Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1254/20.1T8BRG.G2
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- As nulidades da decisão são vícios intrínsecos da própria decisão; são deficiências da estrutura da sentença, que não se podem confundir com o erro de julgamento, o qual se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjetivo) aplicável.
II - O caso julgado (em qualquer das suas vertentes), tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, e pressupõe a repetição de uma causa quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
III- Há identidade de sujeitos se houver correspondência material entre os sujeitos da ação e a relação material controvertida tal como o A a apresenta, ou seja, se os sujeitos da ação estiverem relacionados com o pedido (apenas deduzido contra os mesmos), e com a respetiva causa de pedir (a qual está na base do pedido formulado).
IV- Há identidade de causas de pedir para efeitos de caso julgado, mesmo que os factos complementares ou concretizadores dos factos essenciais alegados sejam diversos ou simplesmente omitidos numa das duas ações.
V- Há identidade de pedidos quando numa e noutra causa se pretenda obter o mesmo efeito jurídico, isto é, quando se verifica coincidência da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito pretendido.
Decisão Texto Integral:
Relatora: Maria Amália Santos
1º Adjunto: José Manuel Alves Flores
2ª Adjunta: Sandra Maria Vieira Melo
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I- RELATÓRIO:

Na presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, AA, casada, residente na Avenida ..., ..., ..., demandou os RR, BB e marido, CC, residentes na rua ..., ..., ..., DD e marido, EE, residentes na ..., ... - ... – ..., DD e marido, FF, residentes na rua ..., ..., ..., DD, viúva, residente na rua ..., GG, ..., CC e HH, residentes na rua ..., ..., ..., II e mulher JJ, residentes na rua ..., ..., ..., KK, solteira, maior, residente na ..., 6, 1815, ..., ..., e LL e marido, MM, residentes na Rua ..., ..., ..., pedindo o seguinte:
- A declaração de nulidade, por simulação, da transmissão do prédio identificado no art.º 9º da petição inicial, por dação em pagamento, titulada pela escritura pública celebrada em .../.../2005, e acordo subjacente entre todos os réus e seus falecidos pais;
- O cancelamento de todos os registos e averbamentos posteriores à inscrição da propriedade a favor dos primeiros réus sobre aquele prédio, presentemente descrito na CRP ... sob o n.º ...66-...;
Em alternativa:
- A declaração que subjacente a esse negócio nulo existe um outro, que consiste na doação pelos pais dos primeiros réus da sua meação e quinhão hereditário, doação essa sujeita à condição resolutiva dos donatários tratarem do doador, como declarado supra em 66º e segs. da petição inicial;
- Cancelamento de todos os registos e averbamentos posteriores à inscrição da propriedade a favor dos primeiros réus sobre o prédio descrito na CRP ... sob o n.º ...66-...;
Subsidiariamente:
- A condenação dos réus a pagarem à autora, a título de enriquecimento sem causa, a quantia de € 8.000,00, tudo com juros que entretanto se vencerem, contados à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento.
Fundamenta os seus pedidos num alegado acordo celebrado entre os seus pais e os Réus, em que os primeiros RR tratariam daqueles sãos como sãos e doentes como doentes e em contrapartida ficariam com o prédio identificado em 9 da petição, e os restantes Réus receberiam €2.500,00 cada um. Mais alega que a intenção dos seus pais era que a Autora não recebesse a sua parte na partilha.
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Os RR contestaram, pugnando além do mais pela verificação da exceção de caso julgado formado pela decisão proferida numa outra ação anteriormente intentada pela A contra os primeiros RR.
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No despacho saneador foi então proferido o seguinte despacho:
“…Da exceção de caso julgado
Nos presentes autos, os Réus contestantes, além do mais, suscitaram a exceção de caso julgado, uma vez que a Autora já havia intentado a ação que correu termos no Juízo Cível ..., J..., sob o n.º 1334/15...., onde peticionou que: a) A ser declarado nulo o contrato de dação em cumprimento – sem qualquer efeito por não corresponder à realidade dos factos, pois não houve qualquer empréstimo, nem qualquer transmissão. b) Deverá ser declarado assim que tal bem integre a herança dos falecidos pais da autora. c) Deverão a final serem condenados nas custas e no demais de lei.
Mais alegam que tal ação já foi julgada improcedente e confirmada por Acórdão de 07.03.2019. Defendem, ainda, e em síntese, que os pedidos alternativos e subsidiários são dependentes da aludida nulidade e os restantes Réus ocupam a mesma qualidade jurídica do lado passivo.
A Autora, notificada, pugna pela improcedência da exceção, aduzindo que os sujeitos, os pedidos e a causa de pedir são distintos, sendo os efeitos jurídicos pretendidos diferentes (…).
Cumpre apreciar e decidir.
Nos presentes autos, a Autora AA, peticiona:
. A declaração da nulidade, por simulação, da transmissão do prédio identificado no art. 9º da petição inicial, por dação em pagamento, titulada pela escritura pública celebrada em .../.../2005 e acordo subjacente entre todos os réus e seus falecidos pais;
. O cancelamento de todos os registos e averbamentos posteriores à inscrição da propriedade a favor dos primeiros réus sobre aquele prédio, presentemente descrito na CRP ... sob o n.º ...66-.... Em alternativa:
. A declaração que subjacente a esse negócio nulo existe um outro, que consiste na doação pelos pais dos primeiros réus da sua meação e quinhão hereditário, doação essa sujeita à condição resolutiva dos donatários tratarem do doador, como declarado supra de n.º 66 e segs. da petição inicial;
. Cancelamento de todos os registos e averbamentos posteriores à inscrição da propriedade a favor dos primeiros réus sobre o prédio descrito na CRP ... sob o n.º ...66-...; Subsidiariamente:
. A condenação dos réus a pagarem à autora, a título de enriquecimento sem causa, da quantia de € 8.000,00, tudo com juros que, entretanto, se vencerem, contados à taxa legal, desde a citação, até integral e efetivo pagamento.
Fundamenta os seus pedidos num alegado acordo celebrado entre os seus pais e os Réus, em que os primeiros tratariam daqueles são como são e doentes como doentes e, em contrapartida, ficariam com o prédio identificado em 9. da petição e os restantes Réus receberiam €2.500,00. Mais fundamenta que a intenção dos pais era que a Autora não recebesse a sua parte sobre o direito na partilha.
Na identificada ação sob o processo n.º 1334/15...., a Autora contra os Réus BB e CC, pediu a declaração de nulidade da dação em cumprimento celebrado entre aqueles e os pais, por simulação e, que se declarasse que o imóvel objeto do mesmo integra a herança dos referidos NN e OO.
Fundamenta o seu pedido no facto de os Réus não terem emprestado qualquer quantia aos seus falecidos pais e tal escritura apenas serviu para os falecidos pais a prejudicarem.
Nesses autos foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e absolveu os Réus do pedido, sentença essa confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães.
Dispõe a este respeito o artigo 581.º do Código de Processo Civil que “repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”, existindo identidade de pedidos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico, e há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (…).
No caso sub judice, desde logo, não são as mesmas (as partes), nem se pode falar que ocupam a mesma posição jurídica dos Réus na outra ação identificada.
Em segundo lugar, do confronto dos pedidos supra referidos, não se pode deixar de concluir que não obstante (…) estar em causa o mesmo contrato – dação em cumprimento – os pedidos apenas parcialmente coincidem, sendo certo que os fundamentos – causa de pedir – são, no geral, diversos.
Assim sendo, e desde logo, falecendo o requisito da identidade dos sujeitos, não se pode concluir que se verifica uma situação de caso julgado.
Pelo expendido, conclui-se que não se verifica nos autos uma exceção dilatória de caso julgado, entendendo-se, contudo, relegar para momento posterior apurar se se verifica uma situação de autoridade de caso julgado nos termos acima referidos. Notifique….”
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E foi também proferido nos mesmos autos, em 3.11.2022, o seguinte despacho:

“…Pese embora se devesse aguardar pela decisão do Recurso que infra será admitido, por uma questão de economia processual e para a hipótese de o Recurso vir a ser julgado improcedente, profere-se desde já despacho sobre os meios de prova requeridos (…).
Indefere-se a junção a estes autos das gravações ou ficheiros de áudio apresentados, por respeitarem a audiência de julgamento de Processo distinto do presente e por conterem prova que não pode ser valorada de acordo com o princípio fundamental da imediação, além de que este Tribunal, excetuando situações análogas às de produção antecipada de prova, não pode valorar prova produzida em audiência de julgamento realizada noutros processos…”.
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Não se conformando com as decisões proferidas, delas vieram os primeiros RR (BB e marido, CC), interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:
- Do primeiro despacho proferido:

“1. No Douto Despacho recorrido não existe fundamentação da Decisão relativa às causas de pedir destes autos e do processo nº 1334/15.... findo no Juiz ... do extinto Juiz Local Cível de ..., já transitado em julgado, violando-se por conseguinte o disposto no artigo 607º e provocando a sua nulidade nos termos do artigo 615º nº 1 alínea b), ambos do C.P.C.
2. Foi transcrito na sua página 5 o teor do artigo 581º do C.P.C., indicando-se a necessidade de verificação entre duas acções da identidade de sujeitos, pedidos e causas de pedir, tratando-se nas paginas seguintes da explicitação sobre a existência ou não dessa tríplice identidade,
3. no entanto, enquanto no Douto Despacho se refere aos nomes de apenas algumas das partes quanto à alegada excepção de ilegitimidade passiva, quanto à alegada excepção de caso julgado, estranhamente, não são referidas nenhumas das partes em causa em ambas as acções, escamoteando-se com evidência a identidade de SUJEITOS, seguindo-se nas páginas 6, 7 e 8 toda a fundamentação teórica e de Direito no sentido da admissibilidade da verificação de existência de excepção de caso julgado, sem qualquer fundamentação em sentido inverso, para se decidir “…conclui-se que não se verifica nos autos uma exceção dilatória de caso julgado,…”.
4. E em relação a esta mesma excepção, quanto aos PEDIDOS verifica-se a mesma situação de nulidade, pois são referidos todos os pedidos de ambas as acções para depois se decidir que “…os pedidos apenas parcialmente coincidem…”, admitindo-se aqui, contraditoriamente, a existência de caso julgado como excepção processual.
5. A Douta Decisão termina sem nada se referir às CAUSAS DE PEDIR, que numa única linha na página 8 e sem qualquer tratamento e/ou fundamentação concreta e específica apenas se escreveu “….sendo certo que os fundamentos – causa de pedir – são, no geral, diversos.”
6. Não será correcto e aceitável o tratamento e julgamento da verificação de excepção de caso julgado, da forma genérica e sem qualquer fundamentação, tal como se decidiu quanto aos SUJEITOS e às CAUSAS DE PEDIR”, que são os mesmos nos dois processos em causa, violando-se o disposto no artigo 607º do C.P.C., porque não se encontra fundamento algum e bastante para esta decisão que nem refere em concreto quais as CAUSAS DE PEDIR e nem individualiza quais os SUJEITOS nos dois processos.
7. Também se alterou neste Douto Despacho o valor da causa sem qualquer fundamento e em violação do Principio da Hierarquia dos Tribunais, facto e decisão já objecto de reclamação, pois o valor do processo já foi Doutamente decidido em Incidente de verificação do valor da causa pelo Juiz ... do Juizo Central Cível ... e pelo Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15.06.2021., ref. Nº ...55., constante dos autos.
8. Por outro lado, o Douto Despacho recorrido demonstra nas suas páginas 5, 6, 7 e 8, concretamente em relação à verificação da identidade de PEDIDOS e SUJEITOS nos dois processos em causa, contradições e ambiguidades que tornam a Douta decisão incompreensível e o Despacho ferido de nulidade, verificando-se tal situação na página 5 – 3º parágrafo – em relação à Decisão, uma vez que em relação aos ora recorrentes é objectivo existir física e juridicamente identidade de SUJEITOS. Vejamos o sentido defendido nesta matéria pelos vários Exmos Prof. Doutores como Rui Pinto, Lebre de Freitas entre outros e vários Doutos Acórdãos dos Tribunais da Relação tal como o Douto Acórdão da Relação de Coimbra nº 3435/16.3 T8VIS-A.C1., de 12.12.2017, e mesmo Acórdãos do S.T.J. tais como Doutos Acórdãos nº 2104/12.8TBALM.L1.SI. 2ª Secção, de 14.01.2021., nº 5992/13.7TBMAI.P2.S1. 1ª Secção, de 08.01.2019, entre outros, sendo particularmente relevante toda a fundamentação e Doutrina e Jurisprudência constante do Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1, 1ª Secção, de 05.12.2017.
9.E assim também aqui se defende contradição nos fundamentos e na própria exposição do Douto Despacho em relação à decisão proferida, a qual até se torna ambígua, ao julgar a não verificação de caso julgado depois de explanar no inicio os vários PEDIDOS da autora em ambos os processos aqui em causa, neste e no processo já transitado em julgado nº 1334/15.... findo no Juiz ... do extinto Juiz Local Cível de ..., sendo em ambos os processos o pedido principal a declaração de nulidade de contrato, em ambos os processos sendo a CAUSA DE PEDIR a simulação do referido contrato que o Douto Despacho classificou como “….sendo certo que os fundamentos – causa de pedir – são, no geral, diversos.” Nem referindo quais as causas de pedir num e noutro processo, e quanto aos sujeitos e pedidos processuais em ambos os processos, de novo nada identificando o Douto Despacho recorrido, também não deu conta nem admitiu que existem partes iguais fisicamente tal como os recorrentes e autora, e as restantes partes, tal como a autora os encaixa nestes autos, também enquadrados na identidade de sujeitos pela sua posição jurídica.
10. Suficiente será atentar-se ao ultimo parágrafo da pagina 6 do Douto Despacho recorrido para se poder concluir da contradição/oposição desta Decisão, que admite pedidos parcialmente coincidentes, que não identifica os sujeitos, verificando-se mesmo nessa passagem do Douto Despacho que Decisão e fundamentação quanto aos sujeitos se contrapõem e em nada se confluem gerando ambiguidade e por final a sua nulidade nos termos do disposto no artigo 615º nº 1 alínea b) e c) do C.P.C....
11. Por outro lado, e tendo por base que na página 8 se refere “…relegar para momento posterior apurar se se verifica uma situação de autoridade de caso julgado nos termos acima referidos.” , o que desde logo se torna ambíguo no contexto do teor e Decisão do Douto Despacho, pressupondo que o Tribunal conhece uma outra decisão proferida e transitada em julgado sobre este mesmo litigio, não será defensável que no mesmo Despacho o Tribunal, com base na mesma questão controvertida do outro processo já decidido com formado trânsito em julgado, formule e recrie temas da prova diferentes e assentes em meras formulações da autora não factuais e instrumentais ou acessórios em relação ao objecto dos presentes autos, temas que conflituam mesmo com questões e factos julgados e decididos no referido processo transitado em julgado, conforme e no sentido do Doutamente defendido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães nº 2777/12.1TBBRG.G1. DE 17.12.2014. .
12. Ademais, este Despacho vem criar ambiente de ainda maior perplexidade e mesmo descrédito na Justiça e neste Tribunal, até porque o processo transitado em julgado nº 1334/15.... findo no Juiz ... do extinto Juiz Local Cível de ... foi aqui julgado pelo mesmo Juízo, ficando mesmo em causa a boa administração da Justiça por se colocar a possibilidade de segundo julgamento sobre questões idênticas e repetidas, mais grave, permitindo-se que se “brinque” com a Justiça repetindo acções com a simples mudança de algumas palavras.
13 Pelo que, por todas as alegações, razões e conclusões apresentadas e outras que, Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores deste Tribunal da Relação, Superior e Doutamente suprirão e aplicarão, peticionam os recorridos a total procedência do presente recurso, com a anulação do Douto Despacho em causa, substituído por outro que julgue verificada a excepção de caso julgado com ofensa de autoridade de caso julgado…”.

- Do segundo despacho proferido:

1. No Douto Despacho supra identificado que se refere e se decide pela admissão do recurso apresentado em 05.09.2022 (…) pelos ora recorrentes, do Douto Despacho Saneador, concentra-se no mesmo outras Doutas Decisões quanto a não admissibilidade dos meios de prova requeridos pelo recorrentes bem como relativamente à fixação do Objecto do Litígio e Temas da Prova e quanto à reclamação do valor do processo agora alterado (por manifesto lapso e mecânica troca de números) naquele Douto Despacho Saneador, matéria de que se recorre, com base na violação do preceituado nos artigos 421º, 608º nº 2 e 614º do Código do processo Civil.
2. Quanto à questão da admissibilidade de meios de prova apresentados pelos recorrentes (ficheiros áudios da Audiência de Julgamento do processo já indicado nº 1334/15.... findo no Juiz Local Cível – Juiz ... de ..., desta Comarca) rejeitados pelo Douto Despacho aqui recorrido, com fundamento na salvaguarda do principio da imediação, desde logo se defende, com o devido respeito por Douta opinião, que tal elemento de prova enquadra-se no artigo 421º do C.P.C., como mais um elemento de prova, e no respeito dos princípios da igualdade entre as partes processuais, principio do dispositivo mesmo enquadrado ou mitigado com o principio inquisitivo, sem qualquer violação do princípio da imediação no Julgamento a realizar nestes autos.
3. Depois de notificados os ora recorrentes do Douto Despacho Saneador, com indeferimento da verificação da excepção de caso julgado agora referido, cujo Douto Despacho referiu na sua parte final, na sua oitava página, terceiro parágrafo, “…entendendo-se, contudo, relegar para momento posterior apurar se se verifica uma situação de autoridade de caso julgado nos termos acima referidos.” Nesse contexto, os recorrentes, também porque não se realizou a Audiência Prévia, apresentaram em tempo o seu requerimento probatório em conformação com o Douto Despacho Saneador, aliás, que ainda não transitou em julgado por virtude do recurso apresentado e supra indicado, com apresentação de testemunhas, documentos e ficheiros áudio da Audiência de Julgamento do referido processo findo e indicado no ponto anterior, precisamente para comprovação com mais um mero elemento de prova conjugado com os restantes, do que já ficou comprovado em Tribunal.
4. Efectivamente, não poderá este Tribunal, salvo o devido respeito por Douta Opinião, rejeitar e fundamentar a rejeição de tal meio de prova com o fundamento de salvaguarda do princípio da imediação, o qual nunca por nunca estará em causa pela apresentação de tais meios de prova, desde logo porque também se entende e se defende que tais provas não vão substituir a prova produzida em julgamento nos presentes autos mas complementar ou poder ser conjugada sempre em função do juízo de valoração do Tribunal, mais se alegando que tais meios de prova, com as garantias judiciais com que foram produzidas – em Julgamento válido e com o pleno exercício do contraditório, com Douta Sentença válida e transitada em julgado – têm todo o seu valor legal extra processual, não podendo ser negada a sua apresentação nestes autos, acrescentando-se também que as partes são as mesmas, sendo os ora recorrentes aqui réus e réus no outro processo em que em ambos são autores a mesma pessoa aqui recorrida.
5. Pelo que e salvo o devido respeito, o Douto Despacho recorrido não respeita o preceituado no disposto no artigo 421º do C.P.C., tal como os princípios da igualdade, iniciativa processual das partes, principio dispositivo, e mesmo o direito das partes à sua prova, legal, admissível, legitima, digamos mesmo com propriedade, a sua prova possível e acessível em certo momento e contexto, com vista à total colaboração para a descoberta da verdade material, sem qualquer prejuízo para o principio da imediação, também conjugado com a jurisprudência quer dos Tribunais das Relações quer do Supremo tribunal de Justiça, de que se apresenta como mero exemplo o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães nº 3459/12.0TJVNF-D.G1 de 04.02.2016.
6. O Douto Despacho recorrido podia ter Doutamente decidido a matéria relativa a questão da reclamação, não apenas porque as reclamações são anteriores ao recurso como e sobretudo se tratam aí de questões que apesar de referidas nas alegações não constituem o verdadeiro objecto do recurso a que se refere o Douto Despacho aqui recorrido.
7. Também por razões de economia e celeridade processuais, se defende agora que o Tribunal podia, nos termos do artigo 614º do C.P.C., ter evitado prolongar-se tal questão tão facilmente resolvida por simples Despacho a manter o valor correcto do processo já decidido por Douto Despacho de Fls. 214 e 215 com ref. Nº ...49 e por Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido nestes autos em 15.06.2021., ref. Nº ...55, até porque no Douto Despacho Saneador se verifica que se tratou de troca de números entre o valor fixado para o processo e o valor do decaimento do pedido inicial da autora, ora recorrida.
Pelo que, por todas as alegações, razões e conclusões apresentadas e outras que, Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores deste Tribunal da Relação, Superior e Doutamente suprirão e aplicarão, peticionam os recorridos a total procedência do presente recurso, com a substituição do Douto Despacho em causa por outro que julgue admissível e pugne pelo deferimento das provas apresentadas pelos recorrentes, e que sejam alterados o conteúdo do Obecto do Litigio e dos Temas da Prova no sentido das reclamações apresentadas e rectificado o erro ou mero lapso material de escrita do valor do processo…”.
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Dos autos não consta que tenha sido apresentada Resposta ao recurso.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir no presente recurso são:

Quanto ao primeiro despacho proferido:
- A de saber se a decisão proferida é nula por falta de fundamentação, contradição entre os fundamentos e a decisão, ou se a mesma se apresenta ambígua ou obscura; e
- Se se verifica a exceção de caso julgado.

Quanto ao segundo despacho proferido:
- Se deveriam ter sido admitidos os meios de prova requeridos nos autos pelos RR/recorrentes.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Os factos a considerar para a decisão das questões colocadas são os contantes da decisão recorrida, e ainda os seguintes (resultantes da tramitação processual dos autos):
- Na presente ação alega a A o seguinte:

“1º A autora e réus são os únicos e legítimos herdeiros dos seus pais já falecidos, OO e NN (…)
3º Sucedeu que, em 16 de Março de 2005, foi outorgada no Primeiro Cartório Notarial de ..., escritura de dação em cumprimento, exarada de fls. 12 e segs. do Livro de Escrituras Diversas n.º 286-D, pela qual
4º Os pais da primeira ré (…) declararam que
5º em pagamento da dívida de € 37.800,00 (…), que os mesmos tinham para com os primeiros réus, BB e marido, CC,
6º resultante de vários empréstimos que aqueles réus lhe concederam,
7º desde Setembro de 2002 e até à data da outorga da escritura (16/03/2005),
8º sempre em montantes inferiores a € 20.000,00,
9º Transmitindo aos segundos outorgantes, ora primeiros réus, sua filha e genro, a titulo de Dação em cumprimento o prédio urbano composto de casa com um pavimento, com a área coberta de 94 m2 e logradouro com 756 m2, sito no lugar ..., da freguesia ..., do concelho ... (…)
17º Por sua vez (os RR) declaram aceitar a dação em cumprimento, nos termos exarados e
18º em consequência ficaria extinta a referida dívida.
19º Por último, declaram os primeiros réus que destinavam aquele prédio para sua habitação, tendo ficado isentos de IMT (…).
21º À data da escritura os pais da autora e os restantes réus estavam desavindos com esta.
22º A mesma não era convocada para reuniões familiares,
23º onde tudo foi tratado, pois que
24º Os réus em conluio com os seus pais combinaram que os primeiros réus os tratariam sãos como sãos e doentes como doentes,
25º ficando com o prédio como contrapartida,
26º e os restantes réus receberam € 2.500,00, cada um.
27º Os falecidos pais da autora e réus nunca pediram quaisquer montantes emprestados aos primeiros réus,
28º Os primeiros réus nunca emprestaram aos seus falecidos pais e sogros quaisquer valores (…).
35º Os falecidos pais dos autores e dos réus não pretenderam celebrar qualquer dação em pagamento,
36º Apenas o fizeram para fugir à doação ou à compra e venda,
37º para prejudicar a autora,
38º que esta não recebesse tal prédio por partilhas,
39º ou parte de direito sobre tal prédio – o seu quinhão, pois que
40º Se ocorresse uma doação – estaria sujeito à colação e isso os falecidos pais e réus não queriam (…).
47º O negócio real, como supra melhor explicado, era um outro, que previa o pagamento do valor de € 2.500,00 a cada um dos restantes herdeiros pelos seus falecidos pais,
48º com excepção da autora.
49º Associado à condição dos primeiros réus beneficiarem de vantagem caso cuidassem dos seus falecidos pais, como cuidaram.
50º Tal acordo entre os falecidos pais e réus visava enganar terceiros,
51º A aqui autora.
52º E a administração ao declarar como própria e permanente a casa de habitação, que nunca habitaram.
53º Tal negócio é assim nulo (…).
55º Dispõe o art.º 240/1 Cód. Civil que “Se por acordo entre declarante e declaratário e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado” (…).
58º Ora, o prédio dos autos tem um valor nunca inferior a € 80.000,00.
59º A vontade real de partilhar passava pelo beneficio de reduzir tal valor aos primeiros réus, na condição dos primeiros réus tratarem os seus falecidos pais “sãos como sãos e doentes como doentes”,
60º Tal condição não foi exarada no texto da escritura e
61º Também não foi colocado que os restantes réus receberam em mãos o valor de € 2.500,00, cada um.
62º Os primeiros réus nada declararam sobre a condição de tratar os seus falecidos pais e que estava subjacente ao benefício que lhes foi concedido.
63º Tais divergências entre o declarado e o negócio real visavam prejudicar, como prejudicaram a autora e a administração fiscal.
64º Daí o acordo simulatório. Porém,
65º Não obstante entender que o negócio dissimulado não pode ser aproveitado pela insubsistência da condição resolutiva de os primeiros réus tratar os seus falecidos pais sãos como sãos e doentes como doentes,
66º Para quem entenda que o negócio pode ser convertido num outro, qual seja, uma doação dos falecidos pais aos primeiros réus por conta da quota disponível, sujeita à condição resolutiva de os tratar sãos como sãos e doentes como doentes.
67º O negócio verdadeiro entre autores e réus é o negócio como assinalado supra e não o vertido na escritura pública a que se faz referência em n.º 3 e segs. desta p.i.
68º A condição imposta aos primeiros réus em beneficio destes e dos seus falecidos pais foi essencial para a formação da vontade negocial dos restantes herdeiros, ou seja
69º Se estes tivessem previsto que a referida condição não operasse,
70º A partilha do imóvel seria de valor igual ou superior ao seu valor de mercado, nunca inferior a € 80.000,00 e
71º Sucede que a escritura de partilha cumpre todos os requisitos quer formais quer substanciais do contrato dissimulado.
72º Para a hipótese que se expende, do contrato não ser nulo, devem os réus devolver o valor de € 8.000,00, seguindo as regras do enriquecimento sem causa (…)
76º Pode concluir-se que os reconvindos obtiveram para si um ganho, injustificado, à custa do património da autora, equivalente ao seu quinhão no imóvel, que perfaz o valor de € 8.000,00
77º Pelo que devem os réus ser condenados a restituir tudo quanto indevidamente receberam por força do acordo do qual excluíram a autora, nos termos supra mencionados (…). Nestes termos e nos melhores de direito deve a presente acção ser julgada procedente e, por via disso,
A - ser declarado nulo, por simulação, a transmissão do prédio por dação em pagamento, titulado pela escritura pública de partilha celebrada em .../.../2005 e acordo subjacente entre todos os réus e seus falecidos pais e que diz respeito ao prédio identificado em n.º 9 e segs. da petição (…)
Em alternativa:
C – declarado que subjacente a esse negócio nulo, existe um outro, que, consiste na doação pelos pais dos primeiros réus da sua meação e quinhão hereditário, doação essa sujeita à condição resolutiva dos donatários tratarem do doador, como declarado supra de n.º 66 e segs. da p.i. (…)
Subsidiariamente,
E – Os réus serem condenados ao pagamento, à autora, a título de enriquecimento sem causa, da quantia de € 8.000,00, tudo com juros que entretanto se vencerem, contados à taxa legal, desde a citação, até integral e efectivo pagamento…”.
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- A A havia também intentado no Tribunal ... – instância central - ... Secção cível – ação de processo comum contra os RR, alegando nela o seguinte:

“1. A Autora é herdeira dos seus pais já falecidos (…).
4. Antes do falecimento os seus pais celebraram uma escritura de “Dação em Cumprimento” (…).
5. Essa escritura não reflete a realidade – não ocorreu qualquer Dação.
6. A escritura realizou-se em 16/03/2005 entre os pais da autora e demandada e o seu cunhado (demandado).
7. Foi celebrada no 1.º Cartório Notarial de ... e no livro ..., fls 56 e ss.
8. Na verdade – o que se passou na escritura, o que foi afirmado na escritura é falso.
9. A escritura apenas serviu para os falecidos pais da autora e demandada – prejudicar a autora.
10. A verdadeira intenção era a de prejudicar a autora – que esta não recebesse tal prédio por partilhas, ou parte de direito sobre tal prédio – o seu quinhão.
11. Se ocorresse uma doação – estaria sujeito à colação e isso os falecidos pais e demandados não queriam.
12. Queriam sim, que a sua filha – a autora – por desentendimentos vários – não fosse herdeira.
13. Os demandados nunca emprestaram qualquer valor monetário (…).
20. A simulação na escritura provoca que seja nula - não só pelo conhecimento de tais factos simulatórios e com o intuito de prejudicar os herdeiros, mas também pelo facto de não estarem a pagar nenhum empréstimo ou empréstimos.
21. Tudo simulado (…)
31. No caso deste processo – o que houve pelos participantes da escritura – uma clara intenção de afastar a autora/herdeira de receber qualquer quinhão sobre tal imóvel.
32. Assim o imóvel não entraria em partilhas e a autora ficaria “deserdada” por força da escritura aqui posta em crise.
33. Os demandados sabem claramente que não tinham dinheiro emprestado, não receberam o imóvel para pagar nada.
34. O imóvel que “receberam” vale cerca de 80.000€ - e na escritura serviria para pagar o suposto valor de empréstimos de apenas 37.800,00€ - causando um claro prejuízo aos demais herdeiros (…).
Termos em que deverão ser condenados os demandados:
a) A ser declarado nulo o contrato de dação em cumprimento – sem qualquer efeito por não corresponder à realidade dos factos, pois não houve qualquer empréstimo, nem qualquer transmissão.
b) Deverá ser declarado assim que tal bem integre a herança dos falecidos pais da autora…”.
4. O referido processo já foi objeto de Sentença e de Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, transitado em julgado,
5. Tendo a referida ação sido julgada totalmente improcedente (por falta de verificação dos pressupostos invocados pela A para o alegado negócio simulado) e consequentemente os Réus BB e marido absolvidos dos pedidos contra si formulados pela Autora.
*
IV - FUNDAMENTAÇÃO JURÌDICA:

Da nulidade da decisão por falta de fundamentação, ambiguidade e contradição entre os fundamentos e a decisão:

Começam os recorrentes por imputar à decisão recorrida o vício da sua nulidade por falta de fundamentação, previsto no art.º 615º nº 1 alínea b), com referência ao art.º 607º, ambos do CPC, dizendo que no despacho recorrido não existe fundamentação da decisão relativa aos pedidos e às causas de pedir, destes autos e do processo nº 1334/15...., findo no Juiz ... do extinto Juiz Local Cível de ..., já transitado em julgado, omitindo-se ainda no despacho recorrido a identidade dos sujeitos de ambas as ações.
Mais alega que o despacho recorrido demonstra ainda contradições e ambiguidades em relação à verificação da identidade de pedidos e sujeitos nos dois processos em causa, que tornam a decisão incompreensível e o despacho ferido de nulidade, por contradição nos fundamentos e na própria exposição do despacho em relação à decisão proferida, nos termos do disposto no artigo 615º nº 1 alínea b) e c) do C.P.C.
*
Analisadas no entanto com cuidado as alegações de recurso, o que denotamos nas mesmas é que os recorrentes imputam (no geral) à decisão recorrida uma fundamentação jurídica insuficiente, na qual não vêm justificadas devidamente as razões pelas quais se concluiu pela não verificação da exceção de caso julgado. Na ótica dos recorrentes, a decisão recorrida deveria explicar devidamente quem foram os sujeitos, o pedido e a causa de pedir na primeira ação, transitada em julgado, e quem são os sujeitos, o pedido e a causa de pedir nesta ação, e fazer uma análise cuidada e esclarecedora das diferenças e semelhanças entre ambas, para se poder concluir a final, como se concluiu, pela inexistência de caso julgado formado pela primeira decisão com influência nesta.
E não deixam de ter alguma razão. A fundamentação da decisão recorrida em termos jurídicos, mais concretamente na subsunção dos factos ao direito aplicável é parca e algo lacónica – embora não conduza sem mais à nulidade da decisão.
Consta efetivamente do despacho recorrido, já acima reproduzido, que nele se identificam os sujeitos  (especificando-se as partes da ação anterior para melhor confronto com as desta ação, as quais se afigura desnecessário descrever); e reproduzem-se os pedidos formulados em ambas as ações, assim como as respetivas causas de pedir.
E depois de se convocarem os preceitos legais envolvidos na decisão jurídica da causa, respeitantes ao caso julgado, disserta-se abundantemente sobre o respetivo instituto, quer na vertente negativa – de exceção de caso julgado -, quer na vertente positiva –, de autoridade de caso julgado -, mas conclui-se de uma forma algo lacónica da seguinte forma: “…No caso sub judice, desde logo, não são as mesmas (as partes), nem se pode falar que ocupam a mesma posição jurídica dos Réus na outra ação identificada. Em segundo lugar, do confronto dos pedidos supra referidos, não se pode deixar de concluir que não obstante estar em causa o mesmo contrato – dação em cumprimento – os pedidos apenas parcialmente coincidem, sendo certo que os fundamentos – causa de pedir – são, no geral, diversos. Assim sendo, e desde logo falecendo o requisito da identidade dos sujeitos, não se pode concluir que se verifica uma situação de caso julgado. Pelo expendido, conclui-se que não se verifica nos autos uma exceção dilatória de caso julgado, entendendo-se, contudo, relegar para momento posterior apurar se se verifica uma situação de autoridade de caso julgado nos termos acima referidos…”
E é contra este segmento da decisão recorrida que os recorrentes se insurgem, clamando por uma melhor justificação das afirmações feitas na mesma de que “…as partes não são as mesmas, nem se pode falar que ocupam a mesma posição jurídica dos Réus na outra ação identificada (…); do confronto dos pedidos supra referidos não se pode deixar de concluir que não obstante estar em causa o mesmo contrato – dação em cumprimento – os pedidos apenas parcialmente coincidem, sendo certo que os fundamentos – causa de pedir – são, no geral, diversos…”.
Postula efetivamente o artigo 607.º do CPC, intitulado “Elaboração da sentença”, que (…) A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final…”.
 Preceitua por sua vez o artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC que: “É nula a sentença quando: b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão…”
Ora, o que se consagra literalmente no art.º 607º nº3 do CPC é a subsunção jurídica dos factos às normas legais aplicáveis, não só pela sua indicação - descrevendo-se os preceitos legais aplicáveis -, mas também pela sua interpretação e aplicação ao caso concreto, tarefa na qual o juiz deve investir de uma forma cuidada, clara e esclarecedora, e sobretudo convincente.
Foi isso que faltou, em nossa opinião, no despacho recorrido, ao partir-se logo dos factos descritos - da identificação dos sujeitos, dos pedidos e das causas de pedir em ambas as ações -, para a não aplicação aos autos do preceito legal em causa (o art.º 581º do CPC), concluindo-se, de uma forma algo conclusiva, pela falta de requisitos do caso julgado: a falta de identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir.
Mas essa insuficiência de fundamentação, de acordo com a doutrina e a jurisprudência dominante, não leva, necessariamente, à nulidade da decisão. Tem-se entendido, cremos que de forma pacífica, que só a falta em absoluto de fundamentação determina a nulidade da sentença a que se reporta a al. b) do n.º 1 do art.º 615º do CPC (cfr. Abílio Neto, “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., Janeiro de 2014, pág. 736; Acs. do STJ, de 14/11/2006 e de 17/04/2017; Ac. RC de 16/10/2012; Ac. RE de 03/07/2014; e Ac. RG. de 14/05/2015, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Como ensina Miguel Teixeira de Sousa (“Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 221) “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”.
Também Lebre de Freitas (“Código de Processo Civil”, pág. 297), sublinha que “há nulidade quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”.
E já o Professor José Alberto dos Reis (“Código de processo Civil Anotado”, Vol. V, pág. 140), lembrava que “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
Ora, como vimos, no caso concreto, embora os recorrentes imputem à decisão recorrida a falta de fundamentação, ela existe, embora, como dissemos, algo lacónica e conclusiva, mas existe, pelo que não pode considerar-se a decisão nula por falta de fundamentação.
E o mesmo se passa quanto à alegada contradição entre os fundamentos e a decisão, que não vislumbramos na decisão recorrida.
Nos termos do citado art.º 615º nº1, alínea c), “a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão…”, o que nos remete para o princípio da coerência lógica da sentença, de que não pode haver entre os fundamentos e a decisão contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os seus fundamentos.
Como advertem Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes (“Dos Recursos”, Quid Júris, pág. 117), torna-se “...por vezes (…) difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável – e o error in procedendo, como é aquele que está na origem da decisão”, mas esclarece o STJ, no Ac. de 30/9/2010 (disponível em ww.dgsi.pt) que “o erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error júris), para que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa”.
Ora, haverá então que assentar que as nulidades da decisão são vícios intrínsecos da própria decisão; são deficiências da estrutura da sentença, que não se podem confundir com o erro de julgamento, o qual se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjetivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, respeita o silogismo entre os fundamentos e a decisão, mas decide mal. Ou seja, resolve as questões que lhe são colocadas num determinado sentido, porque interpretou e/ou aplicou mal o direito (Ac. RC de 15.4.08, e Ac. RE de 3.11.2016, ambos disponíveis em www.dgsi.pt), mas não existe contradição entre os fundamentos e a decisão.
Perante o exposto fácil é concluir que também não se verifica no caso dos autos a nulidade da decisão por contradição entre os fundamentos e a decisão, pois que o raciocínio lógico seguido pela sra. Juíza quando fundamenta a decisão – dizendo que não se verificam a identidade de sujeitos, de pedidos, e de causas de pedir -, teria de conduzir necessariamente à improcedência da exceção invocada, não se vislumbrando por isso qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.
Quanto à alegada ambiguidade ou obscuridade da decisão - que consideramos, como dissemos, mais reportada pelos recorrentes à falta de fundamentação jurídica -, nos termos do art.º 615º, nº1, alínea c) do CPC “É nula a decisão quando (…) ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”
Ora, como se decidiu no Ac. do Tribunal Constitucional de 20.2.2018 (disponível em www.dgsi.pt)“A ambiguidade ou obscuridade da decisão que não se reflita na cognoscibilidade do sentido decisório, deixou, com o ordenamento processual civil vigente, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, de constituir fundamento de nulidade da sentença”. É esse o sentido literal da expressão vertida na alínea c) do art.º 615º, acima reproduzida, de que é necessário que a ambiguidade ou obscuridade da decisão torne a decisão ininteligível.
Ora, não vemos sustentada pelos recorrentes ao longo das suas alegações de recurso, a ininteligibilidade da decisão, ou a falta de cognoscibilidade do sentido da mesma. Na verdade, toda a dissertação dos recorrentes ao longo das suas alegações denota que o sentido e os fundamentos da decisão foram por eles bem entendidos, embora não os lograssem convencer. No fundo, os recorrentes apenas exprimem a sua discordância relativamente ao decidido, que compreenderam, e ao qual vêm opor os seus argumentos, por via do presente recurso.
Ainda assim, devemos dizer que não encontramos na decisão proferida qualquer ambiguidade ou obscuridade.
Como esclarecidamente ensina Remédio Marques (“A Ação Declarativa à luz do Código Revisto”, 3.ª Edição, pág. 667), “a ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, seja da sua parte decisória, seja dos respetivos fundamentos”, e “a obscuridade, de acordo com a jurisprudência e doutrinas dominantes, traduz os casos de ininteligibilidade da sentença.” Posição idêntica é manifestada por Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (“Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 693), ao referirem que a “…aclaração tem cabimento sempre que algum trecho essencial da sentença seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos distintos)”.
Ora, revendo a decisão recorrida, a mesma não se nos afigura nem ambígua nem obscura, sendo também patente que ela se apresentou inteligível para os recorrentes, pelo que não se considera que a mesma padeça de algum desses vícios.
Em conclusão, não se verifica nenhuma das apontadas nulidades da decisão.
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Da exceção do caso julgado:

Os Réus contestantes, ora recorrentes, suscitaram na sua contestação, além do mais, a exceção de caso julgado, dizendo que a Autora já havia intentado contra os primeiros RR a ação que correu termos no Juízo Cível ... sob o n.º 1334/15...., tendo a A naquela ação formulado contra os RR o mesmo pedido, baseado na mesma causa de pedir, ação que foi julgada improcedente, tendo a decisão sido confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, de 07.03.2019, já transitada em julgado.
Que embora nesta ação sejam deduzidos mais dois pedidos - pedido alternativo e pedido subsidiário -, eles são dependentes da aludida nulidade do contrato.
Por outro lado, os restantes Réus agora demandados ocupam a mesma qualidade jurídica no lado passivo dos primeiros RR naquela ação, pelo que existe entre ambas as ações a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, requisitos necessários para se julgar procedente a exceção de caso julgado.
Sobre a exceção deduzida pelos RR foi proferida nos autos a seguinte decisão:
“…No caso sub judice, desde logo, não são as mesmas (as partes), nem se pode falar que ocupam a mesma posição jurídica dos Réus na outra ação identificada.
Em segundo lugar, do confronto dos pedidos supra referidos, não se pode deixar de concluir que não obstante estar em causa o mesmo contrato – dação em cumprimento – os pedidos apenas parcialmente coincidem, sendo certo que os fundamentos – causa de pedir – são, no geral, diversos. Assim sendo, e desde logo, falecendo o requisito da identidade dos sujeitos, não se pode concluir que se verifica uma situação de caso julgado. Pelo expendido, conclui-se que não se verifica nos autos uma exceção dilatória de caso julgado…”.

Vejamos:
A decisão recorrida concluiu pela improcedência da exceção dilatória de caso julgado, por falta de verificação da tríplice identidade exigida em ambas as ações: identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.

Mas cremos que haverá que fazer uma análise mais aprofundada desses três elementos processuais, para se aferir da real identidade dos mesmos em ambas as ações instauradas pela A.

Analisando as ações em confronto verificamos o seguinte:

Nos presentes autos, a Autora peticiona (essencialmente) contra os RR/recorrentes e ainda contra os demais 7 irmãos e respetivos cunhados, o seguinte:
- A declaração de nulidade, por simulação, da transmissão do prédio identificado no art.º 9º da petição inicial, por dação em pagamento, titulada pela escritura pública celebrada em .../.../2005, e acordo subjacente entre todos os réus e seus falecidos pais; Em alternativa:
- A declaração que subjacente a esse negócio nulo existe um outro, que consiste na doação pelos pais dos primeiros réus da sua meação e quinhão hereditário, doação essa sujeita à condição resolutiva dos donatários tratarem do doador, como declarado supra de n.º 66 e segs. da petição inicial; Subsidiariamente:
- A condenação dos réus a pagarem à autora, a título de enriquecimento sem causa, a quantia de € 8.000,00, tudo com juros que entretanto se vencerem, contados à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento.
Fundamenta a A os seus pedidos contra os RR num alegado acordo celebrado entre os seus pais e todos os Réus, em que os primeiros RR tratariam daqueles, e em contrapartida ficariam com o prédio identificado em 9 da petição e os restantes Réus receberiam € 2.500,00 cada um. Mais alega que com o dito acordo era intenção dos seus pais que a Autora não recebesse a sua parte na herança.
Na identificada ação sob o processo n.º 1334/15...., a Autora demanda apenas os 1ºs Réus, BB e CC, pedindo naquela ação que seja declarado nulo o contrato de dação em cumprimento, por não corresponder à realidade dos factos, pois não houve qualquer empréstimo, nem qualquer transmissão; e que seja declarado que tal bem integra a herança dos falecidos pais da autora.
Fundamenta o seu pedido naquela ação no facto de os seus pais, antes de falecerem, em 16/03/2005, terem celebrado com os RR uma escritura de “Dação em Cumprimento”, tendo por objeto o imóvel descrito nos autos, mas essa escritura não reflete a realidade, pois não ocorreu qualquer dação, destinando-se a mesma apenas a prejudicar a A, fazendo com que ela não recebesse tal prédio por partilhas, ou parte de direito sobre tal prédio – o seu quinhão. Trata-se de um negócio simulado e por isso nulo.
Nesses autos foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente - por falta de prova, a cargo da A, dos factos alegados, relacionados com a simulação do contrato celebrado -, e absolveu os Réus do pedido, sentença essa confirmada por Acórdão desta Relação de Guimarães.
Vejamos então se se verifica a exceção dilatória de caso julgado, ou seja, se existe identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir em ambas as ações, como pretendem os recorrentes.
Consabidamente, o caso julgado (ou “caso que foi julgado”) traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado - artºs. 619º n.º 1 e 628º do CPC -, ou seja, um caso que já foi objeto de um pronunciamento judicativo, sendo que, em sentido jurídico, tanto é caso julgado a sentença que reconheça um direito, como a que o nega; tanto constitui caso julgado a sentença que condena, como aquela que absolve (como sucedeu relativamente à decisão proferida no processo n.º 1334/15...., que julgou a ação improcedente, absolvendo os RR do pedido).
E o caso julgado material impõe-se, em termos futuros, dentro e fora do processo, quer aos respetivos intervenientes processuais, quer mesmo noutros tribunais onde a questão venha a ser novamente suscitada (sendo apenas ao caso julgado material que nos referimos).   
Daí que, em tese, o conhecimento do caso julgado pode ser perspetivado através de duas vertentes distintas, que se podem confundir, mas que verdadeiramente se complementam, reportando-se uma dessas vertentes à exceção dilatória do caso julgado (cuja verificação pressupõe o confronto de duas demandas judiciais - estando uma delas já transitada em julgado - e uma tríplice identidade entre ambas, traduzida na coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), e uma outra vertente que consubstancia a força e autoridade do caso julgado (decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida sobre o objeto em debate).
Sobre as duas aludidas vertentes disserta-se abundantemente na doutrina e na jurisprudência (Rodrigues Bastos - “Notas ao Código de Processo Civil”, Volume III, páginas 60 e 61; Lebre de Freitas - “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, Coimbra Ed. 2001, pág. 325; Miguel Teixeira de Sousa - “O objeto da sentença e o caso julgado material”, Boletim do Ministério da Justiça, 325/171 e seguintes; Manuel de Andrade - “Noções Elementares de Processo Civil”, páginas, 305 e 306; Antunes Varela - “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., p. 307; Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, pág. 93; Ac. STJ de 16/09/2015, “Sumários”, 2015, pag. 485”; e Ac. da RP de 24/11/2015, disponível em www.dgsi.pt), afigurando-se-nos no entanto fastidioso enunciar aqui as mesmas vertentes, assim como as diferenças assinaladas entre ambas, quando o tema se mostra já tratado exaustivamente na jurisprudência, e quando está apenas aqui em causa apreciar e decidir a questão colocada pelos recorrentes, que é a da verificação (ou não) da exceção dilatória do caso julgado, sendo apenas essa vertente objeto da decisão recorrida.
Nunca é de mais no entanto reforçar a ideia, quanto aos efeitos do caso julgado (em qualquer das vertentes), que o mesmo tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, desiderato que nunca podemos nem devemos perder de vista na análise do caso vertente.
Isso mesmo defende Anselmo de Castro (“Processo Civil Declaratório”, Vol. II, pág. 242), ao afirmar que “…tal impedimento destina-se a duplicações inúteis da actividade jurisdicional e eventuais decisões contraditórias”, assim como Manuel de Andrade (“Noções Elementares de Processo Civil, 1993, págs. 305 e 306), de que o caso julgado consiste em “…a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social”.
Muito sugestivas são sempre as afirmações de José Alberto dos Reis, o qual, discorrendo sobre a razão de ser da exceção do caso julgado, refere (no seu “Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 3ª Edição, pág. 95), que ele se explica “pela conveniência de evitar que o tribunal seja colocado na triste e desairosa situação de se contradizer ou de se repetir”, acrescentando mais adiante que “se a causa foi julgada definitivamente, se sobre o mérito dela se formou o caso julgado, tem de aceitar-se, como notámos, que a sentença obtida corresponde à verdade e à justiça”, pelo que “sendo assim, já não pode admitir-se nova decisão sobre ela, sem pôr em cheque o prestígio dos tribunais”. No fundo, o que o célebre autor nos quer transmitir é que a decisão transitada em julgado até pode ter apreciado mal os factos e interpretado e aplicado erradamente a lei, mas no mundo do Direito tudo se passa como se a sentença fosse a expressão fiel da verdade e da justiça.
Daí que, perante tais efeitos do caso julgado, se torne imperioso estabelecer com nitidez o conceito de repetição de uma causa.
Efetivamente, o instituto do caso julgado constitui uma exceção dilatória - art.º 577º alínea i) do CPC -, de conhecimento oficioso - art.º 578º do mesmo Código -, a qual, a verificar-se, obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição do R da instância - art.º 576º do mesmo diploma legal.
Refere-se à exceção do caso julgado o art.º 580º nº 1 do CPC, nele se afirmando que “as exceções de litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado”.
O art.º 581º nº1 do mesmo Código vem estabelecer por sua vez os requisitos da exceção do caso julgado, justificando em que consiste a repetição da causa a que se alude no art.º anterior, dizendo que repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”, esclarecendo-se nos números seguintes em que consiste a exigida tríplice identidade (de sujeitos, de pedido, e de causa de pedir).
Assim, “Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” (nº2), ou seja, as partes são as mesmas se o forem sob o ponto de vista jurídico ou desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial, não sendo exigível a sua correspondência física, sendo até indiferente a posição que adotem em ambos os processos (Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, Coimbra Ed. 2001, pág. 319).
“Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretenda obter o mesmo efeito jurídico” (nº3), isto é, considera-se que existe identidade de pedidos quando se verifica, nos dizeres do Ac. RP de 6/1/94 (CJ, ano IX, T1 – 198), “coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendia pelo A. e do conteúdo do direito a tutelar; na concretização do efeito que com a ação se pretende obter.”
 Haverá assim identidade de pedidos quando numa e noutra ação se pretende obter o mesmo efeito jurídico, ou seja, quando for o mesmo o direito subjetivo cujo reconhecimento se pretende, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada, o que significa não ser exigível uma rigorosa identidade formal entre os pedidos (Ac. RC de 12.12.2017, disponível em www.dgsi.pt).
O pedido reconduz-se assim ao efeito jurídico que o autor pretende retirar da ação interposta, traduzindo-se na providência que o autor solicita ao tribunal. Trata-se de um elemento fundamental da ação, considerando as imposições do princípio do dispositivo, pois são os interessados que acionam os mecanismos jurisdicionais, assim como são eles quem realiza a escolha das providências que os direitos subjetivos invocados garantem.
Finalmente “Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico”, esclarecendo o legislador que “Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real…”, e “nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido” (nº 4), entendendo-se a causa de pedir como o próprio facto jurídico genético do direito – simples ou complexo -, devendo assim atender-se a todos os factos constitutivos do direito e relevantes no quadro das várias soluções plausíveis de direito a que o tribunal deva atender ao abrigo do art.º 5º n.º 3 do CPC, e nos limites do art.º 609º n.º 1, independentemente da qualificação jurídica que lhes for dada pelo demandante.
Adotou como se vê a nossa lei a teoria da substanciação, que encara a causa de pedir como o próprio facto jurídico genético do direito (Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. I, pág.204 e segs.16), dela resultando que se integram no conceito de caso julgado os factos invocados que forem injuntivos da decisão. Ou seja, a causa de pedir consiste na alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, na alegação dos factos constitutivos do direito invocado (Ac. RC, 17.05.2005, disponível em www.dgsi.pt.).
Como escreve Mariana Gouveia (“A Causa de Pedir na Acção Declarativa”, 2004, págs. 493 e 509), “a causa de pedir é o facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge a pretensão deduzida, mas (…) não pode deixar de prescindir de uma perspetiva material dos limites das normas e dos seus nexos, por referência ao direito substantivo…”.
Podemos assim dizer que a causa de pedir consiste na alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito, e dentro dessa relação material, na alegação dos factos constitutivos do direito invocado - factos jurídicos concretos de que procede a pretensão deduzida.
Em suma, o n.º 4 do art.º 581º do CPC, atinente à identidade de causa de pedir, acolhe a doutrina da substanciação, pelo que a causa de pedir deve ser preenchida com os factos concretos essenciais que sejam causantes do efeito jurídico pretendido pelo A, sendo ainda de ponderar que para circunscrever a concreta causa de pedir não basta a mera identidade naturalística da factualidade alegada, havendo sempre que considerar a sua relevância em face do quadro normativo aplicável, e em função da espécie de tutela jurídica pretendida (Ac. STJ de 18.9.2018, disponível em www.dgsi.pt).
A este propósito e neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa (“Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil”, Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, páginas 395, 401 e 402) esclarece que “A causa de pedir é constituída pelos factos necessários para individualizar a pretensão material alegada. O critério para delimitar a causa de pedir é necessariamente jurídico. É a previsão de uma regra jurídica que fornece os elementos para a construção de uma causa de pedir. (…) Os factos que constituem a causa de pedir devem preencher uma determinada previsão legal, isto é, devem ser subsumíveis a uma regra jurídica: eles não são factos “brutos”, mas factos “institucionais”, isto é, factos construídos como tal por uma regra jurídica. Isto demonstra que o recorte da causa de pedir é realizado pelo direito material: são as previsões das regras materiais que delimitam as causas de pedir, pelo que, em abstracto, há tantas causas de pedir quantas as previsões legais.”
Concluindo, a identidade da causa de pedir deve ser encontrada na questão fundamental levantada nas duas ações (Ac. do STJ de 26/10/89: “BMJ nº 390 - 379).
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Serviu este pequeno introito para afirmar que será dentro destes princípios que se procurará traçar a identidade objetiva das duas ações propostas pela A – identidade de sujeitos, de pedidos e de causas de pedir -, para efeitos de configuração da exceção de caso julgado invocada nos autos pelos RR.
Ora, começando pela identidade de sujeitos, verificamos desde logo que formalmente apenas há identidade de sujeitos do lado da A, na medida em que ela é a mesma em ambas as ações, o mesmo já não acontecendo do lado dos RR, pois além dos RR recorrentes – únicos demandados na primeira ação -, a A demanda também nesta ação os seus 7 irmãos e respetivos cônjuges (para assegurar a sua legitimidade passiva), invocando também nesta ação, como pressuposto da sua demanda contra todos os RR, para além do contrato de dação em pagamento que pretende ver declarado nulo por simulação, conjuntamente com esse contrato e contemporâneo do mesmo, um acordo (global) entre os seus pais e todos os demais herdeiros, em que os seus pais teriam doado àqueles a quantia de € 2.500,00 a cada um.
E é com base nesta nova alegação que a A pretende “defender” uma nova ação, com novos sujeitos, novo pedido e nova causa de pedir.

Mas só na aparência isso se verifica.
Quanto à identidade de sujeitos, como se disse, a lei não exige a presença das mesmas e concretas pessoas físicas nas duas causas, mas apenas que “as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” (artigo 581.º, n.º 2). Portanto, para este efeito, não releva o estrito conceito formal de parte, mas um conceito material. Este apura-se pelo âmbito de eficácia material do objeto processual e não pela estrita e literal titularidade da instância. Assim, estão abrangidos pelos efeitos do caso julgado não somente os concretos titulares do direito ou bem litigioso que eram partes na causa à data do trânsito em julgado da sentença - tanto solitariamente na ação, como em litisconsórcio necessário -, como ainda os seus transmissários ou sucessores posteriores ao trânsito em julgado (Rui Pinto “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias” – Revista Julgar  Online, novembro de 2018).
Outrossim, terá de haver correspondência material entre os sujeitos da ação – as partes -, e a relação material controvertida tal como o A a apresenta, ou seja, os sujeitos da ação têm de estar de alguma forma relacionados, quer com o pedido (que tem de ser deduzido contra os mesmos), quer com a causa de pedir (a qual está na base do pedido formulado).
Ora, analisadas as petições iniciais em ambas as ações, o que verificamos é que o facto de nesta ação terem sido demandados vários RR (todos os irmãos da A), alegadamente por terem estado todos eles envolvidos no acordo global do qual a escritura pública de dação em pagamento fez parte, tendo eles nesse acordo global recebido dos pais € 2.500,00 cada um, para além dos primeiros RR a A não deduz contra nenhum deles nenhuma pretensão – e daí que lidas as respetivas contestações, alguns deles tenham vindo invocar a sua própria ilegitimidade para a ação.
Ou seja, tal como na ação anterior, o que a A alega nesta ação é que apenas os primeiros RR fizeram parte do negócio de dação em cumprimento quanto ao imóvel cujo negócio ela pretende ver anulado (sendo essa a pretensão deduzida em ambas as ações). Se os demais RR acordaram ou concordaram com tal negócio, face à relação material controvertida tal como ela nos é apresentada nos autos pela A, eles não fizeram parte no mesmo, não tendo sequer interesse em contestá-lo, pois ele não se lhes impõe enquanto RR. Muito pelo contrário: a proceder a pretensão da A, com a nulidade do negócio e a devolução do imóvel ao acervo hereditário dos seus pais, os restantes RR poderiam até vir a ser beneficiados com a partilha do mesmo imóvel e o recebimento de uma parte dele na herança.
Relativamente ao montante em dinheiro que esses RR terão recebido dos seus pais, e que terá feito parte do tal acordo global de todos os herdeiros, juntamente com a dação em pagamento a favor dos primeiros RR, é bom de ver, pela análise da petição, que a A não põe sequer em causa a validade dessa doação feita aos irmãos, nem deduz contra aqueles qualquer pedido.
No fundo, a presença dos demais RR nesta ação, para além dos primeiros, já demandados na ação anterior, apresenta-se meramente fictícia, já que não é deduzida contra os mesmos qualquer pretensão, nem vem alegado qualquer facto jurídico que lhes seja imputado e que suporte qualquer pretensão contra os mesmos.
Como se disse, embora a A se refira a uma eventual doação feita a todos os RR pelos seus pais, referindo-se a ela como contemporânea e correlacionada com o negócio da dação em pagamento feita aos primeiros RR, não vem alegar qualquer facto que suporte a invalidade de tais doações. Refere-se a elas apenas como uma contrapartida da eventual doação que os pais terão feito do imóvel aos primeiros RR, mas juridicamente não atribuem a essa doação qualquer ilegalidade (que não tem, pois os doadores eram livres de o fazerem).
Depois, nenhum pedido é também formulado quanto aos mesmos. Todos os pedidos são formulados, tal como na primeira ação, apenas contra os primeiros RR, quer a título principal, pedindo a nulidade do negócio por haver simulação do mesmo, quer a título subsidiário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 8.000,00 e respetivos juros moratórios, a título de enriquecimento sem causa, e apenas para o caso de se considerar válida a escritura de dação em cumprimento na qual aqueles RR intervieram.
Isso é o que resulta da análise cuidada da petição inicial e da articulação dos factos alegados com os pedidos formulados (um tanto ou quanto confusos, dado que a A formula todos os pedidos contra os RR em geral). Ou seja, analisados bem os factos, o que resulta desta ação é exatamente o mesmo que já resultava da primeira: os únicos RR envolvidos no negócio simulado foram os primeiros RR, pelo que eles são os únicos sujeitos da relação material controvertida tal como ela nos é apresentada pela A nesta ação. Daí que também todos os pedidos (principal e subsidiário) sejam apenas deduzidos contra eles.
Tudo o que acabamos de dizer nos leva a concluir que a identidade de sujeitos é óbvia, figurando apenas os primeiros RR como partes, não em sentido formal, mas em sentido material, em ambas as ações.
Estamos convictos que é apenas a esses sujeitos – aos verdadeiros sujeitos da relação material -, que a lei se quer referir quando pretende salvaguardar o caso julgado: a identidade das verdadeiras partes, contra quem são deduzidas verdadeiras pretensões. Mau fora que a mera demanda de um número superior de RR (ou inferior), sem qualquer correspondência com a materialidade alegada e pedida, pudesse afastar a identidade de sujeitos para efeitos de caso julgado, com a eventual destruição de uma sentença já firmada e transitada em julgado.
Concluímos assim do exposto pela identidade de sujeitos, que são materialmente a A e os primeiros RR, porque são apenas eles os verdadeiros demandados nesta ação, tal como o haviam sido já na primeira. Donde, há efetivamente identidade de sujeitos entre ambas as ações.
Relativamente à causa de pedir, poder-se-ia sustentar que a causa de pedir desta ação é diferente da causa de pedir invocada na ação anterior, porque se faz apelo agora a um acordo entre todos os herdeiros que envolveu a celebração da escritura de dação em pagamento aos 1ºs RR e a entrega de €2.500,00 a cada um dos restantes.
Mas não é assim. O n.º 4 do artigo 581.º contém apenas um conceito restrito de causa de pedir que apenas compara os factos essenciais de duas causas, não envolvendo diferenças ao nível dos factos complementares ou concretizadores invocados, que não são aí considerados. Mas eles não podem deixar de ser atendidos quando confrontamos as causa de pedir entre as duas ações. Há efetivamente identidade de causas de pedir mesmo que os factos complementares ou concretizadores dos factos essenciais alegados sejam diversos ou simplesmente omitidos numa das duas ações (como podemos ver nos vários exemplos dados por Rui Pinto “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias” – Revista Julgar  Online, novembro de 2018, sendo sugestivo o exemplo dado de numa ação de reivindicação não se considerar uma eventual condição suspensiva de aquisição da propriedade, alegada numa ação mas omitida noutra ação).
Fundamental é que sejam alegados como causa de pedir em ambas as ações os factos essenciais nucleares previstos no art.º 5º nº1 do CPC – os factos complementares ou concretizadores desses factos essenciais podem ser alegados mais tarde ou podem resultar da instrução da causa – mas não são fundamentais em termos de identidade de causa de pedir.
Como bem se decidiu no Ac. RP de 09-07-2014 (disponível em www.dgsi.pt), “para efeito da verificação da exceção do caso julgado, se os factos aditados aos factos alegados na outra ação são apenas complementares ou concretizadores de uma causa de pedir que estava suficientemente individualizada, a causa de pedir é idêntica”. E o mesmo se passou no Ac. RL de 13-05-2015 (também disponível no mesmo sítio) que considerou que se verifica “…a exceção dilatória de caso julgado, quando o mesmo trabalhador propõe uma nova ação em que é reclamada a condenação do mesmo Réu na referida promoção desde idêntica data e no pagamento das diferenças salariais vencidas e respetivos juros de mora, sustentando tais pretensões no mesmo título jurídico ou causa de pedir, que não sofre, para esse efeito, modificação relevante pela circunstancia do Autor alegar e procurar provar no segundo processo factos anteriores ou contemporâneos do primeiro pleito judicial, que então não equacionou articular e demonstrar e que estiveram na base do decaimento dos correspondentes pedidos”.
Ora, no caso em análise, confrontando as petições iniciais de ambas as ações, o que verificamos é que os factos essenciais que constituem a causa de pedir são iguais em ambas – o contrato simulado de dação em pagamento celebrado entre os falecidos pais da A e os primeiros RR –, sendo os factos agora alegados nesta ação factos meramente complementares desses factos essenciais ou nucleares. Trata-se de factos que terão estado, segundo a A, também relacionados com o negócio, e no qual terão participado os demais RR, sendo certo que esse acordo agora invocado pela A, envolvendo os falecidos pais e os irmãos, não é por ela apodado de simulado, referindo-se à doação dos € 2.500,00 a cada um deles como um ato liberatório para compensar o negócio simulado, que a A pretende ver anulado. Mas o facto jurídico concreto que constitui a causa de pedir e com base no qual se formulam os pedidos, é apenas a celebração do negócio de dação em cumprimento, cuja nulidade se pretende.
Verificamos assim, que só aparentemente as causas de pedir invocadas pela A nas duas ações propostas são diferentes; elas são, na realidade idênticas, senão iguais, porque procedem, em ambas as ações, dos mesmos factos essenciais nucleares, que é o negócio jurídico simulado celebrado pelos primeiros RR com os seus falecidos pais.
Aqui nem sequer se questiona a qualificação jurídica da causa de pedir, sendo a A bem explícita ao qualificar o negócio jurídico celebrado, que pretende anular em ambas as ações, como um negócio simulado. Pois como também nos alerta Rui Pinto (no artigo publicado na Revista Julgar acima citado), “também não relevam as diferenças ao nível da qualificação jurídica dos factos invocados. Há identidade de causas de pedir mesmo que a qualificação jurídica seja diversa, tanto se a primeira decisão foi de procedência, como se foi de improcedência (…). Isto é assim, porquanto a qualificação jurídica dos factos não integra a causa de pedir”. E acrescenta mais à frente: “É certo que o autor tem o ónus de alegar como causa de pedir um facto jurídico (n.º 4 do presente artigo) de onde retira a sua pretensão. Como tal, tem de dar uma qualificação jurídica aos eventos da vida que alega, i.e., tem de os subsumir a normas substantivas. Mas, visto que o tribunal não está vinculado à qualificação do autor, nos termos do artigo 5.º, n.º 3 – e daí a possibilidade de improcedência do pedido por razões de direito –, o autor sujeita-se a que, em caso de improcedência (ou procedência), não possa colocar outra ação com nova qualificação jurídica. Em suma: “o caso julgado abrange todas as possíveis qualificações jurídicas do objeto apreciado”, pelo que “quando o objeto apreciado for suscetível de comportar várias qualificações jurídicas (…) o caso julgado, ainda que referido a uma única dessas qualificações, abrange-as a todas elas.” (ver no mesmo sentido Miguel Teixeira de Sousa - “Estudos sobre o novo processo civil”, 1997, pag. 576 -, e Lebre de Freitas  “Introdução ao processo civil. Conceito e princípios gerais à luz do novo Código”, 2017, pag. 74).
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Este entendimento vigora também para a identidade de pedidos, aqui com um pequeno esclarecimento:
Os pedidos formulados na ação intentada em primeiro lugar são claros e estão em sintonia com a causa de pedir invocada: A A pede a declaração de nulidade do contrato de dação em cumprimento, com a consequente restituição à herança dos seus pais do bem objeto do contrato nulo.
Nesta ação, fruto da alegação de factos complementares relativamente à causa de pedir anterior, e à demanda de vários RR alegadamente envolvidos no acordo global celebrado, os pedidos são mais complexos, a carecerem de explicação.
Como acima se disse, nos termos da lei, há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretenda obter o mesmo efeito jurídico, isto é, considera-se que existe identidade de pedidos quando se verifica coincidência da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito impetrado.
Salienta-se no entanto que o pedido, enquanto efeito jurídico pretendido pelo demandante, não deve ser entendido na pura literalidade com que o mesmo vem exposto na petição, mas com o alcance que decorre da sua conjugação com os fundamentos da pretensão arrogada, por forma a compreender o modo específico da pretendida tutela jurídica.
A identidade dos pedidos é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado (Ac. do STJ de 08.03.2007: CJSTJ, tomo I, pág. 98 e segs).
Como bem refere Anselmo de Castro (“Direito Processual Civil Declaratório”, Volume I, Almedina, Coimbra, 1981, página 203), “basta que as partes tenham conhecimento do efeito prático que pretendam alcançar, embora careçam da representação do efeito jurídico. Por outras palavras, o que interessará não é o efeito jurídico que as partes formulem, mas sim o efeito prático que pretendem alcançar; o objeto mediato deve entender-se como o efeito prático que o autor pretende obter e não como a qualificação jurídica que dá à sua pretensão”. Ou seja, o que importa é que as partes tenham conhecimento do efeito prático que pretendam alcançar.
Ora, o efeito prático que a A pretende alcançar em ambas as ações (pedido deduzido a título principal) é a declaração de nulidade do contrato celebrado, por se tratar de um negócio simulado, e a restituição do imóvel ao acervo hereditário dos seus pais para ser por todos partilhado de forma igualitária.
Mas indo um pouco mais além, o efeito secundário pretendido pela A na primeira ação – com a restituição do imóvel à herança para ela ser beneficiada com a quota parte que lhe couber do valor do imóvel, que ela avalia em € 80.000,00 -, é o mesmo que formula subsidiariamente contra os primeiros RR nesta ação, de condenação dos mesmos – caso o negócio por eles celebrado não seja declaro nulo -, a pagarem-lhe € 8.000,00 (a título de enriquecimento sem causa), como sendo o valor da sua quota no imóvel dado em pagamento.
Claro que este pedido apenas poderia ser atendido em termos subsidiários, para o caso de o pedido principal não ser atendido, sendo certo que é perante os pedidos principais que se deve aferir a identidade de pedidos, e esses, como vimos, são exatamente os mesmos.
Efetivamente, de acordo com o artigo 554º do CPC “diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente em caso de não proceder um pedido anterior”. Ora, o pedido anterior (e principal) da A era o de ser declarado nulo, por simulação, o negócio de transmissão do prédio por dação em pagamento, titulado pela escritura pública celebrada em 16/03/2005.
Quanto ao pedido alternativo por ela formulado - a declaração que subjacente a esse negócio nulo existe um outro, que consiste na doação pelos pais aos primeiros réus da sua meação e quinhão hereditário, doação essa sujeita à condição resolutiva dos donatários tratarem do doador – trata-se de um pedido que nem sequer pode ser atendido pelo tribunal, porque sendo alternativo teria de basear-se numa obrigação que por sua natureza fosse alternativa, e não é o caso.
Dispõe efetivamente o artigo 553º do Código de Processo Civil que “1- É permitido fazer pedidos alternativos, com relação a direitos que por sua natureza ou origem sejam alternativos, ou que possam resolver-se em alternativa. 2 - Quando a escolha da prestação pertença ao devedor, a circunstância de não ser alternativo o pedido não obsta a que se profira uma condenação em alternativa”.
Dispõe por sua vez o artigo 543º do Código Civil que “É alternativa a obrigação que compreende duas ou mais prestações, mas em que o devedor se exonera efetuando aquela que, por escolha, vier a ser designada. 2. Na falta de determinação em contrário, a escolha pertence ao devedor”.
Segundo José Alberto dos Reis (“Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. III, pág. 126), “o pedido alternativo contrapõe-se ao pedido fixo. O pedido é fixo quando o autor pede unicamente determinada prestação; é alternativo quando pede disjuntivamente uma de duas prestações: uma ou outra”, ou seja, nos pedidos alternativos o “vínculo desdobra-se em duas ou mais prestações, mas o devedor fica liberado desde que satisfaça apenas uma delas, isto é, da que vier a ser determinada por escolha” (Ferreira de Almeida, “Direito de Processo Civil”, vol. II, Almedina, 2015, pág. 371, pág. 81). Na base do pedido alternativo está uma obrigação alternativa, de tal forma que o direito do autor fica satisfeito efetuando-se uma só das prestações (Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, 2014, Almedina, pág. 143).
Ora, no caso em análise, pretendendo a A. valer-se do negócio dissimulado, que terá sido, na sua perspetiva, o verdadeiro negócio querido pelas partes por detrás do negócio simulado da “dação em pagamento”, teria de o declarar expressamente, formulando esse pedido a título principal, como consequência da procedência do pedido de declaração de nulidade do negócio simulado, e não como pedido alternativo.
Efetivamente, na simulação relativa (art.º 241.º do CC) há dois negócios jurídicos, um que é objeto imediato da vontade declarada (negócio simulado), e outro que é objeto da vontade real (negócio dissimulado), podendo a parte que invoca a nulidade do negócio jurídico simulado, pretender fazer valer o negócio dissimulado, o que foi objeto da vontade real dos declarantes, aproveitando o negócio inválido (se os requisitos de ordem formal forem válidos para este segundo negócio – art.º 241º nº2 do CC).
Efetivamente, não há motivo para defender a invalidade formal do negócio dissimulado quando as razões do seu formalismo se acham satisfeitas com a observância das solenidades do negócio simulado: se se pretende fazer a doação de um imóvel e se simula uma compra e venda, a doação é válida, pois o preço fictício ter-se-á por não escrito e os elementos essenciais da doação encontram-se na escritura pública, que é o instrumento revestido da forma legalmente exigida.
Agora a validade do negócio dissimulado está dependente da nulidade do negócio simulado, ou seja, é necessário provar que houve simulação de um determinado contrato (no caso a dação em pagamento), para se poder concluir que existiu um negócio (não querido) que encobriu um outro (o realmente querido), o negócio dissimulado (no caso a doação sujeita à condição resolutiva). Ou seja, para que se pudesse considerar a validade do negócio dissimulado, teria que haver um outro declarado nulo, aqui o contrato de dação em cumprimento.
Serve tudo isto para concluir que pretendendo a A valer-se de um alegado negócio dissimulado – in casu a doação sujeita a condição resolutiva -, teria de formular esse pedido à luz das regras enunciadas da simulação relativa previstas no art.º 241º do CC -, como um pedido principal e não alternativo.
Reafirma-se aqui o referido acima, de que o pedido, enquanto efeito jurídico pretendido pelo demandante, não deve ser entendido na pura literalidade em que o mesmo é formulado no petitório, mas com o alcance que decorre da respetiva conjugação com os fundamentos da pretensão arrogada, por forma a compreender o modo específico da pretendida tutela jurídica.
Feitos estes esclarecimentos, e pondo-se o enfoque na verdadeira pretensão da A formulada em ambas as ações – ainda que envolvidas em roupagens diferentes – temos como certo e seguro que os pedidos são idênticos em ambas as ações, pelo que a conclusão a extrair é que também verificamos a identidade de pedidos em ambas as ações intentadas pela A.
Concluímos assim de todo o exposto que esta ação é a repetição da ação anterior, verificando-se nelas a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, pelo que procede a exceção dilatória do caso julgado invocada pelo RR, o que leva à absolvição dos mesmos da instância.
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Com a decisão proferida fica prejudicado o conhecimento da questão colocada quanto aos segundo despacho proferido (a não admitir os meios de prova).
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V- DECISÃO:

Por todo o exposto, Julga-se procedente a Apelação e revoga-se a decisão recorrida, julgando-se procedente a exceção dilatória de caso julgado e absolvendo-se os RR da instância.
Custas da Apelação pela recorrente (art.º 527º nº1 e 2 do CPC).
Notifique
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Guimarães, 30.3.2023