elementos com interesse para dilucidar as sobreditas questões:
a) Por sentença proferida em 21-12-2021, transitada em julgado em 11-01-2023, AA foi condenado, pela prática de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 210 (duzentos e dez) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz um total de €1.050,00 (mil e cinquenta euros):
b) Na sequência do requerimento formulado pelo condenado em 24-02-2023, mediante o qual pedia que se determinasse a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade, solicitou-se à DGRSP informação acerca de instituição disponível para o receber, enquanto entidade beneficiária, e ainda do tipo de trabalho adequado a desenvolver e respetivo horário, conforme determinado por despacho de 02-03-2023;
c) Porém, notificado de tal decisão, sem apresentar qualquer justificação, o condenado faltou às entrevistas que lhe foram agendadas na DGRSP nos dias 22-03-2023 e 05-04-2023;
d) Nessa sequência, foi o condenado notificado para justificar a falta de resposta às convocatórias da DGRSP.
e) Entretanto, a DGRSP informou que o condenado tinha contactado os seus serviços no dia 9 de maio de 2023, a solicitar marcação de entrevista, agendada para o dia 16 de maio de 2023, referindo, nesse contexto, que pretendia solicitar o pagamento em prestações da multa em que foi condenado;
f) Face ao teor de tal informação da DGRSP, foram notificados o condenado e a sua ilustre defensora para requererem o que tivessem por conveniente, mas os mesmos nada disseram ou requereram.
g) Em 22-06-2023, foi o condenado notificado do despacho de 20-06-2023 [também notificado à sua defensora oficiosa] que decidiu que, uma vez que aquele não tinha colaborado com a DGRSP para a realização de plano de trabalho de cariz social, nem veio aos autos, apesar de notificado para o efeito, informar a razão pela qual não colaborou, indeferir a requerida substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, devendo proceder ao pagamento da pena de multa, sob pena de, não o fazendo, poder ter de cumprir pena de prisão subsidiária, constando dessa notificação cópia da promoção de 15-06-2023 do Ministério Público nesse sentido e que também ordenava a obtenção de informação sobre bens penhoráveis, que aquele despacho acolheu.
h) Mais uma vez, o arguido nada disse, fez ou requereu.
i) Atenta a informação de que não são conhecidos bens penhoráveis ao condenado, o Ministério Público, em 17-10-2023, consignou que não iria instaurar execução com vista ao pagamento coercivo da pena de multa da sua responsabilidade e promoveu a conversão da pena de multa em prisão subsidiária.
j) Em 20-11-2023, foi proferido o despacho alvo de recurso, com o seguinte teor:
«AA foi condenado, nos presentes autos, por sentença proferida em 21 de Dezembro de 2021 e já transitada em julgado, na pena de 210 dias de multa à taxa diária de € 5,00, o que perfaz o montante global de € 1.050,00.
Regularmente notificado da sentença e tendo-lhe sido enviadas as guias para proceder ao pagamento da referida pena de multa, BB requereu a substituição da mesma por trabalho a favor da comunidade, não tendo, porém, colaborado na realização do plano por parte da DGRSP.
Sucede, ainda, que ao condenado não lhe são conhecidos bens penhoráveis para pagamento do valor da pena de multa aplicada, facto pelo qual o Ministério Público não instaurou execução com vista ao pagamento coercivo da referida pena, em conformidade com o estabelecido no art. 491º do Código de Processo Penal e no art. 35º do RCP.
Preceitua o art. 49º, do Código Penal, que “se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º1 do art.º 41.º”.
Assim, não tendo o condenado procedido ao pagamento da pena de multa que lhe foi aplicada, nem voluntária nem coercivamente, nem tendo justificado tal incumprimento, em conformidade com o preceituado no art. 49º, do Código Penal, fixo ao referido condenado, prisão subsidiária pelo tempo correspondente à multa ainda não paga reduzido a dois terços, ou seja, 140 (cento e quarenta) dias de prisão.
Notifique.
Após trânsito, remete boletim à DSIC, e emita e entregue mandados de detenção para cumprimento da pena de prisão subsidiária ora fixada, fazendo constar que o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da pena de prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa em dívida – cfr. art. 49º, n.º 2, do CP – e que a importância a descontar por cada dia que o condenado estiver detido é de 7,50 euros (sete euros e cinquenta cêntimos).»

3. - Apreciação do recurso

Mediante o recurso em análise insurge-se o recorrente contra o supra transcrito despacho que converteu a pena de 210 (duzentos e dez) dias de multa em que havia sido condenado em 140 (cento e quarenta) dias de prisão subsidiária.
Sustenta o recorrente, em apertada síntese, que tal despacho padece de nulidade por não lhe ter sido facultada a possibilidade de exercer o contraditório mediante audição prévia e presencial [insanável, neste caso] e por não se mostrar fundamentado porquanto não “contém indicação factual, concreta e sustentada com a prova produzida”.
O recorrente não concretiza os respetivos fundamentos normativos, não dando, assim, cumprimento ao preceituado no artigo 412º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal.
Não obstante, vejamos se lhe assiste razão, analisando em concreto as sobreditas questões.

3.1 - O despacho de conversão da multa em prisão subsidiária enferma de nulidade insanável por preterição do direito de audição prévia e presencial do condenado/recorrente?
Convém, antes de mais, clarificar que, atento o princípio da tipicidade ou da legalidade consagrado em matéria de nulidades no artigo 118º, n.º 1, do Código de Processo Penal, “a violação ou infração das leis de processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei”, dispondo o n.º 2 que “nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato ilegal é irregular”.
Significa isto que só constituem nulidades as expressamente previstas na lei como tal, ficando submetidas ao regime previsto nos artigos 119º a 122º do Código de Processo Penal, sendo os demais casos de violação ou inobservância das normas processuais meras irregularidades, sujeitas ao regime previsto no artigo 123º do mesmo código.
Concretamente, o artigo 119º dispõe sobre as nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do processo, o artigo 120º sobre as nulidades dependentes de arguição e o artigo 121º sobre a sanação de nulidades.
A arguição de nulidades sanáveis e de irregularidades está sujeita a um apertado regime, nomeadamente quanto à sua tempestividade.
Assim, salvo os casos de nulidade da sentença, que são suscetíveis de, por si só, serem fundamento de recurso (cfr. artigo 379º, n.º 2, do Código de Processo Penal), todas as demais nulidades e, também, as irregularidades devem ser previamente suscitadas perante o tribunal que as cometeu, que as apreciará em primeira instância, só havendo recurso da decisão que delas conhecer.
Não obstante, o Tribunal de recurso está obrigado a conhecer oficiosamente das nulidades insanáveis previstas no artigo 119º e também das irregularidades previstas no n.º 2 do artigo 123º do Código de Processo Penal.
Com efeito, o n.º 2 do citado artigo 123º prevê uma válvula de escape, admitindo a declaração e reparação oficiosa de irregularidades que possam afetar o valor do ato praticado, obviamente limitadas pelo campo de proteção da norma que deixou de observar-se. Assim, se a norma se destina a proteger unicamente interesses de determinado interveniente/sujeito processual e este não se tiver prevalecido da faculdade de invocar o vício, a irregularidade fica definitivamente sanada, não sendo possível declará-la oficiosamente. Porém, se estiver em causa norma ordenadora ou que tenha subjacente a concretização de valores inerentes a um Estado de Direito material, já a irregularidade pode ser declarada oficiosamente sem qualquer restrição.
Conforme refere Maia Gonçalves[3], apesar de as irregularidades serem consideradas em geral vícios de menor gravidade do que as nulidades, a grande variedade de casos que na prática se podem deparar impõe que se não exclua a priori a possibilidade de ao julgador se apresentarem irregularidades de muita gravidade, mesmo suscetíveis de afetar direitos fundamentais dos sujeitos processuais. Daí a grande margem de apreciação que se confere ao julgador, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 123º, que vai desde considerar a irregularidade inócua e inoperante, até à invalidade do ato inquinado pela irregularidade e dos atos subsequentes que possa afetar, passando pela reparação oficiosa da irregularidade. Trata-se de questões a decidir pontualmente pelo julgador, com muita ponderação pelos interesses em equação, maxime as premências de celeridade e de economia processual e os direitos dos interessados.

Posto isto, atentemos no quadro normativo que enforma o (in)cumprimento da pena de multa e nos factos que emergem dos autos, a fim de averiguar se se verifica alguma invalidade processual, em caso afirmativo, qual e respetivas consequências.

Estatui o artigo 47º do Código Penal:
“(…)
3 - Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.
4 - Dentro dos limites referidos no número anterior e quando motivos supervenientes o justificarem, os prazos de pagamento inicialmente estabelecidos podem ser alterados.
5 - A falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento de todas.”
E o artigo 48º do Código Penal:
“1 - A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
(…)”.
Sob a epígrafe conversão da multa não paga em prisão subsidiária, estabelece o artigo 49º do Código Penal:
“1 - Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º
2 - O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.
3 - Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.
4 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída. Se o incumprimento lhe não for imputável, é correspondentemente aplicável o disposto no número anterior.”
Por seu turno, do Código de Processo Penal relevam, neste conspecto, essencialmente o artigo 489.º, com a epígrafe prazo de pagamento, o artigo 490.º, com a epígrafe substituição da multa por dias de trabalho, e o artigo 491º, com a epígrafe não pagamento da multa, que assim dispõe:
“1 - Findo o prazo de pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efetuado, procede-se à execução patrimonial.
2 - Tendo o condenado bens penhoráveis suficientes de que o tribunal tenha conhecimento ou que ele indique no prazo de pagamento, o Ministério Público promove logo a execução, que segue as disposições previstas no Código de Processo Civil para a execução por indemnizações.
3 - A decisão sobre a suspensão da execução da prisão subsidiária é precedida de parecer do Ministério Público, quando este não tenha sido o requerente.”
Como sobressai do cotejo dos enunciados preceitos e assinala a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, desde a aplicação da pena de multa até à sua conversão em prisão subsidiária e eventual suspensão da execução desta, perfilam-se várias possibilidades para o condenado e etapas a percorrer, abrindo caminho a distintos desfechos, a saber:
- Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano ou permitir o pagamento em prestações, em conformidade com o disposto no artigo 47º, n.º 3, do Código Penal;
- A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por trabalho, nos termos previstos no artigo 48º, n.º 1, do Código Penal;
- Se a multa que não tenha sido substituída por trabalho não for paga voluntária ou coercivamente será cumprida prisão subsidiária, nos termos estabelecidos no artigo 49º, n.º 1, do Código Penal;
- Se o condenado culposamente não cumprir os dias de trabalho será cumprida prisão subsidiária, nos termos estipulados no artigo 49º, n.ºs 1 e 4 [1.ª parte], do Código Penal;
- Mas, se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa ou o não cumprimento dos dias de trabalho lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, nos termos artigo 49º, n.ºs 3 e 4 [2.ª parte], do Código Penal.

O exercício conducente à conversão da pena de multa em prisão subsidiária e ao eventual recurso à faculdade de suspensão da execução desta comporta, pois, essencialmente, duas dimensões: uma, de natureza objetiva, que se traduz na verificação dos dois primeiros pressupostos – se a pena de multa não foi substituída por trabalho e se aquela não foi paga, voluntária ou coercivamente ou, sendo substituída por trabalho, se este não foi cumprido ou se não lhe é imputável; outra, de índole subjetiva, que consiste em apreciar se o incumprimento do agente foi culposo.
Nesta última dimensão, impõe-se, ainda, determinar se é sobre o condenado que recai o ónus de provar que a razão do não pagamento ou do incumprimento dos dias de trabalho lhe não é imputável e, por isso, pode beneficiar da suspensão da execução da prisão subsidiária, ou se, pelo contrário, recai sobre o tribunal o ónus de carrear dados factuais suscetíveis de fundamentarem o seu juízo de censura acerca do constatado incumprimento.
Desde logo, a letra da lei – se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa [no caso do n.º 3] ou do incumprimento dos dias de trabalho [no caso do n.º 4] lhe não é imputável – aponta inequivocamente no sentido de recair sobre o condenado a iniciativa de alegar [e provar, nos termos supra assinalados], dentro dos prazos fixados para o efeito, os motivos pelos quais o não pagamento ou o incumprimento dos dias de trabalho lhe não são imputáveis.
Por outro lado, é consabido que o condenado está em posição privilegiada para alegar as circunstâncias, de índole pessoal, que motivaram tal incumprimento e carrear provas que sustentem a conclusão que o mesmo lhe não é imputável ou censurável.
A jurisprudência tem sido instada a dirimir o dissídio e tem-no feito de forma praticamente unânime no sentido de que é sobre o arguido que recai o ónus de alegar e comprovar que o não pagamento da multa [ou o incumprimento dos dias de trabalho] lhe não é imputável[4]. Refira-se que o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a constitucionalidade do n.º 3 do artigo 49.º do Código Penal no sentido normativo de que recai sobre o condenado o dever de provar que o não pagamento da multa aconteceu por motivo que não lhe é imputável, designadamente, no Acórdão n.º 491/00[5] – «A regra prevista no nº 3 do art. 49º do Código Penal, enquanto faz depender a suspensão da execução da prisão subsidiária da demonstração pelo condenado de que o não pagamento da multa lhe não é imputável, não contraria o nº 1 do art. 32ª da Constituição, onde se consagra a plenitude das garantias de defesa, nem o princípio in dubio pro reo».
Questão diversa, porém, reside em saber se, nos casos em que o condenado não vier justificar por sua própria iniciativa as razões do incumprimento, é imperativo que o tribunal, antes da decisão de conversão, diligencie pela audição daquele a esse respeito e, em caso afirmativo, em que moldes.
Como deflui da análise dos normativos legais supra enunciados, em caso de não pagamento da multa ou de não cumprimento dos dias de trabalho, não está expressamente prevista a audição do condenado para justificar as razões do incumprimento de uma ou de outra das referidas obrigações.
Não obstante, é inquestionável que está em causa uma decisão superveniente à decisão condenatória que pode modificar a pena aplicada ao condenado, convertendo uma pena não detentiva numa pena privativa da liberdade[6], contendendo, por conseguinte, com um dos bens jurídicos pessoais mais nucleares – a liberdade – com consagração constitucional [cfr. artigo 27º da Constituição da República Portuguesa].
Ademais, o direito a um processo justo e equitativo, em que sejam asseguradas todas as garantias de defesa, e o princípio do contraditório, consagrados no artigo 20º, n.º 4, e 32º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, são verdadeiramente enformadores e estruturantes do processo criminal.
Nessa confluência, sem prejuízo das situações em que está expressamente prevista a audição do arguido, o artigo 61º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal, densificando aqueles princípios, prevê como um dos direitos de que aquele goza, em qualquer fase do processo e salvas as exceções da lei, ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete.
A propósito desse direito de audição, Figueiredo Dias refere que «constitui a expressão necessária do direito do cidadão à concessão de justiça, das exigência comunitárias inscritas no Estado de Direito, da essência do Direito como tarefa do homem e, finalmente, do espírito do processo como comparticipação de todos os interessados na criação do Direito: a todo o participante processual antes de qualquer decisão que o possa afetar, deve ser dada a oportunidade, através da sua audição, de influir na declaração do direito»[7].
Afigura-se-nos, assim, inquestionável que, previamente, à decisão sobre a conversão da multa em prisão subsidiária se impõe que o tribunal diligencie pela audição do condenado, dando-lhe oportunidade de se pronunciar tendo em perspetiva precisamente aquele possível desfecho decisório, suscetível de o afetar sobremaneira.
Contudo, ao contrário do que sucede quando está em causa o incumprimento das condições da suspensão da execução da pena de prisão  ou a suspensão provisória, a revogação, extinção e substituição da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade – em que está expressamente prevista a audição presencial do condenado [cfr. artigos 495º, n.º 2, e 498º, n.º 3, respetivamente, do Código de Processo Penal] –, não decorre da lei idêntica forma de audição em caso de incumprimento da pena de multa ou do trabalho pelo qual aquela foi substituída.
Da expressão normativa resulta, pois, evidente que o legislador deliberadamente optou por não incluir na obrigatoriedade de audição prévia presencial do condenado a situação de incumprimento da pena de multa.
Afigura-se-nos que assim é porquanto o maior ou menor grau de profundidade do contraditório exigível acompanha, compreensivelmente, a geometria variável dos tipos de penas que estejam em causa.
Com efeito, a pena de prisão subsidiária constitui uma verdadeira pena de constrangimento, na medida em que o condenado pode a todo o tempo evitar a execução da pena de prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado[8], conforme decorre expressamente do n.º 2 do artigo 49º do Código Penal. Esta diferente axiologia justifica, como se entende, a diversidade de exigências e/ou cautelas jusprocessuais, pois não está em causa a execução de uma pena originariamente privativa da liberdade. Está em causa, apenas, a execução – e, nesta altura, em termos reduzidos – de uma pena não privativa da liberdade, in casu, de uma pena de multa[9].
Como tal, não é exigível a audição presencial do condenado, bastando que, mediante despacho judicial, lhe seja dada a possibilidade de se pronunciar por escrito.
Para assegurar plenamente o direito de contraditório, o predito despacho deverá indicar expressamente a situação de incumprimento e advertir das consequências do mesmo ou determinar o exercício do contraditório relativamente a promoção do Ministério Público com idêntico conteúdo.
Indispensável é que seja dada oportunidade ao condenado de apreender que incorreu em situação de incumprimento suscetível de conduzir à conversão da multa em prisão subsidiária e que dispõe do prazo que lhe for fixado ou, não o sendo, do prazo geral [de 10 dias (artigo 105º, n.º 1, do Código de Processo Penal)], para esclarecer o que tiver por conveniente, visando demonstrar que tal incumprimento lhe não é imputável e que estão reunidos os pressupostos para que se lance mão da suspensão da execução da prisão subsidiária.
O artigo 113.º, n.º 10, do Código de Processo Penal, estabelece, na parte que agora interessa ao caso, que as notificações do arguido podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização cível (sendo de abranger ainda algumas decisões posteriores à sentença que modifiquem o conteúdo decisório da mesma, como resulta da interpretação fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no AFJ n.º 6/2010 a propósito da notificação ao arguido do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão), as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado.
Conquanto, na realidade, apenas o despacho que opera a conversão da multa em prisão subsidiária modifique o conteúdo da sentença condenatória, tendo em conta que, como assinalámos, pacificamente se vem entendendo que impende sobre o condenado o ónus de alegar e comprovar que os motivos do incumprimento lhe não são imputáveis nos sobreditos moldes, afigura-se-nos que a notificação para o exercício do contraditório a que vimos aludindo deve ser-lhe efetuada pessoalmente, cumulativamente com a efetivada ao respetivo defensor.

Múltiplos arestos dos tribunais superiores se têm debruçado sobre estas questões, nem sempre de modo absolutamente convergente, salientando-se os seguintes[10]:

- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 26.04.2018, proferido no processo n.º 321/14.5PESTB.E1:
«I - Não tendo o arguido pago a multa em que foi condenado, antes da conversão desta em prisão subsidiária deve-lhe ser dada oportunidade de demonstrar que as razões do incumprimento não lhe são imputáveis e, por isso, demonstrar que há razões para lhe ser suspensa a execução da prisão subsidiária, nos termos estabelecidos no artigo 49.º n.º 3 do Código Penal.
II - Porém, para tanto não tem, necessariamente, que haver lugar a uma audição presencial do arguido;
III - Em conformidade com as proposições anteriores, é de concluir que ao arguido foi dada oportunidade para se pronunciar sobre a razão do não pagamento da multa se foi notificado, quer através do seu defensor, quer através de via postal com prova de depósito, para a morada por si indicada nos autos, para, “querendo, no prazo de dez dias, vir aos autos proceder ao pagamento da pena de multa ou requerer o que tiver por conveniente, sob pena de ser determinado o cumprimento da prisão subsidiária.»;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24.10.2018, proferido no processo n.º 958/16.8PBAVR.E1:
«O princípio do contraditório não exige a audição presencial do arguido em face da promoção do Ministério Público no sentido da conversão da pena de multa em prisão subsidiária, sendo suficiente a notificação daquele, e da sua defensora, por via postal, para se pronunciar sobre tal promoção.»
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 03.12.2018, proferido no processo n.º 733/09.6PBGMR.G1:
«Não tendo o condenado cumprido (voluntária ou coercivamente) a pena de multa, importa indagar qual a razão da falta de cumprimento dessa obrigação e só decidir sobre a conversão da multa não paga em prisão subsidiária com esse conhecimento, para o que se impõe, previamente à decisão, assegurar o exercício do contraditório, garantindo-se a audição do arguido – presencial ou nos autos após sua notificação – para se pronunciar sobre a possibilidade dessa conversão, assim lhe dando, pois, a oportunidade de requerer a aplicação de outras soluções que não o cumprimento de prisão (…)»;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02.04.2019, proferido no processo n.º 137/14.9GELSB-5:
«- A lei não exige a audição presencial do arguido para justificar as razões do seu incumprimento, previamente à prolação da decisão de conversão da pena de multa em dias de prisão subsidiária. É certo que o arguido tem o direito de “ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete”, todavia o direito de audição não se confunde com o direito de presença, radicando este na imprescindibilidade de o arguido estar presente nos atos que diretamente lhe digam respeito, conforme dispõe o artigo 61.º, al. a), do Código de Processo Penal e que constitui a contra face do dever de comparência imposto pela al. a), do n.º 3, do mesmo artigo.
- O direito de audição do arguido e consequente contraditório em casos como o presente, satisfaz-se com a sua “audição processual”, concretamente, com a notificação do arguido e respetivo defensor, para vir aos autos justificar as razões do seu incumprimento, tal como ocorreu no caso dos autos.
- E tal prende-se com a circunstância de que, em casos como o presente, a lei processual penal não estabelecer a necessidade de audição prévia presencial do arguido, por não se exigir, para efeitos de determinação de cumprimento da pena principal, a apreciação do comportamento culposo do condenado incumpridor, ao contrário do que sucede com a execução de outras penas de substituição em sentido próprio, como a pena de suspensão de execução da prisão e a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.»;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19.09.2019, in Coletânea de Jurisprudência, Ano XLIV, Tomo IV, página 313:
«I - O ato processual que verdadeiramente afeta a situação jurídico-processual do arguido, a exigir que a notificação seja feita também a ele e não apenas ao defensor, é o despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária.
II - Já o despacho que determina a notificação do arguido para, querendo, se pronunciar sobre uma eventual conversão da pena de multa em prisão subsidiária na sequência da promoção do Ministério Público não tem quaisquer implicações pessoais diretas, assegurando-se as garantias de defesa desde que a promoção do Ministério Público seja notificada ao defensor, concedendo-lhe a possibilidade de sobre ela se pronunciar previamente à decisão judicial.
III - Se o arguido, notificado do despacho que procedeu à conversão da multa em prisão subsidiária, não alegou, nem comprovou, que o não pagamento da multa não lhe foi imputável (sendo certo também que a sentença condenatória não contém, como provados, quaisquer factos que permitam concluir pela ausência de culpa do arguido quanto ao não pagamento), não há lugar à suspensão da execução da prisão subsidiária: não cabe ao Tribunal cumprir o ónus imposto no artigo 49.º-3 do CP, substituindo-se ao arguido na alegação de ausência de culpa quanto ao não pagamento da multa.»;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 21.01.2020, proferido no processo n.º 189/17.0PTFAR-A.E1:
«I - Antes de ser proferido despacho a converter a multa não paga em prisão subsidiária nos termos do artigo 49.º, nº 1, do C.P., deve ser cumprido o contraditório, dando-se a oportunidade ao arguido de se pronunciar, mas não é exigível que essa pronúncia seja verbal e presencial.
II - Referindo o n.º 3 do artigo 49.º do Código Penal “Se o condenado provar …”, perante o silêncio do arguido face à notificação que lhe foi feita para se pronunciar antes de ser proferido o despacho a converter a multa não paga em prisão subsidiária, não cabe ao tribunal determinar a realização de quaisquer diligências, designadamente elaboração de relatório social, com vista a apurar se, eventualmente, o não pagamento lhe não é imputável.»
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17.06.2020, in Coletânea de Jurisprudência, Ano XLV, Tomo III, página 237:
«I - No procedimento com vista à conversão da multa não paga em prisão subsidiária não é obrigatória a realização oficiosa de uma audiência com o condenado para aferir da razão da falta de pagamento da multa.
II - Para cumprir o contraditório e conceder ao arguido a possibilidade de exercer o seu direito a ser ouvido, pronunciando-se sobre a promoção do Ministério Público (de conversão da multa em prisão subsidiária), basta que ao mesmo seja dada a oportunidade de se pronunciar, notificando-se, para o efeito, para a morada constante do T.I.R.»;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10.11.2020, proferido no processo n.º 92/15.8GGODM-A.E1:
«1 - Ao contrário do que dispõe o nº 2, do artigo 492º, do Código Processo Penal, onde se prevê expressamente a audição do condenado antes de ser proferido despacho relativo à execução da pena de prisão, o artigo 49º, do Código Penal, nenhuma referência faz à audição do condenado antes de ser proferido despacho a converter a multa não paga em prisão subsidiária.
2 - Contudo, a Doutrina e a Jurisprudência, têm entendido, que ao condenado deve ser dada oportunidade para se pronunciar sobre o fundamento do não cumprimento da pena de multa, ou seja, deve ser dada ao condenado a oportunidade para o exercício do contraditório.
3 - Porém, não resulta da lei, nomeadamente, do disposto no artigo 61º, alínea b), do Código de Processo Penal, que o arguido tenha de ser ouvido presencialmente ou em concreto sobre tal situação, bastando a notificação para se pronunciar sobre a promoção do Ministério Público de conversão da multa em prisão.»
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 23.11.2020, in Coletânea de Jurisprudência, Ano XLV, Tomo 5, Página 269:
«I - Havendo que garantir a audição do condenado sobre a possibilidade de conversão da multa não paga em prisão subsidiária, não é necessário que tal audição seja obrigatoriamente presencial, sendo suficiente possibilitar-lhe a sua audição nos autos (por escrito), após notificação para o efeito com indicação do respetivo prazo.
II - A prisão subsidiária resultante do não pagamento de uma pena de multa não pode ser executada em regime de permanência na habitação, que o âmbito de aplicação deste regime respeita exclusivamente às situações taxativamente elencadas no n.º 1 do artigo 43º do Código Penal, todas elas relativas a pena de prisão aplicada a título principal.».
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24.11.2020, proferido no processo n.º 781/17.2S6LSB.L1-5:
«- Não é necessária a audição presencial do arguido, antes de convertida a multa em prisão subsidiária e quanto à realização de relatório social, nada na lei o impõe e no caso não se justificava quando a arguida esteve presente na audiência de discussão e julgamento e aí foram discutidos os factos relativos às suas condições pessoais, como consta da sentença.
- Tendo a arguida tido oportunidade para se pronunciar sobre a razão do não pagamento da multa e nada tendo alegado, é seguro concluir que o não pagamento foi voluntário e não tendo sido possível o pagamento coercivo, a conversão pelo despacho recorrido da multa não paga em prisão subsidiária tem apoio legal no artigo 49.º, do Código Penal.»;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24.02.2022, proferido no processo n.º 685/18.1PFLRS-A.L1-9:
«I-Apenas o despacho de conversão, e não também o seu contraditório, por consubstanciar uma modificação do conteúdo decisório da sentença, têm de ser notificados ao arguido e ao Defensor, como já decorre do AUJ do STJ nº 6/2010;
II-Bem como a notificação do despacho de conversão pode ser notificado ao arguido nos termos do artigo 113º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, sendo da responsabilidade do arguido o não conhecimento efetivo das notificações decorrentes da não atualização da sua morada nos autos ou de não deter recetáculo, pois, impende sobre qualquer arguido um dever geral de diligência, em ordem a conferir funcionalidade aos seus direitos e deveres, designadamente os que decorrem do TIR que prestou;
III-Não foi cometida qualquer ilegalidade, maxime a que poderia decorrer da falta de audição do arguido em momento anterior à decisão de conversão da multa em prisão subsidiária, pois que a mesma sempre teria tido lugar (e tanto bastava) através da, operada, notificação ao defensor do teor da promoção do Ministério Público em que se peticionava a conversão da multa em prisão subsidiária, para se pronunciar, querendo, sobre tal promoção, em cumprimento do normativo legal e constitucional que pressupõe e exige a observância do contraditório nos enunciados termos - cf. Código de Processo Penal, artigo 113.º, n.º 10 do CPP.»;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26.10.2022, proferido no processo n.º 671/18.0PAPVZ.P1:
«I - Não existe o dever de audição presencial do arguido quando a pena em que este foi condenado é convertida de pena não detentiva em pena detentiva; por maioria de razão, também não é exigível tal audição quando o arguido já sabe que impende sobre si o eventual cumprimento de uma pena detentiva.
II - No caso vertente, o arguido sabia perfeitamente da existência deste processo e da necessidade de colaboração com a DGRSP, informando esta da eventual mudança de endereço; foram-lhe dadas oportunidades para justificar o seu incumprimento das condições da suspensão da execução da prisão subsidiária; e ele nada fez, pelo que se justifica a revogação dessa suspensão.
III - O arguido foi validamente notificado da intenção do M.P de revogação dessa suspensão com prova de depósito para a morada do TIR.»;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12.09.2023, proferido no processo n.º 397/11.4TATVR-A.E1:
«As notificações levadas a cabo na pessoa do arguido – para explicar as razões para a falta de pagamento da multa em que foi condenado e, se disso for caso, providenciar por forma de pagamento – garantem a possibilidade de defesa efetiva em momento prévio ao da tomada de decisão de conversão de pena de multa em prisão subsidiária».
Como ressuma da resenha jurisprudencial efetuada, é claramente maioritário o entendimento segundo o qual: (1) é imprescindível que seja assegurado ao condenado o direito de se pronunciar sobre as razões do incumprimento da pena de multa ou dos dias de trabalho, (2) a audição do condenado não tem que ser presencial, podendo ser efetuada por escrito, (3) na sequência de notificação para o efeito, que deve ser efetuada ao arguido e ao respetivo defensor.
Revertendo ao caso dos autos, como decorre do iter processual supra descrito, o condenado começou por requerer, em 24.02.2023, a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade, tendo-se, na sequência do despacho de 02-03-2023, solicitado à DGRSP informação acerca de instituição disponível para o receber, enquanto entidade beneficiária, e ainda do tipo de trabalho adequado a desenvolver e respetivo horário; porém, notificado de tal decisão, sem qualquer justificação, o condenado faltou às entrevistas que lhe foram agendadas na DGRSP nos dias 22-03-2023 e 05-04-202, tendo sido notificado para justificar a falta de resposta às pertinentes convocatórias; entretanto, a DGRSP informou que o condenado tinha contactado os seus serviços no dia 9 de maio de 2023, a solicitar marcação de entrevista, agendada para o dia 16 de maio de 2023, referindo, nesse contexto, que pretendia solicitar o pagamento em prestações da multa a que foi condenado; face ao teor de tal informação, foram notificados o condenado e a sua ilustre defensora para requererem o que tivessem por conveniente, mas os mesmos nada disseram ou requereram; em 22-06-2023, foi o condenado notificado do despacho de 20-06-2023 [também notificado à sua defensora oficiosa] que decidiu que, uma vez que não tinha colaborado com a DGRSP para a realização de plano de trabalho de cariz social, nem veio os autos, apesar de notificado para o efeito, informar a razão pela qual não colaborou, indeferir a requerida substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, devendo proceder ao pagamento da pena de multa, sob pena de, não o fazendo, poder ter de cumprir pena de prisão subsidiária, constando dessa notificação cópia da promoção de 15-06-2023 do Ministério Público nesse sentido e que também ordenava a obtenção de informação sobre bens penhoráveis, que aquele despacho acolheu; mais uma vez, o arguido nada disse, fez ou requereu.
Ora, afigura-se indiscutível que a notificação operada nos sobreditos moldes assegurou plenamente o direito do condenado a um processo justo e equitativo, facultando-lhe o cabal exercício dos seus direitos defesa, maxime o contraditório, pois mostravam-se reunidas todas as condições para ficar ciente do quadro de incumprimento que se desenhava e das consequências legais a que se expunha – poder cumprir prisão subsidiária – caso não procedesse ao pagamento da multa, garantindo-lhe, assim, a possibilidade de se defender e de contrapor as razões que, na sua ótica, poderiam conduzir à conclusão de que o incumprimento não lhe era imputável e ser determinada a suspensão da execução da prisão subsidiária.
Não obstante, o condenado nada disse, fez ou requereu e, após promoção do Ministério Público de 17.10.2023, na qual se consignou que, não sendo conhecidos bens penhoráveis ao condenado, não se iria instaurar execução com vista ao pagamento coercivo da pena de multa, foi proferido, em 20.11.2023, o despacho objeto do presente recurso, que converteu a pena de multa em prisão subsidiária.
Destarte, ao invés do invocado pelo recorrente, é evidente que não foi coartado o direito de audição prévia, que se inscreve no direito de contraditório, nem foi preterido qualquer outro direito de defesa, determinante de invalidade do despacho recorrido.
Em suma, nenhuma disposição legal e/ou princípio estruturante do processo penal foram violados ou inobservados e, por conseguinte, inexiste qualquer vício processual.
Improcede, pois, completamente esta vertente da pretensão recursiva do recorrente.

3.2 - O despacho de conversão da multa em prisão subsidiária enferma de nulidade por falta de fundamentação?
Dispõe o artigo 97º, n.º 5, do Código de Processo Penal que “[o]s atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”, em concretização do comando geral contido no artigo 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “[a]s decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Esclarece o n.º 1 do artigo 97º que “[o]s atos decisórios dos juízes tomam a forma de:
a) Sentenças, quando conhecerem a final do objeto do processo;
b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termo ao processo fora do caso previsto na alínea anterior”.
É, pois, inquestionável que, quer se trate de sentenças, quer de despachos [interlocutórios ou finais], os atos decisórios dos juízes têm que conter os respetivos motivos, de facto e de direito.
A inobservância do dever de fundamentação é cominada de nulidade no que respeita à sentença [como decorre das disposições conjugadas dos artigos 374º e 379º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal] e, relativamente aos despachos, apenas em casos pontuais, como é o caso do despacho de aplicação de medida de coação com exceção do termo de identidade e residência, quando não contenha todos os elementos ali discriminados [cfr. artigo 194º, n.º 6, do Código de Processo Penal].
No caso vertente, o ato decisório em causa configura um despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, proferido após a sentença condenatória.
Em face do exposto, conclui-se que a alegada falta de fundamentação do despacho recorrido não pode configurar uma nulidade, sanável ou insanável, uma vez que não se encontra elencada nos artigos 119º e 120º do Código de Processo Penal, nem é expressamente cominada como tal em qualquer outra disposição legal, pelo que, quanto muito, reconduz-se a irregularidade.
Notificado do despacho de conversão da multa em prisão subsidiária, o condenado não invocou a irregularidade do despacho perante o tribunal que o proferiu, no prazo de três dias após essa notificação, como se impunha que fizesse, antes tendo optado por interpor o presente recurso, invocando, impropriamente, o vício de nulidade nos moldes supra assinalados. Não tendo assim procedido, não pode agora o recorrente, em sede de recurso, vir pedir a revogação do despacho com fundamento, além do mais, em vício de falta de fundamentação do mesmo, sobre o qual não há qualquer decisão do tribunal de primeira instância.
Tal não obsta a que oficiosamente se verifique se estamos perante a situação prevista no n.º 2 do artigo 123º, como supra explicitámos.
Assim sendo, cumpre aquilatar se a irregularidade – alegada falta de fundamentação do despacho recorrido – foi efetivamente cometida e, em caso afirmativo, se é de molde a justificar a sua reparação oficiosa.
É inquestionável que a fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do direito processual e realiza uma dupla finalidade: em projeção exterior (extra processual), como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinam a decisão; em outra perspetiva (intra processual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos – para reapreciar uma decisão o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo [vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2007].
Outrossim se afigura de meridiana clareza que o ónus de fundamentação não se impõe em todos os casos da mesma maneira. Defendem Jorge Miranda e Rui Medeiros[11] que a fundamentação das decisões judiciais, além de ser expressa, clara, coerente e suficiente, deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão. Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão, perspetivada nas vertentes endo processual e extra processual.
Com efeito, embora seja sempre exigível um substrato mínimo de enquadramento factual e jurídico, o dever de fundamentação de um despacho não reveste a mesma complexidade e grau de exigência que o de uma sentença. Ademais, o dever de fundamentação também variará consoante o tipo de despacho – interlocutório ou final –, se decide a questão pela primeira vez no processo ou se se reconduz a mera reapreciação do antes decidido, a fase do processo; se, em consequência do cumprimento do princípio do contraditório, há dialética argumentativa a apreciar, a maior ou menor controvérsia da questão de facto e/ou de direito a decidir, a natureza, mais ou menos, nuclear dos direitos, liberdades e garantias dos afetados envolvidos e o maior ou menor grau de compressão dos mesmos pela decisão, enfim, uma multiplicidade de fatores que relevam para aferir do grau de profundidade da fundamentação exigível.
Ocorre que, não raras vezes, motivada por compreensíveis e desejáveis razões de economia e celeridade processual, a fundamentação da decisão judicial é efetuada de modo sintético e, por vezes, até, por remissão para peças processuais e/ou diplomas ou normativos legais. Fundamental é que contenha, ainda que de forma resumida, as razões de facto e de direito que foram ponderadas pelo juiz para decidir como decidiu e, nessa medida, permitam aos seus destinatários e à comunidade compreender as premissas factuais e os normativos legais que conduziram à decisão e aferir da sua justeza.
No caso vertente, o despacho recorrido discrimina os eventos processuais que são reveladores da situação de incumprimento reiterado da obrigação de pagamento da pena de multa em que o condenado se colocou, sinalizou a ausência de bens penhoráveis conhecidos, que inviabiliza a cobrança coerciva da multa, e indicou os normativos legais dos quais decorre que, em conformidade com o explanado a respeito da questão anterior, não tendo procedido ao pagamento da pena de multa, nem voluntária, nem coercivamente, e não tendo justificado tal incumprimento, há lugar ao cumprimento da prisão subsidiária pelo tempo correspondente à multa não paga reduzida a dois terços.
Nessa confluência, conclui-se que o despacho alvo de recurso se mostra suficientemente fundamentado – quer em termos factuais, quer jurídicos – e, por isso, não padece, sequer, de irregularidade.
Improcede, pois, totalmente o recurso interposto pelo condenado/recorrente.
*
III. – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pelo condenado AA e, consequentemente, confirmar o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça na quantia correspondente a 3 (três) unidades de conta [artigos 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma].

Notifique [artigo 425º, n.º 2, do Código de Processo Penal].
*
*
(Elaborado pela relatora e revisto pelas signatárias, sendo assinado eletronicamente, conforme certificação constante do canto superior esquerdo da 1.ª página – artigo 94º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal)
*
Guimarães, 21 de maio de 2024

Isabel Gaio Ferreira de Castro [relatora]
António Teixeira [1.º adjunto]
Armando Azevedo [2.º adjunto]


[1] Todas as transcrições a seguir efetuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correção de erros ou lapsos de escrita manifestos e, nalguns casos, a alteração da formatação do texto, da responsabilidade da relatora.
[2] Cfr., entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/04/2007 e de 11/07/2019, disponíveis em www.dgsi.pt
[3] In Código de Processo Penal anotado, 5.ª Edição Revista e Atualizada, pág. 236
[4] Neste sentido, vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.05.2022, proferido no processo n.º 232/15.7GEACB-D.C1, e de 11.10.2017, proferido no processo n.º 911/13.3 GCLRA-A.C1, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11.06.2019, proferido no processo n.º 158/15.4PLLRS.L1, e do Tribunal da Relação do Porto de 14.03.2012, proferido no processo n.º 125/07.1TACDR.P1, todos disponíveis para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt [tal como todos os doravante citados sem expressa menção de fonte de consulta], e deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 07.05.2024, proferido no processo n.º 221/20.0GAEPS–B.G1, relatado por Isilda Pinho, em que a ora relatora foi 1.ª adjunta.
[5] Disponível para consulta in www.tribunalconstitucional.pt
[6] Conquanto a possa, a todo o tempo, evitar, total ou parcialmente, pagando no todo ou em parte, a multa a que foi condenado, conforme prevê expressamente o n.º 2 do artigo 49º do Código Penal.
[7] In “Direito Processual Penal”, 1981, I, págs. 157/8
[8] Cfr. Figueiredo Dias e Maria João Antunes, citados por Paulo Pinto de Albuquerque, "Comentário do Código Penal à luz da CRP e da CEDH, Universidade Católica Editora, 5.ª ed. atualizada, pág. 338, anotação 9 ao artigo 49º.
[9] Cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09-02-2011, proferido no processo n.º 972/07.4GBVNG.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Muitas das quais coligidas pela Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no seu elaborado parecer
[11] Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, págs. 72 e 73