Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1131/23.4T8BCL.G1
Relator: FERNANDO BARROSO CABANELAS
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Portugal ratificou a Convenção de Haia, nº35, de 2000, relativa à proteção internacional de adultos, com início de vigência em Portugal em 1 de julho de 2018, tendo a referida Convenção sido aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 52/14, de 19/06, ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 44/2014, de 19/06, e publicada no Diário da República, 1ª Série, nº 116, de 19/06/2014.
2. O artº 1º, nº1, da referida Convenção estabelece que a mesma se aplica, em situações de caráter internacional, à proteção de adultos que, devido a uma deficiência ou insuficiência das suas capacidades pessoais, não estão em condições de defender os seus interesses.
3. Tendo a recorrente sido nomeada tutora dos seus pais num tribunal francês e pretendendo vender um imóvel sito em Portugal, propriedade daqueles, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para os termos da ação de autorização judicial, gozando a requerente de legitimidade ativa.
Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório:

Em 21 de abril de 2023 foi prolatado despacho de indeferimento liminar com o seguinte teor:
AA, na qualidade de representante legal de BB e CC, intentou o presente processo especial de autorização para a prática de atos, requerendo autorização para, em representação daqueles, seus pais, celebrar todos os contratos e atos necessários para concretizar a venda do imóvel sito prédio urbano composto por casa de rés-do-chão e andar com logradouro, localizado na Rua ... (Lugar ...), freguesia ..., concelho ..., pelo valor de 220 000,00 € (duzentos e vinte mil euros).
Mais requer, para o caso tal negócio não se concretizar, a autorização para celebrar todos os contratos e atos necessários para concretizar a venda por outro valor situado entre 172 321,00 € (cento e setenta e dois mil trezentos e vinte e um euros) e 196 651,00 € (cento e noventa e seis mil seiscentos e cinquenta e um euros).
Para tanto, alega que, por sentenças judiciais do Tribunal Judicial ..., da República ..., BB e CC foram colocados no regime de curatela reforçada, tendo a Requerente AA sido designada como curadora daqueles, com a função de assistir e controlar a gestão dos seus bens e pessoa, cargo que ainda hoje exerce.
Esclarece que aqueles são seus pais e são proprietários do imóvel supra identificado, que tem a pretensão de vender devido ao facto de ter surgido a oportunidade de um negócio de venda (através de mediadora imobiliária) do mesmo por um valor de 220 000,00 € (duzentos e vinte mil euros), o que considera vantajoso, atendendo às características do bem e do estado do mercado.
Mais diz que o imóvel gera despesas correntes, o que implica o uso de valores provenientes dos pais, rendimentos estes que são necessários para o pagamento dos seus cuidados de saúde, acompanhamento, vigilância e assistência médica constante (incluindo os serviços de uma unidade de cuidados permanentes para a mãe), bem como as despesas correntes do quotidiano.
Sucede que, tal como vem referido na Petição Inicial (e formulário do CITIUS), todos eles são residentes em ... ..., França.
Ora, a competência territorial para a presente ação afere-se pelo critério geral, ou seja, o do domicílio do Réu, que aqui corresponde ao domicílio dos beneficiários da autorização, ou seja, os incapazes BB e CC - artigo 80.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Isto significa que, pelas regras da competência territorial, o Tribunal competente seria o do local da residência de BB e CC, o que nos leva a olhar, também, para as regras da competência internacional, face à circunstância de aqueles residirem na França.
Analisados os fatores de atribuição da competência internacional, verifica-se que no caso concreto não há nenhum que, sem mais, nos permita dizer que os Tribunais Portugueses são os competentes para dirimir a presente ação judicial - artigo 62.º e 63.º do Código de Processo Civil.
Todavia, face ao alegado pela Ré quanto à informação que a mesma diz ter sido prestada em cartório Francês e à localização do imóvel, sempre se poderia dizer que existe dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, sendo certo, ainda, que os alegados incapazes tem naturalidade Portuguesa, pelo que existes elementos ponderosos (quer do ponto de vista pessoal, quer da situação dos imóvel) de conexão com o ordenamento jurídico Português - artigo 62.º, n.º c), do Código de Processo Civil.
Note-se, ainda, que quanto a este aspeto não existe qualquer regulamento da União Europeia que estabeleça regras sobre a competência sobre a matéria que a presente ação judicial visa, já que esta se encontra excluída dos regulamentos existentes que versam sobre matéria civil - artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Regulamento(UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro, e 1.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, sem prejuízo de outros que, claramente, não tem ligação com o que aqui nos ocupa.
Mas este ponto leva-nos a outro problema, designadamente à falta de legitimidade da requerente, porquanto (nos termos alegados) o título que a mesma invoca para que a mesma assuma o cargo de representante de BB e CC reside em Sentenças proferidas pelo Tribunal Judicial da República Francesa.
O processo especial de autorização ou confirmação de certos atos surge em virtude de relações jurídicas de natureza específica material que exigem, precisamente, autorização judicial para a prática de determinados atos por representantes legais de outrem (ausentes, menores de idade e maior acompanhado) - artigo 1014.º e seguintes do Código de Processo Civil.
É um processo que visa proteger os interesses dos titulares dos direitos em questão, procurando-se identificar, dentro do possível, a decisão que o visado tomaria, caso este tivesse capacidade ou presente para o fazer por si (este aspeto ganha, sobretudo, maior facilidade de compreensão quando em causa está uma situação de maior acompanhado).
Dito isto, torna-se claro que a ação em causa é intentada por aquele que seja o representante legal dos visados ou, na falta deles, pelo Ministério Público - artigo 1014.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Significa isto que aquele que requerer a autorização da prática de certo ato, por forma a assegurar a sua legitimidade ativa, deverá alegar (e demonstrar) ser legal representante do menor de idade, maior acompanhado ou ausente.
Dito isto, no caso concreto, verifica-se que a legitimidade alegada (e que a requerente procurou demonstrar documentalmente) surge em virtude de decisão judicial estrangeira.
Sucede que, nesta matéria (estado e capacidade jurídica das pessoas singulares), inexiste também qualquer regulamento da União Europeia que, quanto a maiores, estabeleça o reconhecimento de sentenças proferidas pelos Estados Membros.
De facto, o estado e a capacidade de pessoas maiores de idade é uma matéria que, não estando relacionadas com questões matrimoniais, surge, invariavelmente, excluído do âmbito dos regulamentos comunitários que estabelecem a competência dos Tribunal Judiciais dos Estados Membros da União Europeia perante ações com conexões transfronteiriças, pelo que se torna necessário a revisão das sentenças proferidas, uma vez que sem que tal tenha lugar, aquelas não têm eficácia em Portugal[1] - artigos 1.º, n.º 2, alínea a), do Regulamento(UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro, e 1.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, 2.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.º 805/2004, de 21 de Abril de 2004, e 978.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Significa isto que tendo sido, tal como alegado, as decisões que declaram a incapacidade de BB e de CC proferidas por Tribunal Judiciais da República Francesa, que, por conseguinte, instituíram a Requerente como legal representante daqueles, e não estando as mesmas reconhecidas em Portugal, outra conclusão não resta se não a de que a Requerente AA não tem legitimidade ativa para intentar a presente ação.
Por fim, surge ainda uma questão final, que é a seguinte: a autorização judicial para a prática de certos atos é dependência do processo de inventário, quando o haja, ou do processo de acompanhamento de maior - artigo 1014.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
Tal aspeto percebe-se pelo facto de o legislador ter atribuído competência para a autorização de tais atos ao Ministério Público, o que acontecerá quando os referidos processos inexistirem ou não esteja em causa autorização para outorgarem partilha extrajudicial e o representante legal concorra à sucessão com o seu representado, sendo necessário nomear curador especial - artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 2, alínea b), do DL n.º 272/2001, de 13 de outubro.
No caso concreto, inexiste qualquer processo de acompanhamento de maior ou de inventário, pelo que a conclusão a que se chega é a de que se verifica incompetência material para a apreciação do presente pedido - artigo 64.º e 65.º do Código de Processo Civil.
Em qualquer dos casos referidos, ou seja, quer se esteja perante uma questão de incompetência internacional ou material ou de ilegitimidade ativa, estar-se-á perante uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, cuja consequência, face ao atual momento processual (despacho liminar), é o de indeferimento da petição inicial da Requerente – artigo 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea a) e d), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea a) e e), 578.º e 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Nestes termos, indefere-se liminarmente a petição inicial, quer por incompetência internacional e material do Juízo Local Civil ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., quer por ilegitimidade ativa da Requerente.
Custas pela Requerente - artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Fixa-se o valor da ação em 30 000,01 € (trinta mil euros e um cêntimo) - artigos 296.º, n.º 1, e 303.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Registe-se e notifique-se. ..., 21 de abril de 2023

[1] Cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-12-2012, proc. n.º 71/12.7YRPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt.

Inconformada com o despacho, a requerente apelou, formulando as seguintes conclusões:

1. A sentença ora recorrida indeferiu liminarmente a petição inicial, por incompetência internacional e material do Tribunal a quo e por ilegitimidade ativa da aqui apelante.
2. A apelante intentou ação com vista a obter autorização judicial para, na qualidade de representante legal dos pais, os requeridos, proceder à venda do imóvel, propriedade daqueles, sito na Rua ..., da freguesia de ..., concelho ....
3. A autorização assenta na oportunidade de venda vantajosa, nas características do imóvel, nas despesas fixas com o mesmo e na residência dos pais (e também da apelante) estar fixada em França.
4. As decisões sobre a incapacidade dos pais e a qualidade de representante, primeiramente em maio de 2016, e depois em abril de 2021 (as quais determinaram as medidas de tutela reforçada e a qualidade de tutora da apelante), foram proferidas pelo Tribunal Judicial ..., em França – tribunal da residência das partes.
5. O critério da residência fixada em França determinou a decisão de
incompetência internacional do Tribunal a quo, ou seja, foi determinante o critério geral do domicílio dos beneficiários da autorização.
6. Segundo o entendimento do Tribunal a quo, também não existe nenhum elemento de conexão com o ordenamento jurídico português, em concreto em questões de competência material, porquanto esta demanda se mostraria excluída da matéria cível em que versam os Regulamentos Europeus existentes.
7. Aqui reside a discordância da apelante face à decisão a quo, considerando a aplicação inequívoca aos presentes autos da Convenção da Haia relativa à Proteção Internacional de Adultos, aprovada a adesão de Portugal, em 2018, pela Resolução da Assembleia da República n.º 52/2014.
8. Esta Convenção estabelece regras especiais de atribuição de competência internacional aos Tribunais Portugueses em matéria de proteção de adultos vulneráveis, que, dito por outras palavras, aplicável ao regime do maior acompanhado.
9. Surge da necessidade de assegurar, em situações de carácter internacional, a proteção de adultos que, devido a uma deficiência ou insuficiência das suas capacidades pessoais, não estão em condições de defender os seus interesses.
10. Prescreve o artigo 9.º da referida Convenção, que “(…) As autoridades de um Estado Contratante onde se encontrem bens do adulto são competentes para adotar medidas de proteção relativamente a esses bens (…)”.
11. Mais, resulta do disposto no seu artigo 50.º que “(…) A Convenção aplica-se apenas às medidas que tenham sido adotadas num Estado após entrada em vigor da Convenção para esse Estado (…)”.
12. O Estado Português aderiu à referida Convenção em 2018 e o Estado Francês no ano de 2009.
13. Os Tribunais Portugueses são, assim, competentes, quer atentas as datas das prolações das decisões (2021), quer atenta a localização do imóvel (freguesia de ..., concelho ...).
14. As normas desta Convenção prevalecem sobre as normas de direito internacional privado, melhor previstas na lei portuguesa, devendo as regras sobre a competência nela estabelecidas serem de aplicabilidade imediata nos processos de maior acompanhado e seus relacionados.
15. É, assim, o Tribunal a quo competente para decidir esta questão material.
16. A sentença recorrida questiona a legitimidade da apelante, porquanto a qualidade de representante dos pais assenta naquelas decisões dos tribunais franceses (decisão judicial estrangeira).
17. É do entendimento do Tribunal a quo que inexiste qualquer Regulamento da União Europeia que estabeleça, quanto a maiores, o reconhecimento de sentenças estrangeiras, mostrando-se obrigatório e preliminar a sua revisão para ter eficácia no ordenamento jurídico português.
18. Na base desta Convenção está também a importância da cooperação internacional para proteção de adultos, bem como a necessidade de evitar conflitos entre sistemas jurídicos em matéria de reconhecimento de medidas de proteção de adultos.
19. O artigo 22.º da referida Convenção refere que “(…) As medidas adotadas pelas autoridades de um Estado Contratante são reconhecidas de pleno direito em todos os outros Estados Contratantes (…)”, não se enquadrando, a situação in casu em qualquer das exceções previstas no n.º 2 do artigo aludido.
20. Atenta a data da adesão do Estado Português à referida Convenção (01/07/2018), por serem ambas as decisões relativas aos requerido (pais) da apelante posteriores (2021), devem as medidas de proteção ser reconhecidas e aplicadas em Portugal, como se tivessem sido proferidas pelos tribunais portugueses.
21. Ambas as decisões proferidas em França são plena e imediatamente aplicáveis no nosso ordenamento jurídico, como se processos de maior acompanhado se tratassem.
22. A qualidade de representante atribuída à apelante é regular e devidamente reconhecida nos nossos tribunais, encontrando-se legalmente legitimada como tal.
23. Através da aplicação deste artigo 22.º da Convenção, cai também a argumentação da sentença recorrida quanto à necessidade desta ação de autorização judicial não estar associada, nem a processo de inventário, nem a processo de maior acompanhado.
24. Existem processos de maior acompanhado relativos aos pais da apelante, porque as decisões no âmbito dos processos franceses têm plena e imediata aplicação na ordem jurídica portuguesa.
25. A sentença recorrida violou os artigos 9.º, 22.º e 50.º da Convenção de Haia relativa à Proteção Internacional de Adultos, à qual Portugal aderiu já em 2018.
26. Trata-se esta de uma situação que preenche todos os requisitos – competência internacional, territorial e material e legitimidade ativa – para obter uma decisão nos tribunais portugueses,
27. Em concreto para ser apreciada e decidida no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Cível ... – Juiz ..., com a representante, a aqui apelante, legalmente legitimada para peticionar a autorização em causa.
Nestes termos e nos demais de direito que Vª Exas. Mui doutamente suprirão, Deve dar-se provimento ao presente recurso, com o que se fará J U S T I Ç A.
O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela revogação do despacho e pela procedência do recurso.
Os autos foram aos vistos dos excelentíssimos adjuntos.
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II – Questões a decidir:

Nos termos do disposto nos artºs 608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4, e 639º, do CPC, as questões a decidir em sede de recurso são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas que o tribunal deve conhecer oficiosamente, não sendo admissível o conhecimento de questões que extravasem as conclusões de recurso, salvo se de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são, assim, apurar se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para os termos da presente ação e, sendo-o, se a requerente é parte legítima.
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III – Fundamentação:

A. Fundamentos de facto:
Os factos com relevância para a decisão do presente recurso são os constantes do relatório.
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B. Fundamentos de direito. 

Dispõe o artº 59º, do CPC, que “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94º.
Abrantes Geraldes e outros, in Código de Processo Civil Anotado, volume I, pág. 91, referem que “A competência internacional dos tribunais portugueses depende, em primeira linha, do que resultar de convenções internacionais ou dos regulamentos europeus sobre a matéria e, depois, da integração de algum dos segmentos normativos dos artºs 62º e 63º, sem embargo da que possa emergir de pacto atributivo de competência, nos termos do artº 94º.
José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, pág. 144, assinala que “As normas de competência internacional definem a suscetibilidade de exercício da função jurisdicional pelos tribunais portugueses, tomados no seu conjunto, relativamente a situações jurídicas que apresentam elementos de conexão com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras.
Além de receberem competência dos artsº 62º, 63º, e 94º, para o qual o preceito anotado remete, os tribunais portugueses recebem-na também de regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais que, no seu campo específico de aplicação, prevalecem sobre as normas processuais portuguesas, nomeadamente sobre as normas reguladoras da competência internacional constantes do Código (…)”.
Paulo Pimenta in Processo Civil Declarativo, 2015, págs. 88-89, ensina que “À luz do disposto no art. 62º, existem três critérios por via dos quais os tribunais portugueses gozam de competência internacional, sendo de entender que basta a verificação de um para que haja total competência.
O primeiro critério, previsto na alínea a) do artº 62º, radica no princípio da coincidência, isto é, a competência internacional dos tribunais portugueses resulta da circunstância de a ação dever ser proposta em Portugal, segundo as regras da competência interna territorial estabelecidas pela lei portuguesa, as quais constam dos artºs 70º e seguintes. Neste caso, pode dizer-se que, por força da coincidência entre a competência territorial e a competência internacional, os tribunais portugueses podem julgar quaisquer ações que devam ser propostas em Portugal, segundo a aplicação das regras daquela competência interna.
O segundo critério está consagrado na alínea b) do artº 62º e pode ser designado por princípio da causalidade, querendo isto significar que os tribunais portugueses têm competência internacional sempre que o facto que serve de causa de pedir na ação tenha sido praticado em território nacional ou, tratando-se de uma causa de pedir complexa (isto é, constituída por vários elementos), algum deles tenha ocorrido em Portugal.
Por fim, a alínea c) do artº 62º atribui competência internacional aos tribunais portugueses com base no chamado princípio da necessidade, o que se traduz em os tribunais portugueses terem competência internacional quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em tribunal português ou quando a sua propositura no estrangeiro constitua apreciável dificuldade para o autor. Para que tal aconteça, no entanto, é imprescindível que entre a ação a propor e o território português exista um qualquer elemento ponderoso de conexão pessoal ou real.
Nos presentes autos, a requerente alegou ter sido nomeada tutora dos seus pais num tribunal francês, pretendendo vender um imóvel sito em Portugal, propriedade daqueles.
Ora, Portugal ratificou a Convenção de Haia, nº35, de 2000, relativa à proteção internacional de adultos, que entrou em vigor na ordem internacional em 1 de janeiro de 2009, ratificada, entre outros, pela França, onde residem os pais da recorrente, e com início de vigência em Portugal em 1 de julho de 2018.
A referida Convenção foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 52/14, de 19/06, ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 44/2014, de 19/06, e publicada no Diário da República, 1ª Série, nº 116, de 19/06/2014.
O Aviso nº 41/2018, de 12/04/2018, tornou público que a República Portuguesa depositou junto do Secretariado Permanente da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado o seu instrumento de ratificação à Convenção.
A referida Convenção regula no capítulo II a competência internacional entre estados contratantes, enquanto necessidade de regular e coordenar as diferentes jurisdições concorrentes para aplicar medidas de proteção a favor dos adultos vulneráveis.  
Geraldo Rocha Ribeiro in “A Convenção da Haia de 2000, relativa à proteção internacional de adultos: a experiência portuguesa na sua aplicação”, Revista Julgar Online, junho de 2022, refere que “O principal fator de competência é atribuído ao Estado da residência habitual do adulto (artigo 5º), sendo a este que se subordinam as demais competências. Enquanto centro de vida do interessado, constitui um conceito puramente factual e funcional, a concretizar a partir da situação concreta do interessado.
O artº 1º, nº1, da referida Convenção estabelece que “1 – A presente Convenção aplica-se, em situações de caráter internacional, à proteção de adultos que, devido a uma deficiência ou insuficiência das suas capacidades pessoais, não estão em condições de defender os seus interesses. 2 – Ela tem por objeto: a) Determinar o Estado cujas autoridades são competentes para adotar medidas de proteção da pessoa ou dos bens do adulto; b) Determinar a lei que deverá ser aplicada por essas autoridades no exercício da sua competência; c) Determinar a lei aplicável à representação do adulto; d) Assegurar o reconhecimento e a execução dessas medidas de proteção em todos os Estados Contratantes; e) Estabelecer entre as autoridades dos Estados Contratantes a cooperação que for necessária para alcançar os objetivos da Convenção.
O artº 3º, alínea c), estatui que “As medidas referidas no artigo 1º podem, em especial, incidir sobre: (…) c) A tutela, a curatela e instituições análogas.”
De acordo com o artº 5º, “As autoridades judiciárias ou administrativas do Estado Contratante onde o adulto tem a sua residência habitual são competentes para adotar medidas tendentes à proteção da pessoa ou dos bens do adulto”
E nos termos do artº 9º, do referido diploma, “As autoridades de um Estado Contratante onde se encontrarem bens do adulto são competentes para adotar medidas de proteção relativamente a esses bens, desde que essas medidas sejam compatíveis com aquelas que foram adotadas pelas autoridades competentes nos termos dos artigos 5º a 8º.”
No que tange à lei aplicável, o artº 13º estatui que “1 – No exercício da competência que lhes é atribuída nos termos do disposto no capítulo II, as autoridades dos Estados Contratantes deverão aplicar a sua própria lei.”, complementando o artº 14º que “Sempre que uma medida adotada num Estado Contratante é aplicada num outro Estado Contratante, as condições da sua aplicação regem-se pela lei desse outro Estado.”
Finalmente, o artº 22º da Convenção estabelece no seu nº 1 que “1 – As medidas adotadas pelas autoridades de um Estado Contratante são reconhecidas de pleno direito em todos os outros Estados Contratantes”, não sendo o caso sub judice subsumível a qualquer das exceções previstas no nº 2, sendo certo que se verificam os requisitos temporais previstos no artº 50º.
Ora, o artº 8º da Constituição da República Portuguesa estabelece que “1 – As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português. 2 – as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.”
Verifica-se, assim, que por força do princípio do efeito direto “a norma como que se subjetiva, sem qualquer outra intermediação do direito interno, na esfera jurídica do titular cujo direito ou interesse se destina a proteger” - vide, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida in Direito Processual Civil, volume I, 2ª edição, pág. 319 -, sendo, por isso, tal Convenção aplicável à factualidade aqui em causa, nos sobreditos termos.
Tem, assim, de se considerar procedente o recurso interposto, revogando-se o despacho recorrido e considerando os tribunais portugueses internacionalmente competentes para os termos da presente ação, considerando igualmente a requerente dotada de legitimidade ativa.
No que tange à imputação de custas, considerando que não houve vencimento na ação e a requerente tirou proveito do processo, as custas ser-lhe-ão imputadas – artº 527º, nº1, in fine, do CPC.
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V – Dispositivo:

Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso interposto, revogando o despacho recorrido e considerando os tribunais portugueses internacionalmente competentes para os termos da presente ação, considerando igualmente a requerente dotada de legitimidade ativa.
Custas pela recorrente – artº 527º, nº1, do CPC.
Notifique.
Guimarães, 12 de outubro de 2023.
           
Relator: Fernando Barroso Cabanelas.
1º Adjunto: José Alberto Martins Moreira Dias.
2ª Adjunta: Alexandra Maria Viana Parente Lopes.