Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2630/23.3T8VRL.G1
Relator: PEDRO FREITAS PINTO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
SINALIZAÇÃO DE RADARES
SANÇÃO ACESSÓRIA DE INIBIÇÃO DE CONDUÇÃO
PERDÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/03/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRA-ORDENACIONAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - Só é exigível a sinalização dos radares que sejam “cinemómetros-vídeo fixos”, os quais utilizam como princípio de medição a fixação e o seguimento do veículo alvo com câmaras de vídeo.
II – Tal sinalização não é necessária, se o cinemómetro-radar estava colocado numa viatura da GNR que se encontrava estacionada, não sendo utilizada câmara de vídeo.
III – O limite etário de 30 anos, previsto no artigo 2º nº 1 da Lei 38-A/2023 de 2 de agosto, não é aplicável quando se trata de um ilícito de natureza contraordenacional
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I - Relatório

Decisão recorrida
No âmbito do Recurso de Contraordenação com o nº 2630/23...., do Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo de Competência Genérica de ..., foi proferida decisão no dia 7 de julho de 2024, depositada no dia 10 desse mesmo mês, cujo dispositivo se transcreve:
“Nestes termos, julga-se totalmente improcedente o presente recurso de impugnação judicial apresentado por AA e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC – cfr. art.º 94.º, n.º 3 do Regime Geral das Contraordenações e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais –, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie”.
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Recurso apresentado

Inconformada com tal decisão, o arguido AA veio interpor o presente recurso, no qual após o fundamentar, apresenta as seguintes conclusões que se reproduzem:

“i. Entende o Recorrente que se verifica uma nulidade da acusação/auto de notícia por falta de cumprimento legal das normas instituídas, falta de meios de prova solicitados, designadamente quanto ao aparelho e seu operador; falta de prova testemunhal num auto, quando quem assina não observa a infracção e o operador do aparelho nada tem que ver com o auto;
ii. Entende o Recorrente verificar-se uma nulidade da prova, designadamente por violação dos artigos 4° da lei 9/2012 de 23 de Fevereiro, e portaria 373/2012 de 16 de Novembro, e ainda o artigo 16.° do Decreto-Lei 207/2005 de 29 de Novembro,
iii. Não podendo dar como aceite que uma norma violada por uma entidade administrativa não tem qualquer consequência,
iv. Existem direitos e obrigações por parte da população em geral e das entidades administrativas, devendo haver reciprocidade quanto à penalização por incumprimento/não observação da lei;
v. Foram ainda solicitados meios de prova não atendíveis que geram a nulidade da sentença por ausência de pronúncia sobre questões que devesse apreciar, Cfr. Artigo 615, número 1, alínea b).
vi. Aplicação ao presente processo da Lei da Amnistia (Lei número 38-A/2023 de 2 de agosto) ao Recorrente por preenchimento dos requisitos legais quanto à pena acessória.
vii. Verifica-se a prescrição do procedimento contraordenacional por decurso do prazo, pelo que deve ser considerado extinto.
TERMOS EM QUE,
Revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo por outra que decida em conformidade com as conclusões supra expostas, farão Vs. Exas farão, como sempre, a habitual JUSTIÇA!!”.
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Resposta ao recurso por parte do Ministério Público.
Na primeira instância, o Magistrado do Ministério Público respondeu ao recuso, considerando que este não deve merecer provimento.
Entende em síntese que o auto de contraordenação descreve convenientemente todas as informações necessárias à cabal identificação do radar utilizado na fiscalização, quanto à nulidade da prova obtida por violação do disposto no artigo 16º-1 do Decreto-Lei 207/2005, de 29 de Novembro, consubstanciada na falta de sinalização adequada para os radares fixos ou aviso prévio pelas forças de segurança da realização das operações de controlo de tráfico quando sejam utilizados radares móveis, considera que a mesma não se verifica por se tratar de uma norma com uma clara previsão informativa mas sem estatuição sancionadora.
Entende também que inexiste qualquer nulidade da sentença por ausência de pronúncia sobre questões que devesse apreciar dado que foram carreados os elementos probatórios requeridos pelo recorrente e que a decisão recorrida se pronunciou sobre todas as questões pelo mesmo suscitadas.
Considera ainda que não é aplicável a Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto, que aprovou um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, atenta a idade do arguido e por último que o procedimento contraordenacional não se encontra prescrito.
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Tramitação subsequente
Neste Tribunal da Relação de Guimarães, o processo foi com vista ao Ministério Público, tendo o Exmº. Senhor Procurador-Geral Adjunto, elaborado douto parecer, no qual concluiu no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do CPP tendo o recorrente apresentado resposta no qual, em síntese, reafirma os fundamentos do seu douto recurso.
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Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
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II – Fundamentação.

Cumpre apreciar o objeto do recurso.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas essas questões, as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso.
No âmbito do recurso contraordenacional, o Tribunal da Relação posiciona-se como o Supremo Tribunal de Justiça se posiciona no processo penal, ou seja, funciona como tribunal de revista e apenas conhece da matéria de direito, exceção feita para os casos em que para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto claramente insuficiente, ou fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias, conheça dos vícios previstos no artigo 410.º, nº 2 do Código de Processo Penal.
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São as seguintes as questões em causa no presente recurso:

- Nulidade do auto de notícia/acusação.
- Valoração de prova proibida.
- Nulidade da sentença por ausência de pronuncia sobre questões que devesse pronunciar-se.
- Prescrição do procedimento contraordenacional. 
- Aplicabilidade da Lei da Amnistia - Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto.
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Da alegada nulidade do auto de notícia/acusação.

O recorrente alicerça esta arguição de nulidade do auto de notícia em duas ordens de razão.
Uma prende-se com a circunstância de ter solicitado cópia dos registos de manutenção e calibração do referido aparelho; cópias dos registos dos testes efetuadas antes do início da operação com informação da sua tipologia e metodologia e cópias dos certificados de formação do operador de radar, informando quem ministrou a formação e, havendo cursos de reciclagem, quando
foram efetuados, considerando que as ausências desses dados tornam o auto e a acusação nulos. 
Tais diligências probatórias foram efetivamente solicitadas pelo arguido aquando da impugnação judicial apresentada.
Porém, a obtenção ou não das mesmas, é completamente estranha à validade do auto de notícia, não se vislumbrando como é que o mesmo pode ser nulo pelo facto de não terem sido carreados para os autos tais registos ou informações.
Refere ainda o recorrente que o operador do aparelho é “... – BB”
e o guarda autuante é “CC”, que não terá presenciado a infração e o operador do aparelho não assinou o auto, não existindo testemunhas indicadas.
Não tem razão o recorrente.
O operador de radar não tinha que assinar conjuntamente o auto de notícia, o qual se encontra devidamente assinado pelo guarda autuante, sendo que a lei não exige a indicação de testemunhas.
Do auto de notícia constam todos os elementos que consubstanciam a infração em causa nos autos, o dia, hora e local onde foi praticada, a indicação de quem foi o operador do radar, bem como a identificação do radar que foi utilizado, pelo que inexiste assim qualquer nulidade a enfermar o auto de notícia.
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Da alegada nulidade de obtenção de prova.

Entende o recorrente que a suposta infração foi verificada através da utilização de um radar para utilização física e deste modo nos termos do artigo 40.º da lei 9/2012 de 23 de fevereiro, e portaria 373/2012 de 16 de novembro, e ainda o artigo 16.º do Decreto-Lei 207/2005 de 29 de novembro, deveria ter sido colocada a respetiva informação sinalética, o que não sucedeu.
O equipamento utilizado foi o radar ... 6F-...... nº 12-01-2058, e o modo de operação foi: Estacionado.
A Portaria nº 1542/2007 de 6 de dezembro, em vigor à data dos factos[1] dispõe no seu artigo 2º:
“Para efeitos do presente Regulamento, são considerados os seguintes tipos de cinemómetros:
1) «Cinemómetros -radar» — cinemómetros que utilizam, como princípio de medição, o efeito Doppler;
2) «Cinemómetros de sensores estáticos» — cinemómetros que utilizam, como princípio de medição, a variação do sinal em sensores, instalados dentro ou sobre as bermas das faixas de rodagem;
3) «Cinemómetros -laser a tempo de voo designados por lidares» — cinemómetros que utilizam, como princípio de medição, os tempos dos impulsos de um feixe laser na reflexão no veículo alvo;
4) «Cinemómetros de perseguição» — cinemómetros que utilizam, como princípio de medição, a velocidade do veículo perseguidor;
5) «Cinemómetros instalados em aeronave» — cinemómetros que utilizam, como princípio de medição, a fixação e o seguimento do veículo alvo com câmaras de vídeo e receptores georreferenciais;
6) «Cinemómetros-vídeo fixos» — cinemómetros, instalados em posições conhecidas, que utilizam, como princípio de medição, a fixação e o seguimento do veículo alvo com câmaras de vídeo”.
Estes tipos de equipamentos podem, conforme as situações, serem instalados em pórticos fixos inamovíveis, serem montados nos locais de fiscalização com recurso a suporte próprio ou podem ser instalados em veículos, podendo aí funcionar como cinemómetros de perseguição, quando o veículo está em andamento ou estáticos, quando o veículo está parado. 
Todos esses sistemas permitem que o processamento da infração ocorra de forma automática.

Dispõe o nº 1 do artigo 16º do DL 207/2005 de 29 de novembro: “Para efeitos da aplicação do presente decreto-lei, as estradas e outros locais onde estejam ou venham a ser instalados meios de vigilância electrónica fixos por parte de forças de segurança são assinalados com a informação, apenas, da sua existência”.
A necessidade de existência de tal sinalética, nos termos desse preceito legal pressupõe assim a instalação de meios de vigilância fixos, o que não se compagina quando estes se encontram em veículos automóveis das forças policiais, ainda que estes estejam parados, que não é sinónimo de serem fixos.   
Só é exigível a sinalização dos radares que sejam “cinemómetros-vídeo fixos”, os quais utilizam como princípio de medição a fixação e o seguimento do veículo alvo com câmaras de vídeo e não mediante o efeito Doppler, que é um fenómeno físico ondulatório caracterizado pela alteração do comprimento de onda e da frequência de onda quando a fonte que as emite está a mover-se em relação a um observador.
E compreende-se que assim seja, até por razões de reserva da vida privada, pois é completamente diferente que o veículo alvo seja captado por sistema de vídeo ou que apenas seja obtido uma simples fotografia do mesmo.
No caso em apreço estamos perante um cinemómetro-radar colocado numa viatura da GNR que se encontrava estacionada, não sendo pois utilizada câmara de vídeo.
Não sendo um cinemómetro-vídeo fixo, a sua existência no local não obrigava à colocação de qualquer sinalética.
Inexistia assim qualquer obrigação legal que levasse à necessidade de colocação de sinais a informar que estava aí estacionado um veículo da GNR a fiscalizar a velocidade dos veículos que circulavam por aquela via, pelo que não há qualquer nulidade na obtenção de prova.
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Da nulidade da sentença por ausência de pronuncia.

Invoca o recorrente a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, por terem sido “solicitados meios de prova não atendíveis que geram a nulidade da sentença por ausência de pronúncia sobre questões que devesse apreciar Cfr. Artigo 615, número 1, alínea b)” [2].
Antes de mais, diga-se que as situações de nulidade da sentença encontram-se expressamente previstas no artigo 379º do Código de Processo Penal, pelo que não é possível recorrer aos preceitos contidos no Código de Processo Civil, nomeadamente ao seu artigo 615º relativo às causas de nulidade da sentença, como pretende o recorrente.
De todo o modo há que apreciar a questão tendo em consideração o que rege o CPP relativamente a esta matéria.

Dispõe o artigo 379º, nº 1, c), do CPP, na parte que ora releva:
“1 – É nula a sentença:
a) (…)
b) (…)
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

A omissão de pronúncia aqui prevista que gera a nulidade da sentença significa uma ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa.
Como refere Gama Lobo [3] “O tribunal tem de se pronunciar sobre todas as questões relevantes para uma justa decisão. Tais questões, só podem ser as que lhe sejam expressamente colocadas pelos intervenientes e as que sejam de conhecimento oficioso, nisto constituindo o thema decidendum e por outro lado terão de ser questões relevantes com incidência ou impacto direto na decisão. Podem ser questões de facto ou de direito. Se o tribunal não se pronunciar sobre tais questões, estamos perante omissão de pronuncia”.
Ora, a decisão recorrida conheceu de todas as questões suscitadas pelo arguido na impugnação judicial da decisão proferida pela ANSR, a saber: nulidade do auto de notícia, nulidade na obtenção de prova, aplicabilidade da Lei da Amnistia e prescrição do procedimento contraordenacional, pelo que a mesma não enferma de qualquer nulidade por omissão de pronúncia.
O facto de não terem sido obtidas todas os elementos probatórios pretendidos, é uma questão diferente, que trataremos de seguida.
A omissão de produção de meio de prova necessário para a descoberta da verdade material, haja sido ou não requerida, é suscetível de poder integrar a nulidade relativa, prevista na última parte da alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo Penal, referente à “omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade”.
Como bem refere Oliveira Mendes [4] “só poderão ser produzidos meios de prova não proibidos por lei – artigo 125º - indispensáveis para a descoberta da verdade e boa decisão da causa e úteis, indispensabilidade e utilidade que deverão ser aferidas em função do objeto do processo”, adiantando ainda que “A decisão sobre a necessidade ou a desnecessidade da prova, sobre a admissibilidade da prova, pertence naturalmente àqueles que têm de apreciar a prova e julgar a causa”.
Cabe assim ao tribunal de julgamento aferir sobre a essencialidade ou indispensabilidade de produção de determinada diligência de prova que tenha sido requerida.
Insurge-se o recorrente pelo facto de (entre toda a panóplia de documentos e informações por ele requeridos) não ter sido obtida:
- cópia dos registos de manutenção e calibração do referido aparelho;
- cópia dos registos dos testes efetuadas antes do início da operação com informação da sua tipologia e metodologia e,
- cópia dos certificados de formação do operador de radar, informando quem ministrou a formação e, havendo cursos de reciclagem, quando foram efetuados.
Apesar dessas cópias não terem sido juntas, o tribunal “a quo” entendeu por despacho de 1 de junho de 2024 [5] que já dispunha de todos os elementos necessários à boa decisão da causa.
E nenhuma censura há a fazer.
Como se realça no acórdão desta Relação de Guimarães de 7 de novembro de 2016[6] a aprovação do uso de equipamentos do controlo e fiscalização do trânsito é uma competência da ANSR como resulta da alínea f) do nº 1 do art. 2º do D.L. 77/2007 de 29.03 conjugada com o disposto na alínea q) do nº 1 do art. 2º da Portaria 340/2007 de 30.03 e que o IPQ é a entidade competente para aprovar as características do equipamento (cfr. a alínea b) do nº 1 do art. 8º do D.L. 291/90 de 20.09, o nº 5.1 da Portaria 962/90 de 9.10 e a Portaria 714/89 de 23.08) e realizar o controlo metrológico (cfr. os art. 3º e 4º do citado D.L. 291/90 de 20.09).
Já tinha sido junto ao processo informação de que o radar utilizado era um cinemómetro-radar da marca ..., modelo ...
Esse radar dotado de uma máquina fotográfica ..., de número 625-000/...71, foi aprovado pela ANSR através do Despacho nº 1863/2014 de 2 de janeiro e pelo Instituto Português da Qualidade (IPQ) através do Despacho nº 8334/2012 de 31 de maio.
Do certificado de verificação emitido pelo IPQ resulta que o radar utilizado tinha tido a primeira verificação em 10 de setembro de 2020 e que esse certificado de verificação era válido até 31 de dezembro de 2021, sendo que a infração em causa nos autos data de 5 de julho de 2021.
Certificada que se encontrava a validade do aparelho pela entidade que tem a obrigação legal para o fazer, não tinha qualquer utilidade a junção das cópias solicitadas pelo arguido, sendo certo que ele nem sequer alega quaisquer factos que pudessem pôr em causa esse certificado de verificação da fidelidade do aparelho utilizado, nem sequer da necessidade de serem efetuados testes prévios a cada utilização, nem à capacidade técnica do militar da GNR para o manusear.
Improcede assim também nesta parte o recurso.
*
Da prescrição do procedimento contraordenacional.

A prescrição do procedimento contraordenacional (ou criminal) traduz-se numa renúncia por parte do Estado a um direito, ao jus puniendi condicionado pelo decurso de um determinado lapso temporal, tendo nomeadamente por fundamento a circunstância de o decurso do tempo esbater a necessidade de censura comunitária e consequentemente, a necessidade da punição.
A prescrição do procedimento contraordenacional constitui causa de extinção desse procedimento e deste modo é pressuposto negativo da punição da conduta típica, ilícita e culposa.
Em causa nos autos está a prática de uma infração estradal, tendo o arguido sido condenado por decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária proferida no dia 15 de dezembro de 2021, pela prática de uma contraordenação
prevista e punida nos termos do disposto nos artigos 27.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 138.º e 145, n.º 1 al. b) do Decreto-lei n.º 22-A/98, de 01.10 (Código da Estrada), numa coima no valor de € 180,00 (cento e oitenta euros) e na sanção acessória de inibição de conduzir veículo motorizados pelo período de 30 (trinta) dias.
Essa infração estradal ocorreu no dia 5 de julho de 2021.
Face ao disposto no artigo 188º, nº 1 do Código da Estrada, o procedimento por contraordenação rodoviária extingue-se por prescrição, logo que tenham decorrido dois anos sobre a prática da infração.
Porém, por força do disposto no nº 2 desse artigo, é aplicável o regime de suspensão e interrupção da prescrição que se encontra previsto no Regime Geral das Contraordenações (RGCO), aprovado pelo Dec. Lei nº 433/82, de 27 de outubro.

O artigo 27º-A do RGCO sob a epígrafe “suspensão da prescrição” preceitua:
“1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
2 – Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”

Por sua vez, o artigo 28º também do RGCO sob a epígrafe “interrupção da prescrição” preceitua:
“1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2 - Nos casos de concurso de infrações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.
3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.” 

Como é sabido são distintos os efeitos da interrupção da prescrição e da suspensão da prescrição.
Ocorrendo uma causa de interrupção o prazo prescricional que se encontrava a correr, fica completamente inutilizado, começando a correr um novo prazo.
Ocorrendo uma causa de suspensão, o prazo não fica inutilizado, mas deixa de correr durante o período fixado ou até ao desaparecimento do obstáculo legalmente previsto, voltando a correr a partir daí.
Há assim que apreciar se existem causas de interrupção e de suspensão e o efeito das mesmas no decurso do prazo prescricional em causa nos autos que se iniciou no dia 5 de julho de 2021.
Esse prazo prescricional interrompeu-se com a prolação da decisão da ANSR em 15 de dezembro de 2021, começando a contar um novo prazo de dois anos que foi, por sua vez, interrompido com a notificação daquela decisão ao recorrente, em 23 de dezembro de 2021, começando a correr um novo prazo de dois anos que foi interrompido em 18 de dezembro de 2023, aquando da notificação do despacho judicial que declarou a incompetência territorial do Juízo Local Criminal de ... e ordenou o envio dos autos ao Juízo de Competência Genérica de ..., começando a correr novo prazo prescricional de 2 anos.
O prazo de prescrição foi por sua vez suspenso no dia 25 de janeiro de 2024 nos termos do disposto no artigo 27º-A nº 1, al. c) do RGCO, quando foi proferido o despacho que admitiu o recurso da decisão proferida pela ANSR e notificou o arguido para saber se opunha-se a que a decisão fosse proferida por despacho, suspensão essa que tem o limite temporal de seis meses (nº 3 do mesmo artigo).  
Assim, e tendo em consideração que face ao disposto no artigo 28º do RGCO a prescrição do procedimento só ocorre quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade, 
e sendo de três anos e seis meses, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional em causa nos autos: 2 anos (prazo normal) + 1 ano (metade desse prazo) + 6 meses (prazo de suspensão) é de concluir que não se mostra prescrito o procedimento contraordenacional. 
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Da aplicação da lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto. 

Entende o recorrente que deve ser aplicada a Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto, considerando que no que respeita às sanções acessórias, em processos contraordenacionais, caso a coima não exceda € 1.000,00 (mil euros) e a infração tenha ocorrido até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, há perdão da sanção acessória, acrescentando que a questão da idade se aplica apenas para sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto.
O tribunal “a quo” entendeu não ser de aplicar tal lei, atenta a idade do arguido, que nasceu em 1978, face ao disposto no artigo 2º da Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto.

Dispõe o artigo 2º da citada Lei:
“1 - Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º
2 - Estão igualmente abrangidas pela presente lei as:
a) Sanções acessórias relativas a contraordenações praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 5.º;
b) Sanções relativas a infrações disciplinares e infrações disciplinares militares praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6.º”.

Resulta do disposto neste artigo 2º que o limite etário de 30 anos não é obstáculo a que seja abrangido por essa lei o agente que tenha praticado um ilícito contraordenacional, desde que a prática do mesmo tenha ocorrido até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, o que sucedeu no caso em apreço pois que teve lugar no dia 5 de julho de 2021.
Assim, e contrariamente ao que sucede para os ilícitos de natureza penal em que para além desse limite temporal é ainda condição de aplicação, a idade do arguido ser inferior a 30 anos, tal já não sucede, no que às sanções acessórias diz respeito, quando se trata de um ilícito de natureza contraordenacional.
Conforme bem refere Pedro Esteves de Brito [7] “a referida delimitação subjetiva estabelecida para as infrações e sanções penais não é aplicável às sanções acessórias relativas a contraordenações e às infrações disciplinares (cfr. arts. 5.º e 6.º). Na verdade, quanto a estas, sob o ponto de vista da delimitação temporal, não existe qualquer diferença em relação às infrações e sanções penais: a presente Lei aplica-se às infrações praticadas até à meia-noite de dia 18-06.... Contudo, ao contrário do que se passa com as infrações e sanções penais, no que se refere às sanções acessórias relativas a contraordenações e às infrações disciplinares, a Lei em apreço aplica-se às infrações praticadas até à meia-noite de dia 18-06-2023, independentemente da idade do agente à data dos respetivos factos”.
Não é possível proceder-se a uma interpretação extensiva e defender-se que o intervalo etário entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, previsto no nº 1 desse artigo 2º também se aplica aos ilícitos contraordenacionais e às infrações disciplinares e infrações disciplinares militares.
Como já se salientava no Assento n.º 2/2001 [8] “O direito de graça subverte princípios estabelecidos num moderno Estado de direito sobre a divisão e interdependência dos poderes estaduais, porquanto permite a intromissão de outros poderes na administração da justiça, tarefa para a qual só o poder judicial se encontra vocacionado, sendo por muitos consideradas tais medidas como instituições espúrias que neutralizam e até contradizem as finalidades que o direito criminal se propõe.
Razão pela qual aquele direito é necessariamente considerado um direito de «excepção», revestindo-se de «excepcionais» todas as normas que o enformam.
É pela natureza excepcional de tais normas que elas «não comportam aplicação analógica» - artigo 11.º do Código Civil -, sendo pacífico e uniforme o entendimento da doutrina e da jurisprudência de que, pela mesma razão, não admitem as leis de amnistia interpretação extensiva ou restritiva, «devendo ser interpretadas nos exactos termos em que estão redigidas»”.
Essa diferença de regime foi aliás logo assinalada na “Nota” emanada da Presidência da República[9] aquando da promulgação desse diploma, nos seguintes termos: “Considerando o mérito da amnistia e perdão de penas no contexto da visita do Papa e a larguíssima maioria parlamentar que aprovou este diploma, e não obstante a contradição entre o limite etário para a sua aplicação a crimes, mas sem limite de idade para a sua aplicação a contraordenações [10], não querendo prejudicar os beneficiários já previstos no âmbito da lei, embora lamentando que a amnistia não tenha efeitos imediatos, pois só entrará em vigor a 1 de setembro, o Presidente da República decidiu promulgar a Lei da Amnistia, sem prejuízo da avaliação posterior da questão do respeito pelo princípio da igualdade, com o objetivo de poder ser alargado o seu âmbito sem restrições de idade”.
Temos deste modo que a idade do arguido, superior a 30 anos de idade, à data da prática dos factos, não é obstáculo à aplicação do perdão da sanção acessória previsto no artigo 5º da Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto.
Dispõe este artigo 5º: “São perdoadas as sanções acessórias relativas a contraordenações cujo limite máximo de coima aplicável não exceda 1000 (euro)”.
Resultou provado que o arguido no dia 5 de julho de 2021, pelas 12h16m, ao km 101,3 da A..., ..., ..., conduzia o veículo automóvel ligeiro, com a matrícula ..-ON-.., à velocidade de, pelo menos, 156 km/hora, sendo que a velocidade máxima permitida era de 120 km/h.
Esta contraordenação estradal prevista e punida pelos artigos 27.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) 2º, 138.º, 145.º, nº 1 alínea b) e 147º, todos do Código da Estrada, é punível com uma coima de € 120,00 a € 600,00 e com a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 1 a 12 meses.
Assim, face à moldura legal abstrata aplicável, cujo limite máximo é inferior a mil euros, nada obsta a que seja perdoada a sanção  acessória de inibição de conduzir aplicada ao arguido, sendo ainda que o ilícito contraordenacional pelo qual o recorrente foi condenado, não se encontra previsto no elenco das exceções contidas no artigo 7º da Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto, a qual na sua alínea l) só exceciona como não beneficiando desse perdão, os autores das contraordenações praticadas sob influência de álcool ou de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.
Procede assim este segmento recursório, sendo perdoada a totalidade da sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 30 (trinta) dias.
***
III – Decisão.

Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido, declarando perdoada a sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 30 (trinta) dias que tinha sido aplicada, mantendo-se no demais inalterada a decisão recorrida.
Sem tributação
Notifique.
Guimarães, 3 de dezembro de 2024.
(Decisão elaborada com recurso a meios informáticos e integralmente revista pelos subscritores, que assinam digitalmente).

Os Juízes Desembargadores,
Pedro Freitas Pinto (Relator)
Anabela Rocha (1ª Adjunta)
Armando da Rocha Azevedo (2º Adjunto)           


[1] Entretanto revogada pela Portaria nº 352/2023 de 14 de novembro, publicada no DR nº 220/2023, Iª série de 14 de novembro de 2023.
[2] Conclusão Vª do recurso.
[3] Código de Processo Penal Anotado, Almedina, 3ª ed. pág. 804
[4] “Código de Processo Penal Comentado”, A, Henriques Gaspar et al, Almedina, 3ª edição, págs. 1062 e 1063. 
[5] Referência Citius: 39684520
[6] Procº nº 1862/15.2T8VRL.G1. publicado in www.dgsi.pt, Rel: ALDA CASIMIRO.
[7] Notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.
JULGAR Online, agosto de 2023.
[8] Publicado no D.R. nº 264/2001, Série I-A de 14 de novembro de 2001.Relator: Luís Flores Ribeiro
[9] in www.presidencia.pt
[10] Sublinhado nosso.