Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
151/23.3T8MLG.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: MAIOR ACOMPANHADO
SUPRIMENTO DO CONSENTIMENTO
PROVA PERICIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Diversamente do que sucede com a falta de audição do beneficiário, enquanto diligência obrigatória em qualquer caso no processo de acompanhamento de maiores, os restantes meios probatórios requeridos pelo recorrente, designadamente a realização de perícia médico-legal, dependem de um juízo do tribunal sobre a respetiva pertinência ou necessidade, não gerando a sua dispensa qualquer nulidade processual.
II - Porém, as respostas e reações do requerido/beneficiário às perguntas que lhe foram colocadas em sede de audição obrigatória não constituem material probatório suficiente para permitir dispensar os resultados da prova pericial, considerando que o objeto da presente ação de acompanhamento pressupõe a aferição de pressupostos fáctico-jurídicos, por natureza complexos, atenta a alegação de que a referida afeção de natureza física, psíquica, cognitiva e emocional do requerido, determina que seja negativamente influenciado por terceiros em termos volitivos e cognitivos, comprometendo a sua capacidade de autodeterminação e gerando comportamentos de prodigalidade, o que leva a que não seja capaz de gerir os seus bens/património sem supervisão.
III - Nesta medida, atendendo à manifesta insuficiência dos meios de prova produzidos e juntos ao processo, à luz dos factos alegados, do objeto da ação e dos meios de prova requeridos, impõe-se a conclusão de que o estado dos autos não permitia ainda o conhecimento do pedido de suprimento da autorização do beneficiário, o qual se mostrou prematuro na decisão em causa, uma vez que se impunha previamente a realização da perícia médico-legal prevista nos artigos 897.º, n.º 1, e 899.º do CC, com a tramitação subsequente que se revelasse necessária, e não a sua dispensa, o que leva à revogação da decisão recorrida.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA, residente, quando em ..., em 18, Rue ... ..., e, quando em Portugal, na rua ..., ..., ..., veio peticionar a aplicação do regime de acompanhamento de maior ao requerido BB, nascido a ../../1938, viúvo, seu pai, residente no Lugar ..., ..., ..., ..., pedindo cumulativamente o suprimento de autorização do requerido, com base em ações e comportamentos deste, que, segundo descreve e alega, levam a concluir que o requerido apresenta a sua capacidade de tomar decisões livres e esclarecidas comprometidas, apresentando-se psicologicamente diminuído e dependente, sem discernimento bastante e suficiente para entender o que é uma ação especial de acompanhamento de maior, nem a noção de que carece das preconizadas e requeridas medidas, nem tem a noção que o seu património, que tão arduamente angariou, não é, agora, para ser dissipado por falta desse mesmo discernimento; o requerido encontra-se  desorientado no espaço e no tempo, não tendo, as mais das vezes, a noção do que está a fazer e dos efeitos ou consequências irremediáveis para ele próprio do que fez e faz; não tem a noção do dinheiro, nem do valor relativo deste e das coisas; precisa de ser orientado para proceder à sua higiene e para se vestir, tendo dificuldade de selecionar a roupa que vai vestir, necessitando de acompanhamento e vigilância em tudo o que se relaciona com a administração dos seus bens, existindo  neste momento riscos evidentes de que o respetivo património possa ser dissipado pela prodigalidade galopante que vem revelando por estar física, psíquica e emocionalmente vulnerável à influência de terceiros, praticando atos que demonstram necessidade de acompanhamento através da aplicação de medidas patrimoniais que o protejam; o requerido sempre foi uma pessoa extremamente regrada e poupada, nem sequer usando transportes públicos, nem táxi, para não gastar dinheiro, indo e vindo as vezes que for necessário de sua casa no ... à vila/... a pé (cerca de 3,5 a 4 Km em cada sentido), para efetuar compras e tudo o mais relativo e necessário à sua vivência; entretanto, o requerido revelou que a sua sobrinha, CC, se tinha aproximado dele muito recentemente, começando a visitá-lo todos os dias, lavando a sua roupa na máquina dela, uma vez por semana, desde meados/finais do mês de julho de 2023, pedindo-lhe que lhe desse dinheiro para acabar a construção de sua casa (dela), ao que o requerido anuiu, mais referindo que ela o tinha levado a ..., ao banco, e que tinha, ali, levantado 230.000,00 € de uma conta a prazo que detinha nessa instituição bancária e que o tinha posto todo em nome dela.
Requer se decrete o acompanhamento do requerido, com aplicação das medidas que propõe, devendo ser fixada a data a partir da qual as medidas de acompanhamento se tornaram convenientes (início de 2023), proferindo-se sentença depois de ouvido o requerido beneficiário e de reunidos e produzidos todos os elementos probatórios que se entendam por necessários e adequados, incluindo o exame de avaliação psicológica do requerido com exame de perícia médico-legal de avaliação psicológica, sugerindo-se que feita com entrevista clínica forense e exame do estado mental.

No requerimento inicial, o requerente indicou ainda os seguintes meios de prova:
«Documental:
a) Os 26 que se anexam; e,
b) Os suscitados / requeridos em 56º, a), b) e c).
Pericial:
O suscitados / requerido em 55º / 1..
Por audição pessoal e directa:
Do Requerido / beneficiário, com os mais sinais supra.
Por declarações:
Do Requerente, com os mais sinais supra.
Testemunhal:
1. DD, residente em rua ..., ..., ... ...; 2. EE, residente em Rua ..., ... ...;
2. EE, residente em Rua ..., ... ...;
3. FF, residente em Rua ...., ... ...:
4. GG, residente em ..., 106, ..., ... ...;
5. BB, residente habitualmente em 18, Rue ... ..., ... e, quando em Portugal (até final do corrente mês de Agosto), em Rua ...., ... ...: e,
6. Os funcionários das instituições bancárias cuja concreta identificação seja apurada em vista do requerido em 56º b) e c), todos a notificar e o em 5., sendo caso, e a em 2. a inquirir por videoconferência».
Admitida liminarmente a petição inicial, bem como o pedido de suprimento de autorização coligado, foi dada publicidade à ação.
O beneficiário foi regularmente citado e apresentou contestação. Alegou ser capaz, física e mentalmente autónomo, e com juízo crítico, como afirma resultar do atestado médico que juntou à contestação e, certamente, resultará do exame à sua sanidade mental a efetuar no âmbito destes autos, conforme também salienta. Aceita que, recentemente, transferiu o valor de 230.000,00 € para a conta bancária de uma sobrinha, que identifica, mas que tal configurou uma doação que fez a esta sem qualquer condição, porquanto ainda não estava doente; todavia, pouco tempo depois o requerido adoeceu e foi a sua sobrinha que o acompanhou ao hospital, onde ficou internado até ao dia seguinte, e o foi buscar, passando a acompanhá-lo para todas as suas necessidades desde essa data e até hoje; conclui que não se verificam os pressupostos da aplicação de qualquer medida de acompanhamento de maior.
Requereu a audição direta e pessoal do requerido, arrolou testemunhas e juntou documentos, entre os quais documento designado de atestado médico datado de 01-09-2023.
O requerente respondeu à contestação, mediante requerimento apresentado a 28-09-2023 no qual, entre o mais, impugnou o teor dos documentos juntos à contestação e sua força probatória, juntando ainda um documento (certidão judicial) e requerendo diversas diligências probatórias, nos seguintes termos:
«(…) 7. Assim, requer-se V/Excia. se digne ordenar:
1. A notificação do Requerido para, em prazo a doutamente fixar, este vir aos autos indicar a totalidade das contas bancárias à ordem e/ou a prazo e tudo o que lhes estiver indexado (acções, obrigações, títulos do tesouro, cofres ou quaisquer outros) que actualmente possui e, bem assim, como os mesmos detalhes, as que possuía nos seis meses anteriores à data da entrada em juízo do requerimento inicial (16.08.2023), em que bancos as possui / possuía e respectivos valores.      
2. A notificação de todas as instituições bancárias referenciadas e discriminadas no requerimento inicial em sede de “Nota” ao em 56º, que aqui se dão por integradas e reproduzidas, e, designadamente, dos bancos Banco 1... - balcões de ... e de ..., Banco 2..., ... - balcão de ..., e Banco 3... - balcão de ..., para, em prazo a doutamente fixar, virem juntar aos autos a identificação das contas bancárias existentes no respetivo banco, à ordem e/ou a prazo e tudo o que lhes estiver indexado (acções, obrigações, títulos do tesouro, cofres ou quaisquer outros), com menção expressa aos respectivos montantes, nos seis meses anteriores à entrada da entrada em juízo do requerimento inicial (16.08.2023) das quais o Requerido fosse titular ou cotitular, bem como, identicamente, indicar todos os bens e valores do Requerido que se encontrem depositados à data da resposta em cada um desses bancos notificados.
3. A notificação do Hospital ... / Centro Hospitalar ... e do Centro de Saúde ... para, em prazo a doutamente fixar, cada uma destas Instituições de Saúde vir aos autos juntar, mesmo que por simples cópias, a totalidade dos documentos da(s) ficha(s) clínica(s) em arquivo relativa(s) ao Requerido, incluindo actos médicos, intervenções hospitalares, identificação dos tratamentos e medicamentos prescritos.  
4. Que, após a junção aos autos da documentação hospitalar e médica que se pede no número anterior e do atinente a contas bancárias e afins a previamente obter – de forma a atingir-se o que representam os € 230.000,00 no ‘universo’ do património do Requerido e suas implicações –, então e só então, com cópia de tudo o que se adquirir para os autos, requer-se, em prazo a doutamente fixar, se digne ordenar a realização de perícia física, psicológica e psiquiátrica do Requerido no Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses a fim de que este se pronuncie sobre o estado físico e saúde mental do Requerido com elaboração de relatório pericial, tendo em consideração, entre tudo o que os Senhores Peritos médicos especializados entenderem por melhor para a mais fiel perícia da personalidade e estado mental do Requerido, sem prejuízo do aduzido, a propósito, no requerimento inicial, que aqui se dá por integrado e reproduzido, detalhem, também, sobre se o Requerido: 
a) É ou não uma pessoa idosa, já com 85 anos, que necessita de cuidados acrescidos com sua saúde e Bem Estar;
b) É ou não uma pessoa que, face à sua idade dos 85 anos, vive angustiada pela ausência de projeto de vida individual;
c) Há ou não necessidade de ser elaborado um guia de acompanhamento com o envolvimento do Requerido;
d) Este tem ou não necessidade do auxílio de uma terceira pessoa para gerir seus bens; e,
e) Está ou não desequilibrado psíquica e emocionalmente, o que conduz ou pode conduzir a que facilmente faça ou permita uma gestão abusiva do dinheiro e das suas contas bancárias e tenha dificuldade na realização conscienciosa de negócios jurídicos e afins.   
 5. A notificação de CC, divorciada, residente no lugar ..., ..., da UF ... (...) para, em prazo a doutamente fixar:
a) Juntar aos autos fotocópia de todas as faturas / recibos emitidos pelo(s) empreiteiro(s) relativos à construção da sua moradia;
b) Dar autorização para ser levantado o sigilo bancário relativamente à suas contas bancárias em todos as entidades bancárias ou similares a operar em Portugal - como sejam as elencadas em sede de “Nota” do em 56º do requerimento inicial -, a fim de serem obtidos extractos das contas de que seja titular ou cotitular e/ou em que tenha capacidade de movimentação dos seis meses anteriores à entrada da entrada em juízo do requerimento inicial (16.08.2023) e, também, para autorizar que a Banco 2..., ..., balcão de ..., venha aos autos juntar os documentos comprovativos das entregas parcelares do empréstimo de € 110.000,00 que lhe concedeu e como  imediatamente adiante vai em 5., em vista da edificação do imóvel em 43º no requerimento inicial e do ajuizado; e,
c) Juntar comprovativo do pagamento do imposto de selo que sempre seria devido pela pretensa ‘doação’ dos € 230.000,00 – cfr. art. 1º, n.ºs 1 e 3, e 1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo, do Código do Imposto do Selo (10% = € 23.000.00).   
6. Com ou sem aquela autorização, mais não seja, a notificação da Banco 2..., ..., balcão de ..., para vir aos autos juntar documentos comprovativos das entregas parcelares do empréstimo de € 110.000,00 que concedeu a HH e, sendo o empréstimo concedido em função das fases de construção do prédio em 43º do requerimento inicial, vir aportar aos autos fotocópias do atinente às vistorias feitas que fundamentaram e estão na génese do ‘desbloqueamento’ dos valores entregues por conta desse empréstimo que àquela foi concedido por essa instituição bancária.
7. A admissão da junção aos autos da certidão / doc. ..., sem aplicação de qualquer sanção, por razão superveniente, pois a sua junção decorre da necessidade nascida com o teor da contestação e para contraprova dos factos aí vertidos e em vista da aquisição da verdade material e da boa decisão do submetido.
8. A mais e ainda sobre a prova:
a) Protesta apresentar neste Juízo, na data para que vier a ser agendada para Audiência de Julgamento, as testemunhas que com anterioridade se deixaram arroladas, EE e BB, residentes no ... e em ..., respectivamente, por forma a assegurar a economia e a celeridade processuais, pelo que declara prescindir sejam inquiridas por meio de videoconferência;
b) Atento o disposto no art. 598º n.º 2 CPCivil, requer seja admitido o aditamento ao seu rol de testemunhas, de II, residente em Praça ..., ..., ... ... e de JJ, residente em Rua ...., ... ..., ambas que se obriga a apresentar;
c) Mantém, na íntegra e para produção, todos os mais “Meios de Prova” apresentados / suscitados / requeridos no requerimento inicial, in fine; e,
d) Percute pelo deferimento do requerido em sede do requerimento inicial em 56º, relativamente ao aí em b) - obtenção da “Declaração de Destino de Fundos”(“Destino”) – e c) – obtenção da “Declaração de Destino de Fundos”(“Proveniência”) -, a montante e jusante da ‘entrega’ pelo Requerido /recebimento por CC daqueles € 230.000.00, com a identificação dos reditos concretos funcionários das mencionadas instituições bancárias, tanto que arrolados para serem notificados e para subsequente inquirição.
(…)».
Seguidamente, em 25-10-2023 (ref. ª ...53), foi proferido despacho, com o seguinte teor:
«(…)
 Requerimento ...02 de 28-09-2023:
Notificado da contestação apresentada pelo beneficiário, veio o requerente apresentar réplica.
Por legalmente inadmissível, desentranhe.
Sem custas, atenta a simplicidade.
Notifique.
***
Contestação ...11 de 11-09-2023:
Sopesando o teor da contestação apresentada, determino a imediata realização da audição pessoal e directa do beneficiário, a realizar no próximo dia 15 de Novembro, às 9h30m.
Notifique».
Inconformada com o despacho proferido em 25-10-2023 (1.º segmento), o requerente apresentou-se a recorrer, tendo o respetivo recurso sido admitido em 12-12-2023 como apelação, a subir em separado, e com efeito devolutivo, distribuído e autuado com o n.º 151/23.....
Depois de várias incidências processuais, teve lugar a audição pessoal do beneficiário, conforme auto de 30-11-2023, após o que foi concedido contraditório ao requerente e ao requerido/beneficiário para, no prazo fixado, se pronunciarem quanto a eventual verificação ou não dos pressupostos para o suprimento para autorização para propositura de ação, nos termos do artigo 141.º, n.º 2 do Código Civil (CC).
Requerente e requerido responderam a tal convite por meio de requerimentos apresentados a 04-12-2023, pugnando o primeiro pelo prosseguimento dos autos para, entre o mais, produção de exame pericial e da mais prova requerida e com o decretamento do suprimento da autorização do requerido/beneficiário pelo tribunal, e sustentando o requerido não existirem motivos para que o tribunal possa suprir o consentimento do beneficiário, concluindo que o  requerente é parte ilegítima para instaurar a presente ação, com a consequente absolvição do beneficiário da instância, o que requereu fosse declarado.
Proferiu-se, então, despacho com as decisões que se transcrevem:
«(…)
Vertendo para o caso concreto, ouvido pessoalmente o beneficiário, e devidamente analisados os documentos juntos aos autos pelos sujeitos processuais, o Tribunal não vê qualquer facto necessitado de prova que esteja em falta para a conscienciosa decisão da causa.
A prova testemunhal tem uma utilidade bastante duvidosa neste tipo de processos, já que se vai consubstanciar na produção de opiniões de leigos sobre o estado mental do beneficiário, e a prova pericial mostra-se desnecessária quer pelos documentos juntos quer pelo que resultou da audição pessoal do beneficiário.
Por tudo o exposto, o Tribunal não irá produzir qualquer outra prova.
Notifique.
(…)
Concluída a fase de instrução, cumpre avançar para a prolação de sentença.
(…)

Decisão
O beneficiário não concede autorização ao requerimento para a propositura da acção, cf. art. 141.º, n.º 1, do Código Civil.
E, também o Tribunal, considera não existir motivo atendível para, ao abrigo do art. 141.º, n.º 2, do Código Civil, para ultrapassar a oposição do beneficiário, pois, ponderado tudo o acima exposto,o beneficiário está ainda suficientemente lúcido para decidir a sua vida por si mesmo (seja em seu favor, seja em seu próprio prejuízo), nada havendo no caso que clame pela intervenção judicial em favor do beneficiário.
Consequentemente, julgo não suprida a autorização do beneficiário para propositura da acção.
*
A  falta de legitimidade activa para acção é uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, e que impõe a absolvição do réu (aqui, beneficiário) da instância, cf. arts. 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.os 1 e 2, 577.º, alínea e), e 578.º do Código de Processo Civil.
In casu, atendendo a tudo o que se escreveu, esta excepção é insuprível.
*
DECISÃO
Assim, sustentando-se nos argumentos acima aduzidos, o Tribunal julga verificada a excepção dilatória de ilegitimidade activa do requerente, AA, e, em consequência, absolve o beneficiário, BB, da instância.
Sem custas, atenta a isenção objectiva do art. 4.º, n.º 2, alínea h), do Regulamento das Custas Processuais, com a ressalva da responsabilidade integral do requerente nos termos e para os efeitos do art. 4.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, por ter decaído in totum na sua pretensão.
Registe e notifique».
O requerente veio interpor recurso do decidido em 16-01-2024, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1. O art.º 891º, n.º 1 CPCivil dispõe que se aplica ao presente processo o regime dos processos de jurisdição voluntária, admitindo todos os meios de prova previstos nos art.º 352º e segs. (prova por confissão), 362º e segs. (prova documental), 388º e segs. (prova pericial), 390º e segs. (prova por inspeção) e 392º e segs. (prova testemunhal), todos do CCivil.
2. O Tribunal de 1ª Instância pode coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes (art.º 986º, n.º 2, 1ª parte CPCivil) e as diligências probatórias que considere convenientes, podendo, designadamente, nomear um ou vários peritos, conforme o disposto no art.º 897º, n.º 1 CPCivil.
3. No processo de acompanhamento de maiores, a prova pericial tem uma especial relevância (arts. 139º, n.º 1 e 388º, ambos do CCivil e arts. 897º, n.º 1, e 899.º, n.º 1, ambos do CPCivil) e pode incluir, se necessário, exame em clínica especializada, com internamento nunca superior a um mês e sob responsabilidade do diretor respetivo (art. 899º, n.º 2 CPCivil), sendo que “a elaboração de relatório pericial mostra-se indispensável à justa, adequada, imparcial e objectiva decisão”, já que “traduz-se numa questão eminentemente técnica e que exige conhecimentos especiais que os julgadores, normalmente, não possuem” e “por isso, os peritos médicos são, pela própria natureza das coisas, as pessoas mais habilitadas para se pronunciarem sobre tal questão”.
4. O regime do processo de acompanhamento de maiores comporta igualmente uma prova atípica: a audição pessoal e direta do beneficiário (art.º 897º, n.º 2, e 898º, ambos do CPCivil).   
5. Trata-se de um meio de prova que é obrigatório em qualquer processo de acompanhamento de maiores (art.º 139º, n.º 1 do CCivil e art.º 897º, n.º 2 CPCivil), dado que, por razões facilmente compreensíveis, se pretende assegurar que o juiz tem conhecimento efetivo da real situação em que se encontra o beneficiário.    
6. O Requerido / Beneficiário / Apelado deste processo é pessoa idosa (tem 86 anos) vive sozinho, não tem amigos nem convivência social, não estabelecendo contactos com as pessoas e é reformado.     
7. O Requerido / Beneficiário / Apelado necessita de cuidados com a sua saúde física, psíquica e emocional e, no presente processo, discute-se a existência, ou não, de tal necessidade e se a sua idade e isolamento o tornaram, ou não. suscetível ser facilmente sugestionado para a prática de actos lesivos para a sua vida patrimonial;   
8. Sabe-se, no processo, que na base da sua instauração estiveram a entrega a uma sobrinha, sem justificação, de € 230.000,00 em dinheiro do Requerido / Beneficiário / Apelado, quando o seu restante património foi avaliado em sede de Inventário para Separação de Meações por Divórcio, conforme certidão judicial que o Tribunal a quo mandou desentranhar, a qual ‘atestava’, à data, todos os seus bens e dinheiros - que, atualmente, rondariam os € 33.504,80, conforme explicitado em “I. Prévio” “D.” “6.”.     
9. O Tribunal a quo mandou desentranhar esse requerimento do Apelante (transcrito e identificado em “I. Prévio” “D.”) onde este apresentou aquele documento e insistiu por prova pericial física, psicológica e emocional do Requerido / Beneficiário / Apelado que o Tribunal a quo não teve em consideração na instrução do processo por ter, ilegalmente, ordenado o desentranhamento - que está a ser objeto de um outro recurso, com subida em separado, atempadamente interposto.
10. Esta prova pericial da saúde física, psicológica e emocional do Requerido / Beneficiário / Apelado é essencial para a descoberta da verdade dos factos, tendo  em consideração a sua idade e tipo de vida isolada deste, sendo manifestamente insuficiente para avaliar o estado de saúde física, psicológica e emocional do Requerido os dizeres de um atestado médico emitido por médico de clínica geral (Dr KK) em que este diz que se limitou a fazer ao Requerido Beneficiário “um mine exame do estado mental, obtendo um resultado de 20 pontos”.    
11. Um mini exame do estado mental (MEEM) é um teste rápido (que demorará cerca de 10 minutos) utilizado em clínica neurológica para avaliação de rastreio de classes demenciais e para teste de comprometimento cognitivo, podendo servir como instrumento de análise evolutiva de doenças e monitorização de retorno a tratamentos, que não requer material específico, nem serve como teste de diagnóstico, mas, antes e apenas, para indicar as funções que necessitem de ser investigadas naqueloutra avaliação específica.    
12. Os poderes instrutórios do Tribunal a quo para ordenar “as diligências que considere convenientes” representam um poder-dever objetivo do juiz do  processo e não uma opção subjetiva que não tenha em linha de conta os factos concretos e reais que justificaram a instauração do processo, pelo que ao não atuar como devia ter atuado e ao não ordenar a realização de prova pericial do estado de saúde, psicológico e emocional do Requerido / Beneficiário / Apelado, violou o disposto nos artigos 138º, 139º e 140º n.º 1, todos do CCivil, e 897º do CPCivil.    
13. Igualmente desmerecidos pelo Tribunal a quo, estiveram, em sede de “Meios de Prova” “Documental” “b)” os suscitados / requeridos em 56º, a), b) e c)” da peça transcrita em “I. Prévio” “A.”, os quais foram totalmente omitidos (não reportados nem, sequer, avaliada a sua pertinência).
14. A prova documental produzida pelo aqui Apelante em seu petitório relativa aos bens imóveis propriedade do Requerido / Beneficiário / Apelado, e confessada por este, foi totalmente desmerecida pelo Tribunal – v. “I. Prévio” “A.” “46º”, “1.” a “12.” e docs. 13 a 26, em violação do disposto nos arts. 371º e 376º, ambos do Código Civil, pois tais documentos gozam de força probatória plena entre as partes perante a confissão daquele.   
15. O Tribunal a quo podia e devia ter conhecido e deferido o inserto suscitado / requerido a título de prova em sede da peça do aqui Apelante transcrita em “I. Prévio” “D.”, designadamente o aí em “7.” (de “1.” a “7.”) e “8.”, que aqui se dão por integrados e reproduzidos, com, então, vantagem atualística - atento / após o na apresentada Contestação, com documentos, pelo que violou o disposto nos artigos 894º, 897º, 899º, todos do CPCivil.  
16. Em violação da lei aplicável nos processos de jurisdição voluntária e 897ºe 899º do CPCivil o Tribunal a quo ordenou o desentranhamento do requerimento de prova requerido pelo Apelante, ao mesmo tempo que, em violação do disposto no artigo 897º do CPCivil, nem sequer enunciou, em momento algum, em sede de Instrução, o thema decidendum relativo ao conjunto / núcleo de questões de natureza factual e jurídica que integram o objeto do processo a decidir.   
17. Ao decidir-se que “o Tribunal não irá produzir qualquer outra prova”, nem sequer se equaciona o “comportamento” do aqui Apelado - nos termos e para os efeitos do disposto no art. 138º CCivil -, com a confessada ‘entrega’ dos € 230.000,00 a terceiro(a), a “troco de nada e de coisa nenhuma” e de forma repentina e surpreendente, face ao seu histórico vivencial e potencial económico-financeiro - tudo a carecer da produção de prova idónea - e se tal implica e exige, ou não, a determinação de medidas de acompanhamento.    
18. É notório que uma coisa é ‘doar’ € 230.000,00 quando se tem um património avultado e outra é confessar a entrega, não quantificar com o resto do seu património e somente dizer, em termos vagos e imprecisos, que fica com “mais do dobro”, quando dos valores da partilha efetuada e, até, da audição do aqui Apelado, tal entrega monetária resulta numa diminuição fortíssima do seu património, quando se sabe que, à medida que a idade avança, mais necessidades de tratamentos e assistência clínica vai ter e esse dinheiro ir-lhe fazer falta para si próprio, para além de tal entrega, objetivamente, constituir um acto de prodigalidade inusitada e excessiva para quem, como o Apelado, vive unicamente do dinheiro de reforma e tem parcos rendimentos.     
19. As provas documentais suscitadas / requeridas e a produção da testemunhal constituem elementos imprescindíveis para a boa decisão da causa e da determinação, ou não, de medidas de acompanhamento para Bem Estar, Saúde, Conforto e Proteção do Apelado, pelo que a não produção destas provas inquinam a própria decisão proferida pelo Tribunal, por, sem elas, há insuficiência para apreender e decidir sobre o estado físico, psicológico e emocional do Requerido / Beneficiário / Apelado, o que constitui uma nulidade praticada pelo Tribunal a quo, pelo que deverá ser revogada a sentença proferida e ordenar-se a produção da prova documental, pericial e testemunhal requerida pelas partes, a fim de, posteriormente, ser proferida nova sentença.      
20. A proferida sentença configura, pois, uma verdadeira “decisão surpresa”, já que os actos probatórios omitidos, ao influírem no exame ou na decisão da causa, poderiam razoavelmente conduzir a uma decisão de teor totalmente inverso à que foi tomada, ocorrendo, pois, vício da sentença e sua inequívoca nulidade - cfr. n.º 1 do art. 195º CPCivil
21. É que o contraditório para além de ser um princípio estruturante do processo civil é, acima de tudo, um direito processual fundamental - o que decorre da sua consagração constitucional nos arts. 20.º n.º 1 e 202.º n-º 2 CRPort., do art. 6.º da Convenção Europeia para Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEpPdDdHedLF) e do art. 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CdDFdUE).   
22. A sua violação é, até, de conhecimento oficioso e em qualquer grau, até ao transito em julgado da decisão final, dando azo que o Tribunal a quo venha a ser reinvestido no dever de praticar o(s) apontado(s) acto(s) propulsivo(s) omitido(s) e não praticado(s).   
23. Acresce que o Tribunal a quo conheceu de questões de que (ainda) não podia tomar conhecimento, caindo na previsão do disposto d) do n.º 1 do art. 615º CPCivil, em concomitante infração do poder / dever de boa gestão processual - cfr. art. 6º CPCivil – e do atinente ao dever de administrar justiça, previsto no art. 152º CPCivil - sendo que esta se quer “material”. 
24. O Tribunal a quo violou o são e / ou o correcto entendimento e / ou a letra e / ou o espírito do disposto nos arts. 5º, 6º, n.º 1, 152º, 410º, 411º, 897º n.º 1, 899º, 986º, n.º 2 ex vi 891º, todos do CPCivil, 139º n.º 1, 352º e segs., 362º e segs., 388º e segs. e 392º e segs., todos do CCivil, sendo nula em vista do disposto no n.º 1 do art. 195º CPCivil, na consideração, também, do nos arts. 20.º n.º 1 e 202.º n-º 2, ambos da CRPort., do no art. 6.º da CEpPdDdHedLF e do no art. 47.º da CdDFdUE e / ou nula por violação do disposto na alínea d), in fine, do n.º 1 do art. 615º CPCivil.        
25. Muito embora o momentum para se estabelecer o que está ou não provado ter ficado prejudicado por a fase instrutória, nem de perto nem de longe, estar concluída, o que inquina e prejudica todo o processado, sempre se dirá que: 
A) Os factos provados elencados em 1) (“BB, o beneficiário, nasceu em ../../1938, filho de BB e de LL”) e 2) (“AA, o requerente, é filho do beneficiário”) são uma realidade insofismável alicerçada nas certidões juntas com a peça em “I. Prévio” “A.” / documentos n.ºs ... e ....    
B) O facto provado 3) (“BB não autoriza AA a propor acção de acompanhamento de maior em seu nome”) está na génese do pedido de suprimento de consentimento solicitado ao Tribunal pelo aqui Apelante e por as medidas que o ora Apelado carece não serem passíveis de ser asseguradas no âmbito de deveres de cooperação ou assistência, visando assegurar o seu bem-estar e a conservação do seu património, por forma a acautelar-lhe uma vida confortável e saudável até ao fim do seu caminho terreno e o exercício dos seus direitos e cumprimento dos seus deveres, pretendendo-se que qualquer limitação ao exercício da sua capacidade jurídica se circunscreva ao estritamente necessário.  Na verdade, as razões de saúde e a deficiência da sua capacidade de entendimento e de valorização do dinheiro como meio de troca e de valia para acautelarem a sua velhice, com comodidade, com conforto e com saúde, decorrentes da sua provecta idade (86 anos), são determinantes para a necessidade de adopção de medidas de acompanhamento.   
O facto do Apelado não autorizar o suprimento e o pedido de acompanhamento não é impeditivo destes serem decretadas, tal como dispõe art. 141º CCivil quanto a “legitimidade”: “2 - O tribunal pode suprir a autorização do beneficiário quando, em face das circunstâncias, este não a possa livre e conscientemente dar, ou quando para tal considere existir um fundamento atendível. 3 - O pedido de suprimento da autorização do beneficiário pode ser cumulado com o pedido de acompanhamento”.    
É que o Apelado pensa, falsamente, que o Apelante o quer dar como “tolo”, que o Apelante e o outro seu filho, BB, estão contra ele por ter sido instaurado o presente processo e que o fito do aqui Apelante é o de ficar com o seu dinheiro, se bem que acabe por reconhecer, no final da sua audição, que este lhe havia dito que, verdadeiramente, o processo era contra a sobrinha (CC) e, subentenda-se, para a sua protecção - o que se recusa a admitir.      
A ‘escolha’ pelo Apelado de CC - de quem, na audição, só muito tempo passado é que se recordou do nome - é reveladora da debilidade, da fraqueza e do estado de isolamento do mundo do Apelado - por vontade  própria -, porquanto esta obteve e fez sua que se saiba e para já, confessadamente, o valor de € 230.000,00 (duzentos e trinta mil euros), valendo-se de um manifesto e totalmente desajustado excesso de prodigalidade que provocou - que o Apelado, BB, ultimamente patenteou e em que pode reincidir, com inelutáveis repercussões na sua fazenda e, máxime, na sua Vida, pondo em insofismável risco o “assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação e o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres”, quando não legalmente acompanhado / cfr. n.º 1 do art. 140º CCivil.    
E tudo isto porque num momento de aflição / doença o Apelado foi transportado ao hospital por aquela que pediu e obteve esse valor, pretensamente para concluir uma moradia cujo valor global andará na ordem dos € 108.000,00 / € 120.000,00 - e para o qual, aquela, contraiu empréstimo junto da Banco 2..., ... tendo por capital € 110.000,00 -, sendo que a obra já edificada rondará, pelo menos, os € 50.000,00, conforme docs. nºs ..., ..., ..., ..., ..., ...0, ...1 e ...2 juntos com o petitório (v. “I. Prévio” “A”), 
Atente-se que só após a propositura da presente acção é que aquela - a fazer fé no que disse o Apelado - é que terá passado a ir menos de uma hora por dia a casa deste… 
Torna-se notória a falta de relacionamento pessoal, familiar ou, até, somente, social entre o Requerido, nos seus 86 anos e a sua sobrinha CC, o que é de fácil deteção.  
Carece, pois, da produção de mais meios probatórios, pelo que se deixa impugnado.  
C) O facto provado 4) (“BB não apresenta declínio cognitivo significativo”) cuida-se de uma “afirmação genérica e conclusiva” que, quiçá, poderá ter a ver com a perda, ou não, da capacidade de realizar atividades que estão directamente relacionadas ao dia a dia, como seja, exemplificativamente, lembrar datas, fazer cálculos, planear e executar alguma tarefa - o que, de certo modo, seria, até, sobreponível ao facto provado 5) -, pelo que deve ser desmerecido, obrigando a que seja expurgado, como dispõe o n.º 4 do art. 607º CPCivil - destarte, violado -, sem prejuízo, entre o mais, da prévia e premente realização do exame pericial e da apresentação do subsequente relatório, pelo que se deixa impugnado.   
D) O facto provado em 5) (“BB é analfabeto e só consegue realizar cálculos aritméticos simples, mas está localizado no tempo e no espaço,  reconhece o dinheiro e seu valor económico, deslocasse pelo seu próprio pé, e assegura, com ajuda de terceiros, os seus cuidados de alimentação, higiene, vestuário, limpeza e saúde”), contém verdades, meias verdades e materialidade em que importa produzir meios de prova - designadamente, testemunhal e pericial - porquanto há materialidade que foi dada como provada quando tal não corresponde à prova já feita. Veja-se:   
 a) Está assente que o Apelado é analfabeto, mas quando na sentença é dito que “consegue realizar cálculos aritméticos simples”, tal é somente meia verdade pois só consegue concretizar “alguns” e “muito” simples, porquanto, na sua audição, v.g., não conseguiu responder qual era o resultado de “33-7” e não tem ideia de quanto tempo, a gastar € 1.000,00 /mês, durariam € 230.000,00, dizendo apenas que “dava para bastante tempo ainda” e perguntado se três meses, três anos, se tinha ideia - não a teve. Pugna-se, pois, por “só consegue realizar alguns cálculos aritméticos muito simples”;  
b) É uma meia verdade que “está localizado no tempo e no espaço”, porquanto, apesar de reiteradamente inquirido, sustentou e manteve sempre, estar no ano de “2003”, pelo que temporalmente “não está localizado”;   
c) É uma meia verdade que “reconhece o dinheiro e seu valor económico”, pois se identificou o dinheiro, em papel / notas que lhe foi exibido em sede de Audiência do Beneficiário, o reconhecimento do seu valor económico ficou prejudicado, desde logo, em face de não ter ideia de quanto tempo, a gastar € 1.000,00 /mês, durariam € 230.000,00; e,
d) É uma meia verdade que “assegura, com ajuda de terceiros, os seus cuidados de alimentação, higiene, vestuário, limpeza e saúde”, já que só desse meados / finais do mês de Julho de 2023 é que CC dele se aproximou, começando a visitá-lo todos os dias e, uma vez por semana, passou a lavar-lhe a roupa na máquina da casa dela - o mais é controverso e a carecer da produção doutros meios probatórios, porquanto, v.g., o Apelado confeciona as suas próprias refeições, alimenta-se sozinho e cuidará regularmente da sua própria higiene e saúde, de acordo com o seu querer e vontade, como decorre das suas próprias palavras.  
26. Quanto aos factos não provados, o Tribunal a quo diz que “inexistem factos  provados com relevância para a decisão da causa”, esquecendo tudo o vertido a propósito da inusitada prodigalidade de um homem - o Apelado -, que sempre pautou a sua vida por ser (extremamente) poupado e regrado.  
27. O Tribunal a quo deveria ter dado como provado, porque não impugnado, confessado e documentado, que o Apelado é proprietário de vários imóveis - v. “I. Prévio” “A.” “46º”, “1.” a “12.” e docs. 13 a 26 juntos aos autos pelo Apelante.
28. O Tribunal a quo ao ter omitido a produção dos meios probatórios requeridos pelo Apelante no processo, cometeu uma nulidade, a qual que se invoca, e que conduz à revogação da sentença e baixa do processo à primeira instância para a realização de tais diligências, nomeadamente a prova pericial e as informações solicitadas junto dos hospitais, bancos e as outras.     
29. É notório que não é conduta ‘normal’ de um qualquer cidadão, de um momento para o outro, fazer uma transferência bancária de € 230.000,00 a outrem, sem quaisquer salvaguardas jurídicas, sem haver uma formalização dum qualquer negócio, em comportamento contrário ao que tivera toda a sua vida, que se pautou pelo poupar e amealhar e tal gesto ter ocorrido, só porque uma sobrinha, com quem não tinha, até àquela data, relações de convivência, o levou ao hospital, numa urgência, e ‘toma lá’, porque eu dou-te os € 230.000,00.   
30. A ‘aproximação’ da sobrinha ao Requerido-Apelado deu-se, apenas, duas semanas antes da ‘dádiva’ dos € 230.000,00, com o tê-lo transportado ao Hospital por motivo de doença e depois ter passado a lavar-lhe a roupa e, depois, ter passado a estar com o Apelado menos de uma hora por dia - o que, apesar de tudo, carece de prova (o que já não carece de prova é o tempo que o Apelado gastou… para se lembrar do nome daquela sobrinha na sua audição pessoal!).
31. O n.º 3 do art. 8º CCivil diz que o julgador “terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”, o que pressupõe e exige que os interesses concretos e reais do Apelado sejam devidamente avaliados e acautelados no momento da prolação da decisão, designadamente, numa relação de proporcionalidade entre todo o seu património e o que se dispõe a dissipar, aquilatando-se da excessividade.
32. In casu, percute-se, o Apelado necessita de um acompanhante para o assistir na tomada de decisões relativas à sua vida pessoal e ao seu património, decidindo em seu nome e no seu interesse, nos precisos termos que o Tribunal se digne fixar, já que a sua capacidade cognitiva e de ‘escolhas’ se afigura altamente comprometida.   
33. A Idade não é “sinónimo” de incapacidade, mas a prodigalidade injustificada e excessiva importa sustê-la, na salvaguarda dos direitos e interesses do aqui Apelado, que não duma qualquer inexistente expectativa jurídica do aqui Apelante.    
34. O Tribunal a quo, mais não seja, omitiu na sentença que proferiu, declarações do Requerido / Beneficiário / Apelado prestadas e gravadas na sua audição pessoal, as quais deviam ter sido relevadas na matéria de facto dada como provada na sentença e no que são factos verdadeiros e reais, profundamente indiciárias do seu estado de dependência e de vulnerabilidade e que obriga à pertinente realização da prévia prova pericial da saúde física, psicológica e emocional daquele, como diligência essencial e necessária para que haja uma decisão justa e protetora da sua vida.    
35. Conforme refere o Acórdão do TRE, de 28-06-2018 supramencionado, as declarações gravadas e supratranscritas do Requerido aquando da sua audição pessoal “não só apontam em direção diversa, como impõem decisão diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância”    
36. O Tribunal a quo, ao ter proferido sentença sem primeiro dar execução aos meios probatórios requeridos pelas partes, incluindo a necessária prova pericial especializada requerida pelo Apelante, violou o são e / ou o correto entendimento e / ou a letra e / ou o espírito do disposto nos art. 139º, n.º 1 CCivil e art. 897º, n.º 1 CPCivil, cometendo a nulidade prevista na alínea d) do nº. 1 do artigo 615º do CPC, o que se invoca.    

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO V/EXCIAS., DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA E ORDENAR-SE A BAIXA DO PROCESSO PARA QUE O EXMO. SNR. JUIZ DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DETERMINE A REALIZAÇÃO DAS DILIGÊNCIAS SUSCITADAS / REQUERIDAS, DESIGNADAMENTE PELO AQUI APELANTE, INCLUINDO A PROVA PERICIAL DA SAÚDE FÍSICA, PSICOLÓGICA E EMOCIONAL DO REQUERIDO / BENEFICIÁRIO / APELADO, PROCESSANDO-SE ULTERIORES, EM CONSEQUÊNCIA, COM O QUE SE FARÁ SÃ, SERENA E A MAIS LÍDIMA JUSTIÇA».

O apelado apresentou resposta, sustentando a improcedência da apelação e a consequente manutenção do decidido.
O Tribunal a quo proferiu o despacho previsto nos artigos 617.º, n.º 1, e 641.º, n.º 1, do CPC, entendendo não padecer a decisão recorrida de qualquer nulidade.
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, tendo o recurso sido admitido nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) -, importa aferir:
A) se a sentença recorrida padece das nulidades que lhe são imputadas pelo recorrente;
B) se deve a decisão apelada ser revogada, por prematura, impondo-se ao invés o deferimento do requerido pelo apelante com referência aos meios de prova solicitados/requeridos, designadamente a prévia realização da perícia médico-legal, conforme requerida pelo recorrente em sede de petição inicial, por se revelarem necessários para o completo esclarecimento de determinados pontos da matéria de facto que vêm impugnados; se deve ser alterada a matéria de facto provada, nos termos pretendidos pelo recorrente;
C) se estão verificados os pressupostos para o suprimento de autorização do requerido e respetivas consequências.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências ou incidências processuais a considerar na decisão deste recurso são as que já constam do relatório enunciado em I supra, que se dão aqui por integralmente reproduzidas, por estarem devidamente documentadas nos autos, relevando ainda os seguintes factos considerados provados pelo Tribunal a quo na decisão recorrida:
1. BB, o beneficiário, nasceu em ../../1938, filho de BB e de LL.
2. AA, o requerente, é filho do beneficiário.
3. BB não autoriza AA a propor ação de acompanhamento de maior em seu nome.
4. BB não apresenta declínio cognitivo significativo.
5. BB é analfabeto e só consegue realizar cálculos aritméticos simples, mas está localizado no tempo e no espaço, reconhece o dinheiro e seu valor económico, desloca-se pelo seu próprio pé, e assegura, com ajuda de terceiros, os seus cuidados de alimentação, higiene, vestuário, limpeza e saúde.
1.2. A decisão recorrida pronunciou-se ainda no sentido de que «[i]nexistem factos provados com relevância para a decisão da causa».

2.1. Da nulidade da decisão recorrida
O recorrente começa por suscitar, em sede de recurso, a nulidade da decisão recorrida, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1 do CPC e/ou por violação do disposto na alínea d), in fine, do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, defendendo que a proferida sentença configura uma verdadeira “decisão surpresa”, já que os atos probatórios omitidos[1], ao influírem no exame ou na decisão da causa, poderiam razoavelmente conduzir a uma decisão de teor totalmente inverso à que foi tomada, sendo o contraditório um princípio estruturante do processo civil, a que acresce que o Tribunal a quo conheceu de questões de que (ainda) não podia tomar conhecimento, caindo na previsão do disposto d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, em concomitante infração do poder / dever de boa gestão processual - nos termos do disposto no artigo 6.º do CPC, e do atinente ao dever de administrar justiça, previsto no artigo 152.º do CPC - sendo que esta se quer “material”.
O Tribunal a quo proferiu o despacho previsto nos artigos 617.º, n.º 1, e 641.º, n.º 1, do CPC, entendendo não padecer a decisão recorrida de qualquer nulidade.
As nulidades processuais, que são habitualmente classificadas em principais, nominadas ou típicas, tal como previstas nos artigos 186.º, 187.º, 191.º, 193.º e 194.º CPC e, por outro lado, secundárias, inominadas ou atípicas[2], estas residualmente incluídas na previsão geral do artigo 195.º CPC[3], têm como uma das particularidades o regime de arguição perante o tribunal que omitiu o ato.
Ponderando as consequências decorrentes do concreto vício invocado pelo apelante, parece estar em causa uma nulidade processual reportada ao citado artigo 195.º, n.º 1 do CPC, como tal dependente, como se viu, da omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, sendo certo ainda assim que tal omissão só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Tratando-se de nulidade para a qual a lei não prevê um regime específico de arguição, é aplicável o regime previsto no artigo 199.º, n.º1 do CPC, que estabelece a regra geral sobre o prazo de arguição de nulidades secundárias: se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.

Por outro lado, as causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no n.º 1 do artigo 615.º do CPC, nos termos do qual é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Tal como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa[4], em anotação ao artigo 615.º do CPC, «[i]mporta que se estabeleça uma separação entre nulidades de processo e nulidades de julgamento, sendo que o regime do preceito apenas a estas se aplica; as demais deverão ser arguidas pelas partes ou suscitadas oficiosamente pelo juiz, nos termos previstos noutros normativos. Ademais, no que respeita às nulidades decisórias, as mesmas apenas podem ser suscitadas perante o tribunal que proferiu a decisão nos casos em que esta não admita recurso, já que na situação inversa deverão ser inseridas nas alegações do recurso de apelação».
Neste enquadramento, a eventual preterição ou omissão de uma formalidade legalmente prevista sempre estaria dependente da respetiva invocação perante o tribunal que omitiu o ato e no prazo geral previsto para o efeito.
É certo que, à luz do regime processual vigente, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a considerar que nas situações em que é o próprio juiz, ao proferir a decisão, a omitir uma formalidade de cumprimento obrigatório, ou sem que tenha sido proporcionada a oportunidade de exercer o contraditório, ocorre uma nulidade processual traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve, podendo a nulidade ser invocada em sede de recurso da decisão de mérito, pois é o conteúdo desta que revela a omissão de ato prescrito pela lei, sendo o recurso da sentença o meio adequado à impugnação[5].
Assim, quando ocorre uma nulidade processual que se encontra coberta por uma decisão judicial que admite recurso, aquela é consumida pela nulidade da sentença por excesso de pronúncia, prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, porquanto, sem a prática do ato devido, o tribunal conhece de questão que não podia conhecer, por outras palavras, “o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão”, sendo certo, por outro lado,  que o incumprimento pelo juiz da determinação dos poderes instrutórios que lhe estão cometidos, pode em algumas situações influir na decisão da causa e consequentemente ser geradora de uma nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, a arguir pelo interessado nos termos dos artigos 197.º e 199.º, todos do CPC[6].
Prevê o artigo 3.º, n.º 3 do CPC que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Este preceito consagra o denominado princípio do contraditório, do qual decorre que «as partes devem ter sempre a possibilidade de se pronunciar sobre as questões a decidir pelo juiz. Apenas se ressalvam as questões cuja decisão não tem, em si mesmo, qualquer repercussão sobre a instância, não sendo relevante, ainda que reflexamente, para a decisão do litígio, ou que, pela sua natureza, não compreenda o contraditório prévio»[7].
O respeito por tal princípio é exigido pelo direito a um processo equitativo, tal como previsto no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, sendo atualmente entendido como a garantia dada à parte, de participação efetiva na evolução da instância, tendo a possibilidade de influenciar todas as decisões e desenvolvimentos processuais com repercussões sobre o objeto da causa[8].
Deste modo, o fim principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo, o que passa necessariamente não só pela possibilidade conferida à parte de deduzir as suas razões (de facto ou de direito) e apresentar as provas que entenda relevantes, como também de controlar as provas apresentadas pela parte contrária, pronunciando-se sobre o valor e resultado das mesmas[9].
Daí que, no plano probatório, o princípio do contraditório exija que as partes possam pronunciar-se sobre a apreciação das provas produzidas por si, pelo adversário e pelo tribunal: «qualquer elemento probatório deve ser sujeito a prévia apreciação da parte para que o tribunal possa, à luz do processo justo e equitativo, valorizá-la e considerá-la na decisão a proferir»[10].
Acresce que os meios de prova relevantes para a fixação da matéria de facto são aqueles que se apresentem como potencialmente úteis para a decisão dos factos necessitados de prova, entendendo-se estes como os que importem, ainda que instrumentalmente, a qualquer uma das possíveis soluções de direito da causa, a aferir na conformação do quadro do litígio por via da causa de pedir invocada e das exceções deduzidas[11].
No específico domínio probatório, há que ter presente desde logo o disposto no artigo 415.º do CPC, consagrando o princípio da audiência contraditória a propósito de cada um dos meios de prova admissíveis e impondo expressamente a regra de que as provas não são admitidas ou produzidas sem audiência contraditória.
Tal como prevê o n.º 1 do citado preceito, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas, salvo disposição em contrário. Deste modo, esclarece o n.º 2, quanto às provas constituendas, a parte é notificada, quando não for revel, para todos os atos de preparação e produção da prova, e é admitida a intervir nesses atos nos termos da lei; relativamente às provas pré-constituídas, deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respetiva admissão como da sua força probatória.

A requisição de documentos pelo Tribunal encontra-se regulada no artigo 436.º do CPC, prevendo-se neste último preceito, de forma mais alargada, a possibilidade de a requisição de informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade ser feita aos organismos oficiais ou a terceiros, para além das partes, nos seguintes termos:
1 - Incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade.
2 - A requisição pode ser feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros.

Este preceito constitui uma concretização do princípio do inquisitório, expressamente consagrado no artigo 411.º do CPC, segundo o qual, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
Trata-se de um princípio que coexiste com os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, funcionando de um modo geral o princípio do dispositivo no que concerne à alegação de factos, mas concede-se ao juiz a faculdade e, simultaneamente, o dever de, tanto quanto possível, aferir da veracidade desses factos, «utilizando um critério objetivo para aferir da necessidade ou da conveniência das diligências probatórias suplementares com vista ao apuramento da verdade»[12].
Deste modo, relevam ainda outros princípios ou regras, designadamente o princípio da relevância da prova, estreitamente ligado ao poder/dever de gestão processual que compete ao juiz, tal como consagrado no artigo 6.º, n.º 1 do CPC, o qual estatui que cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
Ademais, nos termos que decorrem do disposto no artigo 891.º, n.º 1 do CPC, ao processo de acompanhamento de maior é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes.
 Tal como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa[13], em anotação a este último preceito, «a multiplicidade de circunstâncias observáveis é incompatível com uma rigidez processual, compreendendo-se, assim, a alteração do paradigma revelada pela maior aproximação ao regime dos processos de jurisdição voluntária (arts. 986º a 988º) expressamente ressalvado no n.º 1 (…). Do novo regime emerge um claro reforço dos poderes inquisitórios do juiz (art. 986º, nº2), o fortalecimento do poder de direção, que pode manifestar-se através da limitação aos meios de prova que, em concreto, se revelem necessários, e ainda a possibilidade de se alicerçar a decisão em razões de oportunidade ou de conveniência, sempre sob o signo da satisfação dos interesses do beneficiário (art. 987º). É essa alteração de paradigma que justifica que as decisões sejam suscetíveis de revisão, desde que circunstâncias supervenientes o exijam, sem prejuízo da revisão supletiva e quinquenal das medidas de acompanhamento (art. 155º do CC)».
Assim, ao processo especial de acompanhamento de maiores aplicam-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de decisão e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes (art.º 891.º, n.º 1), ainda que, formalmente, o processo de acompanhamento de maiores não seja considerado um processo de jurisdição voluntária, não só porque não se encontra inserido no Título XV do Livro V do Código de Processo Civil, mas também porque não há nenhuma disposição legal que o qualifique como tal[14],
Deste modo, por força da remissão prevista no artigo 891.º, n.º 1 do CPC para o regime dos processos de jurisdição voluntária, resulta que o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, de forma a adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, sem sujeição a critérios de legalidade estrita, nos termos que resultam do disposto nos artigos 986.º a 988.º, do CPC.
Neste domínio, «[o] regime do processo de acompanhamento de maiores atribui, especificamente, poderes de gestão processual ao juiz do processo; assim, este juiz pode decidir sobre a publicidade a dar ao início e ao decurso do processo e à decisão final (art.º 153.º, n.º 1, CC; art.º 893.º, n.º 1, e 902.º, n.º 3), as comunicações e ordens a dirigir a instituições e entidades (art.º 894.º e 902.º, n.º 3), o meio de proceder à citação do beneficiário (art.º 895.º, n.º 1), a nomeação de um ou vários peritos (art.º 897.º, n.º 1, e 899.º, n.º 1) e ainda sobre o exame do beneficiário numa clínica da especialidade (art.º 899.º, n.º 2)»[15]
Saliente-se, porém, que os poderes-deveres do juiz que se fundam no princípio do inquisitório não se limitam à prova de iniciativa oficiosa, cumprindo ao juiz ordenar as diligências dos procedimentos probatórios relativos aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio[16].
Nos termos expostos, entendemos que não pode ser imputada ao despacho recorrido qualquer derrogação do princípio do contraditório, porquanto se verifica que o Tribunal a quo, em momento prévio à prolação da decisão ora recorrida, concedeu a possibilidade de contraditório ao requerente e ao requerido/beneficiário para, no prazo fixado, se pronunciarem quanto a eventual verificação ou não dos pressupostos para o suprimento para autorização para propositura de ação, o que fizeram por meio de requerimentos apresentados a 04-12-2023, pugnando o primeiro pelo prosseguimento dos autos para, entre o mais, produção de exame pericial e da mais prova requerida e com o decretamento do suprimento da autorização do requerido/beneficiário pelo tribunal.
Por outro lado, contrariamente ao que sucede com a falta de audição do beneficiário, enquanto diligência obrigatória em qualquer caso (artigo 897.º, n.º 2 do CPC), os restantes meios probatórios indicados pelo recorrente dependem de um juízo do tribunal sobre a respetiva pertinência ou necessidade, não gerando a sua falta qualquer nulidade processual.
Perante o exposto, importa concluir que a arguição da nulidade suscitada pelo recorrente não permite consubstanciar o vício invocado, antes traduzindo a respetiva discordância quanto ao mérito da decisão proferida, o que, aliás, o apelante suscita ao alegar em sede recursiva que o Tribunal recorrido, ao não ordenar a realização de prova pericial do estado de saúde, psicológico e emocional do requerido / beneficiário / apelado, violou o disposto nos artigos 138.º, 139.º e 140.º, n.º 1, todos do CC, e 897.º do CPC e ao impugnar a resposta dada a determinados pontos da matéria de facto por carecerem da produção outros meios de prova, designadamente testemunhal e pericial.
Pelo exposto, não enferma a decisão recorrida de qualquer nulidade que cumpra verificar ou declarar.
Improcede, assim, a suscitada nulidade da decisão recorrida.
2.2. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto

A apelante impugna a decisão relativa à matéria de facto incluída na decisão recorrida, nos seguintes termos:
i) O facto provado 4) - BB não apresenta declínio cognitivo significativo -  cuida-se de uma afirmação genérica e conclusiva que, quiçá, poderá ter a ver com a perda, ou não, da capacidade de realizar atividades que estão diretamente relacionadas ao dia a dia, como seja, exemplificativamente, lembrar datas, fazer cálculos, planear e executar alguma tarefa - o que, de certo modo, seria, até, sobreponível ao facto provado 5) -, pelo que deve ser desmerecido, obrigando a que seja expurgado, como dispõe o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, sem prejuízo, entre o mais, da prévia e premente realização do exame pericial e da apresentação do subsequente relatório;
ii) O facto provado em 5) - BB é analfabeto e só consegue realizar cálculos aritméticos simples, mas está localizado no tempo e no espaço, reconhece o dinheiro e seu valor económico, desloca-se pelo seu próprio pé, e assegura, com ajuda de terceiros, os seus cuidados de alimentação, higiene, vestuário, limpeza e saúde -, contém verdades, meias verdades e materialidade em que importa produzir meios de prova - designadamente, testemunhal e pericial - porquanto há materialidade que foi dada como provada quando tal não corresponde à prova já feita. Veja-se: a) está assente que o apelado é analfabeto, mas quando na sentença é dito que “consegue realizar cálculos aritméticos simples”, tal é somente meia verdade pois só consegue concretizar “alguns” e “muito” simples, porquanto, na sua audição, v.g., não conseguiu responder qual era o resultado de “33-7” e não tem ideia de quanto tempo, a gastar € 1.000,00 /mês, durariam € 230.000,00, dizendo apenas que “dava para bastante tempo ainda” e perguntado se três meses, três anos, se tinha ideia - não a teve. Pugna-se, pois, por “só consegue realizar alguns cálculos aritméticos muito simples”; b) é uma meia verdade que “está localizado no tempo e no espaço”, porquanto, apesar de reiteradamente inquirido, sustentou e manteve sempre, estar no ano de “2003”, pelo que temporalmente “não está localizado”; c) é uma meia verdade que “reconhece o dinheiro e seu valor económico”, pois se identificou o dinheiro, em papel / notas que lhe foi exibido em sede de audiência do beneficiário, o reconhecimento do seu valor económico ficou prejudicado, desde logo, em face de não ter ideia de quanto tempo, a gastar € 1.000,00 /mês, durariam € 230.000,00; e, d) é uma meia verdade que “assegura, com ajuda de terceiros, os seus cuidados de alimentação, higiene, vestuário, limpeza e saúde”, já que só desse meados / finais do mês de Julho de 2023 é que CC dele se aproximou, começando a visitá-lo todos os dias e, uma vez por semana, passou a lavar-lhe a roupa na máquina da casa dela - o mais é controverso e a carecer da produção doutros meios probatórios, porquanto, v.g., o apelado confeciona as suas próprias refeições, alimenta-se sozinho e cuidará regularmente da sua própria higiene e saúde, de acordo com o seu querer e vontade, como decorre das suas próprias palavras.
iii) quanto aos factos não provados, o Tribunal a quo diz que “inexistem factos provados com relevância para a decisão da causa”, esquecendo tudo o vertido a propósito da inusitada prodigalidade de um homem - o apelado -, que sempre pautou a sua vida por ser (extremamente) poupado e regrado; o Tribunal a quo deveria ter dado como provado, porque não impugnado, confessado e documentado, que o Apelado é proprietário de vários imóveis - v. “I. Prévio” “A.” “46º”, “1.” a “12.” e docs. 13 a 26 juntos aos autos pelo apelante.
Tal como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.
Deste modo, a impugnação da decisão de facto feita perante a Relação não se destina a que este Tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação[17].
No que respeita aos pontos da matéria de facto impugnados, observa-se que o apelante indica expressamente os concretos pontos que considera incorretamente julgados, mais especificando suficientemente a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os factos impugnados.
Por outro lado, afigura-se-nos que o recorrente enuncia de forma percetível os concretos meios probatórios e/ou as razões que, no seu entender, determinam uma decisão diversa da proferida, indicando os elementos que permitem minimamente a sua identificação, com indicação das passagens da gravação do ato de audição do requerido em que funda o recurso.
Deste modo, consideram-se preenchidos os pressupostos de ordem formal atinentes à impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
Atenta a impugnação deduzida, cumpre analisar previamente se a matéria que o Tribunal recorrido considerou provada no correspondente ponto 4) - “BB não apresenta declínio cognitivo significativo”-  constitui uma afirmação genérica e conclusiva que, poderá ter a ver com a perda, ou não, da capacidade de realizar atividades que estão diretamente relacionadas ao dia a dia, mas sempre dependente da prévia e premente realização do exame pericial e da apresentação do subsequente relatório, como defende o recorrente.
Conforme resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, o Tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito, por não poder ser objeto de prova.
Daí que, constando tal matéria do elenco da fundamentação de facto constante da decisão final, deve a mesma ser considerada não escrita[18].
Tal como salienta, a propósito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-09-2017[19], «[m]uito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos».
Neste âmbito, deve entender-se como questão de facto «tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior», sendo que os «quesitos não devem pôr factos jurídicos; devem pôr unicamente factos materiais», entendidos estes como «as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens», enquanto por factos jurídicos devem entender-se os factos materiais vistos à luz das normas e critérios do direito[20].
Por outro lado, pode definir-se matéria conclusiva como «as conclusões de facto, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados e exprimindo, designadamente, as relações de compatibilidade que entre eles se estabelecem, de acordo, com as regras da experiência»[21].
Daí que a inclusão, na fundamentação de facto constante da sentença, de matéria de direito ou conclusiva configure uma deficiência da decisão, passível de apreciação oficiosa pelo Tribunal da Relação, de molde a sancionar como não escrito todo o enunciado que se revele conclusivo, contemplando com tal expressão toda a matéria que se reconduza à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum[22].
Densificando estes critérios em termos que julgamos adequados na linha dos parâmetros legais e do entendimento jurisprudencial antes enunciado, refere o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7-12-2018[23], «[a]caso o objeto da ação esteja, total ou parcialmente, dependente do significado real das expressões técnico-jurídicas utilizadas, há que concluir que estamos perante matéria de direito e que tais expressões não devem ser submetidas a prova e não podem integrar a decisão sobre matéria de facto».
Tal como dispõe o artigo 138.º do CC, na redação dada pela Lei n.º 49/2018, de 14-08, o maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código.
Por seu turno, o artigo 140.º, n.º 1 do CC esclarece que, o acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as exceções legais ou determinadas por sentença.
Em termos processuais, o artigo 141.º, n.º 1 do mesmo diploma, com a epígrafe “Legitimidade”, estabelece que, o acompanhamento é requerido pelo próprio ou, mediante autorização deste, pelo cônjuge, pelo unido de facto, por qualquer parente sucessível ou, independentemente de autorização, pelo Ministério Público.
Porém, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, o tribunal pode suprir a autorização do beneficiário quando, em face das circunstâncias, este não a possa livre e conscientemente dar, ou quando para tal considere existir um fundamento atendível.
Nestes casos, de acordo com o previsto no n.º 3 do artigo 141.º do CC, o pedido de suprimento da autorização do beneficiário pode ser cumulado com o pedido de acompanhamento.
Tal como salienta Miguel Teixeira de Sousa[24], a propósito do alcance e dos pressupostos para o suprimento do consentimento: «a) A hipótese em que o acompanhamento é requerido pelo cônjuge ou unido de facto ou por um parente sucessível do beneficiário merece alguma atenção. Antes do mais, importa ter presente que a autorização concedida pelo beneficiário ao cônjuge, ao unido de facto ou ao parente sucessível nada tem a ver com uma autorização para o representar na acção. O cônjuge, o unido de facto e o parente sucessível não vão actuar como representantes, mas antes como partes, isto é, como requerentes do processo de acompanhamento de maiores. A situação não é, assim de representação, mas de substituição processual voluntária: o beneficiário é a parte substituída e o cônjuge, o unido de facto ou o parente sucessível a parte substituta.
Sendo junta ao processo a autorização do beneficiário, cabe ao tribunal a importante tarefa de verificar se esse beneficiário está em condições de a conceder ao seu cônjuge ou unido de facto ou ao seu parente. Trata-se de um importante controlo que o tribunal deve realizar de forma tão minuciosa quanto possível, dado que não se pode partir do princípio nem de que o autorizante está em condições de conceder a autorização, nem de que esse autorizante, estando em condições de o fazer, quis efectivamente conceder a autorização. Os poderes inquisitórios que são atribuídos ao tribunal em matéria de facto e de prova pela remissão constante o art.º 891.º, n.º 1, para o regime dos processos de jurisdição voluntária podem ser aqui muito relevantes.
b) A autorização do cônjuge, do unido de facto ou do parente sucessível pode ser suprida pelo próprio tribunal ao qual é requerida a medida de acompanhamento (art.º 141.º, n.º 2, CC; art.º 892.º, n.º 2). O suprimento da autorização deve ser concedido quando o beneficiário não a possa dar livre e conscientemente ou quando o tribunal considere que existe um fundamento atendível para o conceder (art.º 141.º, n.º 2, CC). Portanto, se o beneficiário não estiver em condições de dar a autorização ao seu cônjuge, unido de facto ou parente sucessível, qualquer destes pode requerer a medida de acompanhamento e requerer, ao mesmo tempo, o suprimento da autorização do beneficiário.
Isto significa que cabe sempre ao tribunal controlar se se justifica suprir a falta de autorização do beneficiário. Repete-se aqui o que acima se disse sobre o controlo da concessão da autorização: também o suprimento da falta de autorização do eventual beneficiário deve ser cuidadosamente ponderado pelo tribunal, dado que não é justificável partir do princípio nem de que a falta de autorização pelo eventual beneficiário não é justificada, nem de que este beneficiário não está sequer em condições de conceder a autorização».
Por outro lado, e no que concerne aos pressupostos para a procedência do pedido de acompanhamento, explica Mafalda Miranda Barbosa[25]: «São dois os requisitos para que possa ser decretado o acompanhamento, um de ordem subjectiva e outro de ordem objectiva.
No que ao primeiro respeita, haveremos de considerar a impossibilidade de exercer plena, pessoal e conscientemente os direitos ou cumprir os deveres. Em causa está, portanto, a possibilidade de o sujeito formar a sua vontade de um modo natural e são. Por um lado, há-de ter as capacidades intelectuais que lhe permitam compreender o alcance do ato que vai praticar quando exerce o seu direito ou cumpre o seu dever. Por outro lado, há-de ter o suficiente domínio da vontade que lhe garanta que determinará o seu comportamento de acordo com o pré-entendimento da situação concreta que tenha. Em suma, trata-se da possibilidade de o sujeito se autodeterminar, no que respeita ao exercício dos seus direitos e ao cumprimento dos seus deveres. A lei prescinde agora dos requisitos da habitualidade, permanência e durabilidade e permite que o acompanhamento seja decretado em relação a um especial domínio da vida do beneficiário e a situações transitórias (…). Mas continua a exigir-se uma certa constância, até porque o acompanhamento só será decretado quando não seja possível alcançar as finalidades que com ele se prosseguem através de deveres gerais de cooperação e assistência.
Quanto ao requisito de índole objetiva, exige-se que a impossibilidade para exercer os direitos ou cumprir os deveres se funde em razões de saúde, numa deficiência ou no comportamento do beneficiário».
Enunciando o alcance das razões enunciadas no atual artigo 138.º do CC, a propósito do aludido requisito de índole objetiva, refere ainda a mesma Autora[26]: «[n]as razões de saúde integram-se quer as patologias de ordem física, quer as patologias de ordem psíquica e mental. Parece, portanto, haver um alargamento em relação ao quadro de fundamentos das interdições e inabilitações, não se ficando preso a uma ideia estrita de anomalia psíquica. Já no que respeita à deficiência, integram-se na previsão normativa os cegos e os surdos-mudos, a que já se referia o anterior regime das interdições e inabilitações, tal como se integram as deficiências mentais, aí também contempladas. Fundamental é que a deficiência limite o desempenho do sujeito em termos volitivos e/ou cognitivos. (…). Finalmente, no tocante ao segmento pelo seu comportamento, se dúvidas parece não haver quanto à possibilidade de, por essa via, se contemplarem os casos de comportamento pródigo, comportamento condicionado pelo abuso de bebidas alcoólicas e estupefacientes, hesita-se em saber se o regime se queda nestas hipóteses ou se permite que outros comportamentos inviabilizadores do exercício de direitos e do cumprimento de deveres possam ser tidos em conta para efeitos de decretamento do acompanhamento. Ora, como não estamos balizados, na tarefa interpretativa, por um princípio de tipicidade que limite a autónoma constituição normativa, parece que podemos ir, orientados por este critério-guia, além das hipóteses clássicas de prodigalidade, de consumo de bebidas alcoólicas e de estupefacientes. Fundamental é que o comportamento concreto se repercuta na impossibilidade de exercer direitos e cumprir deveres, isto é, que o comportamento seja causa, em concreto, pelo menos num domínio específico da vida, da falta de autodeterminação da pessoa».
A este propósito, cumpre ainda salientar que, mesmo à luz do regime anteriormente em vigor relativamente aos institutos da interdição e da inabilitação, previstos nos artigos 138.º e 152.º do CC, na redação anterior à Lei n.º 49/2018 de 14-08, o entendimento que veio a consolidar-se nesta matéria interpreta o conceito de anomalia psíquica num sentido mais lato, abrangendo qualquer perturbação das faculdades intelectuais ou intelectivas (afetando a inteligência, a perceção ou a memória) ou das faculdades volitivas (atinentes quer à formação da vontade, quer à sua manifestação)[27].
Neste contexto, defende-se, designadamente, que anomalia psíquica compreende qualquer perturbação das faculdades intelectuais ou intelectivas (afetando a inteligência, a percepção ou a memória) ou das faculdades volitivas (atinente quer à formação da vontade, quer à sua manifestação), e que não é pressuposto da interdição (ou da inabilitação) por anomalia psíquica, «a existência de uma típica enfermidade mental, importando, sobretudo, a presença de uma qualquer perturbação, desarranjo ou defeito patológico das faculdades psíquicas, dando lugar a uma incapacidade para prover aos interesses pessoais»[28].
Revertendo ao caso concreto, verifica-se que o requerente pretende a aplicação do regime de acompanhamento de maior ao requerido, nascido a ../../1938, viúvo, seu pai, pedindo cumulativamente o suprimento de autorização do requerido, com base em ações e comportamentos deste, que, segundo descreve e alega, levam a concluir que o requerido apresenta a sua capacidade de tomar decisões livres e esclarecidas comprometidas, apresentando-se psicologicamente diminuído e dependente, sem discernimento bastante e suficiente para entender o que é uma ação especial de acompanhamento de maior, nem a noção de que carece das preconizadas e requeridas medidas, nem tem a noção que o seu património, que tão arduamente angariou, não é, agora, para ser dissipado por falta desse mesmo discernimento.
A este propósito, vem alegado, entre o mais, que o requerido se encontra  desorientado no espaço e no tempo, não tendo, as mais das vezes, a noção do que está a fazer e dos efeitos ou consequências irremediáveis para ele próprio do que fez e faz; não tem a noção do dinheiro, nem do valor relativo deste e das coisas; precisa de ser orientado para proceder à sua higiene e para se vestir, tendo dificuldade de selecionar a roupa que vai vestir, necessitando de acompanhamento e vigilância em tudo o que se relaciona com a administração dos seus bens, existindo neste momento riscos evidentes de que o respetivo património possa ser dissipado pela prodigalidade galopante que vem revelando por estar física, psíquica e emocionalmente vulnerável à influência de terceiros, praticando atos que demonstram necessidade de acompanhamento através da aplicação de medidas patrimoniais que o protejam. O requerido sempre foi uma pessoa extremamente regrada e poupada, nem sequer usando transportes públicos nem táxi, para não gastar dinheiro, indo e vindo as vezes que for necessário de sua casa no ... à vila / ... a pé (cerca de 3,5 a 4 Km em cada sentido), para efetuar compras e tudo o mais relativo e necessário à sua vivência; o requerido revelou que a sua sobrinha CC se tinha aproximado dele muito recentemente, começando a visitá-lo certinho, todos os dias, lavando a sua roupa na máquina dela, uma vez por semana, desde meados / finais do mês de julho de 2023, pedindo-lhe que lhe desse dinheiro para acabar a sua casa (dela), ao que tinha anuído, mais referindo que ela o tinha levado a ..., ao banco, e que tinha, ali, levantado 230.000,00 € de uma conta a prazo que detinha nessa instituição bancária e que o tinha posto todo em nome dela.
Como se vê, no caso em análise a invocada impossibilidade de exercício de direitos não se funda tanto em razões de saúde nem em determinada(s) deficiência(s) do beneficiário, antes assentando essencialmente em comportamentos alegadamente assumidos por este, com influência num especial domínio da sua vida, já que permitem consubstanciar um sério risco de que o respetivo património possa ser dissipado integralmente pela prodigalidade que vem revelando, em razão de uma concreta vulnerabilidade física, psíquica, cognitiva e emocional que permite seja negativamente influenciado por terceiros em moldes que comprometem a sua capacidade de autodeterminação e o discernimento necessários para o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres.
Neste enquadramento, o objeto da presente ação pressupõe a aferição de pressupostos fáctico-jurídicos por natureza complexos, atenta a alegação de que a referida afeção de natureza física, psíquica, cognitiva e emocional, determina que seja negativamente influenciado por terceiros em termos volitivos e cognitivos, comprometendo a sua capacidade de autodeterminação e gerando comportamentos de prodigalidade, o que leva a que não seja capaz de gerir os seus bens/património sem supervisão.
Analisada a fundamentação de facto constante da decisão recorrida, observa-se que a mesma é claramente omissa e insuficiente quanto a esta matéria.
Assim, o impugnado ponto 4., dos factos provados reproduz meras constatações genéricas ou raciocínios conclusivos relativos a premissas que se desconhecem, pressupondo a análise de um conjunto de circunstâncias de facto que permitam consubstanciar tais juízos valorativos, os quais encerram parte da controvérsia que constitui o objeto a apreciar e decidir no âmbito da ação em referência.
De resto, entendemos que a matéria vertida no ponto da matéria de facto em apreciação não assume relevo autónomo e decisivo no âmbito da aferição dos pressupostos do suprimento do consentimento do requerido para a instauração da presente ação de acompanhamento, atendendo aos fundamentos invocados pelo requerente para a suscitada proteção do beneficiário através de medida de acompanhamento.
Com efeito, a matéria vertida no ponto 4 dos factos provados reporta-se de forma conclusiva à inexistência de declínio cognitivo significativo, o que leva a circunscrever o objeto da presente ação à aferição de um qualquer deficit cognitivo no requerido, o que, como vimos, encerra apenas parte da controvérsia que constitui o objeto a apreciar e decidir no âmbito da ação em referência.
É certo que importa distinguir os pressupostos para a procedência do pedido de acompanhamento dos pressupostos para o suprimento do consentimento, sendo que a decisão quanto ao suprimento da autorização, pelo Tribunal, visa somente decidir se os autos devem prosseguir os seus termos, caso se verifique a existência de tal requisito.
Porém, atendendo aos fundamentos invocados pelo requerente para a suscitada proteção do beneficiário através de medida de acompanhamento, revela-se plausível que, a confirmar-se o quadro fáctico alegado, ficará também explicitada a razão de não obtenção da aludida autorização por parte do beneficiário para a instauração da presente ação, precisamente pelos comportamentos que este, alegadamente, adotou e que levaram o requerente a instaurar o presente processo.
Como já vimos, o objeto da presente ação pressupõe a aferição de pressupostos fáctico-jurídicos por natureza complexos, atenta a alegação de que a referida afeção de natureza física, psíquica, cognitiva e emocional, determina que o requerido seja negativamente influenciado por terceiros em termos volitivos e cognitivos, comprometendo a sua capacidade de autodeterminação e gerando comportamentos de prodigalidade, o que leva a que não seja capaz de gerir os seus bens/património sem supervisão.
Ora, tais questões são predominantemente técnicas e exigem conhecimentos especiais que os julgadores normalmente não possuem.
Nos termos do artigo 388.º do CC, a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial.
Muito embora a força probatória das respostas dos peritos seja fixada livremente pelo Tribunal (artigo 389.º CC), importa atender à especial relevância que no caso em apreciação assumirá a eventual indicação, no relatório pericial, da (in)existência de uma hipotética afeção de que sofra o beneficiário, as suas consequências, a data provável do seu início, bem como dos meios de apoio e de tratamento aconselháveis.
Tais aspetos configuram elementos absolutamente indispensáveis para o juiz decidir, tal como decorre expressamente do disposto no artigo 899.º, n.º 1 do CPC, apenas conferindo a lei ao juiz a possibilidade de autorizar o exame numa clínica da especialidade, com internamento nunca superior a um mês e sob responsabilidade do diretor respetivo, ou ordenar quaisquer outras diligências (artigo 899.º, n.º 2, do CPC), caso permaneçam dúvidas na sequência do relatório pericial apresentado.
Neste domínio, importa seguir de perto a fundamentação contida no acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 29-011-2003[29], ainda que por referência ao regime previsto para as ações de interdição por anomalia psíquica, então aplicável, do qual se destacam as seguintes conclusões: «(…) - A existência ou inexistência de uma qualquer anomalia psíquica incapacitante, isto é, de uma anomalia psíquica de tal modo grave, que torne a pessoa inapta para se reger a ela própria e aos seus bens, traduz-se numa questão eminentemente técnica e que exige conhecimentos especiais que os julgadores, normalmente, não possuem. Por isso, os peritos médicos são, pela própria natureza das coisas, as pessoas mais habilitadas para se pronunciarem sobre tal questão. (…) - E, apesar de, nos termos do art. 589º do C. Civil, a força probatória da perícia ser livremente fixada pelo tribunal e de o art. 952º, n.º1 do C. P. Civil, não estabelecer qualquer valor preferencial ou de hierarquia entre os dois meios prévios inquisitórios - interrogatório e exame pericial do arguido -, a verdade é que o julgador não pode afastar deliberadamente, o parecer contido no relatório dos peritos, substituindo-lhe, sem o fundamentar, outros elementos de convicção».
Na verdade, «(…) uma coisa será uma perícia para constatação de factos, os quais podem eventualmente ser confirmados e/ou refutados por outros elementos de prova; outra, bem diferente, será o caso de uma perícia destinada a exprimir um juízo técnico, científico ou artístico, o qual, pela sua própria natureza, só poderá ser infirmado ou rebatido com argumentos de igual natureza, ou seja, de ordem técnica, científica ou artística; e com sujeição aos mesmos métodos»[30].
Ainda que se admita que a prova testemunhal tenha uma utilidade bastante duvidosa neste tipo de processos, já que se vai consubstanciar na produção de opiniões de leigos sobre o estado mental do beneficiário, conforme enunciou - e bem - o Tribunal recorrido na fundamentação do despacho que delimitou os meios de prova a considerar na decisão impugnada, entendemos que a prova pericial - tal como prevista nos artigos 897.º e 899.º do CPC, requerida pelo requerente e cuja realização foi admitida em sede de contestação pelo próprio requerido - não podia ser rejeitada sem justificação de ordem objetiva ou com elementos resultante de meios de prova dotados de idênticas garantias de ordem técnica ou científica e com sujeição aos mesmos métodos de obtenção dos resultados[31].
No caso, o Tribunal recorrido considerou a prova pericial desnecessária, justificando de forma genérica tal decisão quer pelos documentos juntos quer pelo que resultou da audição pessoal do beneficiário.
Contudo, tendo por base o enunciado na motivação da matéria de facto constante da decisão impugnada, é possível constatar que a decisão recorrida atribuiu especial relevância à perceção que colheu da audição do beneficiário, por efeito da aparente normalidade e lucidez nas respostas que ofereceu às perguntas que lhe foram colocadas, ainda que aludindo genericamente às fragilidades que entendeu normais para uma pessoa de 85 anos de idade, incluindo alguma perda de memória.
Neste domínio, observa-se ainda que o Tribunal a quo, para sustentar a convicção formulada, relevou o relatório médico, datado de 01-09-2023, assinado pelo Dr. MM, junto com a contestação, e onde se lê «Foi realizado um mine exame do estado mental, obtendo um resultado de 20 pontos.
Considera-se ligeira diminuição cognitiva, mas com robustez física e psíquica», em face do que concluiu que, sendo o beneficiário analfabeto, o seu resultado de 20 pontos excede em muito a marca dos 15 pontos ou menos como sinalizadora da existência de um qualquer deficit cognitivo.
Contra tal entendimento insurge-se o ora recorrente, sustentando entre o mais que na sentença recorrida não foram valoradas algumas declarações do requerido/beneficiário, tal como gravadas na sua audição pessoal, as quais deviam ter sido relevadas na matéria de facto dada como provada na sentença e no que são factos verdadeiros e reais, profundamente indiciárias do seu estado de dependência e de vulnerabilidade e que obriga à pertinente realização da prévia prova pericial da saúde física, psicológica e emocional daquele, como diligência essencial e necessária para que haja uma decisão justa e protetora da sua vida.    
Para o efeito, sustenta, em síntese:
a) Está assente que o Apelado é analfabeto, mas quando na sentença é dito que “consegue realizar cálculos aritméticos simples”, tal é somente meia verdade pois só consegue concretizar “alguns” e “muito” simples, porquanto, na sua audição, v.g., não conseguiu responder qual era o resultado de “33-7” e não tem ideia de quanto tempo, a gastar € 1.000,00 /mês, durariam € 230.000,00, dizendo apenas que “dava para bastante tempo ainda” e perguntado se três meses, três anos, se tinha ideia - não a teve, pugnando por “só consegue realizar alguns cálculos aritméticos muito simples”;
b) É uma meia verdade que “está localizado no tempo e no espaço”, porquanto, apesar de reiteradamente inquirido, sustentou e manteve sempre, estar no ano de “2003”, pelo que temporalmente “não está localizado”;
c) É uma meia verdade que “reconhece o dinheiro e seu valor económico”, pois se identificou o dinheiro, em papel/notas que lhe foi exibido em sede de audiência do beneficiário, o reconhecimento do seu valor económico ficou prejudicado, desde logo, em face de não ter ideia de quanto tempo, a gastar € 1.000,00 /mês, durariam € 230.000,00; e,
d) É uma meia verdade que “assegura, com ajuda de terceiros, os seus cuidados de alimentação, higiene, vestuário, limpeza e saúde”, já que só desse meados/finais do mês de Julho de 2023 é que CC dele se aproximou, começando a visitá-lo todos os dias e, uma vez por semana, passou a lavar-lhe a roupa na máquina da casa dela - o mais é controverso e a carecer da produção doutros meios probatórios, porquanto, v.g., o Apelado confeciona as suas próprias refeições, alimenta-se sozinho e cuidará regularmente da sua própria higiene e saúde, de acordo com o seu querer e vontade, como decorre das suas próprias palavras.
Mais alega ser notório que «não é conduta ‘normal’ de um qualquer cidadão, de um momento para o outro, fazer uma transferência bancária de € 230.000,00 a outrem, sem quaisquer salvaguardas jurídicas, sem haver uma formalização dum qualquer negócio, em comportamento contrário ao que tivera toda a sua vida, que se pautou pelo poupar e amealhar e tal gesto ter ocorrido, só porque uma sobrinha, com quem não tinha, até àquela data, relações de convivência, o levou ao hospital, numa urgência, e ‘toma lá’, porque eu dou-te os € 230.000,00» e que a ‘aproximação’ da sobrinha ao Requerido-Apelado deu-se, apenas, duas semanas antes da ‘dádiva’ dos € 230.000,00, com o tê-lo transportado ao Hospital por motivo de doença e depois ter passado a lavar-lhe a roupa e, depois, ter passado a estar com o Apelado menos de uma hora por dia - o que, apesar de tudo, carece de prova (o que já não carece de prova é o tempo que o Apelado gastou… para se lembrar do nome daquela sobrinha na sua audição pessoal!)».
Reapreciado atentamente e de forma integral o registo gravado do depoimento que resulta da audição do beneficiário, reconhece-se que a mesma não permite, por si só,  fundamentar um juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança que permita dar como provados alguns dos concretos segmentos impugnados do ponto 5 dos factos provados, em especial no que concerne à conclusão ali extraída relativamente à circunstância de o requerido estar (completamente) localizado no tempo e à conclusão também vertida da decisão recorrida quanto ao conhecimento pelo requerido do (exato) valor económico do dinheiro.
Por outro lado, dúvidas não subsistem de que as respostas e reações do requerido às perguntas que lhe foram colocadas não constituem material probatório apto a dispensar os resultados da prova pericial, considerando que o objeto da presente ação pressupõe a aferição de pressupostos fáctico-jurídicos, por natureza complexos, atenta a alegação de que a referida afeção de natureza física, psíquica, cognitiva e emocional do requerido, determina que seja negativamente influenciado por terceiros em termos volitivos e cognitivos, comprometendo a sua capacidade de autodeterminação e gerando comportamentos de prodigalidade, o que leva a que não seja capaz de gerir os seus bens/património sem supervisão.
Como se viu, o Tribunal a quo, para sustentar a convicção formulada, atendeu ao relatório médico, datado de 01-09-2023, assinado pelo Dr. MM, junto com a contestação, e onde se lê «Foi realizado um mine exame do estado mental, obtendo um resultado de 20 pontos.
Considera-se ligeira diminuição cognitiva, mas com robustez física e psíquica».
Sucede que o aludido documento, além de ter sido junto pelo próprio requerido com a sua contestação, foi expressamente impugnado pelo requerente quanto ao respetivo teor, desconhecendo-se, além disso, como foi efetuado, bem como quais os meios e critérios utilizados para o efeito, atento o seu teor manifestamente abreviado e sucinto.
Como tal, afigura-se-nos manifesto que o referido documento não reveste de força probatória suficiente para permitir fundamentar um juízo seguro e rigoroso sobre os pressupostos de facto necessários para aferir da (in)capacidade do requerido para reger a sua pessoa e os seus bens, cuja rigorosa e cabal demonstração deveria ter sido feita dentro do processo, mediante recurso à prova pericial a requisitar à delegação do INML da respetiva área territorial, com sujeição ao legal contraditório, em conjunto com o resultado da audição obrigatória do beneficiário, e não somente através da junção de um documento que tem de ser classificado como documento particular, o qual, além do mais, foi impugnado no processo.
Nesta medida, atendendo à manifesta insuficiência dos meios de prova produzidos e juntos ao processo, à luz dos factos alegados, do objeto da ação e dos meios de prova requeridos, impõe-se a conclusão de que o estado dos autos não permitia ainda o conhecimento do pedido de suprimento da autorização do beneficiário, o qual se mostrou prematuro na decisão em causa, uma vez que se impunha previamente a realização da perícia médico-legal prevista nos artigos 897.º, n.º 1, e 899.º do CC, com a tramitação subsequente que se revelasse necessária, tanto mais que a consideração dos factos complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa tem agora natureza oficiosa, não estando dependente da concordância da parte interessada para o efeito, unicamente se exigindo que sobre os mesmos ou sobre a sua atendibilidade na sentença seja exercido o contraditório, atento o disposto nos artigos 3.º, n.º 3, e 5.º, n.º 2, al. b), do CPC[32].
Em consequência, deve ser relegada para momento ulterior ao resultado da requerida perícia, a decisão quanto à necessidade/oportunidade dos restantes meios de prova inicialmente requeridos, com vista à aferição dos fundamentos do pedido de suprimento, assim como a decisão quanto ao suprimento da autorização do requerido/beneficiário, sendo prematura tal decisão e a consequente declaração de ilegitimidade do requerente nesta fase.
Procedem, assim, nesta parte, as conclusões da apelação, impondo-se a revogação da decisão recorrida para que seja proferido novo despacho que determine a realização de perícia médico-legal, tal como prevista nos artigos 897.º, n.º 1, e 899.º do CC, com objeto a definir, enquanto meio de prova típico e objetivamente idóneo para a completa perceção dos factos essenciais em causa, considerando que o objeto da presente ação pressupõe a aferição de pressupostos fáctico-jurídicos, por natureza complexos, atenta a alegação de que a referida afeção de natureza física, psíquica, cognitiva e emocional do requerido, determina que seja negativamente influenciado por terceiros em termos volitivos e cognitivos, comprometendo a sua capacidade de autodeterminação e gerando comportamentos de prodigalidade, o que leva a que não seja capaz de gerir os seus bens/património sem supervisão.
Considerando a revogação da decisão recorrida, e o dispositivo que segue, fica prejudicada a decisão quanto às alterações suscitadas relativamente à matéria de facto provada e não provada.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em revogar a decisão recorrida, para que seja proferido novo despacho que determine a realização da perícia médico-legal, tal como prevista nos artigos 897.º, n.º 1, e 899.º do CC, com objeto a definir, enquanto meio de prova típico e objetivamente idóneo para a completa perceção dos factos essenciais em causa, considerando que o objeto da presente ação pressupõe a aferição de pressupostos fáctico-jurídicos, por natureza complexos, atenta a alegação de que a referida afeção de natureza física, psíquica, cognitiva e emocional do requerido, determina que seja negativamente influenciado por terceiros em termos volitivos e cognitivos, comprometendo a sua capacidade de autodeterminação e gerando comportamentos de prodigalidade, o que leva a que não seja capaz de gerir os seus bens/património sem supervisão.
Em consequência, deve ser relegada para momento ulterior ao resultado da perícia a determinar, a decisão quanto à necessidade/oportunidade dos restantes meios de prova inicialmente requeridos, com vista à aferição dos fundamentos do pedido de suprimento, assim como a decisão quanto ao suprimento da autorização do requerido/beneficiário.
Sem custas, por isenção - artigo 4.º, n.º 2, al. h), do Regulamento das Custas Processuais (RCP).
Guimarães, 23 de maio de 2024
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Afonso Cabral de Andrade (Juiz Desembargador - 1.º adjunto)
António Figueiredo de Almeida (Juiz Desembargador - 2.º adjunto)




[1] Com referência aos meios de prova requeridos com a petição inicial e, por outro lado, o requerido a título de prova no requerimento apresentado a 28-09-2023, concretamente o ali requerido nos pontos 1., a 7., e 8. 
[2] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pg. 236.
[3] Dispõe o artigo 195.º do CPC, com a epígrafe Regras gerais sobre a nulidade dos atos:
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.
[4] Obra citada, p. 736.
[5] Neste sentido, cf. entre muitos outros, o Ac. TRL de 08-02-2018 (relatora: Cristina Neves), p. 3054-17.7T8LSB-A. L1-6, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Cf. o Ac. TRE de 22-11-2018 (relatora: Albertina Pedroso), p. 60337/17.7YIPRT.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Cf. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, Coimbra, Almedina, 2013, p. 27.
[8] Cf. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro - obra citada - p. 27.
[9] Cf. o Ac. TRG de 26-09-2013 (relator: Manuel Bargado), p. 805/13.2TBGMR-A. G1, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Cf. o Ac. TRG de 06-02-2020 (relator: Ramos Lopes), p. 1002/19.9T8VNF-A. G1, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Cf. o Ac. TRE de 25-01-2017 (relatora: Albertina Pedroso), p. 1180/11.5TBCTX-B. E1, disponível em www.dgsi.pt.
[12] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, obra citada, p. 484.
[13] Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra, Almedina, 2020, p. 331.
[14] Cf. Miguel Teixeira de Sousa, O regime do acompanhamento de maiores: alguns aspectos processuais -  O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, Jurisdição Civil e Processual Civil, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, fevereiro de 2019, pgs. 45-46, acessível em
 http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Regime_Maior_Acompanhado.pdf.
[15] Cf. Miguel Teixeira de Sousa - obra citada - p. 44.
[16] Cf., a propósito, José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2.º Volume, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 208; o Ac. TRP de 06-02-2023 (relatora: Ana Paula Amorim), p. 3057/11.5TBPVZ-M. P1, disponível em www.dgsi.pt.
[17] Cf. o Ac. do STJ de 19-05-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza), revista n.º 405/09.1TMCBR.C1. S1 - 7.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
[18] Cf., por todos, o Ac. do STJ de 01-10-2019 (Relator: Fernando Samões), p. n.º 109/17.1T8ACB.C1. S1 - 1.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
[19] Relatora: Fernanda Isabel Pereira, p. n.º 809/10.7TBLMG.C1. S1 - 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
[20] Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. III, 4.ª edição (Reimpressão), Coimbra, 1985 - Coimbra Editora, pgs. 206 e 209.
[21] Cf. o Ac. TRP de 07-10-2021 (relator: Filipe Caroço), p. n.º 1450/12.5TJPRT-J. P1, disponível em www.dgsi.pt.
[22] Cf. o Ac. do STJ de 23-09-2009 (relator: Bravo Serra), p. 238/06.7TTBGR.S1 - 4.ª Secção, acessível em www.dgsi.pt.
[23] Relator Filipe Caroço, p. 338/17.8YRPRT, acessível em www.dgsi.pt.
[24] Obra citada, p. 47-48.
[25] Cf., Mafalda Miranda Barbosa, Fundamentos, Conteúdo e Consequências do Acompanhamento de Maiores, O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, Jurisdição Civil e Processual Civil, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, fevereiro de 2019, pgs 64-65, acessível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Regime_Maior_Acompanhado.pdf.
[26] Obra citada, pgs. 65-66.
[27] Cf. Ac. do STJ de 19-11-2015 (relator: Silva Gonçalves), p. 63/2000.C1. S1; Ac. TRL de 30-06-1994 (relator: António Abranches Martins), p. 0089252, acessíveis em www.dgsi.pt
[28] Cf. Ac. TRP de 3-11-2005 (relator: Oliveira Vasconcelos), p. 0535475 acessível em www.dgsi.pt.
[29] Relatora Maria Rosa Tching, p. 1476/02-2, disponível em www.dgsi.pt.
[30] Cf. o Ac. TRG de 4-10-2018 (relator: Pedro Damião e Cunha), p. 4142/15.0T8GMR.G1, disponível em www.dgsi.pt.
[31] No sentido de que, nos casos em que for cumulado pedido de suprimento da autorização do beneficiário, a decisão sobre o aludido pedido de suprimento há de ser tomada em face da posição assumida na resposta do beneficiário, do resultado do relatório pericial e da audição obrigatória do beneficiário, cf. o Ac. TRC de 30-05-2023 (relator: Falcão de Magalhães), p. 283/23.8T8MGR.C1, disponível em www.dgsi.pt.; a jurisprudência e doutrina aí citadas.
[32] Neste sentido, cf., por todos, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 28.