Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
133/18.7GACMN.G1
Relator: JÚLIO PINTO
Descritores: HOMICÍDIO NA FORMA TENTADA
CO-AUTORIA
AUTORIA MATERIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1. A actuação conjunta dos co-arguidos cessou quando um deles começou a ofender a vítima na região da cabeça.
2. A partir desse momento, o outro arguido parou a sua conduta agressora e retirou-se, tendo aquele passado a agir isoladamente, em circunstâncias que permitem autonomizar a sua atuação relativamente ao recorrido a partir de então.
3. Não resultando provado que os co-arguidos, pelo menos naquele momento e face à natureza e dimensão das agressões, tenham atuado no âmbito de um acordo prévio, ou resolução conjunta, expresso ou tácito, com consciência e vontade de colaboração bilateral que nos permitam concluir ter-se verificado no caso concreto uma decisão conjunta, a denominada existência da consciência e vontade de colaboração de duas pessoas na realização de um tipo legal de crime juntamente com outro, não pode concluir-se que se verifique uma situação de comparticipação.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1.
No processo comum, com intervenção de tribunal coletivo, com o NUIPC 133/18...., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de ... - Juízo Central Criminal - Juiz ..., em que é arguido AA e outro, realizado o julgamento, foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo:

«IV- Decisão:
Em face do exposto, decide-se:
A. Julgar a acusação pública procedente, por provada, e, em consequência:
1. Absolver o arguido BB da prática em coautoria de um crime de homicídio simples na forma tentada p. e p. pelos art. 131º, 14º, n.º 3, 22º e 23º, e 73, n.º 1, todos do Código Penal.
2.Absolver o arguido AA da prática em coautoria de um crime de omissão de auxílio p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 9º, 14º, n.º 1, 26º, 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea c), por referência ao disposto na al. l) do n.º 2, do artigo 132º, todos do Código Penal.
4. Condenar o arguido AA pela prática em autoria material de um crime de homicídio simples, na forma tentada p. e p. pelos art. 131º, 14º, n.º 3, 22º e 23º, e 73, n.º 1, todos do Código Penal na pena de 6 anos de prisão.
5. Condenar o arguido BB pela prática em autoria material de um crime de omissão de auxílio p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 9º, 14º, n.º 1, 26º, 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea c), por referência ao disposto na al. l) do n.º 2, do artigo 132º, todos do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão.
6. Condenar o arguido BB pela prática em autoria material de um crime de ofensas à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1, do Código penal, na pena de 10 meses de prisão.
7. Condenar o arguido BB pela prática em autoria material de um crime de ameaça agravado, p. e p. 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. c), por referência ao disposto na al. l) do n.º 2 do artigo 132.º do Código penal, na pena de 3 meses de prisão.
8. Em cúmulo jurídico condenar o vai o arguido BB condenado na pena única de 1 (um) ano de prisão, cuja execução fica suspensa pelo período de 1 ( um ) ano , com regime de prova, dirigido à procura ativa de trabalho.
9. Declarar, ao abrigo do disposto pelo art. 109º do Código Penal, perdida a favor do Estado o capacete e vestuário apreendido.
10. Condenar os arguidos no pagamento das custas, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça, para cada um - art. 513º, n.º 1 do CPP e art. 3º, nº 1, 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa.»
*
2. Não se conformando com esse acórdão, recorreram o Ministério Público e o arguido AA.
O primeiro insurge-se relativamente à absolvição do arguido BB da prática do crime de homicídio tentado por que estava acusado, pugnando pela sua condenação, como coautor ou, pelo menos, como cúmplice, e quanto à medida da pena aplicada, concluindo nos seguintes termos:
“(…)
«Pelo que em conclusão:
1. O presente recurso versa exclusivamente matéria de direito e apenas
quanto ao arguido BB, levando à consideração superior
duas questões:
a. Absolvição do arguido BB do crime de Homicídio Tentado, pugnando pela sua condenação como coautor ou, pelo menos, como cúmplice; e
b. Condenação do arguido BB numa pena de prisão suspensa na execução, que se entende que devia ser de um «quantum» superior e ser efetiva.
2. A escolha do tipo e «quantum» de pena, integrará um vício de Direito previsto no art. 410º, n.º 3 do CPP, havendo ainda contradição entre a fundamentação da medida da pena e a decisão, vício do art. 410º, n.º 2, al. b) do CPP.
3. Com todos o circunstancialismo dos factos provados para que se remete por economia processual e que se transcreveu supra na parte a considerar.
4. O douto acórdão recorrido violou ainda nesta parte e salvo o devido
respeito, os arts. 26º, 27º, 40º, n.º 1 e 2, 50º, n.º 1, 70º e 71º, do C.Penal.
5. Assim, mesmo com a matéria de facto tal como foi dada como provada deveria o arguido BB ter sido condenado como coautor de um crime de Homicídio tentado ou, no mínimo, como cúmplice, porque a sua ação foi essencial a que o coarguido AA pudesse desferir as agressões suscetíveis de provocar a morte do ofendido, que aquele quis e/ou se conformou.
6. Tal como provado, depois das discussões verbais, o ofendido colocou-se em fuga, sendo seguido pelos 2 arguidos e outros cuja identidade não foi possível apurar, só sendo alcançado exatamente pelo arguido BB que lhe fez uma rasteira e cair no chão, começando de imediato a pontapear o ofendido, no que foi secundado pelo coarguido AA.
7. De seguida, não satisfeito, o arguido AA desfere várias pancadas com o capacete na cabeça do ofendido que está inanimado no chão, momento em que o arguido BB parou de dar pontapés na parte inferior e se afastou do corpo daquele, mas ali permaneceu, vendo o ofendido a levar com o capacete, nada fazendo, sendo o arguido AA afastado por terceiros, só aí fugindo os dois arguidos.
8. O autor de um crime trabalha para um resultado com a consciência de que virá possivelmente a executar o crime.
9. Sem divergência a jurisprudência refere que que na coautoria há um acordo prévio, expresso ou implícito, a inferir razoavelmente dos factos materiais comprovados, ao qual se pode aderir inicial ou sucessivamente, não sendo imprescindível que o coautor tome parte na execução de todos os atos, mas que aqueles em que participa sejam essenciais à produção do resultado.
10. Na coautoria há, pois, um querer do resultado global pelo comparticipante, como próprio, com base numa decisão comum e de forças conjugadas, bastando um acordo tácito assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas à luz da experiência comum.
11. O coautor torna-se senhor do facto, que domina globalmente, tanto pela positiva, assumindo um poder de direção, preponderante na execução conjunta do facto, como pela negativa, podendo impedi-lo, sem que se torne necessária, para a comparticipação estabelecida, a prática de todos os factos que integram o “iter criminis”.
12. Haverá cumplicidade se o agente não executa o facto, mas apenas participa numa ação prévia ou preparatória, não atacando, ainda, o bem jurídico, o que se alega subsidiariamente e por mera cautela.
13. Pois, explanar-se que não dominou o facto, salvo melhor opinião, é uma afirmação ao arrepio da doutrina e jurisprudência, porque o arguido podia deixar de o praticar, impedindo, até, a sua realização.
14. O arguido BB dever ser considerado, sem margem para dúvida, como coautor, peça essencial para alcance do resultado, onde desempenhou papel essencial e não meramente acessório, de auxiliar.
15. A coautoria consiste, assim, numa “divisão de trabalho” que torna possível o facto ou que facilita o risco.
16. O cúmplice não toma parte no domínio funcional dos atos constitutivos do crime, isto é, tem conhecimento de que favorece a prática de um crime, mas não toma parte nela, limitando-se a facilitar o facto principal.
17. Conforme já decidiu o STJ, as circunstâncias em que os arguidos atuaram nos momentos que antecederam o crime podem ser indício suficiente, segundo as regras da experiência comum, do acordo tácito, pois se o arguido conhecia a possibilidade de o processo em que estava inserido poder conduzir à morte de outrem e, prefigurando tal resultado, não desenvolveu qualquer mecanismo inibitório e, pelo contrário, envolveu-se no processo causal, conformando-se com o resultado, atuou como coautor na produção daquela morte.
18. Não se concorda, assim, com o devido respeito, como concluiu o douto acórdão recorrido, que a conduta do arguido BB em nada contribuiu para as agressões perpetradas com o capacete pelo arguido AA.
19. Ora, os dois arguidos perseguem o ofendido, com outros não identificados, depois é o arguido BB que alcança primeiro o ofendido e evita a sua fuga ao rasteirar e provocar a queda, o que permite quer as suas agressões da integridade física, quer que o arguido AA lhe desfira, além de pontapés, e estando o ofendido já inanimado, com o capacete diversas vezes no peito e na cabeça, ao que assistiu, nada fazendo e só se pondo ambos
em fuga depois de um terceiro intervir.
20. O arguido BB, deve ser condenado como coautor do crime de Homicídio tentado, pois sabia, nem podia razoavelmente ignorar, pelas regras da experiência comum e do normal acontecer, as consequências necessárias e/ou possíveis daqueles atos, tanto mais que o viram com problemas respiratórios e depois inanimado a continuar a levar com o capacete, o que quis e permitiu, conformando-se, ou no mínimo atuando como cúmplice face à rasteira (primeiro momento) e à inação (num segundo momento), nos termos das disposições conjugadas dos arts, 14º, 22º, 23º, 26º, 27º, 73º e 131º, todos do C. Penal.
21. Discorda-se, com o devido respeito do «quantum» da pena de prisão
aplicada e da sua suspensão.
22. Foi a seguinte medida das penas parcelares aplicadas:
a. para o crime de ofensas à integridade física simples previsto pelo artigo 143º, n.º 1, do Código Penal a pena de 10 meses de prisão.
b. para o crime de omissão de auxílio previsto pelo artigo 200º, n.º 1, do Código Penal pena de 4 meses de prisão.
c. para o crime de ameaça agravado previsto pelos artigos 153º, n.º 1 155º, n.º 1, alínea c), do Código Penal a pena de 3 meses
de prisão.
23. Terminando com a pena única de 1 ano de prisão, suspensa na execução por igual período com regime de prova.
24. Pugna o Ministério Público pela condenação como coautor de um crime de homicídio tentado na pena de 4 anos de prisão e de um crime de Ameaça na pena de 1 ano de prisão, em cúmulo na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, mas aplicado o perdão de um ano apenas ao crime de Ameaça, teria que cumprir 4 anos de pena de prisão efetiva.
25. Mesmo que assim não se entenda e caso se mantenha a condenação pelos crimes do douto acórdão recorrido pugna o Ministério Público pela condenação em 2 anos pelo crime de Ofensa à integridade física; 8 meses pelo crime de Omissão de auxílio e 1 ano pelo crime de Ameaça agravada, em que estaria amnistiado o segundo e restaria uma moldura entre 2 e 3 anos de prisão, chegando a uma pena única de 2 anos e 6 meses, em que se teria que aplicar 1 ano de perdão, sob condição resolutiva (Lei 38-A/2023, de 02/08) , tendo o arguido que cumprir 1 ano e 6 meses de prisão efetiva.
26. O próprio douto acórdão recorrido fundamenta a não aplicação do regime de jovens adultos, bem como a opção pela pena de prisão em vez da pena de multa, com a impossibilidade de fazer um juízo de prognose favorável para depois fazer este juízo ao suspender a execução da pena de prisão (art. 410º, n.º 2, al. b) do CPP), afirmando que confia que a simples ameaça de prisão o afastará da prática de crimes quando antes afirmou que existia este perigo de
repetição e sem explicar como criou esta relação de confiança face ao silêncio do arguido e à matéria de facto provada quanto à sua situação pessoal (art. 410º, n.º 3 do CPP).
27. Um arguido que esteve meses com paradeiro desconhecido, que não
está empregado, que não tem inserção familiar, vindo de uma família desestruturada, vive num carro, não colaborou com o Tribunal nem mostrou qualquer arrependimento, que já tem 3 crimes de desobediência, para além de mais condenações por condução sem habilitação legal, mostrando um claro desrespeito pelo cumprimento  de regras e de obediência à lei e à autoridade, que mais uma vez aqui desrespeitou dirigindo expressões intimidatórias à GNR, com penas de prisão suspensas anteriores que não o impediram de voltar a praticar crimes e bem mais graves, com desrespeito pelo sofrimento do ofendido e do valor vida ao atuar em conjunto com o coarguido AA, seja na prática de um crime de homicídio tentado seja de Ofensa à integridade física, vendo a agressão bárbara de que o ofendido foi alvo e nada fazendo nem procurando deter o coarguido nem procurando auxilio para aquele, auxílio este que se não fosse providenciado por terceiros teria levado à morte do ofendido.
28. Para se poder aplicar o regime da suspensão da execução da pena de prisão, previsto no art. 50º do C. Penal, tem que ser possível, em primeiro lugar, fazer um juízo de prognose favorável ao arguido, no sentido de que na altura da decisão “a ameaça da pena seja adequada e suficiente para a realização das finalidades da pena”.
29. É essencial que se estabeleça uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido condenado.
30. Como é possível ao Tribunal a quo dizer que criou uma relação de confiança com este arguido (que nem sequer explicou nada) que lhe permite confiar que é suficiente a ameaça de prisão (prevenção especial) e que a comunidade vê as penas suspensas como verdadeiras penas (prevenção geral)??!!
31. A comunidade em crimes graves vê as penas suspensas como falta de penas, que o crime compensa, que nada acontece, e isto, salvo o devido respeito, decorre do senso comum.
32. Pelo que no caso concreto não se verifica também o segundo pressuposto para se poder suspender a execução de uma pena de prisão – a prevenção geral, a estabilização contrafática da norma violada só ficará respeitada com uma pena efetiva.
33. No caso concreto dos autos, com uma pena de prisão suspensa na execução o sentimento da comunidade será de impunidade.
34. Foram, pois, violados os arts. 26º, 27º, 40º, n.º 1 e 2, 50º, n.º 1, 70º, 71º e 131º do C. Penal e arts. 410º, n.º n.º 2, al. b) e n.º 3 do C. Processo Penal.
Nesta medida, revogando o douto acórdão recorrido nesta parte e proferindo outro que condene o arguido BB como coautor de um crime de homicídio tentado, ou pelo menos como cúmplice, conjuntamente com os restantes crimes por que foi condenado, com as devidas alterações referidas, numa pena única de 4 anos de prisão efetiva ou, mesmo nos termos em que foi condenado no douto acórdão recorrido numa pena única de 1 ano e 6 meses de prisão efetiva, farão V. Exas., a costumada e esperada
JUSTIÇA.»
*
 Por sua vez, o arguido AA no seu recurso do acórdão, extraiu da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:
“(…)
« III. CONCLUSÕES:
I. O presente recurso é interposto da decisão proferida pelo Tribunal a quo – Acórdão – que condenou o Arguido/Recorrente na pena de 6 (seis) anos de prisão, pela prática de uma crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131.º, 14.º, n.º 3, 22.º, 23.º e 73.º, todos do Código Penal.
II. Entende o Recorrente que a pena que lhe foi aplicada excede a medida da sua culpa, não valorando devidamente as circunstâncias que militavam a seu favor, e que, se devidamente sopesadas, imporiam, pelo menos, uma pena de prisão inferior a 5 (cinco) anos, com suspensão da sua execução. 
III. O recurso tem, assim, por objecto a matéria de facto dada como provada e a respectiva matéria de direito, outrossim no segmento referente à  determinação da pena. 
Deste modo,
IV. E tal como consta do Acórdão recorrido, a moldura penal para a tentativa querse especialmente atenuada, cifrando-se entre um ano e sete meses e seis dias a dez anos e oito meses de prisão, sendo que, in casu, o Tribunal a quo optou por uma pena de seis anos de prisão. 
V. Para fundamentar a pena concretamente determinada, o Tribunal a quo valorou o relatório social elaborado ao Arguido que concluía – como o Tribunal concluiu – que “ (…) a vida do Arguido AA é pautada por comportamentos desviantes e contrários ao cumprimento das regras da vida em sociedade, apresenta um percurso de vida marcado pela disfuncionalidade da dinâmica intrafamiliar do seu agregado de origem, pela ingestão abusiva de bebidas alcoólicas (…)”. 
VI. No entanto, não foi verificado que o predito relatório social foi elaborado em 13 de Fevereiro de 2023, aquando a reclusão do Arguido no Estabelecimento Prisional, sendo que, face ao lapso de tempo recorrido, o mencionado relatório social não poderia servir, sem mais, para desvalorizar a conduta do Arguido, até porque, tem do sido o Arguido ora Recorrente colocado em liberdade em
Junho de 2023, logrou obter emprego, tentando coadunar a sua vida de acordo com o direito.
VII. No mais, o contexto da vida familiar do Arguido ora Recorrente, não pode servir como fundamento em seu desfavor, até porque, tal situação ocorreu enquanto o Arguido era menor de idade, pelo que, toda a situação familiar perpassada pelo Arguido apenas manifesta a insuficiência do Estado de Direito que, perante uma família disfuncional, permitiu que uma criança permanecesse e continuasse até determinado momento, nesse contexto, não lhe acautelando os devidos direitos. 
VIII.     Pelo que, salvo melhor opinião, a responsabilidade da sua vida familiar, não pode ser assacada ao Recorrente, bem pelo contrário. 
IX. Na verdade, o Arguido necessita de uma oportunidade de ressocialização, atenta a falta de resposta social de que foi ferido no seu percurso até pelo menos à sua adolescência, devendo nessa medida, as circunstâncias que lhe antecederem ser valoradas cuidadosamente para não se cair numa dupla punição. 
X. Não obstante não ser fácil o início de vida após a reclusão, a verdade é que o Arguido ora Recorrente, neste momento, é detentor de contrato de trabalho, encontrando-se a trabalhar e não lhe sendo conhecidos quaisquer problemas sociais. 
XI. De notar ainda que, não obstante as condenações averbadas no seu registo criminal, não poderá deixar de ser igualmente notado que as mesmas foram cumpridas pelo Arguido, encontrando-se inclusivamente o processo n.º 104/19.6GBCMN, extinto por cumprimento.
XII. Tal circunstância não foi igualmente valorada pelo Tribunal a quo.
XIII. Assim a conclusão de que a vida do Arguido ora Recorrente é pautada pelo desrespeito pelas normas de convivência, revela-se exagerada e desproporcional porque não teve em consideração todos os factores enumerados supra e que igualmente lhe são abonatórios. 
XIV. Nestes termos, e lançando mão dos critérios previstos pelo artigo 71.º do CP , coadunando-os com a matéria de facto provada, sempre diremos que não obstante a gravidade dos factos imputados e a que foi condenado, deverão ser tidos em consideração os factores enumerados, a idade e imaturidade do Arguido/Recorrente na data da prática dos factos, os antecedentes familiares que certamente lesarem a sua formação, bem como, a inexistência da prática de criminalidade tida como mais grave, por parte do Arguido/Recorrente.
XV. Por outro lado, não pode deixar de ser salientado que, as medida de prevenção geral, face ao lapso de tempo decorrido entre prática do crime e a existência de uma condenação – entre 2018 e 2024 – deverão ser consideradas mais baixas do que, relativamente, a um processo cuja decisão ocorresse num espaço breve de tempo. 
XVI. Por último, o Tribunal a quo decidiu – a nosso ver erroneamente – não aplicar a Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto, e cuja aplicação seria decisiva para a vida do Recorrente. 
XVII. Fundamenta o Tribunal não ser de aplicar a lei, na medida em que, o crime pelo qual o Arguido ora Recorrente foi condenado encontra-se elencado na excepção prevista pelo artigo 7.º, n.º 1, al. a)-i. 
XVIII. Todavia, olvidou-se o Tribuna que o Arguido não foi verdadeiramente condenado pela prática de um crime de homicídio, mas apenas na tentativa, motivo pelo qual a excepção prevista não se lhe aplica.
XIX. Requer-se, nessa medida, seja igualmente a Lei n.º 38-A/2023 seja tida em consideração, aplicando-se assim ao Arguido uma pena de prisão inferior a 5 (cinco) anos, suspensa na sua execução, ainda que sujeito a regime de prova ou qualquer outro que V.ª Exc.ªs reputem como adequadas às finalidades da punição. 
XX. Tal é o que mui doutamente se requer a V.ª Ex.ªs, Exmos.(as) Senhores(as) Juízes Desembargadores(as).
 Nestes termos e nos melhores de Direito que V.ªs Ex.ªs mui doutamente suprirão, desde já se reque seja concedido provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar-se o Acórdão na parte em condena o Arguido pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, numa pena efectiva de 6 (seis) anos de prisão, substituindo-a por outro que no máximo aplique uma pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspenso na sua execução e ainda que sujeito a regime de prova ou outra medida que o
Tribunal repute por conveniente; 
FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E SÃ JUSTIÇA!

 Legislação violada: arts. 18.º, n.º 2, 21.º e 22.º, art. 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP); art. 11.º, n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH); art. 6.º, n.º 2 da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CUDH); arts. 14.º, 26.º, 70.º, 71.º, 72.º, 73.º e 131.º todos do Código Penal. »
*
3. O Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso, rematando a sua resposta nos seguintes termos (transcrição parcial):
“(…)
«EM CONCLUSÃO:
1) O douto acórdão recorrido condenou o arguido na pena de 6 anos de prisão pelo crime de Homicídio tentado.
2) Insatisfeito, interpõe o presente recurso, onde alega que a medida da pena é excessiva, quer no seu «quantum», pugnando por uma pena igual ou inferior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova.
3) Alega para tanto que tal que o acórdão se socorreu do relatório social que já estaria desatualizado, juntando um contrato de trabalho.
4) Ora, as condições sociais e pessoais do arguido foram baseadas no relatório, que lhe foi dado a ler na audiência e perguntado o que queria alterar – Ata de audiência de continuação de julgamento de 14/02/2024 – gravações 15.11.10; 15.16.05 até 15.18.25 (referência ...43).
5) Pelo que, salvo o devido respeito, carece de razão este argumento.
6) E nada há a apontar à medida da pena.
7) O arguido tem condenações anteriores e posteriores.
8) Já esteve em prisão preventiva.
9) Não é um contrato de trabalho que prova que deixou de ter a vida desestruturada e desorganizada.
10) Tanto que se encontra em incumprimento no Processo 8/20.0GBCMN, onde lhe foi aplicada pena suspensa com regime de prova.
11) E tem uma condenação anterior, por factos posteriores, ainda não transitada, por crime de igual natureza, apesar de menos grave (Processo 2010/22.8JABRG), em vez do capacete usou uma pá de obras para desferir na cabeça de outra pessoa, mas em que houve desistência do crime de homicídio, em que a primeira instância condenou em 2 anos de pena suspensa e o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães condenou em pena de prisão efetiva, estando pendente recurso para o Tribunal Constitucional, após recurso e reclamação no STJ).
12) Inexistem circunstâncias a favor do arguido, remetendo-se ao silêncio, que se não o pode prejudicar, também não o beneficia para atenuação da pena e para efeitos de prevenção especial.
13) Contra o arguido temos a sua culpa e as elevadas necessidades de prevenção geral e, sobretudo, especial.
14) Quanto à prevenção geral temos a violação do bem Vida, valor de proteção constitucional maior.
15) Quanto à prevenção especial temos que o arguido não demonstrou arrependimento nem capacidade para mudar a sua vida, totalmente desestruturada, em que face a qualquer contrariedade responde com violência.
16) Quanto à culpa, apesar do dolo ser eventual, são de extrema gravidade os factos provados, continuando a desferir pancadas com o capacete numa pessoa que já estava inanimada, só parando por ação de terceiros, pelo que também é elevado o grau de ilicitude, sendo gravosas para o ofendido as consequências da sua conduta.
17) Pelo que bem andou o Tribunal a quo ao aplicar 6 anos numa moldura entre um ano sete meses e seis dias a dez anos e oito meses de prisão.
18) Pena que não pode ser suspensa na sua execução (art. 50º CP), mesmo que aplicada em medida inferior ou igual a 5 anos de prisão.
19) Face aos factos provados, nunca seria possível ao Tribunal a quo fazer um juízo de prognose favorável e criar uma relação de confiança com o arguido, pelo que bem andou ao aplicar uma pena de prisão efetiva.
20) Caso seja de atualizar as condições pessoais do arguido, como o próprio alega como fundamento do seu Recurso, certamente serão é agravadas.
21) Atrevo-me a dizer que o protelamento da prisão deste arguido só lhe está a ser desfavorável, pois em liberdade o perigo de cometimento de novos crimes é elevado, e o que acontece em casos semelhantes, é que quando vão cumprir uma pena de prisão, já não são 6 anos, mas muito mais.
 Assim, e tendo em conta todo o exposto, entendemos que mantendo a pena concreta nos termos decididos no douto acórdão recorrido, farão V. Exas. a costumada 
JUSTIÇA.»
*
4. Neste Tribunal da Relação, o Digniss.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, perfilhando integralmente a posição defendida pelo Ministério Público na instância recorrida, e pugnando pela procedência do recurso que intentou quanto ao arguido BB, e improcedência do recurso interposto pelo arguido AA.
*
5. No âmbito do disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido não respondeu a esse parecer.
*
6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c), do mesmo código.
*
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Questões a decidir

Dispondo o art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal que "a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido", são, pois, as conclusões que constituem o limite do objeto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. (Arts. 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, e 410º, n.º 2, al.s a), b) e c), do Código de Processo Penal e do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série, de 28-12-1995).
Assim, balizados pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a apreciar circunscreve-se à:
Recurso do Ministério Público
a) Qualificação Jurídica do factos (condenação homicídio simples tentado, em coautoria ou cumplicidade);
b) Medida das penas parcelares e única;
c) Suspensão da pena.
Recurso do AA
Medida da Pena
a) - Aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02/08 (perdão de penas e amnistia de infrações);
b) - Suspensão da execução da pena;
*
2. Acórdão recorrido

É do seguinte teor a motivação de facto e de direito constante da sentença recorrida (transcrição):
“(…)
«II. Fundamentação de facto
Factos provados:
1 - No dia 29 de julho de 2018, durante a madrugada, em hora que em concreto, não foi possível apurar, mas após as 02.00 horas, junto à porta de saída da discoteca “...”, em ... o arguido BB e o ofendido CC desentenderam-se verbalmente.
2. Após, o CC acompanhado do DD, saíram daquele local, subiram a Rua ... em direção ao Largo ....
3. Quando se encontravam na interceção entre a Rua ... e a Travessa do Tribunal, deparam-se com os arguidos AA e BB acompanhados por outros indivíduos cujo identidade não foi possível apurar, tendo estes se desentendido verbalmente com o CC.
4. Por esse motivo, o CC prosseguiu a sua marcha, agora, em passo de corrida, tendo sido seguido pelos arguidos BB e AA.
5. Junto ao n.º 10 da Travessa do Tribunal, o arguido BB alcançou o CC e deu-lhe um pontapé na perna, fazendo-o cair ao chão.
6. De seguida, e após o arguido AA se encontrar já junto ao ofendido, ambos os arguidos lhe desferiram pontapés na parte inferior do corpo, enquanto este continuava prostrado no chão.
 7. Após o arguido AA, munido do capacete ilustrado a fls. 113 dos autos, desferiu com o mesmo, repetidas pancadas, na zona da cabeça, cara e do peito de CC, enquanto este permanecia inanimado no chão.
8. Neste momento, aquando do uso do capacete pelo arguido AA, o arguido BB cessou as agressões e afastou-se do ofendido.
9. O arguido AA só interrompeu a sua conduta quando foi puxado pelo DD, fugindo ambos os arguidos do local quando ali acorreram terceiros.
10. Os arguidos AA e BB, indiferentes ao estado de inconsciência em que deixaram o ofendido e às lesões que lhe provocaram, abandonaram aquele local sem lhe prestar qualquer tipo de ajuda e nada fizeram para que fosse socorrido.
11. Como consequência direta, necessária e imediata da conduta do arguido AA, o ofendido CC:
a. sofreu dores;
b. sangramento e ficou inconsciente, com comprometimento da via aérea e dificuldade respiratória;
c. teve que ser socorrido no local e transportado para o Hospital ..., onde foi sedado e ventilado artificialmente;
d. careceu de ser transferido para a sala de emergência do Hospital ... no ..., local onde foram detetados, entre o mais, “extensos hematomas epicraneanos temporo-parieto-occipital direito, fronto-temporal, periorbitário e zigomático-malar esquerdos e nasal; fratura dos ossos próprios do nariz e septo nasal; fratura da parede anterior e medial do seio maxilar direito, fratura da parede lateral da órbita esquerda; fratura do processo frontal, parede anterior, medial e póstero-superior do seio maxilar esquerdo; parênquima cerebral sem alterações significativas”;
e. esteve internado na unidade de cuidados intensivos de 29-07-2018 a 09-08-2018, onde esteve em coma durante uma semana;
f. esteve entubado até 03-08-2018;
12. Em 16-09-2019 o ofendido apresentava as seguintes sequelas permanentes:
- Síndrome de stress pós-traumático com deficit para a memória recente, ansiedade, fobia em frequentar um grupo e insónia;
- Pálpebra inferior esquerda escurecida;
- Dente incisivo superior esquerdo escurecido;
- No pescoço, cicatriz cervical própria de entubação;
- Rouquidão crónica pós-traumática, provavelmente cicatricial da mucosa interna;
- No abdómen, cicatriz nacarada com 1x1cm na crista ilíaca anterosuperior.
13. Tais lesões determinaram um período de 254 dias para a consolidação médico-legal, com afetação da capacidade de trabalho geral por um período de 90 dias e com afetação da capacidade de trabalho profissional por um período de 254 dias.
14. A conduta do arguido BB, provocou dores no ofendido CC.
15. A conduta do arguido AA pôs a vida do ofendido CC em perigo, já que se o mesmo não tivesse sido rapidamente socorrido, teria entrado em paragem respiratória, sobrevindo-lhe a morte, e deu causa às lesões permanentes acima descritas, que se traduzem numa diminuição da sua qualidade de vida.
16. Os arguidos AA e BB atuaram com o propósito concretizado de atingir o ofendido EE na sua integridade física.
17. O arguido AA ciente que o ofendido CC não tinha então qualquer capacidade de se defender, atingiu-o com o capacete na zona do peito e cabeça, bem sabendo que estava a atingir zonas vitais do corpo, que lhe poderia causar a morte, o que admitiu como possível e não obstante agiu daquela forma, conformando-se com esse resultado, que só não ocorreu por circunstâncias alheias às sua vontade, resultantes da intervenção de terceiros e da assistência médica que a este foi de imediato prestada.
18. Ao abandonarem o local e o ofendido à sua sorte, os arguidos AA e BB, cientes de que aquele carecia de assistência imediata e que não estava capaz de a procurar ou promover, não obstante saberem que estava ferido e que existia perigo para a sua integridade física e vida, os arguidos não lhe prestaram o devido auxílio.
19 - Os cuidados médicos prestados ao CC, pela Unidade Local de Saúde ..., E.P.E constam da fatura n.º ...72, de 28-10-2A22, no valor de €258,29 (duzentos e cinquenta e oito euros e vinte e nove cêntimos), onde foram executados, para além das análises clínicas, o seguinte: "Episódio de urgência, tórax, uma incidência, Primeira consulta, consulta subsequente, consulta subsequente, consulta subsequente.
20. Após a ocorrência do evento em causa nos autos, ofendido CC sente-se triste e infeliz, tem receio em sair à noite sozinho, com medo de voltar a encontrar os arguidos ou de voltar a ser vítima de idênticas agressões.
21. Em consequência das agressões que foi vítima, o ofendido CC, apresenta um apinhamento dos dentes causados por trauma, cuja correção implica a colocação de um aparelho fixo superior e inferior, com um custo de € 2.320,00.
22. No dia 01-05-2019, cerca das 23h00m, nas imediações do posto de abastecimento de combustíveis designado ..., sito na Rua ..., em ..., área desta Comarca, o arguido BB, reagindo à atuação de uma patrulha da GNR, dirigiu a FF, Militar daquela Guarda, em tom sério e intimidatório, a seguinte expressão: “vou-te apanhar sozinho e vou-te foder o focinho”.
23. Com a referida expressão quis o arguido BB provocar medo e inquietação ao Militar da GNR que estava diante de si, no exercício das suas funções, por causa delas e de forma legítima, anunciando que atentaria contra a sua integridade física quando novamente o encontrasse, bem sabendo que tal expressão era adequada a intimidar o seu destinatário.
24. Os arguidos AA e BB atuaram de forma livre, deliberada e consciente, e sabiam que as suas condutas acima descritas eram, como são proibidas e puníveis por lei.
25. Os arguidos AA e BB não tinham ainda completado 21 anos de idade à data dos factos que supra lhe são imputados.

Mais se provou:
Arguido AA
26. O arguido AA apresenta um percurso de vida marcado pela disfuncionalidade da dinâmica intrafamiliar do seu agregado de origem, que culminou na separação dos pais, responsabilizando-os pelos comportamentos disruptivos que desde muito cedo assumiu e que o conduziram a uma instituição de acolhimento.
O arguido não concluiu a escolaridade obrigatória, estando apenas habilitado com o 2º ciclo.
Após obter a cédula marítima fez da pesca a sua principal atividade profissional, para a qual revela especial motivação, mas tem trabalhado de forma irregular e pontual noutros serviços indiferenciados.
O arguido foi acompanhado desde a infância pela especialidade médica de pedopsiquiatria, mantendo a frequência das consultas, por vezes de forma irregular, mas pelo menos até à data em que saiu da instituição de acolhimento.
Admite a ingestão abusiva de bebidas alcoólicas num passado recente e a manutenção do consumo de substâncias estupefacientes, mas sem reconhecer interferências na estruturação do seu quotidiano, nem a necessidade de uma intervenção médica/terapêutica especializada.
27. O arguido AA já sofreu as seguintes condenações:
- Por decisão datada de 30.05.2019, transitada em julgado em 11.07.2019, proferida no proc. N.º 104/19.6GBCMN, do Juízo de Competência Genérica de ..., foi condenado pela prática, em 29.05.2019, de um crime de desobediência e um crime condução sem habilitação legal, na pena única de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, que perfaz o total de € 400,00; por despacho datado de 04.10.2019, a pena de multa foi substituída por pena de 80 horas de trabalho.
- Por decisão datada de 23.09.2020, transitada em julgado em 14.12.2020, proferida no proc. N.º 57/19...., do Juízo de Competência Genérica de ..., foi condenado pela prática, em 16.04.2019, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, que perfaz o total de € 412,50; por despacho datado de 04.02.2021, a pena de multa foi substituída por pena de 75 horas de trabalho.
- Por decisão datada de 06.12.2022, transitada em julgado em 02.05.2023, proferida no proc. N.º 8/20.0GBCMN, do Juízo Central Criminal de ... – J..., foi condenado pela prática, em janeiro de 2020, de dois crimes de furto qualificado, na pena única de 1 ano e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova.
- Por decisão datada de 30.03.2023, transitada em julgado em 20.04.2023, proferida no proc. N.º 138/21...., do Juízo de Competência Genérica de ..., foi condenado pela prática, em 08.08.2021, de um crime de coação, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, que perfaz o total de € 400,00.
(…)”
*
Factos não provados:
a) Que os factos descritos no ponto 1, tivessem ocorrido pelas 05.45 horas.
b) Que os arguidos tivessem desferido socos no corpo do CC e pontapés na cabeça.
c) Que o arguido BB só interrompeu a sua conduta quando ali acorreram terceiros.
d) Que o arguido BB tivesse e quisesse atingir zonas vitais do corpo do ofendido.
e) Que o arguido BB tivesse previsto que com a sua atuação pudesse vir a causar a morte do ofendido.
f) Que a conduta do arguido BB pôs a vida do ofendido CC em perigo, e deu causa às lesões descritas no ponto 11, alíneas b) a f) e as permanentes descritas no ponto 12, que se traduzem numa diminuição da sua qualidade de vida.
g) Que os arguidos AA e BB tivessem atuado em conjugação de esforços aquando do descrito no ponto 7.
g) Que o ofendido CC à data dos factos, era estudante e interrompeu essa atividade.
h) Que o custo das despesas efetuadas na clínica dentária ascendesse à quantia de € 3.000,00.
*
Motivação:
O tribunal fundou a sua convicção, quanto aos factos que considerou provados e não provados, na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida e examinada em audiência e dos documentos juntos aos autos, designadamente:
O assistente CC, referiu que conhece os arguidos de vista na noite de ...; quanto ao dia dos factos e do que lhe terá acontecido só se recorda do que lhe foi relatado por terceiros; recorda-se que no dia 29 de julho de 2018, saiu de carro de ... acompanhado de dois amigos: o GG e o ...; estacionou na zona perto do rio e foram para a noite de ..., em concreto, para a discoteca ..., onde entrou por volta das 02.00 horas com os dois amigos, após um deles sentiu-se mal, tendo-se dirigido para o seu carro acompanhado do outro amigo, tendo ele ficado sozinho na discoteca.
Contaram-lhe, o DD e o HH, que houve atritos no interior da da discoteca ..., mas não se recorda de nada, nem como saiu da discoteca, para onde foi, quem o agrediu e de que forma, tudo isso foi posteriormente lhe contado.
Referiu que quando acordou no Hospital, ficou um dia ou mais, sem perceber porque estava no hospital; esteve uma semana em coma induzido; sempre que acordava estava nervoso, mantiveram-no entubado, mas quando acordava  tentava tirar o tubo, tendo-o conseguido fazer algumas vezes; do que se apercebeu esteve 6 dias nos cuidados intensivos depois de acordar, no hospital do ..., veio para o hospital de ... onde esteve mais 5 dias; a seguir foi para casa, onde esteve cerca de uma semana; à data dos factos tinha acabado a licenciatura em  desporto;  antes do sucedido ia tentar arranjar emprego na área do seu curso, mas após o ocorrido, nos meses seguintes não se sentia bem, sentia-se desconfortável no meio de pessoas estranhas; referiu que nunca mais voltou à discoteca em causa e quando sai tem necessidade de ir com mais alguém, perturba-lhe a ideia de causar sofrimento aos seus pais, com o que lhe pode acontecer; atualmente tem sempre receio de andar sozinho; sente-se perturbado com a sequela com que ficou da rouquidão, por não conseguir projetar a voz; sente ainda que tem perturbações de memória, esquecesse facilmente das coisa, o que anteriormente não acontecia.
A testemunha II, Inspetor da PJ, referiu que  conhece os arguidos da sua atividade profissional; quanto aos factos em discussão nos autos, recorda que receberam a noticia do crime, e foram ao local, fui com outro colega, quando chegaram a rua, o sangue já tinha sido limpo com detergente, recolheram os vestígios que conseguiram e enviaram para o laboratório; o arguido AA referiu-lhes onde tinha largado o capacete e deslocaram-se acompanhado do mesmo que lhes indicou o caixote de lixo/ ecoponto, na marginal de ..., onde  localizaram o capacete, dentro do caixote do lixo, embrulhado numa fronha.
A testemunha DD, refere que conhece ambos os arguidos de andarem na mesma escola e de serem da mesma terra; quanto ao ofendido também conhece por terem amigos em comum; no dia dos factos em discussão nos autos, estava dentro da discoteca ... e ouvi uma confusão; viu o arguido BB a ser levado pelo segurança; depois saiu e viu o arguido BB e o CC “pegados” e foi separá-los; ficou junto ao CC  e subiram os dois a rua; um pouco mais acima na rua estavam, uns indivíduos mais velhos com os arguidos; os indivíduos mais velhos pegaram-se com o CC, e foi separá-los; nessa altura o CC fugiu em direção ao ...; o BB e o AA foram no seu encalço; como tinha ficado para trás, ao vê-los a correr atrás do CC, correu também; viu o arguido BB a dar uma “ patada “ na perna do CC, fazendo com que aquele caísse, de seguida o arguido BB deu-lhe pontapés da cintura para baixo, mais nas pernas, ao mesmo tempo que o AA também lhe dava pontapés; de seguida o arguido AA munido de um capacete começou a desferir várias pancadas em todo o corpo do CC, principalmente na cabeça e no peito; nesse momento o arguido BB parou as agressões e manteve-se no local; o CC perdeu a consciência e tinha dificuldade em respirar, a cara estava cheia de sangue; o depoente conseguiu afastar o arguido AA ( de cima do ofendido ), após o que ambos os arguidos os arguidos fugiram do local; um individuo do sexo masculino chamou a ambulância; reconhece o capacete de fls. 113, como o que o arguido AA usou para atingir o CC; acrescentou que esteve sempre com o CC até chegar a ambulância.
A testemunha JJ, referiu que na altura dos factos viu um individuo a bater noutro que estava no chão, com um capacete, ouvi só uma voz a dizer : “ eu mato-te filho da mãe “, só viu uma pessoa, que depois soube que era o AA; no dia estava acompanhado de um enteado seu e do KK.
A testemunha KK, referiu que na altura dos factos iam a passar na rua que estava escura, acompanhado do JJ, viram uma pessoa no chão e outra a bater com capacete, tirou-lhe o capacete, na altura não conheceu o AA, só depois é que soube quem era.
A testemunha LL, manobrador de gruas, referiu que conhece os arguidos de vista de ...; nesse dia estava acompanhado do JJ e do KK, estavam a dirigir-se para a discoteca ...; como não os deixaram entrar ficaram na entrada; quando assim estava, viu o segurança da discoteca colocar uma pessoa cá fora; depois junto ao largo ouviu muito barulho e viu a vitima que estava inconsciente no chão, com o arguido AA a agredi-lo com um capacete, e foram a correr para separar; referiu ainda que, o AA estava acompanhado de um senhor à porta da discoteca e outros indivíduos que não reconheceu; após ter visionado o arguido em audiência de discussão referiu que o AA à saída da discoteca estava acompanhado de um individuo com olhos idênticos aos dos arguido BB.
A testemunha MM, referiu que os factos ocorreram junto à sua casa na travessa ..., ...; encontrava-se no ... andar, começou a ouvir o barulho, abriu a janelada varanda e viu um grupo de pessoas, uma das quais estava estendida no chão; não viu agressões; viu um individuo de capacete na mão a fugir e a dizer: “ Ó pessoal de ... vamos dar de frosques “; nesse dia da parte de manhã fotografou o sangue que estava no chão e como havia muita gente a vir ver o local, resolver lavar o sangue que estava no chão.
A testemunha NN, referiu que vive numa rua perpendicular à Travessa do tribunal, no dia dos factos ouviu gritos a pedir ajuda e viu pessoas de pé a pedir ajuda; ouviu gritos de dor da pessoa que estava deitada no chão de barriga para baixo, com a cara de lado, a hiperventilar; manteve-se junto da vitima e garantiu que ninguém chegava ao pé desta.
A testemunha  OO, na altura dos factos era segurança da discoteca ...; conhece o arguido AA e o ofendido CC por frequentar a discoteca; na data dos factos o AA e o BB foram convidados a sair por estarem a consumir estupefaciente na casa de banho; recorda que houve uma picardia não sabe entre quem; as suas funções era estar à porta e à porta não viu nada; referiu ainda que o AA à entrada da discoteca deixou o capacete, acha que era branco com autocolantes; os factos relatados seriam mais ou menos entre 3.30/4.00 horas. 
A testemunha PP, na data dos factos, encontrava-se a trabalhar como segurança na feira medieval; não conhece os arguidos; recorda ter visto uns rapazes, um a discutir com outro, à sua frente, depois foram rua abaixo e não os viu mais, um deles tinha um capacete na mão; não viu as agressões.
A testemunha QQ, médica, é namorada do CC desde há 6 anos atrás; após os factos foram notórias as diferenças físicas do CC; a voz fico muito diferente, quando há ruido de fundo é difícil entendê-lo; a memoria ficou muito afetada a longo e curto prazo, esquecesse muito das coisas; antes o CC era muito seguro de si próprio; atualmente não gosta de estar sozinho; após os factos ficou muito ansioso e com receio; quando acordou do coma ficou muito frustrado e revoltado; para iniciar trabalho na sua área, foi complicado, porque não conseguia sair da sua zona de conforto; a parte psicológica estava afetada; em consequência das agressões, ficou com um dente desvitalizado, teve vários fraturas das mandibula e os dentes ficaram tortos.
A testemunha RR, mãe do ofendido, referiu que à data dos factos, o CC tinha acabado a licenciatura em Desporto; em consequência das agressões o CC ficou rouco, não se consegue ouvir a voz quando atenta projetar, não consegue sair sozinho, tem falta de memória, ficou com os dentes danificados, ele só queria ficar em casa; referiu que teve necessidade de apresentar baixa no trabalho para lhe dar apoio.
Começando pelos arguidos há que dizer que os mesmos se remeteram, validamente, ao silêncio.
Ora, se é certo que este direito não os pode prejudicar, também não deixa de ser verdade que não os pode favorecer. Isto significa que não obstante não caber ao arguido o ónus de provar a sua inocência, não podendo ver juridicamente desfavorecida a sua posição pelo facto de exercer o seu direito ao silêncio, não é menos verdade que quando é do interesse deste invocar um facto que o favorece, e que ele poderá ser o único a conhecer, a manutenção do silêncio poderá ao fim ao cabo desfavorecê-lo – vide Ac. do Tribunal da Relação do Porto, proferido a 22.09.2010, referente ao processo n.º 43/07.0PUPRT.P1 e publicado na internet em www.dgsi.pt/jtrp.
A este propósito, veja-se, ainda, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido a 11.06.2019, referente ao processo 1267/17.0JAPRT.G1, ao citar, por um lado, o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 21.03.3012 referente ao processo n.º 417/10.2JACBR.C1 onde se diz “mas se do exercício do direito ao silêncio não podem resultar consequências desfavoráveis, também não pode do seu exercício retirar-se o contrário”, e, por outro , o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.05.2019, referente ao processo n.º 520/16.5PAMTJ.L1-9 onde se diz “o arguido não pode esperar que o seu silêncio reforce a presunção de inocência, anulando o valor de outras provas demonstrativa da sua culpabilidade. Pode manter-se em silêncio sem qual tal atitude o desfavoreça, mas não pode pretender que daí surja um agravamento do ónus da prova ao Ministério Público ou um especial direito à absolvição com base no princípio in dúbio pro reo”. Dito isto, não restou senão ao tribunal a tarefa de apreciar e concatenar todos os elementos de prova supra discriminados, em conjugação com as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, tudo em obediência ao princípio da livre apreciação da prova.
Dito isto há que dizer que, em suma, ao tribunal não restaram quaisquer dúvidas de que os factos ocorreram da forma como o tribunal os considerou como provados, tendo essencialmente em conta o depoimento da testemunha DD, única testemunha que presenciou praticamente todos factos praticados pelos arguidos, desde o início das agressões até ao seu terminus. Descreveu de uma forma pormenorizada como os factos ocorreram, a atuação de cada um dos arguidos nomeadamente a forma como cada um deles agrediu o ofendido CC, o uso do capacete por parte do arguido AA para agredir o ofendido, capacete esse que identificou após exibição das fotografias do mesmo que se encontram juntas aos autos, o aparecimento de terceiros, única razão que levou ao afastamento dos arguidos do local da agressão e ao fim das agressões que o ofendido estava a ser vítima, o estado inconsciência e o tipo de lesões que o ofendido apresentava após essas mesmas agressões, factos estes, que também foram confirmados pelas testemunhas  NN e LL, que socorreram o ofendido em conjunto com a testemunha DD,  lesões essas que se encontram devidamente descritas nas fichas clinicas das unidades hospitalares onde o ofendido foi tratado.
Atenta a forma segura e coerente com que depuseram lograram convencer o tribunal.
A existência de perigo para a vida do ofendido, para além dos depoimentos das testemunhas acima mencionadas que mencionaram o facto do ofendido se encontrar inconsciente, a sangrar e a hiperventilar, resultou do teor do relatório pericial de fls. 485 a 488, quando nas suas conclusões refere que em concreto, do evento resultou perigo para a vida do ofendido.
A testemunha FF, Militar da GNR, presta serviço em ..., conhece o arguido BB de vista antes da ocorrência; recorda que na altura dos factos, o BB, o AA, o SS e ainda tinha mais 2 ou três jovens, estariam a fazer peões junto à bomba da ..., deslocaram-se ao local e os indivíduos começaram a provocar os agentes; o cabo TT foi falar com eles e o BB começou a encostar-se ao seu peito, tendo-se dirigido àquele para o afastar, ao que o arguido BB lhe disse que quando o apanhar sozinho lhe ia foder o focinho.
A testemunha TT, Militar da GNR, conhece o arguido BB de várias ocorrências; recorda que na data dos factos pelas 22.40 estavam a fiscalizar um veiculo junto às bombas da ...; encontravam-se no local o arguido BB, o AA, o SS, e os outros indivíduos que não soube identificar, que os começaram a provocar; foi junto deles para chamar à atenção, quando ia a sair, tocou num caixote lixo e uma cerveja que estava colocada em cima dele caiu, logo o arguido BB aproximou-se e deu-lhe um encontrão, tendo o agente AA afastado o mesmo de imediato, ao que o arguido BB dirigindo-se a ele disse-lhe: “ quando te apanhar sozinho vou-te foder o focinho”.
A versão apresentada pelas referidas testemunhas FF e TT foi idêntica entre si, pormenorizada e não foi contraditada por qualquer outra prova produzida nos autos, pelo que, se revelou credível e foi atendida pelo tribunal.
As lesões e sequelas apresentadas pelo ofendido CC, fundaram-se para além dos depoimentos das testemunhas que sobre as mesmas depuseram, e essencialmente dos elementos clínicos de fls. 241, 242, 255 a 350 e dos relatórios médicos juntos aos autos a fls. 227 a 229, 363 a 365 e 485 a 488.
Os cuidados médicos prestados pela demandante Unidade Local de Saúde ..., E.P.E. e o respetivo valor, constam do documento de fls. 740, que o tribunal valorou e sobre o mesmo não houve qualquer impugnação.
Para o pedido de indemnização civil do ofendido, teve-se em consideração, além dos elementos médicos supra referidos, o documento de fls. 752 quanto ao custo dos tratamentos dentários a efetuar, bem como no depoimento da mãe do ofendido e da namorada deste, que, como pessoas próximas deste, têm acompanhado o percurso do mesmo após os factos.
No que se reporta às condições de vida dos arguidos o tribunal teve em consideração o constante dos relatórios sociais juntos aos de fls. 778 a 790.
Os antecedentes criminais dos arguidos constam dos certificados do registo criminal dos mesmos que se encontram juntos aos autos – referencias ...03 e ...06 de 03.01.2024.
O capacete foi o objeto utilizado na prática da agressão por parte do arguido AA, facto desde logo confirmado pela testemunha DD que o reconheceu após exibição das fotografias de fls. 111 a 113 dos autos, como o que foi usado pelo arguido aquando da agressão e cujas  caraterísticas se encontram descritas no auto de apreensão de fls. 134.
Quanto aos factos não provados, elencados sob as alíneas a) a g), os mesmos foram assim julgados por não se ter produzido, quanto a eles, qualquer meio de prova.
*
Os restantes factos que não se deram como demonstrados, resultaram não provados, por falta de prova sobre os mesmos nos termos acima assinalados, e/ou são inócuos e outros, ainda, versam sobre matéria conclusiva e/ou de direito.
*
III. Enquadramento jurídico-penal

Crime de homicídio na forma tentada
Aos arguidos vem imputada a prática, em autoria material, de um crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131º, 14º, alínea b), 22º e 23º e 73º, n.º 1, do Código Penal.
Segundo dispõe o artigo 131º do Código Penal: quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de oito a dezasseis anos.
O bem jurídico protegido é a vida, o bem mais caro da nossa sociedade, traduzido pela vida humana.
O agente do crime pode ser qualquer pessoa (trata-se de um crime comum), assim como também qualquer pessoa pode ser o seu sujeito passivo.
O tipo objetivo do homicídio simples consuma-se com a morte de outra pessoa, isto é, com o causar, por ação ou por omissão, a morte a pessoa diferente do agente.
Tem ainda que se estabelecer o nexo de imputação objectiva (e subjectiva) do resultado à acção, ou seja, um nexo de causalidade entre o resultado morte e a conduta do agente, a primeira tem que resultar directamente da segunda (cf. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, 2ª Ed., pág. 35).
Trata-se ainda (no dizer do mesmo Autor) de um crime de execução livre, que pode ser executado por qualquer forma, sendo irrelevantes os meios e o modo através dos quais a morte é provocada. E de um crime instantâneo, que se consuma com a morte e aí se esgota e de resultado, já que para se consumar é necessário que a morte ocorra.
A nível subjetivo trata-se de um tipo doloso, admitindo a sua prática o dolo em qualquer das modalidades previstas no art. 14º do Código Penal, direto, necessário ou eventual.
O dolo significa conhecer e querer os elementos objetivos pertinentes do tipo. O conhecimento deve referir-se aos elementos do tipo situados no passado e no presente. O autor dever prever, ademais, nos seus rasgos essenciais, os elementos típicos futuros, especialmente o resultado e a relação causal. A vontade consiste na decisão de realizar a ação típica e na execução dessa decisão.
A propósito do dolo eventual, como refere o Professor Figueiredo Dias, obra citada, pág. 36, para que se verifique o dolo eventual relativamente a condutas objetivamente e mesmo extremamente perigosas, não basta que o agente preveja o perigo de resultado e se conforme com ele, é necessário que preveja e se conforme com o próprio resultado. O que em princípio acontecerá quando o agente tome a sério o risco de possível lesão do bem jurídico, que o tenha em conta e que, não obstante, se decida pela realização do facto, critério que, no entanto, não pode alhear-se da maior ou menor probabilidade da realização do típica.
Sendo um crime de resultado o crime de homicídio admite a figura da tentativa.
Nos termos do art. 22º, n.º 1 do Código Penal há tentativa quando o agente praticar atos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.
Atos de execução são, segundo o nº 2 do mesmo preceito:
- Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime (al. a);
- Os que forem idóneos a produzir o resultado típico (al. b); ou
- Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam atos das espécies indicadas nas alíneas anteriores (al. c).
Transpondo para o caso em apreço as considerações que acima expusemos, verificamos que a conduta do arguido AA integra o tipo legal de crime previsto no art. 131º do Código Penal, na forma de tentativa.
Na verdade, o arguido AA chegou a praticar atos que preenchem o elemento típico de matar outra pessoa e que eram idóneos a produzir o resultado morte.
Por outro lado, porque ao crime corresponde pena de prisão de 8 a 16 anos e a não consumação resultou, não de uma conduta voluntária do arguido, mas de circunstâncias alheias à sua vontade, decorrentes do aparecimento de terceiros no local e da assistência médica que foi prontamente prestada ao ofendido, a tentativa é, no caso, punível.
Mostram-se, por isso, preenchidos todos os elementos objetivos do tipo legal de crime de homicídio, na forma tentada, cuja prática vem imputada ao arguido AA.
Quanto aos elementos subjetivos, resulta da matéria de facto que o arguido AA ao proceder conforme resultou provado, admitiu como possível que poderia tirar a vida ao CC, resultado com o qual se conformou; e que apenas não ocorreu por circunstâncias alheias à sua vontade, resultantes da assistência médica que ao ofendido foi prestada.
Ao agir deste modo fê-lo o arguido com dolo eventual.
Efetivamente, o artigo 14º, nº 3 do Código Penal considera que “quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização”.
Ora, esta é precisamente a situação vertente.
Significa assim que está também preenchido o elemento subjetivo do crime, já que a compatibilidade do dolo eventual com a tentativa é hoje pacífica, tanto na doutrina como na jurisprudência.
Nesse sentido pronuncia-se o Professor Eduardo Correia, in Direito Criminal II, pág. 240, o Professor Cavaleiro de Ferreira, in Lições de Direito Penal, 4.ª ed., 404, o Professor Germano Marques da Silva, in Direito Criminal II, 241, o Professor Taipa de Carvalho, in A Legítima Defesa, pág. 225 a 229, e Jeschek, in Tratado de Direito Penal, ed. de 1993, pág. 466.
E, na jurisprudência, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8/3/06 (proc. nº 06P269), de 13/07/06 (proc. nº 06P2046), de 23/11/06 (proc. nº 06P3770) e de 15/03/07 (proc. nº 07P610), publicados em www.dgsi.pt/jstj, todos concluindo que nada impede que, na tentativa, o dolo possa revestir a forma de dolo eventual, e acentuando, a propósito, que nesta forma também há representação e vontade, conquanto enfraquecidas ou degradadas.
Na verdade, uma acção, embora típica pode, no entanto, não ser ilícita, na medida em que a lei naquela situação concreta dá à pessoa o direito de se defender ou defender terceiros, justificando legalmente a sua acção típica, ou seja, excluindo a sua ilicitude.
No caso dos autos, a conduta do arguido AA por não se ter provado qualquer circunstância que excluísse a ilicitude da sua conduta.
Finalmente, para que sobre o arguido recaia um juízo de desvalor jurídico-penal é ainda necessário que a sua conduta tenha sido culposa, ou seja, que ele seja imputável e que tenha atuado com consciência da ilicitude, o que também se verifica, uma vez que resultou demonstrado que o arguido, além de agir livre e conscientemente, sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Donde se conclui que o arguido AA cometeu o crime por que vinha acusado.
No que concerne ao arguido BB, da factualidade dada como provada resultou que o mesmo desferiu no ofendido, pontapés da cintura para baixo e de seguida parou a agressão, mantendo-se apenas no local, enquanto o ofendido continuava a ser agredido pelo arguido AA com um capacete na cabeça e peito.
Ora, entendemos que, a conduta do arguido BB, ao desferir pontapés no arguido e parar a agressão, apenas pode ser subsumível à prática do crime de ofensas à integridade física simples p. e p. no artigo 143º, n.º 1, do Código Penal, não preenchendo os elementos objetivos e subjetivos do crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131º, 14º, alínea b), 22º e 23º e 73º, n.º 1, do Código Penal, pois com a sua conduta não praticou atos que preenchem o elemento típico de matar outra pessoa e que eram idóneos a produzir o resultado morte, isto porque pontapés da cintura para baixo não são idóneos a produzir a morte e ainda porque das lesões que o ofendido apresentava de acordo com o relatório pericial, essencialmente na zona da cabeça e que colocaram em perigo de vida o mesmo, o arguido BB em nada contribuiu, aliás quando estas estavam a ocorrer por parte do arguido AA, o arguido BB parou de agredir o ofendido e afastou-se do mesmo, deixando de agir em coautoria com o arguido AA.
A coautoria pressupõe que pratica o crime, quem executar o facto, por si ou por intermédio de outra pessoa, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros – cfr. art. 26.º do Código Penal.
Como se vê a comparticipação criminosa sob a forma de coautoria pressupõe um elemento subjetivo – o acordo, com o sentido de decisão, expresso ou tácito, para a realização de determinada ação típica - e um elemento objetivo, que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, tomar parte direta na execução.
O Supremo Tribunal de Justiça tem, de há muito, consagrado a tese segundo a qual, para a coautoria, não é indispensável que cada um dos intervenientes participe em todos os atos para obtenção do resultado pretendido, já que basta que a atuação de cada um, embora parcial, seja um elemento componente do todo indispensável à sua produção.
O autor deve ter o domínio funcional do facto; o coautor tem também, do mesmo modo, que deter o domínio funcional da atividade que realiza, integrante do conjunto da ação para a qual deu o seu acordo, e na execução de tal acordo se dispôs a levar a cabo.
O domínio funcional do facto próprio da autoria significa que a atividade, mesmo parcelar, do coautor na realização do objetivo acordado se tem de revelar indispensável à realização da finalidade pretendida.
Ou seja, a contribuição de cada coautor deve revelar uma determinada medida e significado funcional, de modo que a realização por cada um do papel que lhe corresponde se apresente como uma peça essencial da realização do facto [cfr. Hans-Heinrich Jescheck, in “Tratado de Derecho Penal – Parte General”, página 726].
A outra forma de comparticipação – a cumplicidade – está definida no artigo 27.º do Código Penal, o qual estabelece que: “É punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso”.
A cumplicidade diferencia-se da coautoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.
A linha divisória entre autores e cúmplices está em que a lei considera como autores os que realizam a ação típica, direta ou indiretamente, isto é, pessoalmente ou através de terceiros (dão-lhe causa), e como cúmplices aqueles que, não realizando a ação típica nem lhe dando causa, ajudam os autores a praticá-la [cfr. Germano Marques da Silva, in “Direito Penal Português”, Parte Geral, Vol. II; ed. Verbo, p. l79].
A cumplicidade é uma forma de participação secundária na comparticipação criminosa, destinada a favorecer um facto alheio, portanto, de menor gravidade objetiva, mas embora sem ser determinante na vontade do autor e sem participação na execução do crime, traduz-se em auxílio à prática do crime e, nessa medida, contribui para a sua prática, configurando-se como uma concausa do crime.
Confrontando, agora, tais noções de ordem jurídica com a factualidade provada, forçoso é concluir que a atuação do arguido BB não teve qualquer participação direta e concertada com o arguido AA, no sentido de agredir o ofendido CC com o capacete em zonas vitais do seu corpo, que lhe poderiam causar a morte.
Conforme decidido no Acórdão do STJ, de 08/09/2016, disponível em www.dgsi.pt “se as acções de singulares co autores que vão para além dela [decisão conjunta] tiverem lugar (casos ditos de excesso), sejam elas praticadas com dolo ou por negligência, só podem ser imputadas em princípio ao(s) seu(s) autor(es) singular(es)” (Figueiredo Dias, Direito Penal I, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2007, 31/ § 32, p. 793). Por isso, a tentativa de crime de homicídio qualificado, que tinha sido (aquando da acusação) imputada em co-autoria aos quatro arguidos, foi, após alteração da qualificação substancial dos factos nos termos legais, apenas imputada ao arguido agora recorrente, tendo os restantes três arguidos sido condenados, em co-autoria, pelo crime de violação da integridade física qualificada (nos termos dos arts. 145.º n.º 1, al. a) e n.º 2, 143.º, e 131.º, n.º 2, al. h) [no dispositivo, por lapso, refere-se o art. 13.º, n.º 2, al. h)], todos do CP).
Desta forma não resta senão concluir que a conduta do arguido não integra a previsão do crime de homicídio na forma tentada, de que vinha acusado em coautoria, impondo-se, consequentemente, a sua absolvição.
Por força da alteração da qualificação jurídica previamente comunicada ao arguido, a este, é imputada a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido no artigo 143º do Código Penal.

Do crime de ofensa à integridade física
Dispõe o artigo 143º, n.º 1: “ Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.
Constituem elementos objetivos do tipo:
- a ofensa ao corpo, ou seja “todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem estar físico de uma forma não insignificante” independentemente da dor ou sofrimento causado; Integram o elemento típico aquelas atuações que envolvem uma diminuição da substância corporal, como a perda de órgãos, membros ou pele, lesões de substância corporal, como nódoas negras, feridas ou inchaços, alterações físicas (Comentário Conimbricense do Cód. Penal Parte Especial, Tomo I, pág. 205 e 206), ou
- a ofensa à saúde de outrem, devendo considerar-se “toda a intervenção que ponha em causa o normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a”;( Comentário Conimbricense do Cód. Penal Parte Especial, Tomo I, pág. 207)
Conforme refere Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 8ª ed., 582, a previsão legal abrange qualquer ofensa no corpo ou na saúde o que significa que o crime se pode verificar ainda que o ofendido não sofra, por via da agressão, qualquer lesão corporal, incapacidade para o trabalho, ou mesmo sofrimento físico. Entendimento que foi confirmado pelo STJ no Ac. de 18/12/1991 in DR I-A, de 8/02/92.
O tipo legal do artigo 143º do Código Penal exige, como elemento subjetivo do ilícito, o dolo em qualquer das suas modalidades ( artigo 14º do Código Penal). O dolo de ofensas à integridade física refere-se às ofensas no corpo ou na saúde do ofendido.
No caso em análise, não restam dúvidas que o arguido BB cometeu, o crime de ofensas á integridade física simples, ao dar pontapés no ofendido, atuando desta forma com vista de atingir o ofendido EE na sua integridade física, bem sabendo que tal conduta lhe estava vedada.

Do crime de ameaça
Dispõe o art. 153º, n.º 1, do CP que: “ Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punível com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
Determina o artigo 155º, n.º 1, alínea c), do CP que: “ quando os factos previstos nos artigos 153º e 154º forem realizados:
c) contra uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132º, no exercício das suas funções ou por causa delas; “
O bem jurídico aqui protegido é a liberdade pessoal que vê na paz individual uma condição da sua realização.
O crime de ameaça é um crime contra a liberdade pessoal – encontra-se no capítulo “ Dos crimes contra a liberdade pessoal” -, contra a liberdade de decisão e de ação.
c) sendo indispensável que a ocorrência do mal futuro dependa da vontade do agente.
Logo a ameaça há-de de ser de tal ordem que gere insegurança, intranquilidade ou medo no visado, de modo a condicionar as suas decisões e movimentos dali em diante.
Neste sentido se pronuncia Taipa de Carvalho, o conceito de ameaça apresenta três características essenciais: um mal (tanto pode ser de natureza pessoal como patrimonial); futuro (não pode ser iminente, pois se o fosse seria caso de tentativa de execução do ato violento), que dependa da vontade do agente (o que distingue a ameaça do mero aviso).
Para determinar a consumação do crime, rege o seguinte critério – por um lado, que o agente queira criar no espírito da vítima medo ou receio de que o crime se realizará; por outro lado, que o sujeito passivo, abstratamente considerado como o homem médio, tenha em vista esse medo ou receio.
Importa referir que não basta a ameaça de qualquer mal para se cair neste tipo-de-ilícito, devendo o mal ameaçado constituir crime contra os bens jurídicos apontados no tipo.
Em suma, o crime de ameaça é um crime de comissão por ação, de execução livre (a forma de ameaçar pode ser oral, escrita ou gestual) e de perigo concreto (apenas se exige que a ameaça seja suscetível de violar o bem jurídico protegido, adequada a provocar medo ou inquietação, não sendo necessário que, efetivamente, lese a paz individual ou a liberdade de determinação).
Quanto ao elemento subjetivo do tipo, o crime de ameaça é doloso, podendo o dolo aparecer em qualquer uma das suas formas – direto, necessário ou eventual, sendo irrelevante que o agente tenha ou não intenção de concretizar a ameaça.
O critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a liberdade de determinação é objectivo-individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do “homem comum”); individual, no sentido de que devem revelar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada.
No caso em análise, não restam dúvidas que o arguido BB cometeu, o crime de ameaça agravado de que vinha acusado, ao dirigir ao militar da GNR FF a expressão: “ vou-te apanhar sozinho, vou-te foder o focinho “, atuando desta forma com vista amedrontar, como conseguiu, o ofendido, bem sabendo que tal conduta lhe estava vedada.

Do Crime de omissão de auxílio
Vem igualmente imputada aos arguidos a prática de um crime de omissão de auxílio previsto pelo artigo 200º, nº 1 do Código Penal
Este preceito prescreve o seguinte:
1. Quem, em caso de grave necessidade, nomeadamente provocada por desastre, acidente, calamidade pública ou situação de perigo comum, que ponha em perigo a vida, a integridade física ou a liberdade de outra pessoa, deixar de lhe prestar o auxílio necessário ao afastamento do perigo, seja por acção pessoal, seja promovendo o socorro, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
2. Se a situação referida no número anterior tiver sido criada por aquele que omite o auxílio devido, o omitente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
3. A omissão de auxílio não é punível quando se verificar grave risco para a vida ou a integridade física do omitente, ou quando, por outro motivo, o auxílio não lhe for exigível.
Como refere Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense ao Código Penal, 2ª Ed., tomo I, pág. 1233 e ss, o fundamento legitimador do dever geral de auxílio é a solidariedade humana que deve vincular todo e qualquer membro da sociedade quando estão em causa bens jurídicos pessoais.
O dever de auxílio impõe-se independentemente de as situações serem fruto de acontecimentos naturais ou de condutas criminosas. Que a vida ou a saúde de alguém corra perigo é o que basta para a afirmação do dever de auxílio.
Os bens jurídicos protegidos por este crime são a vida, a integridade física ou a liberdade. Trata-se, portanto, de um tipo legal de crime pessoal pluri-ofensivo. A verificação do crime pressupõe uma situação objectiva de perigo para um desses bens jurídicos, em caso de grave necessidade que ponha em perigo a vida, a integridade física ou a liberdade de outra pessoa. O conceito de “grave necessidade” significa e exige que se trate de um risco ou perigo iminente de lesão substancial (grave) dos referidos bens jurídicos. Caindo fora do âmbito do tipo as situações de perigo de lesão não iminente e as situações de perigo de leves lesões corporais ou da liberdade, ainda que iminentes (ob. cit., pág. 1236).
Por outro lado, trata-se de um crime de perigo concreto que tem como seu elemento constitutivo a existência efectiva do perigo.
A ilicitude da conduta está na não prestação do auxílio adequado, pressupondo, por isso, a possibilidade fáctica do omitente poder realizar, na situação concreta, aquela acção. Tem que existir a possibilidade de prestar o auxílio necessário e que esta não implique riscos de lesão corporal grave daquele que poderia prestar auxílio. Auxílio necessário é aquele que, na situação concreta, é, simultaneamente, considerado indispensável e adequado a afastar o perigo, avaliado num juízo objectivo “ex ante”.
Já a prestação de auxílio pode realizar-se mediante acção pessoal ou promovendo o socorro.
Como se diz no Ac. do TRC de 6/7/00, consultável em www.dgsi.pt “é indiferente à verificação do elemento objectivo do crime a circunstância de as vítimas do sinistro terem sido socorridas por outras pessoas que transitavam no local e o facto de uma delas haver chamado uma ambulância por meio de telemóvel”.
O tipo subjetivo de ilícito exige o dolo, em qualquer das suas modalidades, sendo certo que a afirmação do dolo pressupõe e basta-se com a representação de que o necessitado de auxílio corre riscos de vida ou de lesão grave da sua saúde ou liberdade e com a conformação ou indiferença perante essa situação de perigo. Não é, portanto, necessário o dolo do resultado, mas sim o dolo do perigo concreto da lesão dos bens jurídicos enunciados.
Dos factos provados resulta que todos estes elementos estão preenchidos pela conduta do arguido BB, isto porque provou-se que o arguido BB estava presente quando o arguido AA agrediu o ofendido CC com o capacete na cabeça, que essas agressões perpetradas pelo arguido AA causaram as lesões descritas nos factos provados que determinaram a assistência hospitalar prestada, que essas lesões colocaram em perigo a vida do CC.
Resultou igualmente demonstrado que o arguido BB, não obstante soubesse que o assistente estava ferido e que existia perigo para a sua integridade física e vida, abandonou o local, juntamente com o arguido AA, sem lhe prestar qualquer auxílio, fosse socorrendo-o ou promovendo o seu socorro, quando a prestação de auxílio lhe era possível e exigível.
O que fez atuando livre, consciente e voluntariamente sabendo que esta sua conduta era punida por lei. Ao agir da forma descrita fê-lo com dolo direto – art. 14º, n.º 1 do Código Penal.
Incorreu, por isso, o arguido BB na prática, em autoria material, de um crime de omissão de auxílio p. e p. pelo art. 200º, nº 1 do Código Penal.
(…)”
*
Determinação da Medida da Pena:
Uma vez feita a qualificação jurídica dos factos, cumpre determinar a medida concreta da pena aplicável ao arguido.
O arguido AA tinha à data dos factos 17 anos de idade e o arguido BB tinha 19 (factos de 20.07.2018) e 20 (factos de 01.05.2019) anos de idade.
O Decreto-Lei n.º 401/82 de 23 de setembro que instituiu o regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos tem o seu campo de aplicação restrito a jovens que tenham cometido um facto qualificado como crime (cfr. art. 1.º, n.º 1). Sendo que, para efeitos do mesmo diploma jovem é o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos (cfr. art. 1.º, n.º 2).
O art. 4.º do diploma em análise dispõe que se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos do art. 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Como se diz no Ac. do STJ, de 31.03.2016, publicado na internet in www.gdsi.pt/jtstj, referente ao processo n.º 499/14.8PWLSB.L1.S1, a atenuação especial da medida da pena decorrente deste regime «não constitui um “efeito automático” derivado da juventude do arguido, mas uma consequência a ponderar, caso a caso, em função dos crimes cometidos, do modo e tempo como foram cometidos, do comportamento do arguido anterior e posterior ao crime, e de todos elementos que possam ser colhidos do caso concreto.
III - Cabe ao julgador, por força do disposto no art. 9.º, do C.P., averiguar se é possível aplicar as normas especiais aplicáveis a delinquentes com idade entre os 16 anos e os 21 anos, devendo aplicá-las sempre que admita, com uma razoabilidade evidente, que daí possam resultar vantagens para a ressocialização daquele jovem.
IV - Sabendo do efeito altamente criminógeno da pena de prisão, tudo aponta no sentido de quanto menor a pena de reclusão menor será aquele efeito e, consequentemente, maior a possibilidade de uma vez fora da prisão o jovem poder optar por uma vida longe do crime. Mas, a esta consideração abstrata o julgador terá que juntar elementos concretos que lhe permitam concluir que o delinquente, uma vez fora da prisão, se integrará num meio envolvente propício a que se afaste de ambientes, lugares e pessoas que o poderão levar, novamente, para a prática de atos da mesma natureza dos praticados.
V - Não podemos simplesmente retirar da gravidade do crime praticado a impossibilidade de reintegração do agente.
VI - Não é a culpa do arguido, consubstanciada no facto concreto que praticou, que nos poderá limitar a aplicação do regime especial de jovens adultos. A única coisa que a lei impõe como limite à aplicação desta atenuação especial é a consideração de que o arguido não tirará quaisquer vantagens para a sua reintegração social daquela diminuição.»
No caso dos autos, diremos que a conduta que os arguidos adotaram não se enquadra numa atuação meramente isolada e fruto de uma imaturidade própria da juventude; a atuação retratada na matéria de facto provada demonstra bem uma personalidade desviante de cada um dos arguidos, bem cientes do que faziam e das consequências das suas atuações, sendo que ambos pautam a sua vida pelo desrespeito da normas de vivência em sociedade, e possuem antecedentes criminais; os arguidos remeteram-se ao silêncio, não demonstrando qualquer tipo de arrependimento.
Este quadro evidencia uma clara incapacidade de autocrítica perante os concretos factos dos presentes autos, o que significa que não interiorizaram o desvalor da sua conduta, podendo eventualmente voltar a não respeitar os valores que enformam o direito penal e conformam a vida em sociedade.
E, quanto a estes pontos (ausência de arrependimento e de autocrítica) permitimo-nos citar o Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 22.09.2010, o qual traduz o nosso pensamento:
«Relativamente ao “direito ao silêncio”… por contraposição à ausência de arrependimento…, importa salientar que a génese do direito ao silêncio não assenta num intuito de beneficiar o arguido, antes decorrendo do princípio do acusatório, que impõe à acusação o dever de provar os factos que lhe são imputados, facultando ao arguido um comportamento que, em última análise, poderá obstar a que se autoincrimine. No entanto, se o uso do direito ao silêncio não poderá em caso algum prejudicar o arguido, também o não deverá beneficiar! Aliás, não se vislumbra nenhuma razão de ordem lógica, ou mesmo jurídica, para que um arguido que se refugia no direito ao silêncio deva ser beneficiado, porventura na mesma medida dos arguidos que colaborem com a justiça ou que manifestem sincero arrependimento. O silêncio constitui, é certo, um direito do arguido, mas não se traduz numa circunstância atenuante; não implica diminuição da culpa e também não reduz a ilicitude do facto.
Logo, o silêncio não beneficia o arguido; apenas o não prejudica!
Aliás, como dizem Simas Santos e Leal Henriques não se deve confundir “desfavorecer” com o “não favorecer”. A confissão, se espontânea, beneficia a posição do arguido. E se do silêncio do arguido resultar o desconhecimento de circunstâncias que o poderiam favorecer – e de que, porventura, só ele tem conhecimento –, então poderá esse silêncio nitidamente desfavorecê-lo.
O que estes autores salientam é, afinal, a evidência de que, muito embora o arguido esteja isento do ónus de provar a sua inocência, não podendo ver juridicamente desfavorecida a sua posição pelo facto de exercer o seu direito ao silêncio – de que não é legítimo extrair qualquer consequência, seja para determinar a culpa, seja para determinar a medida concreta da pena  – não é menos verdade que quando é do interesse do arguido invocar um facto que o favorece – e que ele poderá ser o único a conhecer – a manutenção do silêncio poderá desfavorecê-lo.»
Desse silêncio não se pode extrair qualquer consequência jurídica desfavorável para os mesmos, que se presumem inocentes antes de haver sentença condenatória com o trânsito em julgado.
Porém, por via dessa legítima opção, privaram-se da oportunidade de apresentarem a sua própria versão dos factos (como já anotámos em sede motivação), bem como a manifestarem, eventualmente, arrependimento, ficando o tribunal circunscrito aos depoimentos de testemunhas, todos prestados em audiência, e à prova documental existente nos autos.
Assim, consideramos que os aspetos negativos supra assinalados se sobrepõem aos positivos, daí que não seja possível fundar um juízo de prognose favorável no sentido de existirem sérias razões para crer que, da atenuação prevista neste regime especial, lhes traga vantagens para a sua reinserção social.
Donde se conclui pela não aplicação aos arguidos do regime especial para jovens.
Arguido AA
O crime de homicídio simples previsto pelo art. 131º do Código Penal é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.
Porque o crime se ficou pela tentativa a pena aplicável é especialmente atenuada, conforme resulta do disposto pelos nº 1 e 2 do art. 23º do Código Penal.
Da atenuação especial decorre que o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço enquanto o limite mínimo é reduzido a um quinto – cf. art. 73º, nº 1, al. a) e b) do Código Penal.
Assim, a moldura penal a considerar é de um ano sete meses e seis dias a dez anos e oito meses de prisão.
Nos termos do disposto pelo art. 40º do Código Penal a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (nº 1), em caso algum podendo a pena ultrapassar a medida da culpa (nº 2).
A determinação da medida concreta da pena terá que ser feita, nos termos do art. 71º, n.º 1 e 2 do Código Penal, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção de futuros crimes, servindo como fatores de doseamento da pena as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham contra ou a seu favor considerando, nomeadamente: o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior e posterior ao facto e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto.
Estas circunstâncias e critérios, como se refere no Acórdão do STJ de 26/10/11 (proc. 62/10.2PEBRR.S1), publicado em www.dgsi.pt, “devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano. Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados”.
No caso releva o dolo, que ocorreu na modalidade de dolo eventual, portanto na sua modalidade menos grave.
O modo de execução do facto, o arguido utilizou um capacete para desferir com o mesmo, repetidas pancadas, na zona da cabeça, cara e do peito de CC, enquanto este permanecia inanimado no chão, que lhe provocaram as lesões descritas no ponto 11 dos factos provados, pondo a vida do ofendido CC em perigo, já que se o mesmo não tivesse sido rapidamente socorrido, teria entrado em paragem respiratória, sobrevindo-lhe a morte; as regiões, nas quais atingiu o ofendido aloja órgãos vitais, o que significa que a sua conduta é de extrema gravidade, uma vez que a possibilidade do resultado ocorrer foi efetiva (na medida em que estamos perante uma situação de dolo eventual, esta maior ou menor perigosidade dos meios utilizados tem relevância na apreciação das circunstâncias concretas da atuação do arguido).
Terá de se ter em consideração, ainda as sequelas que da conduta do arguido advieram para o ofendido, nomeadamente ao nível das lesões por ele sofridas e dos tratamentos a que se submeteu, conforme resultaram da factualidade dada como provada.
No que respeita às exigências de prevenção geral há que ter em consideração que o crime de homicídio atinge o bem mais precioso da nossa sociedade, traduzido pela vida humana devendo, por isso, a prevenção geral ser particularmente acutilante.
Na verdade, como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/6/12 (proc. nº 525/11.2PBFAR.S1), publicado em www.dgsi.pt, “nos crimes de homicídio, ainda que se quedem pela fase da tentativa, as exigências de prevenção geral positiva são sempre especialmente intensas, porque a violação do bem jurídico fundamental ou primeiro - a vida - é, em geral, fortemente repudiada pela comunidade. (…) Por isso, a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na afirmação do direito reclama uma reacção forte do sistema formal de administração da justiça, traduzida na aplicação de uma pena capaz de restabelecer a paz jurídica abalada pelo crime e de assegurar a confiança da comunidade na prevalência do direito”.
No que respeita às exigências de prevenção especial podemos concluir serem muito mais elevadas na medida em que a vida do arguido AA é pautada por comportamentos desviantes e contrários ao cumprimento das regras da vida em sociedade, apresenta um percurso de vida marcado pela disfuncionalidade da dinâmica intrafamiliar do seu agregado de origem, pela ingestão abusiva de bebidas alcoólicas, pela manutenção do consumo de substâncias estupefacientes, não lhe é conhecida atividade profissional fixa e a existência de antecedentes criminais.
Assim, tudo ponderado, afigura-se adequado ao caso concreto impor ao arguido AA, pela prática, em autoria material, do crime de homicídio simples na forma tentada, a pena de 6 (seis) anos de prisão.
Arguido BB
O crime de ofensas à integridade física simples previsto pelo artigo 143º, n.º 1, do Código Penal é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
 O crime de omissão de auxílio previsto pelo artigo 200º, n.º 1, do Código Penal é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
O crime de ameaça agravado previsto pelos artigos 153º, n.º 1 155º, n.º 1, alínea c), do Código Penal é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
Relativamente aos crimes praticados pelo arguido BB, temos em conta a sua forma de atuação, a falta de atividade profissional fixa e suporte familiar, uma vida pautada pela falta de cumprimento de regras e consumo de estupefacientes.
O exposto é revelador que o arguido em questão, necessita de ser encaminhados para um percurso de vida respeitador das regras do direito e da vida em sociedade, logo entende este tribunal que não é possível optar por uma pena não privativa de liberdade, quer face à exigência de prevenção geral e à reafirmação contrafática da norma violada, quer porque tal medida não se afigurará suficiente para ressocializar o arguido.
Assim, o Tribunal opta, por aplicar ao arguido uma pena privativa da liberdade.
*
Passemos então à determinação da medida concreta de cada uma das penas a aplicar, atendendo às circunstâncias referidas no art. 71º, nº 2 do C.P.
Assim, há que relevar especialmente o seguinte:
- a intensidade do dolo, elevada, pois existiu na modalidade de dolo direto;
- as exigências de prevenção geral são elevadas, tratando-se de crimes que se generalizaram e que criam um forte sentimento de insegurança nas pessoas, provocando grande alarme social. E fazendo jus à sua função de direito de primeira proteção dos bens jurídicos essenciais ao viver em sociedade, o Direito Criminal não pode pactuar com esta situação e acabar também ele por sancionar levemente estas atuações, deixando a ideia de que são toleradas pela sociedade. Com efeito, como o caso dos autos não é infelizmente singular, o que coloca exigências acrescidas, devem as decisões dos tribunais, a propósito de tais casos, não deixar que subsista a menor hesitação sobre a proibição de tais comportamentos, sobre a validade da norma violada, isto é, devendo as decisões dos tribunais ser pacificadoras e estabilizadoras;
- a ilicitude é mediana, atendendo ao total desprezo pela integridade física das pessoas e respeito pelas autoridades policiais.
- o facto de o arguido ter antecedentes criminais;
As exigências de prevenção especial são elevadas, tendo em conta o percurso do arguido, a falta de integração social e profissional, a falta de rumo para a vida e a dependência de drogas.
Sopesando todos os fatores enunciados, considera-se adequado, crendo que assim se satisfazem as finalidades de tutela dos bens jurídicos, sem desatender ao máximo que nos é fornecido pela culpa do arguido, aplicar-lhe as seguintes penas:
- para o crime de ofensas à integridade física simples previsto pelo artigo 143º, n.º 1, do Código Penal a pena de 10 meses de prisão.
 - para o crime de omissão de auxílio previsto pelo artigo 200º, n.º 1, do Código Penal pena de 4 meses de prisão.
- para o crime de ameaça agravado previsto pelos artigos 153º, n.º 1 155º, n.º 1, alínea c), do Código Penal a pena de 3 meses de prisão.
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Em face do disposto no art. 77.º do Código Penal e uma vez que estamos perante um concurso efetivo de crimes, há que aplicar ao arguido BB uma pena única.
Com relevo para o cúmulo a efetuar dever-se-á ter em conta que a pena aplicável terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – cfr. art. 77.º, n.º 2, do Código Penal).
Face ao disposto no art. 77.º, n.º 2 do Código Penal, a moldura abstrata do concurso será de pena de prisão de 10 meses a 17 meses de prisão.
Tendo por base esta moldura urge determinar a pena concreta a aplicar ao arguido, fazendo apelo em conjunto ao binómio constituído pelos factos e pela personalidade do agente (cfr. art. 77.º, n.º 1, in fine).
Tais crimes apresentam um grau mediano de ilicitude, o que se mostra refletido nas respetivas penas parcelares.
Quanto à personalidade do arguido apresentam uma reduzida capacidade de reflexão sobre a sua conduta e sem consciencialização dos danos e consequências que as suas decisões provocam; ponderando a situação pessoal, familiar e social, caraterizada por um percurso de vida se carateriza por comportamentos desviantes, falta de atividade profissional fixa, demonstrando dificuldades em cumprir regras, possuindo um estilo de vida instável.
Ora, se as necessidades de prevenção geral são medianas, as necessidades de prevenção especial revelam-se vivamente prementes, como supra referido.
Assim, considerando os factos já referidos no seu conjunto e a personalidade do arguido, a idade do mesmo, as suas condições pessoais, a data da prática dos factos, bem como o contexto em que os factos ocorreram, a reiteração criminosa, com a violação de vários bens jurídicos diferentes, afigura-se adequado condenar o arguido na pena única de 1 ano de prisão.
*
Suspensão da execução da pena:
A pena imposta ao arguido BB não excede 5 anos de prisão, pelo que cumpre aferir da suscetibilidade da suspensão da sua execução.
O artigo 50º, nº 1 do Código Penal estatui o seguinte:
O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Para que seja suspensa a execução da pena de prisão é necessário, em primeiro lugar, que a mesma não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade. Em segundo lugar, é necessário que o tribunal se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de comportamentos delituosos. Por outro lado, o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado deve ter em consideração, como a letra da lei impõe, a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/12/07, proc. nº 07P3206, in www.dgsi.pt.
Pois bem, no caso concreto, sem prescindir da necessidade de reprovação, que deve ser vincada, em atenção ao crime e às aludidas exigências de prevenção geral, afigura-se-nos, face ao quadro factual provado, nomeadamente a existência de antecedentes criminais por banda do arguido, por crimes de natureza diversa dos em causa nos autos, a sua conduta posterior e anterior, o tempo entretanto decorrido sobre a prática dos factos, que a censura do facto e a ameaça da pena, constituindo sério aviso para o mesmo, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, crendo-se, ainda, que a reprovação pública inerente à pena suspensa e o castigo que ela envolve, satisfazem o sentimento jurídico da comunidade e, consequentemente, as exigências de prevenção geral de defesa da ordem jurídica.
Em conformidade com tudo o acabado de expender, decide-se suspender a execução da pena de prisão imposta ao arguido por igual período de tempo.
A suspensão será, porém, acompanhada de regime de prova, por se considerar o mesmo conveniente e adequado a promover a reintegração do arguido na sociedade, regime esse que vigorará durante o período de suspensão e que assentará num plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social dirigido à procura ativa de trabalho.
(…)”
*
Da aplicação da Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto  
Os factos pelos quais os arguidos foram condenados foram praticados em 29.07.2018.
O arguido AA nasceu em ../../2000 e o arguido BB nasceu em ../../1998.
Em 1 de Setembro de 2023 entrou em vigor a Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto que estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, abrangendo as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto.
Ora, segundo dispõe o nº 1 do seu art. 3º “Sem prejuízo do disposto no artigo 4º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos”.
Resulta, portanto, da letra da Lei que os requisitos para a aplicação do perdão são os seguintes:
- O crime ter sido praticado até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023;
- O seu autor ter entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto;
- A pena imposta não ser superior a 8 anos de prisão;
- O crime não estar abrangido por alguma das exceções enunciadas no art. 7º, que elenca os casos em que os condenados não beneficiam de perdão e/ou de amnistia.
Vistos os autos verificamos que à data da prática dos factos, ambos os arguidos tinham idade inferior a 30 anos, os factos foram praticados antes de 19 de junho de 2023 e aos arguidos foram impostas penas de prisão inferiores a 8 anos.
No entanto o crime de homicídio simples, na forma tentada p. e p. pelos art. 131º, 14º, n.º 3, 22º e 23º, e 73, n.º 1, todos do Código Penal, pelo qual o arguido AA vai condenado está abrangido pelas exceções enunciadas no artigo 7º da mencionada Lei,  de acordo com o disposto no artigo 7º, n.º 1, alínea a)- i), logo não é aplicável a presente Lei.
Relativamente ao arguido BB, vai o mesmo condenado na pena única de 1 (um) ano de prisão, cuja execução fica suspensa pelo período de 1 ( um ) ano, com regime de prova, dirigido à procura ativa de trabalho, também esta situação se encontra excluída ada aplicação da Lei em causa, uma vez que a suspensão da pena de prisão encontra-se acompanhada de regime de prova, de acordo com o disposto no artigo 3º, n.º 2, alínea d), da citada Lei.
Pelo exposto, decide este tribunal, que a Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto, não tem aplicação nas condenações dos arguidos em análise nos presentes autos.
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Os objetos:
Encontra-se apreendida à ordem dos autos o capacete e vestuário utilizado no cometimento dos factos, conforme auto de apreensão dos autos.
Tendo tais objetos sido utilizados na prática dos factos, ao abrigo do disposto pelo art. 109º do Código Penal, declaram-se perdidos a favor do Estado.
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IV- Decisão:
Em face do exposto, decide-se:
A. Julgar a acusação pública procedente, por provada, e, em consequência:
1. Absolver o arguido BB da prática em coautoria de um crime de homicídio simples na forma tentada p. e p. pelos art. 131º, 14º, n.º 3, 22º e 23º, e 73, n.º 1, todos do Código Penal.
2.Absolver o arguido AA da prática em coautoria de um crime de omissão de auxílio p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 9º, 14º, n.º 1, 26º, 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea c), por referência ao disposto na al. l) do n.º 2, do artigo 132º, todos do Código Penal.
4. Condenar o arguido AA pela prática em autoria material de um crime de homicídio simples, na forma tentada p. e p. pelos art. 131º, 14º, n.º 3, 22º e 23º, e 73, n.º 1, todos do Código Penal na pena de 6 anos de prisão.
5. Condenar o arguido BB pela prática em autoria material de um crime de omissão de auxílio p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 9º, 14º, n.º 1, 26º, 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea c), por referência ao disposto na al. l) do n.º 2, do artigo 132º, todos do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão.
6. Condenar o arguido BB pela prática em autoria material de um crime de ofensas à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1, do Código penal, na pena de 10 meses de prisão.
7. Condenar o arguido BB pela prática em autoria material de um crime de ameaça agravado, p. e p. 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. c), por referência ao disposto na al. l) do n.º 2 do artigo 132.º do Código penal, na pena de 3 meses de prisão.
8. Em cúmulo jurídico condenar o vai o arguido BB condenado na pena única de 1 (um) ano de prisão, cuja execução fica suspensa pelo período de 1 ( um ) ano , com regime de prova, dirigido à procura ativa de trabalho.
9. Declarar, ao abrigo do disposto pelo art. 109º do Código Penal, perdida a favor do Estado o capacete e vestuário apreendido.
10. Condenar os arguidos no pagamento das custas, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça, para cada um - art. 513º, n.º 1 do CPP e art. 3º, nº 1, 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa.
*
B. Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pela Unidade Local de Saúde ..., E.P.E totalmente procedente, por provado, e, em consequência, condenar os demandados AA e BB  a pagar-lhe o montante de € 258,29 ( duzentos e cinquenta e oito euros e vinte e nove cêntimos ) acrescido de juros moratórios a contar desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até efetivo pagamento à taxa legal, nos termos do disposto pelos art. 804º, 805º, n.º 1, 806º, n.º 1 e 559º, n.º 1 todos do Código Civil.
As custas do pedido de indemnização civil ficam a cargo dos demandados, nos termos do disposto pelo art. 523º do Código de Processo Penal e art. 527º, nº 2 do Código de Processo Civil.

C. Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pelo CC parcialmente procedente, por provado e, em consequência condenar o demandado AA no pagamento da quantia de € 13.500,00 ( treze mil e quinhentos euros ) a título de danos não patrimoniais e a quantia de€ 2.320,00 (dois mil trezentos e vinte euros) a título de danos patrimoniais e o demandado BB no pagamento da quantia de € 1.500,00 (  mil  e quinhentos euros ) a título de danos não patrimoniais, absolvendo os demandados do demais peticionado.»
(…)
*
3. Apreciação do Recurso

Como acima se referiu, após enunciarem especificamente nas motivações os fundamentos dos seus respetivos recursos, os recorrentes terminam as suas peças processuais formulando as conclusões dessas pretensões, resumindo as razões dos pedidos formulados, sendo, pois, estas conclusões que constituem o limite do objeto de cada um dos recursos, que balizam as questões a apreciar, a decidir, não podendo este Tribunal da Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
Regressando às conclusões apresentadas no caso vertente, as questões sobre as quais temos de nos pronunciar prendem-se essencialmente:
Relativamente ao recurso do Ministério Público, com o enquadramento jurídico dos factos praticados pelo arguido BB, designadamente da sua alegada comparticipação na prática do crime de homicídio, na forma tentada, imputado ao coarguido AA, bem como das medidas das penas parcelares e única aplicáveis e ajustadas aos crimes perpetrados, e da suspensão, ou não, dessa pena resultante do cúmulo jurídico.
Por sua vez, no recurso do arguido AA, questiona-se a medida da pena aplicada, no doseamento da qual deveria ter sido aplicado o regime de perdão de penas previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 02/08, com as eventuais consequências daí resultantes na diminuição daquela, e subsequente suspensão da execução da pena a aplicar.
Vejamos.
Antes de mais, cumpre esclarecer que nos recursos interpostos estamos circunscritos a questões de índole jurídica, de direito, não vindo questionada por qualquer dos recorrentes a factualidade considerada provada, e não provada, no acórdão recorrido. Pelo que, será perante esse cenário factual que abordaremos esses recursos.  
Do recurso do Ministério Público
Como o recorrente escreveu no número primeiro das suas conclusões:
nº 1. O presente recurso versa exclusivamente matéria de direito e apenas quanto ao arguido BB, levando à consideração superior duas questões:
a. Absolvição do arguido BB do crime de Homicídio Tentado, pugnando pela sua condenação como coautor ou, pelo menos, como cúmplice;”
Debrucemo-nos então sobre esta primeira questão.
Os arguidos estavam acusados, em coautoria material e com dolo eventual, de um crime de homicídio na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 9.º, 14.º, n.º 3, 22.º, 23.º, n.ºs 1 e 2, 26.º, 73.º, e 131.º do Código Penal, em concurso aparente com um crime de ofensa à integridade física grave na forma consumada e com dolo direto, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 9.º, 14.º, n.º 1, 26.º e 144.º, n.º 1, als. b), c) e d), do Código Penal; e em coautoria material e com dolo direto, de um crime de omissão de auxílio, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 9.º, 14.º, n.º 1, 26.º, e 200.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal;
O arguido BB estava ainda acusado da prática,  em autoria material e com dolo direto, de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 9.º, 14.º, n.º 1, 26.º, 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. c), por referência ao disposto na al. l) do n.º 2 do artigo 132.º, todos do Código Penal.
Este arguido acabou por ser absolvido da prática do crime de homicídio na forma tentada, e acabou condenado pela prática da ofensa à integridade física (que vinha imputado em concurso aparente com aquele) e dos restantes de que vinha acusado.
É contra aquela absolvição que o recorrente se insurge, manifestando entendimento de que os factos apurados teriam de conduzir à sua condenação, como coautor ou, pelo menos, como cúmplice, em comparticipação com o coarguido AA.
Analisemos.
Dispõe o art.º 131º do Código Penal, que "Quem matar outra pessoa é punido com pena de pisão de 8 a 16 anos".
Neste normativo prevê-se o chamado tipo legal fundamental, matricial, do crime de homicídio, sendo a vida o bem jurídico protegido.
O tipo objetivo consiste em matar outra pessoa.
No plano subjetivo, trata-se de um crime doloso, abrangendo o dolo em qualquer das suas modalidades (direto, necessário e eventual) - artºs 13º e 14º do CP.
Por outro lado, como é sabido, o crime de homicídio é um crime de dano, quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido, e de resultado, quanto ao objeto da ação.
Há tentativa, quando o agente praticar atos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se - artº 22º, nº 1, do CP
E explicita o n.º 2 do mesmo normativo o que são atos de execução:
a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime;
b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou
c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam atos das espécies indicadas nas alíneas anteriores.
Comparticipação:
Segundo o art.º 26.º do C.P., “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.
Por seu turno, segundo o art.º 27.º, n.º 1, do C.P., “é punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso”.
Assim, o C.P., nos seus artigos 26.º e 27.º, define as diversas formas de autoria no primeiro daqueles preceitos legais e autonomiza a cumplicidade no segundo.
A teoria do domínio do facto é o eixo fundamental de interpretação da teoria da comparticipação, conforme tem sido consistentemente reconhecido pela doutrina e jurisprudência.
Assumindo-se que a teoria do domínio do facto continua a ser a que melhor se harmoniza com os critérios conformadores da autoria nos crimes dolosos de ação, parte-se de um conceito de autor correspondente a quem domina o facto, dele dependendo o se e o como da realização típica. Autor é, segundo esta conceção, quem toma a execução nas suas próprias mãos de tal modo que dele depende decisivamente o se e o como da realização típica.
Esse domínio pode exercer-se de diferentes formas e fundar, por conseguinte, diferentes modalidades de autoria, concretizadas no art.º 26.º do C.P., entre as quais a coautoria
Nas palavas de Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, Gestlegal 3ª edição, 2019, pág. 923 e 924: o que na coautoria existe de característico “é a existência, por um lado, de uma decisão conjunta; por outro lado, de uma determinada medida de significado funcional da contribuição do coautor para a realização típica; muito exatamente realçada pela nossa lei ao impor que o coautor tome parte direta na execução. Deste modo, a atuação de cada coautor, no papel que lhe é destinado, apresenta-se como momento essencial da execução do plano comum, ou, noutras palavras, constituiu a realização da tarefa que lhe cabe na divisão de trabalho que representa mesmo a essência dessa forma de autoria.
A coautoria consiste, assim, numa “divisão de trabalho” que torna possível o facto ou que facilita o risco. Requer, no aspeto subjetivo, que os intervenientes se vinculem entre si mediante uma resolução comum sobre o facto, assumindo cada qual, dentro do plano conjunto (expresso ou tácito, prévio ou não à execução do facto), uma tarefa parcial, mas essencial, que o apresenta como cotitular da responsabilidade pela execução de todo o processo. A resolução comum de realizar o facto é o elo que une num todo as diferentes partes. No aspeto objetivo, a contribuição de cada coautor deve alcançar uma determinada importância funcional, de modo que a cooperação de cada qual no papel que lhe correspondeu constitui uma peça essencial na realização do plano conjunto (domínio funcional), não sendo, porém, indispensável que cada um dos intervenientes participe em todos os atos para obtenção do resultado pretendido, bastando que a atuação de cada um seja um elemento componente do todo indispensável à sua produção - cf. Ac. do STJ de 18.10.2006.
(…)”

Na síntese contida no AC do STJ de 05-06-2012:
“I - A jurisprudência define a co-autoria como envolvendo um acordo prévio com vista à realização do facto, acordo esse que pode ser expresso ou implícito, a inferir razoavelmente dos factos materiais comprovados, ao qual se pode aderir inicial ou sucessivamente, não sendo imprescindível que o coautor tome parte na execução de todos os actos, mas que aqueles em que participa sejam essenciais à produção do resultado.
II - No plano objectivo, o co-autor torna-se senhor do facto, que domina globalmente, tanto pela positiva, assumindo um poder de direcção, preponderante na execução conjunta do facto, como pela negativa, podendo impedi-lo, sem que se torne necessária, para a comparticipação estabelecida, a prática de todos os actos que integram o iter criminis.
III - No plano subjectivo, é imprescindível, à comparticipação como coautor, que subsista a consciência da cooperação na acção comum.
IV - Já a cumplicidade pressupõe a existência de um facto praticado dolosamente por outro, estando subordinada ao princípio da acessoriedade. O cúmplice não toma parte no domínio funcional dos actos constitutivos do crime, isto é, tem conhecimento de que favorece a prática de um crime, mas não toma parte nela, limitando-se a facilitar o facto principal”.»
Perante a factualidade que entendeu ter sido provada, tal como constante do teor da decisão supra transcrita, e que aqui se dá por integralmente reproduzida, o tribunal recorrido concluiu pelo não preenchimento dos elementos do tipo de ilícito de homicídio qualificado, na forma tentada, relativamente à conduta do arguido BB, e, por isso, não o condenou como coautor material, ou sob outra forma de comparticipação, da prática desse crime.
O recorrente insurge-se contra essa decisão e pugna pela condenação do BB, face à imputada comparticipação, à coautoria, na prática daquele ilícito criminal.
 Afirmando nas suas conclusões:
“(…)
«Não se concorda, assim, com o devido respeito, como concluiu o douto acórdão recorrido, que a conduta do arguido BB em nada contribuiu para as agressões perpetradas com o capacete pelo arguido AA, nos termos já referidos.
O arguido BB não prestou declarações, no uso do direito ao silêncio, pelo qual não pode ser prejudicado, mas também não pode ser beneficiado, pois não esclareceu o que fez, viu e a sua motivação.
Resta-nos apreciar a conduta global à luz das regras da experiência comum.
Ora, os dois arguidos perseguem o ofendido, depois é o arguido BB que alcança primeiro o ofendido e evita a sua fuga ao rasteirar e provocar a queda, o que permite quer as suas agressões da integridade física, quer que o arguido AA lhe desfira, além de pontapés, e estando o ofendido já inanimado, com o capacete diversas vezes no peito e na cabeça, ao que assistiu, nada fazendo e só se pondo ambos em fuga depois de um terceiro intervir, pelo que deverá o arguido BB, salvo melhor entendimento, ser condenado como coautor do crime de Homicídio tentado, pois sabia, nem podia razoavelmente ignorar, pelas regras da experiência comum e do normal acontecer, as consequências necessárias e/ou possíveis daqueles atos, tanto mais que o viram com problemas respiratórios e depois inanimado a continuar a levar com o capacete, o que quis e permitiu, conformando-se, ou no mínimo atuando como cúmplice face à rasteira (primeiro momento) e à inação (num segundo momento), nos termos das disposições conjugadas dos arts, 14º, 22º, 23º, 26º, 27º, 73º e 131º, todos do C. Penal.»
Como resulta linear desta sua afirmação conclusiva, e da motivação e conclusões apresentadas, a sua impugnação limita-se, nesta parte do seu recurso, a interpretar e enquadrar juridicamente os factos apurados respeitantes ao crime de homicídio atribuído em comparticipação ao recorrido BB.
Este seu entendimento recursivo é feito, pois, sob o pressuposto de que o tribunal recorrido fez uma adequada apreciação e ponderação, dos meios probatórios produzidos em julgamento, e constantes dos autos, e que decidiu acertadamente os factos considerados como provados, e não provados, como veio a ficar assente, uma vez que se conformou com essa decisão de facto, não tendo impugnado essa factualidade, limitando o seu desagrado quanto às consequências jurídicas que acabaram por ser retiradas desse quadro factual.
A panóplia factual com interesse para a apreciação deste segmento recursivo é a seguinte:
“(…)
1 - No dia 29 de julho de 2018, durante a madrugada, em hora que em concreto, não foi possível apurar, mas após as 02.00 horas, junto à porta de saída da discoteca “...”, em ... o arguido BB e o ofendido CC desentenderam-se verbalmente.
2. Após, o CC acompanhado do DD, saíram daquele local, subiram a Rua ... em direção ao Largo ....
3. Quando se encontravam na interceção entre a Rua ... e a Travessa do Tribunal, deparam-se com os arguidos AA e BB acompanhados por outros indivíduos cujo identidade não foi possível apurar, tendo estes se desentendido verbalmente com o CC.
4. Por esse motivo, o CC prosseguiu a sua marcha, agora, em passo de corrida, tendo sido seguido pelos arguidos BB e AA.
5. Junto ao n.º 10 da Travessa do Tribunal, o arguido BB alcançou o CC e deu-lhe um pontapé na perna, fazendo-o cair ao chão.
6. De seguida, e após o arguido AA se encontrar já junto ao ofendido, ambos os arguidos lhe desferiram pontapés na parte inferior do corpo, enquanto este continuava prostrado no chão.
7. Após o arguido AA, munido do capacete ilustrado a fls. 113 dos autos, desferiu com o mesmo, repetidas pancadas, na zona da cabeça, cara e do peito de CC, enquanto este permanecia inanimado no chão.
8. Neste momento, aquando do uso do capacete pelo arguido AA, o arguido BB cessou as agressões e afastou-se do ofendido.
9. O arguido AA só interrompeu a sua conduta quando foi puxado pelo DD, fugindo ambos os arguidos do local quando ali acorreram terceiros.
10. Os arguidos AA e BB, indiferentes ao estado de inconsciência em que deixaram o ofendido e às lesões que lhe provocaram, abandonaram aquele local sem lhe prestar qualquer tipo de ajuda e nada fizeram para que fosse socorrido.
11. Como consequência direta, necessária e imediata da conduta do arguido AA, o ofendido CC:
a. sofreu dores;
(…)”
14. A conduta do arguido BB, provocou dores no ofendido CC.
15. A conduta do arguido AA pôs a vida do ofendido CC em perigo, já que se o mesmo não tivesse sido rapidamente socorrido, teria entrado em paragem respiratória, sobrevindo-lhe a morte, e deu causa às lesões permanentes acima descritas, que se traduzem numa diminuição da sua qualidade de vida.
16. Os arguidos AA e BB atuaram com o propósito concretizado de atingir o ofendido EE na sua integridade física.
17. O arguido AA ciente que o ofendido CC não tinha então qualquer capacidade de se defender, atingiu-o com o capacete na zona do peito e cabeça, bem sabendo que estava a atingir zonas vitais do corpo, que lhe poderia causar a morte, o que admitiu como possível e não obstante agiu daquela forma, conformando-se com esse resultado, que só não ocorreu por circunstâncias alheias às sua vontade, resultantes da intervenção de terceiros e da assistência médica que a este foi de imediato prestada.
18. Ao abandonarem o local e o ofendido à sua sorte, os arguidos AA e BB, cientes de que aquele carecia de assistência imediata e que não estava capaz de a procurar ou promover, não obstante saberem que estava ferido e que existia perigo para a sua integridade física e vida, os arguidos não lhe prestaram o devido auxílio.
(…)”
Factos não provados:
a) Que os factos descritos no ponto 1, tivessem ocorrido pelas 05.45 horas.
b) Que os arguidos tivessem desferido socos no corpo do CC e pontapés na cabeça.
c) Que o arguido BB só interrompeu a sua conduta quando ali acorreram terceiros.
d) Que o arguido BB tivesse e quisesse atingir zonas vitais do corpo do ofendido.
e) Que o arguido BB tivesse previsto que com a sua atuação pudesse vir a causar a morte do ofendido.
f) Que a conduta do arguido BB pôs a vida do ofendido CC em perigo, e deu causa às lesões descritas no ponto 11, alíneas b) a f) e as permanentes descritas no ponto 12, que se traduzem numa diminuição da sua qualidade de vida.
g) Que os arguidos AA e BB tivessem atuado em conjugação de esforços aquando do descrito no ponto 7.»
(…)”
Ao ponderarmos o enquadramento desta factualidade relativamente à comparticipação do arguido BB na prática do crime de homicídio tentado, de acordo com a pretensão do recorrente, não podemos escamotear que a procedência da sua impugnação quanto ao preenchimento dos elementos típicos objetivos e subjetivos enformadores daquele crime, concretamente quanto à sua invocada coautoria com o coarguido AA, imporia uma revogação da factualidade considerada provada e não provada, proporcionando então a consequente, e pretendida, condenação, por se mostrarem eventualmente preenchidos aqueles elementos.
Ou seja, esta pretensão do recorrente estava umbilicalmente ligada a uma prévia impugnação da matéria de facto, a um, não invocado, erro de julgamento, que levasse a decidir como provados os pontos vertidos nas alíneas b) a g) da matéria considerada não provada, designadamente que “os arguidos tivessem desferido socos no corpo do CC e pontapés na cabeça; Que o arguido BB tivesse e quisesse atingir zonas vitais do corpo do ofendido; que o arguido BB tivesse previsto que com a sua atuação pudesse vir a causar a morte do ofendido; que a conduta do arguido BB pôs a vida do ofendido CC em perigo, e deu causa às lesões descritas no ponto 11, alíneas b) a f) e as permanentes descritas no ponto 12; que os arguidos AA e BB tivessem atuado em conjugação de esforços aquando do descrito no ponto 7”.
Assim sendo, perante a inércia do recorrente quanto a essa factualidade, nada havendo que alterar em termos de factos provados, não vislumbramos como alterar a integração jurídica alcançada, que se nos afigura feita de forma adequada.
Perante a factualidade não apurada, no que concerne à comparticipação do arguido no episódio em causa nos autos, designadamente do que provado ficou nos pontos acabados de referir, nenhuma dúvida subsiste, salvo melhor opinião, e o devido respeito pela contrária, de que as agressões na cabeça de que foi vítima o ofendido, e os ferimentos causados pelas mesmas, não foram praticadas pelo recorrente, em coautoria com o coarguido AA, que resultaram de uma ação conjunta dos dois.
Não obstante a atitude de perseguição que encetaram à vítima, e o facto do BB ter logrado alcançar esse ofendido, e provocado a sua queda ao solo, a verdade é que a sua apurada atuação posterior não foi dirigida à cabeça daquele, e, quando o AA começou a atingi-lo com o capacete na região da cabeça, o coarguido deixou de lhe dar pontapés na parte inferior do corpo e afastou-se.
A atuação conjunta dos coarguidos cessou quando o AA começou a ofender a vítima na região da cabeça. A partir desse momento, o BB parou a sua conduta agressora e retirou-se, tendo aquele AA passado a agir isoladamente, em circunstâncias que permitem autonomizar a sua atuação relativamente ao recorrido a partir de então.
Por outro lado, não resultou provado que os coarguidos, pelo menos naquele momento e face à natureza e dimensão das agressões, tenham atuado no âmbito de um acordo ou resolução conjunta, seja expresso ou tácito, sendo certo que do conjunto de circunstâncias acabadas de aludir não logramos retirar que relativamente às ditas agressões o BB tenha atuado com consciência e vontade de colaboração bilateral com o AA.
Também não se apurou que o BB quisesse atingir a vítima em zonas vitais, tendo as suas agressões consistido no desferimento de pontapés na zona inferior do corpo deste; que tivesse derivado da sua atuação um perigo para vida do CC ou causado as lesões graves de que veio, e ficou, a padecer, bem como que durante esse procedimento tenha tido consciência de poder vir a causar a morte daquele ofendido.
Vista a sua intervenção nos factos, e a forma como os mesmos se desenvolveram, à luz das regras de experiência comum e do normal acontecer em situações idênticas à ora em apreciação, não logramos encontrar circunstâncias bastantes que nos permitam concluir ter-se verificado no caso concreto uma decisão conjunta, a denominada existência da consciência e vontade de colaboração de duas pessoas na realização de um tipo legal de crime juntamente com outro.
Dos factos não se retira a verificação de um verdadeiro acordo prévio, e os mesmos também não espelham que o BB tenha assumido uma conduta que tenha contribuído objetivamente para que o AA passasse a agredir o CC da forma como veio a acontecer. Sendo certo que se retirou quando este enveredou pelo tipo de ofensa à integridade física bárbara com que passou a atingir aquela vítima.
O acordo (expresso ou tácito), “pode verificar-se antes ou durante a execução do facto, isto é, até à consumação formal do crime (coautoria sucessiva), mas ao coautor sucessivo só é imputável o ilícito realizado depois da sua adesão ao acordo, sob pena de solução diversa implicar uma inadmissível punição do dolus subsquens …” –cfr. Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Portuguesa, 4ª ed., pp 218. 
Não temos, assim, no que concerne ao arguido BB, provados os elementos típicos enformadores do crime de homicídio, sendo certo que nada indicia que tivesse qualquer domínio do evento concreto do qual resultaram as lesões que determinaram o perigo para a vida do CC, ou seja, das agressões na zona da cabeça provocadas pelo manuseamento do capacete pelo coarguido AA.
Não podendo, pois, ser-lhe atribuída qualquer tipo de comparticipação na prática daquele evento, uma vez que da sua apurada conduta não resulta que tenha sido ele quem tivesse tomado a iniciativa de atingir a vítima nessa parte vital do corpo, que tivesse participado nessa agressão específica, tendo-se até retirado a partir do momento em que mesma se iniciou, não ficando na sua dependência a forma como os factos se desenrolaram a partir desse momento e o resultado em que tudo culminou. Ou seja, a sua participação na fase inicial do evento não pode ser considerada como decisiva para o desfecho da ação levada a cabo Pelo AA, não havendo demonstração factual de que tenha tido qualquer domínio no desenvolvimento desse episódio de agressão em qualquer forma ou modalidades de comparticipação.
Assim, perante a realidade factual apurada, não se pode concluir, como pretende o recorrente, ter o BB praticado os factos no âmbito de um acordo, pelo menos tácito, que o tenha irmanado com o AA num objetivo comum de vingar-se da situação verificada junto à discoteca “...”, do desentendimento que teve com o CC, concretamente através de agressões físicas suscetíveis de lhe causarem perigo de vida, não se vislumbrando qualquer tipo de comparticipação, nem sequer a título de cumplicidade, ativa nesse tipo de agressões verificadas quando se retirou de junto da vítima, como os elementos de prova demonstram. Não subsistindo, pois, quaisquer dúvidas de que não se tornou coautor, nem cúmplice, do crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. nos art.ºs 22.º, 23.º e 131.º, do Código Penal pela prática do qual foi absolvido. Mostrando-se exuberantemente fundamentado na decisão recorrida o enquadramento jurídico aí efetuado.
Pelo que, improcede a impugnação no que a esse enquadramento jurídico concerne.
*
Da medida da pena

Também quanto à medida de cada uma das penas parcelares, e da única resultante da operação de cúmulo jurídico, o recorrente Ministério Público se insurge, manifestando o entendimento que o arguido BB, mesmo que condenado nos termos do acórdão recorrido, deveria tê-lo sido em pena de prisão efetiva.
Relativamente às penas que entende com ajustadas alega o seguinte:

“(…)
«Mesmo que assim não se entenda e caso se mantenha a condenação pelos crimes do douto acórdão recorrido pugna o Ministério Público pela condenação em 2 anos pelo crime de Ofensa à integridade física; 8 meses pelo crime de Omissão de auxílio e 1 ano pelo crime de Ameaça agravada, em que estaria amnistiado o segundo e restaria uma moldura entre 2 e 3 anos de prisão, chegando a uma pena única de 2 anos e 6 meses, em que se teria que aplicar 1 ano de perdão, sob condição resolutiva (Lei 38-A/2023, de 02/08) , tendo o arguido que cumprir 1 ano e 6 meses de prisão efetiva.»
Em causa está a prática dos crimes de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143º, nº 1;  omissão de auxílio, p. e p. pelo art. 200, nº 1, e de ameaça, p. e p. pelo art. 153º, nº 1, todos do Código Penal
Na 1ª instância foi decidido, condenar o arguido BB:
- pela prática em autoria material de um crime de omissão de auxílio p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 9º, 14º, n.º 1, 26º, 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea c), por referência ao disposto na al. l) do n.º 2, do artigo 132º, todos do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão.
- pela prática em autoria material de um crime de ofensas à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1, do Código penal, na pena de 10 meses de prisão.
- pela prática em autoria material de um crime de ameaça agravado, p. e p. 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. c), por referência ao disposto na al. l) do n.º 2 do artigo 132.º do Código penal, na pena de 3 meses de prisão.
8. Em cúmulo jurídico condenar o vai o arguido BB condenado na pena única de 1 (um) ano de prisão, cuja execução fica suspensa pelo período de 1 (um) ano , com regime de prova, dirigido à procura ativa de trabalho.
*
Questões prévias

Aqui chegados, e antes de nos debruçarmos sobre a medida da pena propriamente dita, necessário se torna abordar duas situações que se justifica serem tratadas neste momento.
1º Erro de escrita
Previamente, cumpre salientar que constatamos a ocorrência de um lapso de escrita na parte do dispositivo do acórdão recorrido, concretamente no que concerne à previsão legal respeitante ao crime de omissão de auxílio imputado ao arguido BB.
O crime cometido pelo arguido está previsto no artigo 200.º, nº 1, do CP

“Omissão de auxílio
1 - Quem, em caso de grave necessidade, nomeadamente provocada por desastre, acidente, calamidade pública ou situação de perigo comum, que ponha em perigo a vida, a integridade física ou a liberdade de outra pessoa, deixar de lhe prestar o auxílio necessário ao afastamento do perigo, seja por acção pessoal, seja promovendo o socorro, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.”
 No acórdão recorrido veio a consignar-se no dispositivo final que era condenado «- pela prática em autoria material de um crime de omissão de auxílio p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 9º, 14º, n.º 1, 26º, 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea c), por referência ao disposto na al. l) do n.º 2, do artigo 132º, todos do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão.
Ou seja, não obstante na fundamentação de direito se ter feito uma correta integração do ilícito em questão, acabou por ser inserida, repetida, a previsão legal respeitante ao crime de ameaça, também praticado pelo arguido, na decisão relativa ao crime de omissão de auxílio.
Resulta evidente estarmos perante um mero um lapso que constitui um erro de escrita patente, notório em face do texto daquele acórdão e que, por não envolver qualquer modificação essencial, é retificável nos termos do artigo 380º, n.º1, alínea b) e n.º2 do Código de Processo Penal.
Assim, onde no ponto 5. do dispositivo consta:
«Condenar o arguido BB pela prática em autoria material de um crime de omissão de auxílio p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 9º, 14º, n.º 1, 26º, 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea c), por referência ao disposto na al. l) do n.º 2, do artigo 132º, todos do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão.»
Passa a constar:
«Condenar o arguido BB pela prática em autoria material de um crime de omissão de auxílio p. e p. pelo disposto no artigo 200º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão.»
2ª Aplicação das amnistia prevista na Lei nº 38-A/2023, de 02/08 ao crime de omissão de auxílio imputado ao arguido. 
Nesta parte do recurso interposto pelo Ministério Público necessário se torna, mesmo oficiosamente, a saber se o crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo art. 200º, nº 1, do CP, pela prática do qual o arguido BB foi acusado, e condenado, se encontra, ou não, abrangido pela amnistia de infrações penais estabelecido na Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, em vigor desde 01/09/2023.
A Lei nº 38º-A/2023, de 2 de agosto, estabeleceu o perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.
Em conformidade com o artigo 2.º desse diploma, estão abrangidas por esta Lei de clemência as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos à data da prática do facto, nos termos definidos nos seus artigos 3º e 4º.
Esse nº 4 consagra que: “São amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa.”
No caso em apreço, é pacífico que o arguido/recorrido BB, nascido em ../../1998, tinha menos de 30 anos quando, a 29 de julho de 2018, praticou factos que integram a prática de um crime de omissão de auxílio, pelo qual veio a ser condenado.
Tal crime está, face à moldura penal abstratamente aplicável, prisão até 1 ano ou multa até 120 dias, está abrangido pela amnistia de infrações penais prevista no artigo 4.º da citada Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, reúne os pressupostos aí exigidos para tal; e também não se enquadra no elenco das exceções previstas no artigo 7.º da mesma Lei, que excluem o perdão e a amnistia.
Neste contexto legal, não se verificando razões de ordem legal que obstem, ou estabeleçam qualquer limitação, à aplicação da amnistia prevista naquele diploma de clemência relativamente ao crime de omissão de auxílio imputado ao UU, não poderá deixar de ser considerado amnistiada essa infração penal, pela prática da qual acabou condenado. O que se fará.
*
Abordemos, então, e agora, o direito aplicável nesta fase processual respeitante à determinação da medida concreta da pena.
O crime de ofensas à integridade física simples previsto pelo artigo 143º, n.º 1, do Código Penal é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
O crime de omissão de auxílio previsto pelo artigo 200º, n.º 1, do Código Penal é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
O crime de ameaça agravado previsto pelos artigos 153º, n.º 1 155º, n.º 1, alínea c), do Código Penal é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
Em sede de determinação da pena concreta importa ter presente o disposto nos artigos:
- 40.º do CP, Com a epígrafe de "finalidades das penas (...)", aquele preceito legal dispõe que:
"1. A aplicação de penas (...) visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa".
- 71.º do CP, O qual preceitua que:
“1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) a intensidade do dolo ou da negligência;
c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta de ser censurada através da aplicação da pena”.
Tais disposições legais conferem ao intérprete e ao aplicador do direito critérios gerais, mais ou menos seguros e normativamente estabilizados, para efeito de medida da reação criminal, sendo que o preceituado sob o número 2 do indicado artigo 40.º constitui inegavelmente um afloramento do princípio geral e fundamental de que o direito penal é estruturado com base na culpa do agente, constituindo a medida da culpa uma condicionante da medida da pena de forma a que esta não deve ultrapassar aquela.
A pena serve finalidades de prevenção geral e especial, sendo delimitada no seu máximo inultrapassável pela medida em que se dimensione a culpa.
«Só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reações específicas.
A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação de delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida».
Mas «em caso algum pode haver pena sem culpa ou a medida da pena ultrapassar a medida da culpa», o que «não vai buscar o seu fundamento axiológico, (...), a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. (…) A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização» Cf. Figueiredo Dias in As Consequências Jurídicas do Crime, Edição Notícias Editorial, 1993, páginas 72 e 73.
“(...) 1) toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.
2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.
3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais” Cf. Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, edição de 2011, página 84.
  Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, edição de 1998, da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa – AAFDL –, pág. 25, escreve que «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial».
Por sua vez, Américo A. Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, no Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322, afirma resultar do actual artigo 40.º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infrator apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção.
 Está subjacente ao artigo 40.º uma conceção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.
“A medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente (...). Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas. É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposto pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente” Anabela Miranda Rodrigues, O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Penas, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano XII, n.º 2 (Abril/Junho de 2002).
Na mesma obra, esta autora apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética:
“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais.
Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.
E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.
Dito de outro modo, as penas são fixadas em função da culpa e da prevenção geral e especial.
Toda a pena tem, como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, não havendo pena sem culpa – nulla poena sine culpa - e constituindo esta limite máximo da pena.
Através da prevenção geral busca-se dar satisfação aos anseios comunitários da punição do caso concreto, tendo em atenção de igual modo a necessidade premente da tutela dos bens e valores jurídicos.
Com o apelo à prevenção especial aspira-se em conceder resposta às exigências da socialização (ou ressocialização) do agente em ordem a uma sua integração digna no meio social Cf. neste sentido, entre muitos outros, vejam-se os Acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.2009, Processo n.º 726/00.9SPLSB.S1 – 5.ª, relatado pelo Senhor Conselheiro Arménio Sottomayor, 10.02.2010, Processo n.º 217/09.2JELSB.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, 28.04.2010, Processo n.º 1103/05.0PBOER.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Fernando Fróis, ambos in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal, 30.11.2011, Processo n.º 238/10.2JACBR.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Raul Borges, 20.06.2012, Processo n.º 443/10.1GBLLE.E2.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Pires da Graça, e 06.02.2013, Processo n.º 593/09.7TBBGC.P1.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Sousa Fonte, in www.dgsi.pt/jstj.
Na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se, no entanto, de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido.
O limite mínimo da pena a aplicar é determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 227 e seguintes.
Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito.
Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de atuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo – total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.
Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.” (Ibidem Ac. do STJ de 03/06/2020)
Constitui posição sedimentada e segura no Supremo Tribunal de Justiça a de nestes casos estarmos perante uma especial necessidade de fundamentação, na decorrência do que dispõem o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, e os artigos 97.º, n.º 5 e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em aplicação do comando constitucional ínsito no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, onde se proclama que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Como estabelece o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”, decorrendo, por seu turno, do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, que os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, e do disposto no artigo 375.º, n.º 1, do mesmo Código, que a sentença condenatória deve especificar os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
Por outro lado, como acentua Figueiredo Dias em Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1983, págs. 183 a 185, “ (…) o substracto da culpa (…) não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (…). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a “atitude” da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena”. (Ibidem Ac. do STJ de 03/06/2020)
Regressando ao caso vertente.
Na escolha e determinação das penas parcelares aplicadas ao arguido BB no acórdão recorrido escreveu-se o seguinte:
“(…)
«Relativamente aos crimes praticados pelo arguido BB, temos em conta a sua forma de atuação, a falta de atividade profissional fixa e suporte familiar, uma vida pautada pela falta de cumprimento de regras e consumo de estupefacientes.
O exposto é revelador que o arguido em questão, necessita de ser encaminhados para um percurso de vida respeitador das regras do direito e da vida em sociedade, logo entende este tribunal que não é possível optar por uma pena não privativa de liberdade, quer face à exigência de prevenção geral e à reafirmação contrafática da norma violada, quer porque tal medida não se afigurará suficiente para ressocializar o arguido.
Assim, o Tribunal opta, por aplicar ao arguido uma pena privativa da liberdade.
*
Passemos então à determinação da medida concreta de cada uma das penas a aplicar, atendendo às circunstâncias referidas no art. 71º, nº 2 do C.P.
Assim, há que relevar especialmente o seguinte:
- a intensidade do dolo, elevada, pois existiu na modalidade de dolo direto;
- as exigências de prevenção geral são elevadas, tratando-se de crimes que se generalizaram e que criam um forte sentimento de insegurança nas pessoas, provocando grande alarme social. E fazendo jus à sua função de direito de primeira proteção dos bens jurídicos essenciais ao viver em sociedade, o Direito Criminal não pode pactuar com esta situação e acabar também ele por sancionar levemente estas atuações, deixando a ideia de que são toleradas pela sociedade. Com efeito, como o caso dos autos não é infelizmente singular, o que coloca exigências acrescidas, devem as decisões dos tribunais, a propósito de tais casos, não deixar que subsista a menor hesitação sobre a proibição de tais comportamentos, sobre a validade da norma violada, isto é, devendo as decisões dos tribunais ser pacificadoras e estabilizadoras;
- a ilicitude é mediana, atendendo ao total desprezo pela integridade física das pessoas e respeito pelas autoridades policiais.
- o facto de o arguido ter antecedentes criminais;
As exigências de prevenção especial são elevadas, tendo em conta o percurso do arguido, a falta de integração social e profissional, a falta de rumo para a vida e a dependência de drogas.
Sopesando todos os fatores enunciados, considera-se adequado, crendo que assim se satisfazem as finalidades de tutela dos bens jurídicos, sem desatender ao máximo que nos é fornecido pela culpa do arguido, aplicar-lhe as seguintes penas:
- para o crime de ofensas à integridade física simples previsto pelo artigo 143º, n.º 1, do Código Penal a pena de 10 meses de prisão.
- para o crime de omissão de auxílio previsto pelo artigo 200º, n.º 1, do Código Penal pena de 4 meses de prisão.
- para o crime de ameaça agravado previsto pelos artigos 153º, n.º 1 155º, n.º 1, alínea c), do Código Penal a pena de 3 meses de prisão.»
Tendo em consideração os parâmetros supra assinalados, analisemos o caso sub judice.
Como enunciou o acórdão do Supremo Tribunal, de 28-04-2016, proferido no processo n.º 37/15.5GAELV.S1:
“A eventual intervenção correctiva do STJ no domínio do procedimento de determinação da medida da pena só se justificará se, for de concluir, face aos factos julgados provados, que o Tribunal Colectivo falhou na indicação de algum dos factores relevantes para o efeito ou se, pelo contrário, valorou outros que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, se tiver violado as regras da experiência ou se o quantum fixado se mostrar de todo desproporcionado em comparação com o que, para casos semelhantes, vem sendo decidido, nesta matéria, pelo STJ”.
“Também decorre da lição da melhor doutrina (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 196-197, §255) e constitui jurisprudência uniforme do STJ (cfr., v.g. os Acs. do STJ de   9-11-2000, in Sumários STJ de 29-1-2004, proc.º n.º 03P1874, e de 27-5-2009, proc.º n.º09P0484, disponíveis in www.dgsi.pt), aplicável à segunda instância (cfr. v.g.  Ac. da Rel. de Lisboa de 31-10-2019, proc.º n.º 989/17.0PZLSB.L1-9,  da Rel. do Porto de 2-10-2013, proc. n.º 180/11.0GAVLP.P1, e da Rel. de Guimarães de 13-5-2019, proc.º n.º 348/18.7GAVLP.G1, todos disponíveis in www.dgsi.pt), a intervenção do tribunal de recurso pode incidir na questão do limite ou da moldura da culpa assim como na atuação dos fins das penas no quadro da prevenção; mas já não na determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, salvo se tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada
Nesta linha de orientação refere o Ac. da Rel. do Porto de 6-1-2013, proc.º n.º 201/10.3GAMCD.P1: «Acerca da questão da cognoscibilidade, controlabilidade da determinação da pena, no âmbito do recurso, há que dizer que a intervenção do tribunal nesta sede, de concretização da medida da pena e do controle da proporcionalidade no respeitante à sua fixação concreta, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada. Vem-se entendendo que se pode sindicar a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro de prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada».” (Cfr. AC. da RG, 05/06/2024, Rel. Paulo Cunha, não publicado)
No caso em apreço o tribunal recorrido teve em atenção os elementos disponíveis no processo que interessavam em sede de graduação das penas, tendo avaliado a conduta do arguido em função dos parâmetros legais, que foram respeitados.
Por outro lado, as penas impostas, nas quais naturalmente já não interessa a de 4 meses respeitante ao crime de omissão de auxílio, ao arguido não violam as regras de experiência nem a sua quantificação se revela de todo desproporcionada.
Não obstante a medida das penas aplicadas ao arguido se situar algo abaixo da metade da moldura abstratamente prevista para cada um dos ilícitos cometidos, contem-se dentro dos limites da culpa e das necessidades de prevenção e faz adequada e justa ponderação das circunstâncias que não fazendo parte do crime militam a favor e contra o agente.
A este respeito dir-se-á ainda o seguinte.
As exigências de prevenção geral - não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida” (Figueiredo Dias, “O sistema sancionatório do Direito Penal Português”, in em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815) – são elevadas conforme foi, de resto, acentuado pelo acórdão recorrido.
A confiança dos cidadãos na salvaguarda dos bens jurídicos afetados por estes tipos de crime exige, pois, penas suficientemente dissuasoras de nova violação da norma infringida.
Também as exigências de prevenção especial são elevadas conforme assinalado no acórdão recorrido.
Subscrevem-se igualmente as considerações do acórdão recorrido quanto ao grau de ilicitude dos factos, ao modo de execução, à gravidade das suas consequências e ao dolo com que o arguido atuou.
Tudo ponderado, as penas parcelares impostas ao arguido não são, por conseguinte, merecedoras de qualquer censura por se revelarem necessárias, adequadas e proporcionais, tendo sido criteriosamente definidas em função das disposições conjugadas dos citados artigos 40º e 71º, ambos do Código Penal.
Não há, por isso, qualquer razão para intervenção corretiva nas penas parcelares aplicadas ao arguido as quais, de resto, não se afastam do padrão condenatório dos tribunais superiores portugueses em situações similares.
De igual forma, a pena única de 1 (um) ano de prisão (suspensa na sua execução) aplicada ao arguido não merece qualquer censura, mesmo sendo retirada do cúmulo a pena respeitante ao crime que beneficia da amnistia nos termos supra exarados,  considerando que o limite mínimo da moldura penal da pena aplicável em cúmulo é de 10 (dez) meses de prisão e o limite máximo de 13 (treze) meses de prisão, e ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relação com a personalidade do arguido.
Não obstante tudo o acima exarado relativamente à amnistia do crime de omissão de auxílio, afigura-se-nos não ocorrerem motivos para alterar a sanção penal resultante da operação de cúmulo jurídico efetuada nos autos, continuando a mostrar-se necessária, adequada e proporcional a pena de 1 (um) ano de prisão fixada no acórdão recorrido.
Nesta parte improcede o recurso.
Está, assim, prejudicada, a invocada ocorrência de uma nulidade, à luz do disposto no nº 3, do art. 410º, do CPP, na decisão impugnada, no que concerne à escolha e medida da pena encontradas no tribunal recorrido, bem como a suposta contradição entre a fundamentação dessa medida e a decisão proferida (al. b) do nº 2 do art. 410º, do CPP). .
De qualquer forma, para além de na motivação de recurso não vir arguida a ocorrência de qualquer nulidade que inquine o acórdão recorrido, certo é que o recorrente se limita a uma mera, e não fundamentada, alusão a tal invalidade em sede de conclusões, sendo certo que estas se destinam a concluir de forma sintética e resumida, as questões suscitadas na motivação que as precede, e, não obstante, a verdade é que também não logramos alcançá-la.
Isto quando, não obstante, as questões subjacentes de direito substantivo, apontadas pelo recorrente, violação do disposto nos artigos 40º, nº 1 e 2, 70º e 71º do C Penal, por não, devida, valoração da personalidade do arguido e não fundamentação, devida, da razão pela qual se optou pela determinação da medida das penas nos limites aplicados, o facto de entender que a pena substitutiva de suspensão na sua execução da prisão fixada não cumpre as exigências de prevenção especial e de ressocialização, todas essas questões foram abordadas, tratadas e decididas sem violação de lei expressa ou com erros de julgamento ou de aplicação do direito.
Donde, não se verifica, por isso, seguramente, as invocadas causas de nulidade da sentença.
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Suspensão da pena
O recorrente, para além de colocar em causa a medida da pena única fixada no acórdão recorrido, e invocar a amnistia do crime de omissão de auxílio, com eventual reformulação e alteração dessa pena, pugna pela não suspensão na sua execução da pena fixada, ou da que vier a ser.
É claro que perante o disposto no art. 50.º, nº 1, do CP «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»
A suspensão da execução da pena, como qualquer pena de substituição, não pode ser vista como forma de clemência legislativa, mas como autêntica medida de tratamento bem definido com sentido pedagógico e educativo, cfr. Leal Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, Vol. 1, 1986, pág. 289.
Tem hoje de entender-se o instituto da suspensão da execução da pena como uma autêntica medida penal, suscetível de servir tão bem (ou tão eficazmente), quanto a efetividade das sanções, aos desideratos da prevenção geral positiva, com a acrescida vantagem de, do mesmo passo, satisfazer aos da prevenção especial, vide Ac. do STJ de 17-05-2001, in Proc. nº 683/01 – 5ª Secção.
“A suspensão da pena constitui um meio autónomo de reação jurídico-penal com uma pluralidade de possíveis efeitos. É pena na medida em que na sentença se impõe uma privação da liberdade. Tem o carácter de um meio de correção se acompanhada de tarefas orientadas no sentido de reparar o ilícito cometido, como as indemnizações, multas administrativas ou benefícios para beneficio da Comunidade. Aproxima-se de uma medida de assistência social quando são impostas regras de conduta que afetam a vida futura do arguido especialmente se for colocado sob supervisão”, cfr. Ac. STJ de 05.07.2017, processo 150/05.7IDPRT-D.S1, disponível em www.dgsi.pt.
A aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, pena de substituição em sentido próprio pois o seu cumprimento é feito extramuros e pressupõe a prévia determinação da pena de prisão, depende da verificação de dois pressupostos.
 Um pressuposto formal, a medida da pena aplicada ao agente não pode exceder cinco anos de prisão (artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal) e um pressuposto material, a possibilidade de o tribunal concluir pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizarão de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição (artigo 50.º, nºs 1 e 2 do Código Penal).
O objectivo de política criminal do instituto é “ (…) o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos – «metanóia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. (…). Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».”(Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 333)
São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e de prevenção especial [a proteção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na comunidade (artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal)], e não considerações relativas à culpa – aspeto comum a todas as operações de escolha das penas de substituição – que fundam a opção pela aplicação da suspensão da execução da pena de prisão. Porém, os objetivos de prevenção especial, de reinserção social do agente, têm sempre como limite o conteúdo mínimo da prevenção geral de integração.
A prevenção geral “deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.” (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 343).
Vale isto por dizer, o que não raras vezes é esquecido, que não basta a formulação de um juízo de prognose favorável para que seja decretada a suspensão da execução da prisão. A prognose favorável radica exclusivamente em considerações de prevenção especial de socialização e a lei, para além dela, exige ainda que ao decretamento da suspensão se não oponham as necessidades de prevenção e reprovação do crime.
O juízo de prognose a realizar pelo tribunal parte da análise conjugada das circunstâncias do caso concreto, das condições de vida e conduta anterior e posterior do agente e da sua revelada personalidade, análise da qual resultará como provável, ou não, que o agente irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (com ou sem imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova), para concluir ou não, pela viabilidade da sua socialização em liberdade.
Na formulação deste juízo o tribunal deve correr um risco prudente pois a prognose é apenas uma previsão, uma conjectura, e nunca uma certeza. Por isso, quando tenha dúvidas sérias e fundadas sobre a capacidade do agente para entender a oportunidade de ressocialização que a suspensão significa, a prognose deve ser negativa e a suspensão negada (Cfr. Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, I Vol., 2ª Edição, pág. 444 e Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 344).
O arguido foi condenado na pena de 1 ano de prisão pelo que verificado está o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão.
Atentemos agora no pressuposto material.
As circunstâncias do crime objeto dos autos traduzem-se na prática de um crime de ofensas à integridade física, de um crime de omissão de auxílio e de um crime de ameaças, encenados no quadro de um episódio de desavença entre jovens à porta de um a discoteca, em ambiente noturno, com envolvimento de vários protagonistas, direta e indiretamente, de que resultaram ferimentos graves no ofendido (embora não imputados ao recorrido BB).
No que à conduta anterior aos factos respeita temos que o arguido apresenta registados antecedentes de natureza criminal, embora não reportados aos ilícitos pelos quais foi condenado no âmbito deste processo. Esses antecedentes reportam-se à condução de veículos na via pública sem estar de licença que o permitisse e não acatamento das ordens emanadas das sanções que foram sendo aplicadas, ou seja, crimes de condução sem habilitação legal e desobediência.
O arguido, ainda um jovem adulto, começa a revelar algum afastamento  pelo sistema de justiça e a vida em sociedade, e alheamento pelas consequências das suas condutas, para além de que se encontra social e familiarmente desenraizado e laboralmente pouco ativo, a que se associa o modo de vida errante adotado, circunstâncias que poderiam levar a duvidar da sua vontade, consciência, para interiorização do desvalor da conduta e assunção de culpa.
O recorrido BB vem revelando assim, uma personalidade com deficiente formação, com alguma propensão para a prática de comportamentos desviantes, e também uma crescente indiferença  na forma como vem encarando a preservação dos bens que as normas violadas tutelam e a ameaça das respetivas sanções.
Na verdade, o que os autos demonstram é que não compreende, ou não quer compreender, as consequências do seu comportamento, a ilicitude das suas condutas, e são incipientes os indícios de que pretenda repensar a sua vida e adotar um comportamento consentâneo com a vida em sociedade e o respeito pelas regras legais.
Não obstante tudo o referido, num caso como o dos autos, em que estamos na presença de um indivíduo ainda jovem, com alguma ligação ao mercado laboral, embora instável, tendo inclusive estado emigrado, afigura-se-nos que opção assumida em primeira instância de substituição da pena de prisão pela suspensão da respetiva execução ainda será suficiente para atingir o fim visado pelo seu decretamento – a prevenção geral e especial que a situação vertente justifica –, pois o recorrido, não tendo percecionado até agora que a pena não privativa da liberdade representa uma verdadeira sanção penal, disporá de uma nova oportunidade, talvez a derradeira, face à situação limite com que nos deparamos, para arrepiar caminho, constituindo esta suficiente aviso e incentivo para evitar a prática de novos factos típicos, assim como se vislumbra adequada e proporcionada a restabelecer a confiança comunitária na validade da norma violada e na eficácia do sistema jurídico-penal.
Queremos acreditar que esta excecional oportunidade terá repercussões positivas sobre a capacidade do arguido alcançar o significado que a ressocialização lhe aportará, que a suspensão significa, sendo certo que, no caso concreto, designadamente no tipo de crimes em apreço, ao decretamento da suspensão não se opõem as necessidades de prevenção e reprovação do crime.
O juízo de prognose a realizar no caso vertente, tomando em devida conta a concatenação das circunstâncias do caso concreto, das condições de vida do arguido e da sua revelada personalidade, ainda nos confere como provável que venha a sentir a condenação como uma solene advertência, e que daí resulte prevenida uma eventual reincidência com a simples ameaça da prisão (com o regime de prova imposto), o que permite a conclusão pela viabilidade da sua socialização em liberdade.
Conclui-se, pois, que a suspensão da execução da pena se mostra ainda adequada ao caso concreto, pelo que viabilizada fica a formulação de um juízo de prognose favorável, no sentido de que o sancionamento do arguido com uma pena de prisão suspensa na respetiva execução, bastará para o afastar da prática de novos crimes e, portanto, realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição pelo que validamos o juízo feito pela 1ª instância.
Não se vislumbrando motivos bastantes para alterar o que decidido ficou na primeira instância.
Improcede, portanto, também esta questão, nada havendo a alterar nas penas impostas ao arguido BB.
Face a tudo o acima expendido, somos do entendimento que na decisão recorrida não se mostra infringida qualquer norma legal, designadamente as alvitradas no recurso interposto, como sejam o princípio da proporcionalidade na aplicação das penas concretas, e na suspensão da pena única de prisão resultante da operação de cúmulo jurídico.
*
*
Do recurso do AA

Da medida da pena
A este título o recorrente alega concretamente:
« II. Entende o Recorrente que a pena que lhe foi aplicada excede a medida da sua culpa, não valorando devidamente as circunstâncias que militavam a seu favor, e que, se devidamente sopesadas, imporiam, pelo menos, uma pena de prisão inferior a 5 (cinco) anos, com suspensão da sua execução. 
III. O recurso tem, assim, por objecto a matéria de facto dada como provada e a respectiva matéria de direito, outrossim no segmento referente à  determinação da pena. 
Deste modo,
IV. E tal como consta do Acórdão recorrido, a moldura penal para a tentativa querse especialmente atenuada, cifrando-se entre um ano e sete meses e seis dias a dez anos e oito meses de prisão, sendo que, in casu, o Tribunal a quo optou por uma pena de seis anos de prisão. 
V. Para fundamentar a pena concretamente determinada, o Tribunal a quo valorou o relatório social elaborado ao Arguido que concluía – como o Tribunal concluiu – que “ (…) a vida do Arguido AA é pautada por comportamentos desviantes e contrários ao cumprimento das regras da vida em sociedade, apresenta um percurso de vida marcado pela disfuncionalidade da dinâmica intrafamiliar do seu agregado de origem, pela ingestão abusiva de bebidas alcoólicas (…)”. 
VI. No entanto, não foi verificado que o predito relatório social foi elaborado em 13 de Fevereiro de 2023, aquando a reclusão do Arguido no Estabelecimento Prisional, sendo que, face ao lapso de tempo recorrido, o mencionado relatório social não poderia servir, sem mais, para desvalorizar a conduta do Arguido, até porque, tem do sido o Arguido ora Recorrente colocado em liberdade em
Junho de 2023, logrou obter emprego, tentando coadunar a sua vida de acordo com o direito.
VII. No mais, o contexto da vida familiar do Arguido ora Recorrente, não pode servir como fundamento em seu desfavor, até porque, tal situação ocorreu enquanto o Arguido era menor de idade, pelo que, toda a situação familiar perpassada pelo Arguido apenas manifesta a insuficiência do Estado de Direito que, perante uma família disfuncional, permitiu que uma criança permanecesse e continuasse até determinado momento, nesse contexto, não lhe acautelando os devidos direitos. 
VIII. Pelo que, salvo melhor opinião, a responsabilidade da sua vida familiar, não pode ser assacada ao Recorrente, bem pelo contrário. 
IX. Na verdade, o Arguido necessita de uma oportunidade de ressocialização, atenta a falta de resposta social de que foi ferido no seu percurso até pelo menos à sua adolescência, devendo nessa medida, as circunstâncias que lhe antecederem ser valoradas cuidadosamente para não se cair numa dupla punição. 
X. Não obstante não sere fácil o início de vida após a reclusão, a verdade é que o Arguido ora Recorrente, neste momento, é detentor de contrato de trabalho, encontrando-se a trabalhar e não lhe sendo conhecidos quaisquer problemas sociais. 
XI. De notar ainda que, não obstante as condenações averbadas no seu registo criminal, não poderá deixar de ser igualmente notado que as mesmas foram cumpridas pelo Arguido, encontrando-se inclusivamente o processo n.º 104/19.6GBCMN, extinto por cumprimento.
XII. Tal circunstância não foi igualmente valorada pelo Tribunal a quo.
XIII. Assim a conclusão de que a vida do Arguido ora Recorrente é pautada pelo desrespeito pelas normas de convivência, revela-se exagerada e desproporcional porque não teve em consideração todos os factores enumerados supra e que igualmente lhe são abonatórios. 
XIV. Nestes termos, e lançando mão dos critérios previstos pelo artigo 71.º do CP , coadunando-os com a matéria de facto provada, sempre diremos que não obstante a gravidade dos factos imputados e a que foi condenado, deverão ser tidos em consideração os factores enumerados, a idade e imaturidade do Arguido/Recorrente na data da prática dos factos, os antecedentes familiares que certamente lesarem a sua formação, bem como, a inexistência da prática de criminalidade tida como mais grave, por parte do Arguido/Recorrente.
XV. Por outro lado, não pode deixar de ser salientado que, as medida de prevenção geral, face ao lapso de tempo decorrido entre prática do crime e a existência de uma condenação – entre 2018 e 2024 – deverão ser consideradas mais baixas do que, relativamente, a um processo cuja decisão ocorresse num espaço breve de tempo. 
XVI. Por último, o Tribunal a quo decidiu – a nosso ver erroneamente – não aplicar a Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto, e cuja aplicação seria decisiva para a vida do Recorrente. 
XVII. Fundamenta o Tribunal não ser de aplicar a lei, na medida em que, o crime pelo qual o Arguido ora Recorrente foi condenado encontra-se elencado na excepção prevista pelo artigo 7.º, n.º 1, al. a)-i. 
XVIII. Todavia, olvidou-se o Tribuna que o Arguido não foi verdadeiramente condenado pela prática de um crime de homicídio, mas apenas na tentativa, motivo pelo qual a excepção prevista não se lhe aplica.
XIX. Requer-se, nessa medida, seja igualmente a Lei n.º 38-A/2023 seja tida em consideração, aplicando-se assim ao Arguido uma pena de prisão inferior a 5 (cinco) anos, suspensa na sua execução, ainda que sujeito a regime de prova ou qualquer outro que V.ª Exc.ªs reputem como adequadas às finalidades da punição.“
Como se extrai deste excerto das conclusões transcritas, o recorrente limita o seu recurso à impugnação da pena que lhe foi aplicada, entendendo que a mesma se mostra desproporcionada, excessiva, não tendo tido em devida conta o relatório respeitante às suas condições pessoais e dando um relevo indevido ao certificado de registo criminal, nem tendo aplicado o regime de perdão previsto na Lei n.º 32-A/2023, como se impunha.
Começando por esta afirmação final , respeitante à aplicação no caso vertente do perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, 2 de agosto, vejamos o que ficou exarado no acórdão recorrido:
“Os factos pelos quais os arguidos foram condenados foram praticados em 29.07.2018.
O arguido AA nasceu em ../../2000 e o arguido BB nasceu em ../../1998.
Em 1 de Setembro de 2023 entrou em vigor a Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto que estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, abrangendo as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto.
Ora, segundo dispõe o nº 1 do seu art. 3º “Sem prejuízo do disposto no artigo 4º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos”.
Resulta, portanto, da letra da Lei que os requisitos para a aplicação do perdão são os seguintes:
- O crime ter sido praticado até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023;
- O seu autor ter entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto;
- A pena imposta não ser superior a 8 anos de prisão;
- O crime não estar abrangido por alguma das exceções enunciadas no art. 7º, que elenca os casos em que os condenados não beneficiam de perdão e/ou de amnistia.
Vistos os autos verificamos que à data da prática dos factos, ambos os arguidos tinham idade inferior a 30 anos, os factos foram praticados antes de 19 de junho de 2023 e aos arguidos foram impostas penas de prisão inferiores a 8 anos.
No entanto o crime de homicídio simples, na forma tentada p. e p. pelos art. 131º, 14º, n.º 3, 22º e 23º, e 73, n.º 1, todos do Código Penal, pelo qual o arguido AA vai condenado está abrangido pelas exceções enunciadas no artigo 7º da mencionada Lei,  de acordo com o disposto no artigo 7º, n.º 1, alínea a)- i), logo não é aplicável a presente Lei.”
A posição assumida na decisão sob escrutínio não merece qualquer censura na decisão de não aplicação da medida de clemência, o regime de perdão, consagrado na Lei 38-A/2023 aludida.
Dá-se por reproduzido tudo o que já acima dissemos desta Lei nº 38º-A/2023, de 2 de agosto.
Como afirmamos, no âmbito do art. 2º dessa Lei, é descrita a incidência de aplicação no que se refere ao perdão de penas no art. 3º, estabelecida a amnistia de infrações penais no seu art. 4º.
Sendo que no seu art. 7º, prevê as situações que são excecionadas do âmbito de aplicação das medidas de clemência aí previstas, consagrando, no que ao caso interessa, no seu nº 1, al. a) i), que não beneficiam de perdão e da amnistia prevista na presente lei “Crimes de homicídio e infanticídio, previstos nos artigos 131.º a 133.º e 136.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro.
Servindo tudo isto para explicar que está excluído de aplicação desta lei o crime de homicídio, mesmo que na forma tentada, previsto no art. 131º, do CP, como o imputado ao arguido AA. Não tendo qualquer subsistência legal a sua posição de que tal lei não exceciona esse crime quando praticado na forma tentada.
Na verdade, a interpretação da previsão contida na alínea a) i) do nº 1 do art. 7º da citada Lei, que aparece reportada ao tipo de crime, específica em relação à previsão relativa a esse concreto tipo legal de crime, terá necessariamente que passar por afastar a sua aplicação aos crimes de homicídio, na sua versão simples, qualificada ou privilegiada, previstas nos artigos 131º a 133º, do CP, consumados ou tentados.
O entendimento manifestado pelo recorrente corresponde, na prática, a afastar do âmbito do art.º 7º, nº 1, al. a) i) a prática desses crimes na forma tentada, mas aí não consta qualquer referência a essa possibilidade, nem se vislumbra a sua contemplação em qualquer das alíneas e números que integram esse preceito, por forma a terem-se por não excecionados da aplicação da Lei do Perdão e Amnistia todos os homicídios tentados, e isso corresponde a interpretar a lei fora da sua expressão textual e muito para além do seu espírito, diríamos que mesmo excluída dele.
Quisera o legislador não excecionar da aplicação da Lei do Perdão e Amnistia o crime de homicídio, ou qualquer outro dos aí previstos, na forma tentada, e não havia qualquer razão para não o ter feito logo quando da previsão do nº 1, a), i), e demais crimes e situações prevista no citado art. 7º.
A este respeito, com interesse para a situação em apreciação, embora no âmbito do perdão previsto na Lei nº 9/2020, de 10/04, escreve-se no Ac, da RC, de 30 de novembro de 2020, (acessível in dgsi.pt).
«Como princípio geral de direito com relevo para o que agora ocupa a nossa atenção, tem sido entendido, pela doutrina e pela jurisprudência, que as medidas de graça, como providências de exceção, constam de normas que devem ser interpretadas e aplicadas nos seus precisos termos, sem ampliações nem restrições que nelas não venham expressas.»
Neste entendimento, que sufragamos, são excecionais as normas que estabelecem perdões, não comportando, por isso mesmo, aplicação analógica (artigo 11.º, do Código Civil), nem admitindo interpretação extensiva ou restritiva, devendo ser interpretadas nos exatos termos em que estão redigidas, impondo-se, assim, uma interpretação declarativa.
Neste sentido, por considerarmos pertinente, citamos, de seguida, parte do Acórdão de Fixação de Jurisprudência, datado de 25/10/2001, Processo n.º P00P3209, in www.dgsi.pt:
“(…)
«Com a institucionalização do Estado de direito social e democrático, todos os atos de graça são atos que se movem no mundo do direito, desde logo no do direito constitucional, pelo que estão sujeitos ao seu império, portanto ao controlo jurisdicional. O que se refletiu nos próprios termos da distinção entre amnistia e indulto, evidenciando que na primeira se trata sempre de uma medida formalmente legal (competindo às câmaras legislativas) e, deste modo, dotada das características de objetividade, generalidade e impessoalidade, enquanto no indulto se trata de intervenções executivas através das quais, no caso concreto, são afastadas, reduzidas ou suspensas as consequências jurídicas de uma condenação penal, transitada em julgado.
É assim que a Constituição dispõe hoje que «compete à Assembleia da República [...] conceder amnistias e perdões genéricos» - artigo 161.º, alínea f) -, competindo ao Presidente da República «na prática de atos próprios [...] indultar e comutar penas, ouvido o Governo» - artigo 134.º, alínea f).
Em ambos os casos fica derrogado o sistema legal punitivo; daí o intitular-se, por vezes, o regime das medidas de graça como um jus non puniendi. O direito de graça é, no seu sentido global e abrangente, «a contra face do direito de punir estadual» (Figueiredo Dias, Direito Penal ..., parte geral II, 1993, p. 685).
Sucede ainda que o direito de graça subverte princípios estabelecidos num moderno Estado de direito sobre a divisão e interdependência dos poderes estaduais, porquanto permite a intromissão de outros poderes na administração da justiça, tarefa para a qual só o poder judicial se encontra vocacionado, sendo por muitos consideradas tais medidas como instituições espúrias que neutralizam e até contradizem as finalidades que o direito criminal se propõe.
Razão pela qual aquele direito é necessariamente considerado um direito de «exceção», revestindo-se de «excecionais» todas as normas que o enformam.
É pela natureza excecional de tais normas que elas «não comportam aplicação analógica» - artigo 11.º do Código Civil -, sendo pacífico e uniforme o entendimento da doutrina e da jurisprudência de que, pela mesma razão, não admitem as leis de amnistia interpretação extensiva ou restritiva, «devendo ser interpretadas nos exatos termos em que estão redigidas» (v. a título exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 1977, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 272, p. 111 - «a amnistia, na medida em que constitui providência de exceção, não pode deixar de ser interpretada e aplicada nos estritos limites do diploma que a concede, não comportando restrições ou ampliações que nele não venham consignadas» -, de 6 de Maio de 1987, Tribuna da Justiça, Julho de 1987, p. 30 - «O STJ sempre tem entendido que as leis de amnistia, como providências de exceção, devem interpretar-se e aplicar-se nos seus precisos termos, sem ampliações nem restrições que nelas não venham expressas» -, de 30 de Junho de 1976, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 258, p. 138 - «A aplicação da amnistia deve fazer-se sempre nos estritos limites da lei que a concede, de modo a evitar que vá atingir, na sua incidência como facto penal extintivo, outra ou outras condutas suscetíveis de procedimento criminal» -, de 26 de Junho de 1997, processo n.º 284/97, 3.ª Secção - «As leis de amnistia como leis de clemência devem ser interpretadas nos termos em que estão redigidas, não consentindo interpretações extensivas e muito menos analógicas» -, de 15 de Maio de 1997, processo n.º 36/97, 3.ª Secção - «A amnistia e o perdão devem ser aplicados nos precisos limites dos diplomas que os concedem, sem ampliação nem restrições» -, de 13 de Outubro de 1999, processo n.º 984/99, 3.ª Secção, de 29 de Junho de 2000, processo n.º 121/2000, 5.ª Secção, e de 7 de Dezembro de 2000, processo n.º 2748/2000, 5.ª Secção, para mencionar apenas os mais recentes).
Sendo, assim, insuscetíveis de interpretação extensiva (não pode concluir-se que o legislador disse menos do que queria), de interpretação restritiva (entendendo-se que o legislador disse mais do que queria) e afastada em absoluto a possibilidade de recurso à analogia, impõe-se uma interpretação declarativa, em que «não se faz mais do que declarar o sentido linguístico coincidente com o pensar legislativo.
Na interpretação declarativa «o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto direta e claramente comporta, por ser esse aquele que corresponde ao pensamento legislativo.»
Ora, no que respeita à interpretação declarativa há que atender ao prescrito no artigo 9º do Código Civil:
“1. A interpretação da norma não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
Como salienta Manuel de Andrade, no seu Ensaio Sobre A Teoria Da Interpretação Das Leis: «O texto da norma, dentro do fim, da ratio e sistema em que se insere, constitui, assim, os limites que o intérprete não ultrapassar. «Só até onde chegue a tolerância do texto e a elasticidade do sistema é que o intérprete se pode resolver pela interpretação que dê à lei um sentido mais justo e apropriado às exigências da vida.»
Face a tudo o  exposto, afigura-se-nos manifesto que os elementos interpretativos de ordem literal, lógica, sistemática e histórica não projetam a teleologia da norma em questão no sentido proposto pelo recorrente. Portanto, a situação vertente não beneficia da aplicação das medidas de clemência previstas na Lei nº 38º-A/2023, de 2 de Agosto.
Soçobra, pois, o recurso, nesta parte.
*
Quanto à factualidade respeitante à situação social e antecedentes criminais do arguido, e sua ponderação no doseamento da pena fixada, apenas podemos dizer que a posição assumida no tribunal recorrido não é merecedora da censura que lhe é apontada.
Na verdade, como se extrai da fundamentação exarada no acórdão recorrido supra transcrito, que aqui se dá por integralmente reproduzida, concretamente no que diz respeito à factualidade elencada nos pontos 26 e 27 dos factos provados: “No que se reporta às condições de vida dos arguidos o tribunal teve em consideração o constante dos relatórios sociais juntos aos de fls. 778 a 790.
Os antecedentes criminais dos arguidos constam dos certificados do registo criminal dos mesmos que se encontram juntos aos autos – referencias ...03 e ...06 de 03.01.2024.»
Ou seja, o tribunal a quo atribuiu o devido valor probatório ao teor do relatório social e do CRC do arguido, e, como bem se salienta na resposta do Ministério Público, aquele relatório social foi-lhe facultado para leitura na audiência de julgamento, e perguntado se havia alguma alteração a efetuar no teor do mesmo – Ata de audiência de continuação de julgamento de 14/02/2024 – gravações 15.11.10; 15.16.05 até 15.18.25 (referência ...43).
Assim sendo, se entendia que os dizeres respeitantes à sua situação pessoal não correspondiam ao que ficou exarado naquele documento, ou se essa situação havia sofrido alteração, se o aí vertido se encontrava desfasado da realidade mais recente, poderia, e deveria, tê-lo suscitado nesse momento, tanto mais que se encontrava assessorado pelo respetivo defensor.
Vir agora insurgir-se contra esse relatório, designadamente invocando a desatualização dos dados nele inseridos (repare-se que se reportam a fevereiro de 2023, ou seja, cerca de um ano antes do acórdão recorrido), é manifestamente intempestivo e contraditório com a posição assumida em julgamento relativamente ao mesmo. Sendo certo que também não foi invocada qualquer falsidade que o inquinasse, ou inverdade quanto ao seu conteúdo.
Na verdade, a insurgência do recorrente manifesta-se contra a valoração atribuída no acórdão sob escrutínio ao teor desse relatório, e aos dados relativos à sua situação criminal contantes do CRC respetivo, alegando que, “face ao lapso de tempo recorrido, o mencionado relatório social não poderia servir, sem mais, para desvalorizar a conduta do Arguido, até porque, tem do sido o Arguido ora Recorrente colocado em liberdade em Junho de 2023, logrou obter emprego, tentando coadunar a sua vida de acordo com o direito. No mais, o contexto da vida familiar do Arguido ora Recorrente, não pode servir como fundamento em seu desfavor, até porque, tal situação ocorreu enquanto o Arguido era menor de idade, pelo que, toda a situação familiar perpassada pelo Arguido apenas manifesta a insuficiência do Estado de Direito que, perante uma família disfuncional, permitiu que uma criança permanecesse e continuasse até determinado momento, nesse contexto, não lhe acautelando os devidos direitos.”
Esta questão será analisada em sede própria, quando nos debruçarmos mais concretamente sobre a medida da pena.
Portanto, contrariamente ao afirmado pelo recorrente, o tribunal recorrido atendeu a todos os elementos que foi possível compilar sobre a sua situação pessoal. E, não tendo sido arrolados outros elementos probatórios a produzir, designadamente pelo próprio arguido, o que até em audiência de julgamento poderia ter sido suscitado mais não cumpriria diligenciar, por manifesta impossibilidade.
Carecendo, assim, de razão a impugnação invocada.
No mais. 
 Em causa está a prática de crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. nos art.ºs 22.º, 23.º e 131.º do Código Penal
Na 1ª instância foi decidido, condenar o arguido:
“(…)
- pela prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 14º, nº 3, 22º, 23º e 73º, nº 1 e 131º, do Código Penal, na pena de seis anos de prisão.
 Evitando a desnecessária repetição do que ficou exarado, damos aqui por integralmente reproduzidas todas as considerações doutrinais e jurisprudenciais acima tecidas quanto ao direito aplicável nesta fase processual respeitante à determinação da medida concreta da pena.
O crime de homicídio simples, na forma tentada, é punível com pena de 1 (um) ano, 7 (sete) meses e 6 (seis) dias a 10 (dez) anos e 8 (oito) meses de prisão (art.º 131º, 22º, 23º e 73º, nº 1, als. a) e b) do CP).
 Tal como foi vertido no acórdão recorrido, na determinação da pena aplicada, “Nos termos do disposto pelo art. 40º do Código Penal a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (nº 1), em caso algum podendo a pena ultrapassar a medida da culpa (nº 2).
A determinação da medida concreta da pena terá que ser feita, nos termos do art. 71º, n.º 1 e 2 do Código Penal, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção de futuros crimes, servindo como fatores de doseamento da pena as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham contra ou a seu favor considerando, nomeadamente: o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior e posterior ao facto e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto.
Foi aplicada ao arguido a pena de (6 seis) anos de prisão acima apontada.
Na ponderação da determinação dessa pena fez-se constar:
“No caso releva o dolo, que ocorreu na modalidade de dolo eventual, portanto na sua modalidade menos grave.
O modo de execução do facto, o arguido utilizou um capacete para desferir com o mesmo, repetidas pancadas, na zona da cabeça, cara e do peito de CC, enquanto este permanecia inanimado no chão, que lhe provocaram as lesões descritas no ponto 11 dos factos provados, pondo a vida do ofendido CC em perigo, já que se o mesmo não tivesse sido rapidamente socorrido, teria entrado em paragem respiratória, sobrevindo-lhe a morte; as regiões, nas quais atingiu o ofendido aloja órgãos vitais, o que significa que a sua conduta é de extrema gravidade, uma vez que a possibilidade do resultado ocorrer foi efetiva (na medida em que estamos perante uma situação de dolo eventual, esta maior ou menor perigosidade dos meios utilizados tem relevância na apreciação das circunstâncias concretas da atuação do arguido).
Terá de se ter em consideração, ainda as sequelas que da conduta do arguido advieram para o ofendido, nomeadamente ao nível das lesões por ele sofridas e dos tratamentos a que se submeteu, conforme resultaram da factualidade dada como provada.
No que respeita às exigências de prevenção geral há que ter em consideração que o crime de homicídio atinge o bem mais precioso da nossa sociedade, traduzido pela vida humana devendo, por isso, a prevenção geral ser particularmente acutilante.
Na verdade, como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/6/12 (proc. nº 525/11.2PBFAR.S1), publicado em www.dgsi.pt, “nos crimes de homicídio, ainda que se quedem pela fase da tentativa, as exigências de prevenção geral positiva são sempre especialmente intensas, porque a violação do bem jurídico fundamental ou primeiro - a vida - é, em geral, fortemente repudiada pela comunidade. (…) Por isso, a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na afirmação do direito reclama uma reacção forte do sistema formal de administração da justiça, traduzida na aplicação de uma pena capaz de restabelecer a paz jurídica abalada pelo crime e de assegurar a confiança da comunidade na prevalência do direito”.
No que respeita às exigências de prevenção especial podemos concluir serem muito mais elevadas na medida em que a vida do arguido AA é pautada por comportamentos desviantes e contrários ao cumprimento das regras da vida em sociedade, apresenta um percurso de vida marcado pela disfuncionalidade da dinâmica intrafamiliar do seu agregado de origem, pela ingestão abusiva de bebidas alcoólicas, pela manutenção do consumo de substâncias estupefacientes, não lhe é conhecida atividade profissional fixa e a existência de antecedentes criminais.”.
As circunstâncias a ponderar para este efeito são pois:
Uma muito acentuada ilicitude dos atos praticados e o elevado grau de censurabilidade da conduta do arguido, revelada pelas circunstâncias que a rodeou.
Muito embora o dolo com que o arguido agiu tenha assumido a forma de dolo eventual, por conseguinte a sua modalidade menos grave, o modo de execução dos factos, pela brutalidade que revestiu a sua atuação, desferindo repetidamente, e de forma muito violenta, golpes com um capacete de proteção, objeto dotado de grande contundência se utlizado da forma apurada, concretamente na parte da cabeça, no rosto e no peito do ofendido, vibrando golpes persistentemente mesmo quando este já não oferecia resistência e se encontrava inanimado, prostrado no solo. E só parou por força da intervenção de terceiro, que no momento intercedeu em socorro da vítima, fazendo-o cessar o comportamento agressor.
Tudo revelando, dentro do quadro do tipo em que se enquadra a sua conduta, uma gravidade elevada e uma persistência no desígnio criminoso, que potenciou o risco do resultado morte que representou e com o qual se conformou.
O circunstancialismo anterior e posterior ao crime revela de igual modo um grau elevado de censurabilidade da conduta.
Senão vejamos.
O arguido, após desentendimento verbal com o CC, junto à porta da discoteca ..., acompanhado pelo coarguido BB e outros indivíduos, cuja identidade não se apurou, veio a encontrar-se com o ofendido e o DD, que o acompanhava, na interceção entre a Rua ... e a Travessa do Tribunal.
Aí, o arguido e o coarguido BB voltaram a desentender-se verbalmente com o ofendido CC.
O que levou o CC a prosseguir a sua marcha, agora, em passo de corrida, ou seja a fugir, tendo sido seguido pelos coarguidos BB e AA.
Junto ao n.º 10 da Travessa do Tribunal, o arguido BB alcançou o CC e deu-lhe um pontapé na perna, fazendo-o cair ao chão. E, de seguida, ambos os coarguidos agrediram fisicamente o ofendido, desferindo-lhe pontapés na parte inferior do corpo, enquanto este continuava prostrado no chão.
Momento em o arguido/recorrente munido do capacete ilustrado a fls. 113 dos autos, desferiu com o mesmo, repetidas pancadas, na zona da cabeça, cara e do peito de CC, enquanto este permanecia inanimado no chão.
Esta atuação dos coarguidos, de espera e perseguição do ofendido, mesmo perante uma tentativa de fuga deste, com certeza para evitar um confronto físico com aqueles, e todas as circunstâncias que rodearam os atos de agressão que se verificaram após a queda ao solo do CC, acabou por determinar uma particular perigosidade do modo de execução das agressões que vitimaram este, do mesmo passo que aumentou a vulnerabilidade do visado. Sendo certo que, após ter sido agredido por aqueles, e quando se encontrava caído no solo, o arguido/recorrente, não satisfeito, começa a desferir-lhe golpes com o capacete de que estava munido nas partes do corpo aludidas, mesmo quando a vítima já se encontrava inanimada.
Ponderam-se ainda as gravosas consequências que para o ofendido CC resultaram das agressões perpetradas:
No momento da agressão.
Sangramento e ficou inconsciente, com comprometimento da via aérea e dificuldade respiratória;
Teve que ser socorrido no local e transportado para o Hospital ..., onde foi sedado e ventilado artificialmente;
Careceu de ser transferido para a sala de emergência do Hospital ... no ..., local onde foram detetados, entre o mais, “extensos hematomas epicraneanos temporo-parieto-occipital direito, fronto-temporal, periorbitário e zigomático-malar esquerdos e nasal; fratura dos ossos próprios do nariz e septo nasal; fratura da parede anterior e medial do seio maxilar direito, fratura da parede lateral da órbita esquerda; fratura do processo frontal, parede anterior, medial e póstero-superior do seio maxilar esquerdo; parênquima cerebral sem alterações significativas”;
Esteve internado na unidade de cuidados intensivos de 29-07-2018 a 09-08-2018, onde esteve em coma durante uma semana; esteve entubado até 03-08-2018;
 Em 16-09-2019 o ofendido apresentava as seguintes sequelas permanentes:
- Síndrome de stress pós-traumático com deficit para a memória recente, ansiedade, fobia em frequentar um grupo e insónia;
- Pálpebra inferior esquerda escurecida;
- Dente incisivo superior esquerdo escurecido;
- No pescoço, cicatriz cervical própria de entubação;
- Rouquidão crónica pós-traumática, provavelmente cicatricial da mucosa interna;
- No abdómen, cicatriz nacarada com 1x1cm na crista ilíaca anterosuperior.
Essas lesões determinaram para o ofendido um período de 254 dias para a consolidação médico-legal, com afetação da capacidade de trabalho geral por um período de 90 dias e com afetação da capacidade de trabalho profissional por um período de 254 dias.
A conduta do arguido AA pôs a vida do ofendido CC em perigo, já que se o mesmo não tivesse sido rapidamente socorrido, teria entrado em paragem respiratória, sobrevindo-lhe a morte, e deu causa às lesões permanentes acima descritas, que se traduzem numa diminuição da sua qualidade de vida.
Por outro lado, não obstante a idade do arguido AA à data dos factos, e a ausência de antecedentes criminais nessa ocasião, contrariamente ao indicado na decisão recorrida, a verdade é que pouco tempo após a ocorrência daqueles a sua conduta posterior revela um contacto frequente com o sistema penal, concretamente:
- Por decisão datada de 30.05.2019, transitada em julgado em 11.07.2019, proferida no proc. N.º 104/19.6GBCMN, do Juízo de Competência Genérica de ..., foi condenado pela prática, em 29.05.2019, de um crime de desobediência e um crime condução sem habilitação legal, na pena única de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, que perfaz o total de € 400,00; por despacho datado de 04.10.2019, a pena de multa foi substituída por pena de 80 horas de trabalho.
- Por decisão datada de 23.09.2020, transitada em julgado em 14.12.2020, proferida no proc. N.º 57/19...., do Juízo de Competência Genérica de ..., foi condenado pela prática, em 16.04.2019, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, que perfaz o total de € 412,50; por despacho datado de 04.02.2021, a pena de multa foi substituída por pena de 75 horas de trabalho.
- Por decisão datada de 06.12.2022, transitada em julgado em 02.05.2023, proferida no proc. N.º 8/20.0GBCMN, do Juízo Central Criminal de ... – J..., foi condenado pela prática, em janeiro de 2020, de dois crimes de furto qualificado, na pena única de 1 ano e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova.
- Por decisão datada de 30.03.2023, transitada em julgado em 20.04.2023, proferida no proc. N.º 138/21...., do Juízo de Competência Genérica de ..., foi condenado pela prática, em 08.08.2021, de um crime de coação, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, que perfaz o total de € 400,00.
Factos que não poderão deixar de ser ponderados, como foram,  a título de prevenção especial e com elevada relevância acerca da sua personalidade e comportamento social.
Com efeito, na prática do ilícito em causa, tendo em conta o seu circunstancialismo e modo de execução, que acima se referiu, detetam-se qualidades desvaliosas da sua personalidade, em particular traços de agressividade e de indiferença à vida e integridade física alheias que relevam negativamente, quer pela via da culpa, quer em sede de exigências de prevenção especial que se fazem sentir. O que veio a ser confirmado perante o seu comportamento posterior, e que nos revela uma manifesta falta de consciência critica do seu comportamento em sociedade, de desrespeito pelas normas e de desvalor dos seus atos
Tal crime apresenta, pois, um grau muito elevado de ilicitude, o que se mostra refletido na pena aplicada.
As necessidades de prevenção geral são também muito elevadas, de prevenção geral positiva, estando em causa a violação do bem jurídico fundamental, a vida de uma pessoa, o que acarreta um repúdio manifesto por parte da comunidade, o que, para efeito de uma estabilização contra fáctica das expectativas comunitárias na afirmação do direito reclama uma reação forte do sistema formal de administração da justiça, traduzida na aplicação de uma pena capaz de restabelecer a paz jurídica abalada pelo crime e de assegurar a confiança da comunidade na prevalência do direito.
Ao nível das necessidades de prevenção especial, não obstante a ausência de antecedentes criminais do arguido à data dos factos, e a disfuncionalidade familiar de que dispôs na sua juventude, que levou à sua institucionalização em estabelecimento de acolhimento, não deixam de ser relevantes outros factores que não podem ser descurados, como sejam, a ingestão abusiva de bebidas alcoólicas num passado recente e o consumo de substâncias estupefacientes, a sua irregularidade em termos laborais, a aludida assunção de comportamentos com caráter ilícito posterior, com condenações em penas de multa e uma de prisão, suspensa na sua execução, e, não menos importante, tendo em conta o circunstancialismo que rodeou a prática dos factos, o modo de execução dos mesmos e o grau de intervenção, que acima se referiram, que denotam uma personalidade com traços de agressividade e de indiferença à vida e integridade física alheias.
Para além disso, a sua postura perante o episódio ocorrido não revela arrependimento ou consciência critica do desvalor dos seus atos, continuando, mesmo após a produção de prova em julgamento, e face à sua exuberância, a denotar uma atitude de indiferença perante os factos ocorridos e das consequências dali resultantes.
Assim sendo, ao contrário do alegado pelo recorrente, e no seguimento do já acima dito, para além das circunstâncias pessoais do arguido se mostrarem refletidas na pena concreta aplicada porquanto, dentro da moldura abstrata aplicável, de um ano, sete meses e seis dias a dez anos e oito meses de prisão, o tribunal a quo aplicou a pena de 6 (seis) anos de prisão, ou seja, uma pena próxima do limite médio da moldura penal aplicável, também na fixação da mesma se mostram devidamente ponderadas as circunstâncias em que tudo ocorreu, os motivos que determinaram a sua conduta, as consequências da mesma, e os elevados graus de ilicitude e de culpa que os factos evidenciam. Tudo conjugado com a personalidade do arguido, que revela tendência para a agressão, a violência física, com desrespeito profundo da integridade física e da vida da pessoa humana, como insofismavelmente certifica a facticidade assente.
Nessa avaliação da personalidade do arguido não poderá deixar de ser ponderado o conjunto dos factos, o ambiente em que decorreram, os motivos que os determinaram, a violência gratuita, a procura do confronto físico mesmo perante a atitude de fuga da vítima, a persistência revelada na agressão com o capacete, que só terminou graças à intervenção de um terceiro, a condição de fragilidade dessa vítima perante o maior número e violência dos agressores iniciais e o facto de se encontrar prostrada no solo, e até inanimada, quando ofendida pelo recorrente da forma aludida, todo um conjunto de circunstâncias que nos conduzem a concluir estarmos perante um indivíduo com alguma propensão ou tendência para a prática deste tipo de ilícitos penais, uma personalidade violenta, a que não poderá deixar de se atribuir um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.
Também será de ponderar o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do arguido, como exigência de prevenção especial de socialização. Sendo certo que o comportamento posterior assumido não mostra que o episódio sucedido, bem como a perspetiva do que poderia vir a ocorrer como consequência do mesmo, o confronto com o sistema de justiça e a possibilidade de uma punição, que se adivinhava, não o demoveram de continuar a comportar-se de forma ilícita e criminosa. 
 No presente caso, face a tudo o que acima já dissemos, atendendo à forma temerária e muito violenta da sua atuação, completamente desnecessária e sem motivo aparente que justificasse tal conduta, sem o mínimo respeito pela saúde e até pela própria vida da vítima, tal quadro de atuação revela uma expressiva desvalorização da sua personalidade perante a prática deste tipo de ilícitos – exigindo-se, pois, que se afaste a possibilidade de a pena sofrer alguma moderação, não obstante, repete-se, o arguido não ter registados quaisquer confrontos com o sistema penal de justiça pela prática de crimes da mesma natureza, ou outra, à data dos factos.
 Apresentando no período da prática dos factos uma desconformidade com os valores que subjazem e enformam a nossa sociedade, um desvalor, um grau de culpa, que não poder ser menosprezado, antes pelo contrário, em termos de valoração, que terá de se repercutir na medida da censura pessoal que lhe tem de ser feita, com reflexos na medida da pena.
Tendo em conta a imagem global do conjunto factual em apreciação, voltamos a afirmar que a pena aplicada, de 6 (seis) anos de prisão, dentro da moldura abstrata aplicável ao arguido AA, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Mostrando-se, contrariamente ao afirmado pelo recorrente criteriosamente aplicada, proporcionada e equilibrada, tendo em conta a culpa do agente e todas as circunstâncias do caso, e não obstante a invocada disfuncionalidade familiar, para a qual não contribuiu, de que foi vítima, e ausência de antecedentes criminais invocados.
*
Suspensão da pena
O recorrente, colocando em causa a medida da pena fixada  no acórdão recorrido, e batendo-se pela aplicação de uma pena que não ultrapasse os cinco anos de prisão, pugna pela suspensão na sua execução dessa pena que lhe venha a ser fixada.
Como já dissemos relativamente à situação do coarguido BB, nos termos do disposto no art. 50.º, nº 1, do CP «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»
 Ora, desde logo, e perante o acabado de decidir não se mostra preenchido o pressuposto formal que permitiria a aplicação da pena de substituição, suspendendo na sua execução a pena aplicada, uma vez que ultrapassa os cinco anos de prisão.
Pelo que, cai por terra a pretensão formulada pelo arguido.
De qualquer forma, na situação vertente, atendendo à personalidade do agente, indivíduo belicoso e propenso à conflituosidade, à sua conduta posterior ao crime e às circunstâncias deste, só se pode concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Pelo exposto, improcede a pretendida suspensão da execução da pena aplicada ao recorrente, porquanto não é aplicável no caso concreto aquela pena de substituição pretendida, por não se verificar o pressuposto de ordem formal que a lei exige.
Da inconstitucionalidade
Alega o recorrente que o acórdão proferido pelo tribunal a quo enferma de inconstitucionalidades por violação do disposto nos artigos 18, nº 2, 21º, 22º e 32º, nº 2, da CRP.
Não logramos encontrar na decisão recorrida a violação de qualquer uma das normas e princípios constitucionais invocados.
Não obstante diremos que, no sistema português, os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade têm necessariamente objeto normativo, devendo incidir sobre a apreciação da constitucionalidade de normas ou interpretações normativas, e não sobre a apreciação de alegadas inconstitucionalidades imputadas pelo recorrente às decisões judiciais, em si mesmas consideradas, atenta a inexistência no nosso ordenamento jurídico-constitucional da figura do recurso de amparo, ou da queixa constitucional, contra atos concretos de aplicação do Direito (  - Decisão Sumária do Tribunal Constitucional n.º 335/2013).
A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto (- Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 138/2006.).
Ora, no caso dos autos, o recorrente não suscita qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, pois o que alega no corpo da motivação tem a ver com a sua discordância direta com o julgamento do tribunal recorrido, sem pôr em causa, com fundamento na sua inconstitucionalidade, qualquer norma que a decisão tenha aplicado ou desaplicado.
Aliás, tanto assim que o recorrente não definiu nenhuma questão de constitucionalidade normativa suscetível de constituir objeto de apreciação e de forma a criar um dever de pronúncia sobre tal matéria, conforme impõe o artigo 72.º, n.º 2 da LTC.
Improcede, portanto, também esta questão.

Refira-se, por fim, que também não discernimos a violação de qualquer outro dos dispositivos legais apontados nos recursos interpostos.
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III – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em:

1 - Retificar o erro de escrita nos moldes supra referidos, passando a constar  no número cinco do dispositivo:
“5.Condenar o arguido BB pela prática em autoria material de um crime de omissão de auxílio p. e p. pelo disposto no artigo 200º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão.”
Oportunamente, na 1ª instância, se procederá ao pertinente averbamento
2 - Declarar amnistiado, por força do disposto no artigo 4º da Lei nº 38-A/23 de 02 de agosto, o crime de omissão de auxílio, previsto no art. 200º, nº 1, do CP, imputado ao arguido BB.
No mais
 3 - Julgar improcedentes os recursos interpostos pelo Ministério Público e pelo arguido AA, confirmando-se nos seus precisos termos o acórdão recorrido.
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Custas a suportar pelo recorrente AA, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC´s, [arts. 513.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa a este último diploma].
Sem custas, por delas estar isento, quanto ao recurso do Ministério Público
Notifique.
(O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do C. P. P.)
Guimarães 24 de setembro, de 2024

Os Juízes Desembargadores
Relator – José Júlio Pinto
1ª Adjunta – Isilda Pinho
2ª Adjunta – Fátima Furtado