Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | CARLA SOUSA OLIVEIRA | ||
| Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUESTÃO NOVA FUMUS BONI JÚRIS RENOVAÇÃO DA INSTÂNCIA EXECUTIVA CESSÃO DE CRÉDITO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 02/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I – A extinção da execução por insuficiência de indicação de bens penhoráveis na sequência da notificação a que alude o nº 2, do art.º 750º, do NCPC, não extingue o direito exequendo que aí se queria fazer valer. II - A cessão de créditos está subordinada à verificação de certos requisitos, sem os quais não produz os efeitos que lhe são próprios. III - Pode obstar à cessão de créditos a própria lei, sendo que a cessão de créditos efectuada contra a proibição da lei é nula. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório AA e BB, intentaram o presente procedimento cautelar comum contra EMP01... - STC, SA, e Banco 1..., SA, peticionando que se determine às requeridas que notifiquem o Banco de Portugal para eliminar de imediato a informação da Central de Riscos de Crédito transmitida pela EMP01...-STC, SA quanto aos requerentes, relativamente ao crédito de € 8.101,47, com incumprimento desde ../../2003, bem como a condenação das requeridas a pagar aos requerentes a quantia de € 50,00, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na dita comunicação ao Banco de Portugal. Alegaram, para tanto e em síntese, que: - a requerida EMP02..., SA intentou uma acção executiva contra os requerentes que correu termos com o nº 33364/03.4TJPRT; - os requerentes deduziram oposição à dita execução mediante embargos de executado, impugnando o crédito reclamado pela requerida; - quando foram notificados da contestação aos ditos embargos e dos documentos que a suportavam, os requerentes, em resposta, invocaram a falsidade das assinaturas apostas nos vários documentos apresentados (contrato de crédito, contrato de compra e venda e livrança dada à execução), requerendo a produção de prova pericial às assinaturas apostas nos mesmos; - a referida execução foi declarada extinta, ao abrigo do art.º 750, nº 2 do NCPC e subsequentemente foi proferida decisão de extinção dos embargos por inutilidade superveniente da lide; - os requerentes interpuseram recurso daquela decisão para o Tribunal da Relação do Porto, no qual foi mantida a decisão de extinção dos embargos, sem prejuízo dos mesmos poderem vir a prosseguir, caso a instância executiva se viesse a renovar; - em 2022, o requerente marido recebeu uma comunicação da requerida EMP01...-STC, SA, a informar que celebrado com a Banco 2... SARL, ao abrigo do Decreto Lei nº 453/99 de 5.11, um contrato de cessão de créditos e que, em cumprimento do dever legal de informação aos devedores previsto na Instrução do Banco de Portugal nº 17/2018, iria iniciar o reporte a esta entidade dos valores em divida associados ao crédito celebrado com a requerida Banco 1..., SA; - o requerente marido respondeu à requerida EMP01...-STC, SA, informando-a que o suposto crédito era litigioso; - apesar das requeridas terem conhecimento que o crédito era litigioso e que não podia ser objecto de cessão de créditos, a requerida EMP01...-STC, SA comunicou ao Banco de Portugal uma divida dos requerentes em incumprimento total do montante de € 8.101,47; e - a conduta das requeridas impediu e impede os requerentes de obter crédito bancário e ofende o nome e a honra dos requerentes. Foi proferido despacho liminar a julgar a providência improcedente pela verificação da excepção dilatória inominada de manifesta improcedência, nomeadamente, por falta de alegação de factos suficientes para fundamentar o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável. Interposto recurso pelos requerentes, foi, na sequência da admissão do mesmo, ordenada a citação das requeridas. A requerida Banco 1..., SA apresentou oposição, impugnando parcialmente os factos alegados pelos requerentes e invocando a celebração com os requerentes de um contrato de contrato de crédito; bem como que tal contrato não foi cumprido, tendo o mesmo sido resolvido e preenchida a livrança caução, a qual foi dada à execução. Mais invocou que cedeu tal crédito à sociedade Banco 2..., SARL em 2012; que tal cessão foi notificada aos requerentes e que quando esta cessão de créditos foi efectuada o crédito em causa ainda não era litigioso (os embargos de executado só foram deduzidos em 2013). E concluiu esta requerida dizendo que o reporte do incumprimento dos requerentes que efectuou entre 2003 e 2012 observou os normativos legais e não causou qualquer prejuízo aos ora requerentes, pugnando pela improcedência do procedimento cautelar. A requerida EMP01...-STC, SA também apresentou oposição, defendendo a existência da relação contratual com a requerida Banco 1..., SA e a validade das cessões de créditos (mormente por terem sido devidamente notificadas aos requerentes) e da regularidade da comunicação ao Banco de Portugal. Mais defendeu que o crédito não é litigioso e que os requerentes não alegaram factos reveladores de prejuízos susceptíveis de justificar a providência cautelar requerida. Terminou pugnando igualmente pela improcedência do presente procedimento cautelar. A requerida/recorrida EMP01..., SA apresentou ainda contra-alegações. Em 25.01.2024, foi proferido acórdão que revogou a decisão recorrida e determinou o prosseguimento dos autos e a prolação de despacho a convidar os requerentes a suprirem as insuficiências factuais do requerimento inicial quanto à fundamentação do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável. Tendo os requerentes sido notificados para procederem ao aperfeiçoamento do articulado inicial, nos termos ordenados pelo Tribunal da Relação, vieram os mesmos apresentar novo articulado, tendo sido exercido o competente contraditório pelas requeridas. Na sequência, o tribunal recorrido proferiu novamente despacho final, sem produção da prova oferecida pelas partes, tendo julgado improcedente a excepção de ineptidão do requerimento inicial e manifestamente improcedente a providência cautelar, por considerar que a factualidade alegada não era suficiente para fundamentar o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável. Os requerentes da providência interpuseram novamente recurso, tendo as requeridas oferecido as respectivas contra-alegações. Tal recurso foi também julgado procedente, por acórdão proferido em 16.05.2024, por se ter aí concluído que “os Requerentes alegaram os factos constitutivos da sua causa de pedir, tendo alegado os elementos fáticos necessários para integrarem o requisito do periculum in mora, nomeadamente com a concretização dos danos que o não-decretamento da providência lhes pode provocar. A situação descrita pelos Requerentes, a demonstrar-se, é merecedora de tutela jurídica, devendo assim ser determinado o prosseguimento dos termos do procedimento cautelar.”. Tendo prosseguido os termos do processo e realizada a audiência final, em 23.10.2024, foi proferida a seguinte decisão final: “I. Relatório AA, NIF ...23 e mulher BB, NIF ...32, residentes na Rua ..., freguesia ..., ... ... iniciaram um procedimento cautelar comum contra EMP01..., S.A, NIPC ...78, com sede na Avenida ..., ..., 1050-05- ... e Banco 1..., S.A, NIPC ...26, com sede em ..., Edifício ..., ..., ..., ... Porto ... peticionando (a) a notificação das requeridas para notificar o Banco de Portugal para eliminar de imediato a informação da Central de Riscos de Crédito transmitida pela EMP01..., S.A. quanto aos Requerentes, relativamente ao crédito de €8101,47, com incumprimento desde ../../2003 e (b) pagar aos requerentes a quantia de €50,00, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na comunicação do Banco de Portugal do ordenado na alínea anterior. Para tanto alegam, em suma, o seguinte: em 10/11/2003, foi intentada contra os requerentes uma acção executiva para pagamento de quantia certa, em que foi exequente a requerida Banco 1..., processo que correu os seus termos com o n.º 33364/03.4TJPRT; quando foram citados para a execução em 29/10/2003, os requerentes deduziram embargos de executado, impugnando o crédito reclamado; quando receberam a contestação aos embargos, os requerentes tomaram conhecimento dos documentos em poder da Banco 1... e que foram juntos com aquele articulado e, em resposta, invocaram a falsidade das assinaturas apostas nos vários documentos apresentados, requerendo uma perícia à assinatura; por despacho proferido em 12/02/2014 foi ordenado ao Sr AE para proceder à extinção da execução, nos termos previstos no art 750º, n.º 2 do Cód de Proc Civil, sem incluir os executados na lista pública de execuções, por terem deduzido o seu direito de defesa de forma tempestiva, sendo que tais embargos somente não prosseguiram por força da apontada inutilidade superveniente da lide; conforme ordenado, o Sr AE procedeu à extinção da execução; por outro lado, atenta a extinção da execução, os autos foram declarados extintos por inutilidade superveniente da lide; os autores/executados apresentaram recurso da decisão, por não ter sido conhecido o mérito da contestação apresentada, tendo o Tribunal da Relação do Porto confirmado a mesma por acórdão datado de 24/02/2015; mais alega que em 11/04/2022, o requerente marido recebeu uma carta da EMP01...-STC, S.A, na qual esta informou que, em cumprimento do dever legal de informação aos devedores previsto na Instrução do Banco de Portugal n.º 17/2018, iniciou o reporte a esta entidade dos valores em divida associados ao(s) crédito(s) da operação/contrato melhor identificado em epigrafe; a requerente mulher nunca foi notificada de qualquer informação por parte da EMP01...; o requerente marido respondeu opondo-se à participação do crédito à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, informando a EMP01... do facto de ter existido um processo judicial entre o Requerente e a Banco 1..., carta que não mereceu resposta da requerida; mais alegam que no decorrer do mês de Outubro, os requerentes pretenderam contrair um crédito imobiliário para aquisição de um imóvel, tendo o mesmo sido rejeitado por o seu nome constar do registo de centralização de responsabilidades no Banco de Portugal com um crédito da EMP01...- STC, S.A, no valor de €8101,47; considera que a inscrição do crédito na central de responsabilidades é ilegítimo por se tratar de um crédito litigioso, nem ser exigível, por ter sido reclamado num processo judicial declarado extinto; consideram estar a incorrer num prejuízo por estarem impedidos de aceder a financiamento para contrair um crédito imobiliário; assentam os seus pedidos no direito à honra e ao bom nome, previsto nos arts 26º da CRP e 70º do Cód Civil; terminam formulando os pedidos acima enunciados. O Banco 1... apresentou contestação tendo alegado, em suma, o seguinte: os requerentes, na qualidade de mutuários, celebraram em 13/02/2003 com o Banco 1..., SA um contrato de crédito no montante de €4214,84 para a aquisição de equipamentos para o lar; os mutuários comprometeram-se a pagar o capital mutuado em 48 prestações, mensais e sucessivas, de €87,80; mais alega que o contrato em causa não foi cumprido pelos requerentes, razão pela qual foi resolvido em 22/08/2003, tendo sido preenchida a livrança-caução, pelo montante de €4268,18 e aposta a data de vencimento de €05/09/2003; em 10/11/2003, o banco deu entrada com o processo executivo n.º 33364/03.4TJPRT; em 18/05/2012, por contrato de cessão de créditos, a requerida cedeu o crédito litigioso à sociedade Banco 2..., cessão essa que foi devidamente notificada aos requerentes mediante cartas registada com aviso de recepção datadas de 02/07/2012; com a cessão dos crédito, a requerida remeteu para a entidade gestora (EMP03..., S.A) toda a documentação referente aos processos judiciais em curso; o processo judicial extinguiu-se em 24/02/2015, em data muito posterior à cessão de créditos operada, tendo o processo executivo sido encerrado por inexistência de bens; a requerida mais refere ter efectuado o reporte à Central de Riscos de Crédito do Banco de Portugal entre 02/2003 e 05/2012, i.e: entre a data em que se registou o início do incumprimento e a data em que o Banco 1... cedeu o seu crédito sobre os requerentes à Banco 2..., durante o período em que os requerentes tinham uma dívida perante si; considera que estava obrigado a fazer a referida comunicação, por força do disposto nos arts 2º e 3º do Decreto-lei n.º 204/2008; mais invocam que à data da comunicação ao Banco de Portugal, o crédito não tinha a natureza de litigioso; termina peticionando a improcedência do procedimento cautelar. A requerida EMP01... apresentou contestação tendo alegado, em suma, o seguinte: em 13/02/2003, os requerentes celebraram com o credor originário, o Banco 1..., o contrato de crédito n.º ...25, pelo montante global de €4214,40, com vista a aquisição de um equipamento, a ser reembolsado em 48 meses, em prestações mensais de €87,80; mais alega que atento o incumprimento dos requerentes, em 05/09/2009, resolveu o contrato de crédito em causa, tendo os requerentes recebido as cartas de resolução; posteriormente, deu entrada com um processo executivo que correu os seus termos com os autos n.º 33364/03.4TJPRT, com vista à cobrança coerciva do montante de €4294,92, tendo como título executivo uma livrança; tendo os requerentes sido citados em 29/10/2013, a extinção foi extinta em 21/02/2014 por inexistência de bens, sem prejuízo da possibilidade de renovação automática; mais alega que por contrato de cessão de créditos assinado no dia 18/05/2012, o Banco 1... cedeu à Banco 2... o crédito que detinha sobre os requerentes, tendo procedido à notificação da cessão para a morada dos requerentes; posteriormente, a Banco 2... cedeu à ora requerida EMP01... – STC, S.A, os créditos de que era titular, cessão que foi comunicada aos requerentes em 02/06/2021 para a morada constante da procuração; refere ainda que a requerida procurou um entendimento com os requerentes, sendo que estes somente entraram em contacto com a requerida em 19/04/2022, após a primeira requerida informar os requerentes do registo da divida na Central de Responsabilidade do Banco de Portugal; considera ainda que a comunicação ao Banco de Portugal constitui uma obrigação legal e que o requerentes pretendem fazer valer nestes autos uma oposição aos embargos que nem sequer foi apreciada; termina peticionando a condenação dos requerentes enquanto litigantes de má-fé. * O objecto do litígio consiste em apurar se deve ser ordenada a notificação do Banco de Portugal para remoção da informação transmitida pela ré EMP01... quanto aos requerentes. São as seguintes as questões que ao Tribunal cumpre apreciar e decidir. a) Sobre a comunicação ao Banco de Portugal; b) Sobre a sanção pecuniária compulsória; c) Sobre a litigância de má-fé dos requerentes; * Posto isto, cumpre decidir-se: * II. Fundamentação de facto Com relevância para a decisão da causa, apuraram-se os seguintes factos: a) factos provados; 1. Em 13/02/2003, os requerentes celebraram com o Banco 1... um acordo escrito designado »contrato de crédito« ao qual foi aposto o n.º ...25, no montante de €4214,84, a ser reembolsada em 48 prestações mensais e sucessivas no valor de €87,80, por débito direto na conta bancária indicada pelos Mutuários do Banco 3... ...0 com o fito de adquirir equipamentos para o lar, sendo fornecedor do bem a empresa EMP04..., Lda. 2. Em cumprimento do clausulado contratual, o Banco 1... entregou a quantia mutuada ao fornecedor do bem. 3. O acordo escrito referido em 1) não foi cumprido pelos requerentes, pelo que o mesmo foi resolvido em 22/08/2003, nos termos e para os efeitos do disposto na clausula 14ª das condições gerais do contrato de financiamento, tendo sido preenchida a livrança de caução do mesmo pelo montante de €4268,18 e aposta a data e vencimento de 05/09/2003. 4. Mediante acordo escrito designado »contrato de cessão de créditos« assinado no dia 18/05/2012, o Banco 1..., SA, cedeu à sociedade Banco 2... o crédito que detinha sobre os requerentes em consequência do acordo escrito referido e 1). 5. A notificação aos requerentes da cessão foi remetida para »R ..., ... ... ...«, idêntica à morada constante do acordo escrito referido em 1). 6. Mediante acordo escrito designado »contrato de cessão de créditos« assinado no dia 16/07/2021, a Banco 2... cedeu à requerida EMP01... – STC, S.A o crédito que detinha sobre os requerentes em consequência dos acordos escritos referidos e 1) e 5). 7. A notificação aos requerentes da cessão foi remetida para »R ..., ... ... ...«, idêntica à morada constante do acordo escrito referido em 1), sendo que a carta veio devolvida. 8. Em 10/11/2003, a requerida Banco 1... deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Execução do Porto - Juiz ..., 1ª secção, uma acção executiva para pagamento de quantia certa que foi autuada com o n.º 33364/03.4TJPRT, com vista à cobrança coerciva do montante de €4294,92 e cujo título executivo foi uma livrança com o nº ...12. 9. Os requerentes foram citados para a acção referida em 8) em 29/10/2013. 10. Após a citação, os requerentes deduziram embargos de executado, tendo alegado, i.a: (a) a nulidade da citação, (b) a ineptidão do requerimento executivo, (c) a prescrição da obrigação cambiária, (d) a nulidade da relação material subjacente e do contrato e (e) a inexistência do título executivo. 11. Quando receberam a contestação aos embargos os requerentes tomaram conhecimento dos documentos em poder da Banco 1... e que foram juntos com aquele articulado e, em resposta, invocaram a falsidade das assinaturas apostas nos vários documentos apresentados, em particular, no contrato de crédito, no contrato de compra e venda e na livrança executada, requerendo que fosse efetuada a prova pericial às assinaturas apostas nos documentos. 12. Foram levadas a cabo diversas diligências de penhora, as quais se mostraram infrutíferas. 13. Em face da informação constante em 12), mediante despacho datado de 12/02/2014, o Mmº Juiz titular dos autos n.º 33364/03.4TJPRT determinou ao Sr AE que procedesse à extinção da instância executiva por inexistência de bens penhoráveis, nos termos previstos no art 750º, n.º 2 do Cód de Proc Civil, sem inclusão dos requerentes na lista pública de execuções, por terem exercido o seu direito de defesa tempestivamente. 14. Mediante despacho datado de 21/02/2014, o Sr AE veio proceder à extinção da instância executiva, nos termos previstos no art 750º, n.º 2 do Cód de Proc Civil. 15. Mediante sentença datada de 27/02/2014, o Mmº Juiz titular dos autos n.º 33364/03.4TJPRT extinguiu a instância executiva por inutilidade superveniente da lide; lê-se na referida sentença o seguinte: »…atendendo a que a instância executiva foi declarada extinta pelo Sr Agente de Execução ao abrigo do disposto no artigo 750 n.º 2 do C.P.Civil - por falta de indicação de bens penhoráveis no prazo previsto nesse normativo - a presente lide deixou de ter viabilidade para prosseguir, na medida em que ficou despida de objeto processual - sem execução a presente lide perdeu a sua razão de ser, já que visava precisamente conduzir à extinção, total ou parcial, da execução. (vide art. 732º, nº 4 do C.P. Civil). Note-se que não serão imputadas as custas a qualquer das partes visto que o motivo da extinção desta lide por impossibilidade superveniente não lhes é imputável e resulta da extinção da execução levada a cabo pelo Sr. AE nos termos acima referidos. Nestes termos e ao abrigo do disposto no arts 277º, al. e), 451, nº 1 e 732 nº 4 do C.P.Civil, julgo extinta a presente instância por impossibilidade superveniente da lide« 16. Os requerentes interpuseram recurso da decisão referida em 15), peticionando a revogação da decisão e que fosse ordenado o prosseguimento dos autos de embargo de executado, a fim de ser proferida decisão de mérito. 17. O recurso referido em 16) veio a ser julgado improcedente, sendo a sentença confirmada; lê-se no referido acórdão o seguinte: »…é certo que da decisão de mérito proferida nos embargos à execução resulta ainda um efeito de caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda, que pode, em caso de procedência dos embargos, assumir interesse relevante para o executado. Trata-se, aqui, porém, de um efeito reflexo ou subordinado daquele efeito principal de extinção da execução. Encontrando se a execução já extinta, nenhuma utilidade advém da prossecução dos embargos em sede de instância executiva. Renovando-se esta, recuperarão os embargos todas as suas virtualidades, impondo se, então, o respectivo prosseguimento em paralelo com o processo de execução.« 18. O Banco 1... efectuou o reporte à Central de Riscos de Crédito do Banco de Portugal (CRC) entre 02/2003 e 05/2012, i.e: entre a data em que se registou o início do incumprimento (ponto 3) e a data em que o Banco 1... cedeu o seu crédito sobre os requerentes à Banco 2... (ponto 4). 19. Em 11/04/2022, o requerente marido recebeu uma carta remetida pela ré EMP01...-STC, S.A a informar o reporte à Central de Responsabilidade de crédito do Banco de Portugal dos valores em dívida por conta do acordo escrito referido em 1), nos seguintes termos: »Fazemos referência ao contrato celebrado ao abrigo do Decreto Lei n.º 453/99 de 5 de Novembro … que estabelece o regime das cessões de crédito para efeitos de titularização, celebrada em 16 de Março de 2021, no qual Banco 2... SARL cedeu à sociedade EMP01... STC, S.A (a EMP01...) que aceitou essa cessão, o crédito(s) decorrentes da operação/contrato acima referidos celebrado com V.Exa. Nestes termos, vem a EMP01..., na qualidade de participante da Central de Responsabilidade de crédito do Banco de Portugal, pela presente, informar V. Exa que, em cumprimento do dever legal de informação aos devedores previsto na Instrução do Banco de Portugal nº 17/2018, iniciará o reporte a esta entidade dos valores em divida associados ao(s) crédito(s) da operação/contrato melhor identificado em epigrafe. Mais informamos que, neste contexto e com base no cumprimento da referida obrigação legal, iremos disponibilizar os seus dados de identificação e valores em divida ao Banco de Portugal, os quais serão tratados por esta entidade nos termos legalmente previstos«. 20. A requerente mulher nunca foi notificada reporte à Central de Responsabilidade de crédito do Banco de Portugal dos valores em dívida por conta do acordo escrito referido em 1). 21. Por carta datada de 26/04/2022, o requerente marido respondeu à EMP01...-STC - S.A, manifestando a opinião de que o pretenso crédito de que esta era titular não podia ser participado à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, informando a EMP01... do facto de ter existido um processo judicial entre o Requerente e a Banco 1..., juntando cópia do despacho judicial de 2014.02.12 supra aludido. 22. A EMP01...-STC - S.A não respondeu à carta referida no ponto anterior. 23. Em virtude de terem a comunicação de crédito em incumprimento no Banco de Portugal desde ../../2003, feita pela EMP01..., os requerentes estão impedidos de recorrer a financiamento bancário para aquisição de habitação. b) factos não-provados; 24. Que quer o Banco 1..., quer a EMP01..., tenham tentado regularizar a situação com os requerentes, realizando várias chamadas telefónicas para o efeito. c) análise crítica da prova; O Tribunal assentou a sua convicção numa análise crítica de toda a prova produzida, tendo valorado o depoimento de parte dos requerentes, as declarações de parte do requerente, os depoimentos das testemunhas, bem como a documentação constante dos autos. Assim no tocante aos factos provados: - (pontos 1, 2, 3) o Tribunal valorou a documentação junta pelas requeridas nas suas oposições, a saber, o contrato de crédito, a declaração de entrega do bem, as cartas de comunicação da resolução e de preenchimento da livrança, comprovativos de recepção das cartas (docs 1, 2, 3, da contestação da requerida Banco 1... e docs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 8, 9, da contestação da ré EMP01...); o Tribunal mais valorou o depoimento da testemunha CC, funcionária da requerida Banco 1..., a qual descreveu os termos do contrato, as condições de pagamento, o incumprimento, a comunicação de resolução e o preenchimento da livrança; o Tribunal valorou o depoimento desta testemunha por ter deposto com conhecimento directo dos factos, por exercer funções no contencioso da Banco 1..., tratando da parte documental dos processos de crédito. Em contrapartida, desvalorizou as declarações de parte do requerente, na parte em que refere nunca ter assinado nada com a Banco 1... e de ter havido uma falsificação da assinatura do contrato, bem como por nunca ter recebido qualquer documentação, por ser absolutamente inverosímil: com efeito, sem prova pericial, não se pode fazer prova de uma falsificação de assinatura (caso contrário bastaria a simples alegação de falsificação de assinatura para se evadir de responsabilidades creditícias, em particular nestes contratos de adesão em massa) e o avisos de recepção junto como doc 6 da contestação da ré EMP01... mostra-se assinado por ele, pelo que a versão que apresentou em Tribunal mostra-se totalmente inverosímil, no confronto com outros elementos probatórios. - (pontos 4, 5, 6, 7) o Tribunal valorou aqui a documentação junta pelas requeridas, a saber, o contrato de cessão e a notificação das cessões juntas como doc 4, 5, 6, da contestação da ré Banco 1... e docs 13, 14, 16, 17; mais valorou o depoimento da testemunha CC, na parte referente à primeira cessão de créditos (tendo a mesma acrescentado que deixou de ter contacto com o processo desde então, o que apenas reforça a credibilidade do seu depoimento, pois limitou-o à parte em que teve contacto directo com a documentação), bem como da testemunha DD, na parte relativa à segunda cessão de créditos, para a credora actual, o qual relatou o procedimento de notificação ao devedor da cessão de créditos. - (pontos 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17) o Tribunal formou a sua convicção inteiramente com base na documentação junta pelas partes, a saber, a petição de embargos de executado, a resposta à contestação, o despacho para o Sr AE proceder à extinção da execução, os despachos do sr AE a informar da inexistência de bens penhoráveis e a proceder à extinção da execução, a sentença a extinguir os autos por inutilidade superveniente da lide, as alegações de recurso, o acórdão do TRP (docs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 da p.i; docs 10, 11, 12 da contestação da ré EMP01...). - (ponto 18) o Tribunal valorou aqui o depoimento da testemunha CC, funcionária da Banco 1..., a qual confirmou expressamente o reporte em data anterior à cessão do crédito, acrescentando que o banco encontrava-se obrigado ao mesmo. - (pontos 19, 20, 21, 22) o Tribunal valorou aqui a documentação junta pelas partes nos articulados, a saber, a comunicação da central de crédito e a resposta dos requerentes, (docs 10 e 11 da p.i e 18 da contestação da ré EMP01...); mais valorou as declarações de parte do requerente-marido, em relação à falta de notificação da requerente-mulher, na medida em que a ré EMP01... não juntou prova documental da notificação da requerente-mulher, conforme se encontrava obrigada, ao abrigo das regras do ónus da prova (art 342º do Cód Civil), bem como à ausência de reposta da ré EMP01.... - (ponto 23) o Tribunal valorou as declarações de parte do requerente, conjuntamente com as simulações de crédito e informações do Banco de Portugal juntas como docs 12, 13, 14 juntos com a p.i * No tocante aos factos não-provados, o Tribunal considerou-os nessa qualidade por não se ter produzido qualquer prova credível a respeito deles.- (ponto 24) nenhuma prova se fez da tentativa de regularização do crédito. * III. Fundamentação de Direito a) Sobre a comunicação ao Banco de Portugal; Com o seu primeiro pedido, os requerentes pretendem a notificação das requeridas para notificar o Banco de Portugal para eliminar de imediato a informação da Central de Riscos de Crédito transmitida pela EMP01..., S.A. quanto aos Requerentes, relativamente ao crédito de €8101,47, com incumprimento desde ../../2003. Antes de analisarmos a pretensão dos requerentes, convém rever os pressupostos do decretamento de uma providência cautelar comum. Em primeiro lugar, as providências cautelares cíveis podem ser conservatórias ou antecipatórias; conforme se lê no art 362º, n.º 1 do Cód de Proc Civil »sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu crédito, pode requerer providencia conservatória ou antecipatória concretamente adequada à efectividade do direito ameaçado«. As conservatórias visam acautelar o efeito útil da acção principal, assegurando a permanência da situação que se verificava quando se desplotou o litígio a resolver na acção ou quando da verificação de periculum in mora; as antecipatórias visam precipitar a realização de um direito que previsivelmente será reconhecido na acção principal e será objecto de execução (cfr o Douto acórdão do TRL de 07/02/2013 (2416/12.0TVLSB.L1-8)). O efeito conservatório derivado do decretamento e execução destas providências é detectado, com toda a clareza, no arresto, no qual o tribunal determina a apreensão de bens. As providências cautelares estão necessariamente dependentes de uma acção, i.e: pendente ou a intentar, posteriormente ao decretamento da providência, acautelando ou antecipando provisoriamente os efeitos da providência definitiva, na pressuposição de que venha a ser favorável ao requerente a decisão a proferir no processo principal. A concessão de tutela cautelar impõe-se naqueles casos em que a falta de uma decisão imediata, ainda que provisória, seja susceptível de causar prejuízos graves. Nos termos do art. 368º, n.º 1 do Cód de Proc Civil »a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre fundado o receio da sua lesão«. Assim, para o decretamento das providências basta que sumariamente (summaria cognitio), se conclua pela séria probabilidade da existência do direito invocado (fumus bonis iuris) e pelo justificado receio de que a natural demora na resolução definitiva do litígio cause prejuízo irreparável ou de difícil reparação (perigo de insatisfação desse direito). Tal determina a necessidade de que exista um certo juízo positivo por parte do juiz de que o resultado do processo principal será provavelmente favorável ao autor, o que não deve conduzir a resultados indesejáveis de só ser adoptada uma medida cautelar quando o juiz adquira a convicção absoluta de que a pretensão do autor irá proceder. O periculum in mora constitui o elemento característico que distingue as restantes providencias das cautelares, que representa a finalidade da providência e se prende com o caracter de urgência na apreciação. Para evitar que o dano causado pela inobservância do direito seja agravado pela demora inevitável da decisão de mérito, pre-ordenando-se precisamente a actividade cautelar, a qual, enquanto espera pelo julgamento definitivo destinado a fazer observar o direito, emite providências que antecipam provisoriamente os efeitos da decisão final. A apreciação judicial terá que ser feita no sentido de averiguar se realmente ocorre o risco iminente de lesão, que justifique uma providência imediata destinada a afastar o perigo da demora da decisão definitiva Não podem, apesar disso, as medidas conduzirem a resultados definitivos, pois só se cumpre uma função preventiva. Isto posto: Em primeiro lugar, passando para o enquadramento dos pressupostos das providências cautelares, os requerentes pretendem que o seu nome seja removido da central das responsabilidades de crédito considerando, em suma, que o crédito tem natureza litigiosa, não podendo ser objecto de cessão, ao abrigo do disposto no art 4º, n.º 1, al. c) e d) do Decreto-Lei n.º 453/99 de 05/11 e por ter sido declarado extinto nos autos n.º 33364/03.4TJPRT. No que diz respeito à natureza litigiosa do crédito, o sentido utilizado no art 4º, n.º 1, al. c) e d) do Decreto-Lei n.º 453/99 de 05/11 é idêntico ao utilizado no art 579º, n.º 3 do Cód Civil; contudo, a circunstância de o crédito se encontrar em litígio não impede a sua cessão, visto que quando a cessão for feita ao credor em cumprimento do que lhe é devido (art 581º, al.c) do Cód Civil), o que é o caso, visto que ambas as cessionárias são sociedades financeiras e a cessão de crédito decorreu de um contrato entre ambas; termos em que nada há a obstar à cessão em causa. Por outro lado, os autores aparentam pretender extrair da extinção da execução nos autos n.º 33364/03.4TJPRT a conclusão de que não são devedores da quantia peticionada, o que não corresponde à realidade; com efeito, conforme decorre da matéria de facto provada, os autos executivos foram extintos por inutilidade superveniente da lide em consequência de não se terem detectado bens penhoráveis, ao abrigo do disposto nos arts 750º, n.º 2 e 849º, n.º 1, a.c) do Cód de Proc Civil; embora os requerentes/executados se tenham oposto à mesma, pois consideram não serem devedores da quantia peticionada, a realidade é que a sentença que declarou os autos extintos, confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, deixou por apreciar os fundamentos da oposição à execução deduzida pelos requerentes; o Tribunal nunca se pronunciou sobre a existência da dívida mas somente sobre da execução, pelo que a dívida mantém-se. Nestes termos, dá-se aqui a curiosa circunstância a extinção da acção executiva ter funcionado contra os interesses dos requerentes, pois se os libertou da acção executiva, não os libertou da dívida, tendo deixado os fundamentos da oposição à execução por apreciar, sendo que um procedimento cautelar não constitui a sede própria para esse efeito – cfr pontos 8 a 17. Ora na medida em que a acção executiva nunca se pronunciou sobre a existência da dívida, a mesma mantém-se; por outro lado, ao contestar a dívida, os requerentes implicitamente admitem que não a pagaram, pelo que não existem fundamentos para, sumariamente (summaria cognitio), se concluir pela séria probabilidade da existência do direito invocado (fumus bonis iuris). Não havendo fumus bonis iuris fica prejudicado o conhecimento do periculum in mora. Termos em que o procedimento cautelar tem que ser julgado improcedente. * b) Sobre a sanção pecuniária compulsória; Tendo improcedido o pedido principal, inexistem fundamentos para condenação em sanção pecuniária compulsória (art. 829-Aº do Cód Civil). (…) IV. Dispositivo Termos em que o Tribunal: 1. Julga o presente procedimento cautelar totalmente improcedente, absolvendo as requeridas do peticionado; 2. Absolve os requerentes do pedido de condenação enquanto litigantes de má-fé; Custas pelos requerentes (art. 539º, n.º 1 do Cód de Proc Civil). Registe e notifique.”. Inconformados com tal decisão, vieram os requerentes interpor o presente recurso de apelação, concluindo as suas alegações de recurso nos seguintes termos: “1. A matéria de facto dada como assente pelo Tribunal a quo, não pode manter-se nos exatos moldes em que foi decidia, o que é imposto por uma análise critica e cuidada dos vários documentos juntos com os articulados das partes. 2. Os pontos 1º, 2º e 3º da matéria de facto respeitam a matéria controvertida, que foi objeto do processo executivo nº 33364/03.4TJPRT que correu termos no Tribunal da Comarca do Porto - Juízo de Execução 2, processo que se mostra extinto, nos termos do artº 750 nº 2 do C.P.Civil, e deviam ter merecido uma resposta oposta à que foi dada com base nos documentos 1 a 9 da petição inicial, factos que se mostram até em contradição com o disposto nos pontos 10, 11, 13, 14, 15 e 17 da matéria de facto provada na sentença recorrida. 3. A impugnação da autenticidade das assinaturas atribuídas aos Recorrentes e apostas nos documentos juntos pela Banco 1... (contrato de crédito, contrato de compra e venda e livrança) invocada no apenso de embargos de executado, faz impender sobre a Banco 1... o ónus da prova da autenticidade das assinaturas, conforme disposto no artº 374, nº 2 do Cód. Civil. 4. Não tendo sido feita qualquer diligência de prova nos embargos sobre a autenticidade das assinaturas dos embargantes, tendo a execução sido declarada extinta por culpa da exequente Banco 1... que não indicou bens à penhora, não pode o Tribunal a quo considerar a validade de tais contratos e daí partir para a consideração de que a dívida dos Recorrentes para com a Banco 1... existe. 5. Estava vedado ao Tribunal a quo fazer este juízo de valor contrário aos interesses dos Recorrentes, uma vez que, em sede de embargos de executado não se fez qualquer diligência de prova sobre a autenticidade das assinaturas dos Recorrentes, nem nos presente autos de procedimento cautelar foi feita qualquer prova nesse sentido, nem tal era objeto do presente processo. 6. A factualidade constante dos documentos que possuem as assinaturas falsificadas não pode ser usada contra os Recorrentes e, como tal, não pode o Tribunal valorar e dar como provados os factos que constam dos pontos 1), 2) e 3), da matéria de facto dada como provada, partindo do pressuposto que tais documentos foram assinados pelos Recorrentes, devendo tais factos passar a fazer parte da matéria de facto dada como não provada. 7. Os pontos 5.º e 7.º da matéria de faco provada não podem ser mantidos como factos provados ou deles podem ser retiradas as consequências jurídicas que a sentença em crise adotou. 8. Nos embargos deduzidos os Embargantes e aqui Recorrentes invocaram a falsidade das assinaturas do contrato de crédito, do contrato de compra e venda e da livrança, sendo certo que, por tal motivo, não tiveram os Recorrentes qualquer participação na respetiva elaboração dos documentos e dado o seu acordo à vinculação quanto ao seu conteúdo com a aposição da sua assinatura. 9. O Tribunal a quo não pode retirar quaisquer consequências jurídicas em desfavor dos Recorrentes com base nesses mesmos documentos, designadamente, a fixação de morada ou a convenção de domicílio para efeitos de envio da correspondência. 10. Foi alegado pelos Recorrentes que desconheciam a cessão de créditos referida pela Recorrida EMP01...-STC, S.A, pois nunca receberam qualquer comunicação nesse sentido, designadamente, as cartas a que se reportam os documentos nº 13 e 14 juntos aos autos com a oposição da Recorrida EMP01..., já que estas cartas ali referidas e supostamente dirigidas aos Recorrentes nunca foram por estes recebidas em virtude da morada nelas aposta ser insuficiente ou estar errada. 11. A Recorrente mulher BB nunca residiu na “Rua ...., ... ...” (cfr doc. 14 da EMP01...) e a carta enviada ao Recorrente marido AA com a morada “R ..., ..., ... ...” foi devolvida com a menção de “Lido à posta desconhecido” (cfr. doc. 15 da EMP01...). 12. A única notificação efetivamente recebida por parte do Recorrente marido, e que faz referência à existência de uma cessão de créditos efetuada em 16.03.2021 foi a carta de 11.04.2022 (cfr doc. 10 junto com a p.i.), a qual contém já a morada correta e completa do Recorrente. 13. A morada constante das comunicações alegadamente enviadas pelo Banco 1... e que consta dos documentos juntos aos autos por esta, sob os n.ºs 5 e 6, era insuficiente para permitir a respetiva entrega aos destinatários, sendo que, as referidas comunicações nunca foram recebidas pelos Recorrentes. 14. Nem se pode tomar na devida conta e julgar que a morada que consta destes documentos é a morada que foi indicada pelos Recorrentes no contrato de crédito, pois, mais uma vez recordamos, os Recorrentes não assinaram quaisquer contratos e a sua assinatura neles aposta foi falsificada, pelo que não se podem vincular ao que quer que seja. 15. As únicas cartas que os Recorrentes receberam da Banco 1..., correspondem aos documentos nº 2, 3, juntos com a oposição desta Recorrida, que são os mesmos documentos nº 4, 5, 6, 7, 8, juntos com a Oposição da EMP01..., documentos que, não obstante terem sido enviados em agosto de 2003 contêm a morada correta e completa dos Recorrentes. 16. Face a toda esta factualidade, podia e devia o Tribunal recorrido ter considerado como provado que o Banco 1... em agosto de 2003 sabia a morada completa e correta dos Recorrentes, tal como expressamente resulta dos documentos 2 e 3 juntos com a Oposição, sendo que, as notificações posteriormente por este remetidas aos Recorrentes nunca chegaram ao conhecimento destes em virtude de a morada aposta ser insuficiente. 17. Os Recorrentes, impugnaram o conteúdo dos documentos n.º 4º, 5.º e 6.º juntos com a oposição do Banco 1..., S.A., bem como, os docs 3º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13.º e 14.º juntos com a oposição da recorrida EMP01...- STC, S.A. pois tais comunicações nunca chegaram ao seu conhecimento. 18. O carimbo que consta no envelope com a expressão “Lido à posta desconhecido” (cfr doc. 15 da Oposição da EMP01...) é aposto pelo distribuidor postal quando por engano do remetente, o endereço está incompleto ou não é conhecido do carteiro encarregado da distribuição ou o destinatário é desconhecido na morada, em que o nome do destinatário é lido para todos os carteiros. 19. O Tribunal recorrido não podia ter dado como provado que os recorrentes foram notificados das cessões de créditos ocorridas, designadamente, as cessões referidas nos pontos 4 e 6 da matéria de facto dada como provada, uma vez que, apenas tomaram conhecimento do conteúdo da carta remetida pela Recorrida EMP01... em 11-04-2022 a qual, atente-se, apesar de ter sido enviada unicamente para o Recorrente marido, já contém novamente a morada correta e completa dos Recorrentes. (doc. 16 da oposição da EMP01... e doc. 10 da p.i.). 20. Da conjugação da prova documental junta aos autos pelos Recorrentes e Recorridas, deve ser decidido que os Recorrentes não foram notificados das cessões de créditos a que se alude nos pontos 4 e 6 da matéria de facto, pelo que, devem os pontos 5 e 7 desta matéria ser alterados em conformidade, dando-se os mesmos como não provados, ou quando muito, considerar-se que as cartas enviadas para os Recorrentes para notificação dos contratos aludidos em 4 e 6 foram devolvidas ao remetente pelo facto de a morada nelas aposta ser insuficiente ou estar errada. 21. Quanto aos efeitos da cessão de créditos, prescreve o artº 6º, nº 1 do Dec. Lei 453/99 de 5/11 que a eficácia da cessão para efeitos de titularização em relação aos devedores fica dependente de notificação, acrescentando o nº 2 do mesmo artigo que a notificação pode ser efetuada por carta registada com aviso de receção. 22. Resulta do exposto que nenhum dos contratos de cessão de créditos foi notificado aos Recorrentes, nos termos previstos no normativo citado, razão pela qual nenhum deles lhe pode ser oponível aos Recorrentes ou produzir os pretendidos efeitos com vista à titularização dos créditos junto do Banco de Portugal. 23. No caso concreto, verificam-se todos os fundamentos para que o Tribunal recorrido tivesse concluído pela séria probabilidade da existência do direito invocado pelos Recorrentes, bem como, para concluir pelo periculum in mora. 24. Com a extinção da instância executiva decretada no processo n.º 33364/03.4TJPRT cessam todos os efeitos processuais e substantivos da pendência da ação, logo, cessa o direito subjetivo processual do exequente contra o executado, significando que, a divida reclamada, enquanto permanecer extinção da instância, é como se não existisse, fica em estado latente. 25. No que aos autos diz diretamente respeito, a extinção da ação executiva (cfr ponto 15.º dos factos provados) extinguiu, consequentemente, o crédito exequendo na mesma reclamado, sendo que, tal como consta do ponto 17.º dos factos provados “encontrando-se a execução já extinta, nenhuma utilidade advém da prossecução dos embargos em sede de instância executiva. Renovando se esta, recuperarão os embargos todas as suas virtualidades, impondo-se então, o respetivo prosseguimento em paralelo com o processo de execução.” 26. Não pode o Tribunal considerar e decidir manter contra os Recorrentes a existência e a validade do pretenso crédito, uma vez que, os Recorrentes invocaram a falsidade das suas assinaturas apostas nos documentos, à data, em poder da Banco 1... (contrato de crédito, contrato de compra e venda e livrança). 27. A impugnação da autenticidade das respetivas assinaturas inverte o ónus da prova, nos termos do artº 374, nº 2 do Cód Civil, fazendo impender sobre a Recorrida Banco 1..., ou a titular atual do crédito, a prova cabal da autenticidade das assinaturas, o que nos presentes autos não foi feito, nem competia fazer. 28. Não podia a sentença em crise pronunciar-se ou considerar que, pelo facto de os embargos deduzidos não terem sido apreciados quanto ao seu mérito e substância e ao contestarem a divida reclamada, admitindo que a não pagaram, não existem fundamentos para sumariamente se concluir pela séria probabilidade da existência do direito invocado. 29. Os Recorrentes invocaram claramente e por fundamentos vários que a dívida não existe, quer pelas múltiplas invalidades que são imputadas à relação material subjacente, que conduzem à sua nulidade, quer por força da falsificação da assinatura aposta nos contratos de crédito e de compra e venda e da própria livrança dada à execução, o que não pode vincular os Recorrentes ao respetivo conteúdo. 30. O julgador a quo podia e devia, de forma segura, verificar que “existem fundamentos para sumariamente (summaria cognitio) concluir pela séria probabilidade da existência do direito invocado (fummus bonis iuris) e conhecer do requisito do periculum in mora.”. 31. Quanto à eficácia das cessões de créditos não podia o Tribunal recorrido ter considerado a verificação de eficácia das cessões de crédito referidas em 4.º e 6.º dos factos provados em relação à pessoa dos Recorrentes. 32. O Tribunal recorrido, por força da alegação da falsidade das assinaturas já aludida, devia ter considerado inadmissíveis as cessões de crédito efetuadas para efeitos de titularização de créditos junto do Banco de Portugal, por violação do disposto no artº 4º, al.s c) e d) do Dec. Lei 453/99 de 5/11 com a redação em vigor à data das cessões, uma vez que o crédito é inexistente e não é exigível e por se tratar de um crédito litigioso. 33. Da mesma forma, pelo facto de os Recorrentes nunca terem sido notificados das cessões de crédito efetuadas pelas Recorridas, facto que a lei obriga, as cessões de créditos não produziram efeitos em relação aos Recorrentes, não podendo a titularização dos créditos ser comunicada ao Banco de Portugal, nos termos do artº 6 do DL 453/99 de 5/11. 34. Face à factualidade aludida, devia o Tribunal recorrido ter considerado que as cessões de crédito efetuadas pelas Recorridas e referidas em 4) e 6) dos factos provados, não podiam ser objeto de transferência ou de cessão para efeitos de titularização de créditos junto do Banco de Portugal por se tratar de um crédito inexistente e inexigível e se tratar de um crédito litigioso. 35. O crédito referido no ponto 1) dos factos dados como provados, aquando da cessão do crédito efetuada pelo Banco 1... à Banco 2... SARL - ponto 4.º dos factos provados não existia e era um crédito litigioso. 36. Na data de 16/07/2021 aquando da cessão de créditos entre a Banco 2... SARL e a EMP01...-STC, S.A. também estes requisitos, da não existência do crédito e o facto de ser litigioso, se verificavam, pelo que, nunca o crédito reclamado podia ser transmitido para efeitos de titularização junto do Banco de Portugal. 37. Nos termos do disposto no artº 4, nº 1, al.s c) e d) do Dec. Lei. Nº 453/99 de 5/11, só podem ser objeto de transferência ou de cessão para titularização os riscos ou créditos, vencidos e vincendos, em relação aos quais se verifiquem cumulativamente, entre outros, os seguintes requisitos: c) Seja garantida pelo cedente a respetiva existência e exigibilidade; d) Não serem litigiosos. 38. A informação constante do Banco de Portugal transmitida pela Recorrida EMP01... quanto aos Recorrentes causa-lhes um prejuízo atual e permanente nas suas vidas, que os constrange na sua liberdade de decisão do ponto de vista patrimonial, por um lado e, por outro lado, do ponto de vista do seu bom nome, honra e consideração pessoais, situação de facto que, aliás foi já defendida nos dois arestos anteriormente proferidos nos presentes autos pelo Tribunal de Relação de Guimarães. 39. O facto de os Recorrentes se encontrarem impedidos de recorrer ao financiamento ou crédito através de qualquer instituição e, ainda, o facto de terem o seu bom nome, reputação e credibilidade afetados com uma atuação ilegal de uma instituição de crédito que está a comunicar ao Banco de Portugal uma informação que, para além de ser falsa, não pode legalmente ser comunicada a (facto de que lhes foi dado conhecimento expresso), constitui sem margem para dúvidas uma violação séria e grave de um direito dos Recorrentes. 40. O direito ao bom nome, honra e consideração pessoais, enquanto direitos de personalidade, são direitos absolutos, oponíveis erga omnes, e de aplicação direta e imediata, merecendo, por isso, o respeito universal, de acordo com o artigo 18º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, sendo reconhecido no artigo 70º do Código Civil, o direito de qualquer pessoa, à proteção contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, reconhecendo-se ao ofendido a legitimidade para requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, seja para evitar a consumação da ameaça, seja para atenuar os efeitos da ofensa já cometida. 41. Não podem os Recorrentes concordar com a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, uma vez que, existem fundamentos para se concluir, e não só de forma sumária, pela existência do direito que reclamam os recorrentes (fumus bonis iuris) e pelo periculum in mora. 42. A decisão em crise ser revogada, entre outros, por violação do disposto nos artº 362.º e 662.º do CPC, artºs 374, nº 2 e 583 do Código Civil e dos artºs 4, nº 1, al.s c) e d) e artº 6 do Dec. Lei. Nº 453/99 de 5/11.”. Não foram apresentadas contra-alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir. * II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir * O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal). * No caso vertente, as questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes, são as seguintes:- se se verifica erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto, nomeadamente, quanto aos pontos 1. a 3., 5. e 7. do elenco dos factos provados; - do erro de direito quanto à falta de preenchimento dos pressupostos processuais de que depende a providência objecto dos autos. * III. Fundamentação* 3.1. Fundamentos de facto Com interesse para a decisão relevam as incidências fáctico-processuais que se evidenciam no relatório supra, bem como o teor da decisão recorrida que acima transcrevemos e que aqui damos por integralmente reproduzida. * 3.2. Apreciação do mérito do recurso3.2.1. Do erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto A impugnação da decisão sobre a matéria de facto está expressamente consagrada e regulada no código de processo civil actualmente vigente, nomeadamente nos seus art.ºs 640º e 662º. Nos termos do disposto no art.º 662º, nº 1, do NCPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Todavia, é jurisprudência pacífica que a Relação não deve reapreciar a matéria de facto se a alteração pretendida não tiver qualquer relevância jurídica, isto é, se for inócua para a decisão da causa, se for insusceptível de fundamentar a sua alteração, sob pena de levar a cabo uma actividade processual inútil que, por isso, lhe está vedada pela lei (art.º 130º do NCPC). Neste sentido, afirma-se o seguinte no ac. da RC, de 16.02.2017 (processo nº 52/12.0TBMBR.C1, disponível em www.dgsi.pt): “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.”. Ainda no mesmo sentido, se pronunciou no ac. da RL, de 26.09.2019 (processo nº 144/15.4T8MTJ.L1-2 e também acessível in www.dgsi.pt). Igualmente no mesmo sentido se pronunciou este Tribunal da Relação de Guimarães, no seu ac. de 11.11.2021 (processo nº 671/20.1T8BGC.G1 e acessível in www.dgsi.pt) que “[n]ão se deve proceder à reapreciação da matéria de facto quando a alteração nos termos pretendidos pelos Recorrentes, tendo em conta as específicas circunstâncias em causa, não tenha qualquer relevância jurídica, sob pena de, assim não sendo, se estarem a praticar atos inúteis, que a lei não permite.”. Também o Supremo Tribunal de Justiça sufraga esta jurisprudência, afirmando o seguinte no seu ac. de 14.07.2021 (processo nº 65/18.9T8EPS.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt): “Se o facto que se pretende impugnar for irrelevante para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis, não há qualquer utilidade naquela impugnação da matéria de facto, pois o resultado a que se chegar (provado ou não provado) é sempre o mesmo: absolutamente inócuo. O mesmo é dizer que só se justifica que a Relação faça uso dos poderes de controlo da matéria de facto da 1ª instância quando essa actividade da Relação recaia sobre factos que tenham interesse para a decisão da causa, ut artº 130º do CPC. Quando assim não ocorre, a Relação deve abster-se de apreciar tal impugnação.”. E é, precisamente, o que ocorre no caso vertente. Com efeito, os recorrentes insurgem-se contra a decisão proferida relativamente à factualidade dada como provada nos pontos 1 a 3 do elenco dos factos provados [concernente à celebração do contrato de crédito com a requerida Banco 1..., SA e subsequente incumprimento] e à factualidade dos pontos 5 e 7 do elenco dos factos provados [atinente à notificação aos requerentes das cessões de créditos identificadas nos autos]. Porém, da breve análise do acima descrito no relatório do presente acórdão, ressuma evidente que os requerentes apenas fundaram a sua pretensão na natureza litigiosa do direito de crédito cedido à requerida EMP01...-STC, SA, em virtude de terem deduzido oposição à execução intentada pela requerida Banco 1..., SA para cobrança coerciva desse mesmo direito de crédito, não tendo a mesma sido ainda objecto de apreciação. Ou seja, os requerentes basearam a sua pretensão na mera apresentação da aludida oposição à execução mediante embargos de executado e não propriamente nos fundamentos esgrimidos naquela sede com vista à demonstração da inexistência da obrigação exequenda. Acresce que, a questão de saber se, efectivamente, havia responsabilidades de crédito dos requerentes em situação de incumprimento, bem como a de saber se os contratos de cessão foram notificados aos requerentes nem sequer foram abordadas na decisão recorrida. Aliás, na apreciação de mérito da decisão recorrida diz-se expressamente que o presente procedimento cautelar não é a sede própria para apreciar os fundamentos da oposição à execução apresentada pelos ora recorrentes à dita execução. Nesta conformidade, também neste recurso tais questões não poderão ser abordadas. Como muito bem explicita Elisabeth Fernandez (in, “Princípio do Dispositivo e Objecto de Decisão de Recurso”, As Recentes Reformas na Acção Executiva e nos Recursos, Coimbra Editora, 2010, p. 334, 336 e 337), o princípio do dispositivo vigente no processo cognitivo da primeira instância tem igual aplicação no âmbito das instâncias impugnatórias, desde logo quanto ao seu objecto – o objecto originário do processo configura uma espécie de limite máximo para o funcionamento do efeito devolutivo do processo. “Quer isto significar que, de um modo geral, o tribunal de recurso não pode aceitar novos contributos das partes, no que concerne a pretensões, actos ou provas, pois o tribunal de recurso não leva a cabo o reexame da controvérsia, mas antes e tão só a reponderação da decisão recorrida. Na verdade, porque o objecto do recurso, segundo este modelo, não é a questão controvertida mas a decisão impugnada, é óbvio que a sindicância desta decisão só pode lograr-se mantendo incólumes os elementos fácticos e probatórios do processo, pelo que o ponto de partida dos poderes cognitivos do tribunal da relação não pode, por via de regra, extravasar aqueles que o tribunal a quo detinha quando julgou a causa e emitiu a decisão impugnada.”. E, na verdade, como se diz no ac. do STJ de 7.07.2016, relatado por Gonçalves Rocha, in www.dgsi.pt, “não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.”. Veja-se ainda, neste sentido, o ac. do STJ de 11.07.2023, relatado por Jorge Leal e disponível em www.dgsi.pt e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 153 a 158. De facto, no nosso direito adjectivo a função do recurso ordinário tem como desiderato a reapreciação de uma decisão recorrida, sendo o respectivo modelo adoptado o da reponderação e não o do reexame (cfr. Armindo Ribeiro Mendes, in Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, 2009, p. 81), o que equivale a dizer que o nosso sistema de recursos inclina-se para a solução que defende que o objecto do recurso é a decisão recorrida, e não a questão sobre que incidiu a decisão recorrida, impondo-se tão só ao tribunal ad quem apreciar se é ela aquela que ex lege devia ter sido proferida. Neste conspecto e tendo sempre presente que os recursos, nas suas variadas vertentes, se destinam a possibilitar à parte vencida obter decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido e que a impugnação está, como vimos, funcionalmente ordenada a permitir que a parte recorrente possa obter a alteração da decisão proferida pelo tribunal recorrido em sentido a si favorável, tal propósito só ocorre quando ao fundamento do recurso se reconheçam efeitos práticos, com possibilidade de se repercutir na decisão, levando à sua modificação/alteração. Cfr., neste sentido o ac. da RP de 10.07.2024, processo nº 1653/23.7T8AMT.P1, consultável in www.dgsi.pt. Transpondo estas considerações para o caso em apreço, uma vez que as questões da (in)existência da relação contratual e da notificação das cessões do crédito não foram objecto da decisão recorrida, não pode este tribunal ad quem apreciá-las, pelo que também não se justifica que reaprecie a prova produzida quanto aos factos relativos a tais questões, pois que tal reapreciação nunca teria qualquer repercussão ou efeito útil na decisão a proferir. Destarte, abstemo-nos de apreciar a impugnação da decisão de facto por se tratar de actividade inútil. Não obstante o que deixamos dito, o tribunal de recurso não só pode, como deve sanar oficiosamente e quando para tal tenha todos os elementos, os vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da factualidade enunciada, tal como decorre do disposto no art.º 662º, nº 2, al. c) do NCPC. Como já aludimos, na reapreciação da matéria de facto, a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão, levando, para tanto, em consideração, sem dependência da iniciativa da parte, os factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no art.º 607º, nº 4 do NCPC (norma que define as regras de elaboração da sentença) ex vi art.º 663º do NCPC (norma que define as regras de elaboração do acórdão e que para o disposto nos art.ºs 607º a 612º do NCPC remete, na parte aplicável). Na verdade, e não obstante a redacção dada aos pontos 6 e 15 do elenco dos factos provados não ter sido impugnada, ressuma dos elementos coligidos nos autos e do acordo das partes, que a mesma não reflecte com rigor a factualidade apurada. Com efeito, no ponto 15 faz-se referência à extinção da instância executiva por inutilidade superveniente da lide, quando tal ocorreu não na execução, mas no apenso declarativo de embargos de executado. Por outro lado, no ponto 6 omitiu-se que a cessão de créditos foi realizada ao abrigo do regime previsto no DL 453/99, de 5.11. * Destarte, decide-se alterar oficiosamente a redacção dos pontos 6 e 15 do elenco dos factos provados, passando a constar dos mesmos o seguinte: “6. Mediante acordo escrito designado »contrato de cessão de créditos« assinado no dia 16/07/2021 e celebrado ao abrigo do DL 453/99, de 5.11, a Banco 2... cedeu à requerida EMP01... – STC, S.A, o crédito que detinha sobre os requerentes em consequência dos acordos escritos referidos e 1) e 5). 15. Mediante sentença datada de 27/02/2014, o Mmº Juiz titular dos autos n.º 33364/03.4TJPRT declarou os respectivos embargos de executado extintos por inutilidade superveniente da lide; lê-se na referida sentença o seguinte: »…atendendo a que a instância executiva foi declarada extinta pelo Sr Agente de Execução ao abrigo do disposto no artigo 750 n.º 2 do C.P.Civil - por falta de indicação de bens penhoráveis no prazo previsto nesse normativo - a presente lide deixou de ter viabilidade para prosseguir, na medida em que ficou despida de objeto processual - sem execução a presente lide perdeu a sua razão de ser, já que visava precisamente conduzir à extinção, total ou parcial, da execução. (vide art. 732º, nº 4 do C.P. Civil). Note-se que não serão imputadas as custas a qualquer das partes visto que o motivo da extinção desta lide por impossibilidade superveniente não lhes é imputável e resulta da extinção da execução levada a cabo pelo Sr. AE nos termos acima referidos. Nestes termos e ao abrigo do disposto no arts 277º, al. e), 451, nº 1 e 732 nº 4 do C.P.Civil, julgo extinta a presente instância por impossibilidade superveniente da lide« * 3.2.2. Do erro de direito quanto à falta dos pressupostos processuais de que depende a providência objecto dos autos.Defendem os recorrentes que se encontram demonstrados, no caso, todos os requisitos para o decretamento da providência, nomeadamente, o fumus boni júris. Vejamos, então. Acerca do procedimento cautelar comum, prevê o art.º 362º, nº 1, do NCPC que “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.”. Estabelece o nº 2 que “O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor.”. De acordo com o nº 3, “Não são aplicáveis as providências referidas no nº 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por algumas das providências tipificadas no capítulo seguinte”. Regula o nº 1, do art.º 365º, do NCPC, o tempo e o modo de o requerente oferecer a prova do direito ameaçado e apresentar a justificação do receio da lesão: na petição, em termos sumários. A produção das provas requeridas ou oficiosamente determinadas só tem lugar quando necessário, na audiência final – art.º 367º, nº 1, do NCPC. Sob a epígrafe “Deferimento da providência”, dispõe o nº 1, do art.º 368º, que “A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”. E, o nº 2, que “A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal, quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.”. Assim como pode ser “substituída por caução adequada”, nos termos e condições previstos no nº 3. Em face da sua urgência e provisoriedade, do carácter sumário da prova e da apreciação e da consequente tendência para a menor solidez da decisão, a responsabilidade pelos danos que do seu decretamento eventualmente resultem é cometida ao requerente, nos termos do art.º 374º, do NCPC, norma que possibilita ainda ao juiz, para maior garantia e segurança, fazê-la depender da prestação por aquele de caução adequada, se tal for julgado conveniente em face das circunstâncias. O procedimento cautelar depende (salvo no caso de inversão do contencioso) de uma causa principal já em curso ou ainda a propor (acção declarativa ou executiva) que tenha por fundamento o direito acautelado. A apreciação da matéria de facto e a decisão final nele proferida não têm qualquer influência no julgamento daquela – art.ºs 363º, nº 1, e 364º, nº 1, 371º, nº 1, do NCPC. Tal significa que a definitiva resolução do conflito de interesses subjacente, em regra, não tem lugar na providência, dadas as suas contingências, e que, embora o seu objecto deva conjugar-se com o da acção de que depende e o seu fundamento deva integrar a causa de pedir desta, não tem de verificar-se uma total identidade dos direitos a tutelar nem do circunstancialismo fáctico a alegar numa e noutra. O efeito cautelar não excederá os limites que caracterizam todo o procedimento provisório, não podendo conseguir-se por via deste os efeitos de uma acção definitiva. Se esta for constitutiva e, portanto, respeitar a direitos que por meio dela devam ser declarados, nunca o respectivo objecto pode coincidir com o do procedimento cautelar destinado a proteger a consistência prático-jurídica do direito potestativo inerente e limitado a medidas destinadas a garantir-lhe utilidade ou eficácia. [Cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III volume (4ª edição revista e actualizada), Almedina 2010, p. 150 a 157]. A jurisprudência tende a esquematizar assim os pressupostos cumulativos do decretamento da providência: a) a probabilidade séria (fumus boni juris), embora colhida a partir de análise sumária (summaria cognitio) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor; b) o fundado e suficiente receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável (periculum in mora) a tal direito (portanto, que a lesão não se tenha consumado); c) a concreta adequação (ou potencialidade) da providência (como medida de tutela provisória) para remover a situação de lesão eminente e assegurar a efectividade do direito ameaçado; d) a não existência na lei de outro tipo de providência específica que o acautele (princípio da legalidade das formas processuais); e e) que o prejuízo dela resultante para o requerido não exceda consideravelmente o dano que o requerente através dela pretende evitar. No presente recurso, importa desde logo decidir se resulta indiciariamente demonstrado o direito dos apelantes a que a comunicação do incumprimento efectuada pela requerida EMP01...-STC, SA seja retirada da Central de Responsabilidades de Crédito. Com efeito, defendem os requerentes que o crédito cujo incumprimento foi reportado ao Banco de Portugal tem natureza litigiosa, pelo que não podia ter sido objecto de cessão para efeitos de titularização de créditos, conforme determina o disposto no art.º 4º, nº 1, al. c) e d) do Decreto-Lei nº 453/99 de 05.11. Mais invocam que tal crédito não existe ou não é exigível, por ter sido declarada extinta a execução intentada com vista à sua cobrança coerciva. Pretendem, desta forma, os requerentes/recorrentes que se conclua que a comunicação do incumprimento ao Banco de Portugal foi ilegitimamente efectuada. Vejamos, então. Como é consabido, a necessidade de as instituições bancárias poderem avaliar e mitigar o risco latente nas operações de concessão de crédito esteve na base da criação de um serviço de centralização de riscos de crédito sob a égide do Banco de Portugal, denominado Central de Responsabilidades de Créditos. O regime jurídico da Central de Responsabilidades de Crédito tem enquadramento legal no Decreto-Lei nº 204/2008, de 14.10 e encontra-se regulamentado pela Instrução do Banco de Portugal nº 17/2018, de 27.08. Da análise deste regime resulta que a mesma “é uma base de dados, gerida pelo Banco de Portugal, com informação prestada pelas entidades participantes [isto é, as instituições que concedem crédito – art.º 2º, nº 1 do DL nº 204/2008] sobre os créditos concedidos aos seus clientes”, as quais estão obrigadas a comunicar àquele informações sobre responsabilidades decorrentes de operações de crédito dos seus clientes ou potenciais clientes (cfr. art.ºs 1º, nº 2, 3º, nºs 1 e 2 do DL nº 204/2008 e ponto 3.2.1 da referida Instrução do Banco de Portugal). Essas comunicações visam, na economia do citado diploma, sustentar a actividade das entidades participantes, avaliando o risco associado a potenciais clientes e operações, já que para a concessão de crédito é imperioso conhecer o total das responsabilidades do cliente, o que inclui quer as informações positivas, quer as negativas, pois apenas desta forma se poderá avaliar a situação e capacidade de endividamento do cliente. Para esse efeito, a Central de Responsabilidades de Crédito integra responsabilidades efectivas e potenciais, tanto regularizadas ou em incumprimento, e também informações sobre insolvências, de pessoas singulares ou coletivas, declaradas em Tribunal. Assim, recebido um pedido de concessão de crédito a entidade participante desencadeará um pedido de informações à Central de Responsabilidades de Crédito, da qual constarão responsabilidade efectivas, qualquer empréstimo para habitação ou ao consumo, e responsabilidades potenciais, sejam fianças ou avales. Note-se, porém, que se é ao Banco de Portugal que compete reunir e divulgar a informação centralizada às entidades participantes, é da responsabilidade destas transmitir àquela central de dados as mencionadas responsabilidades. Quer isto significar que a informação divulgada pelo Banco de Portugal, constante da Central de Responsabilidades de Crédito, é da responsabilidade das entidades que a tenham transmitido, cabendo exclusivamente a estas proceder à sua alteração ou rectificação, por sua iniciativa ou a solicitação aos seus clientes, sempre que ocorram erros ou omissões. É o que resulta da análise conjugada do art.º 1º, nºs 1, als. a) e b) e 2, com o art.º 2º, nºs 1 e 4, do Decreto-lei nº 204/2008, de 1410. Consequentemente, qualquer informação também só poderá ser eliminada mediante comunicação da entidade participante ao Banco de Portugal. Feito este intróito sobre os objectivos e funcionamento da Central de Responsabilidades de Crédito, no caso em apreço, não se mostra controvertido, nem se colocam dúvidas que a apelada EMP01...-STC, SA detém a qualidade de entidade participante, pelo que se encontra constituída no dever de fornecer mensalmente ao Banco de Portugal todos os elementos de informação relativos às responsabilidades efectivas e potenciais assumidas pelos seus clientes. Com efeito, na situação ora sob apreciação, o que importa aquilatar é se nos encontramos perante a comunicação de uma informação incorrecta por aquela entidade participante. Isto porque, como bem se alertou no ac. do STJ de 19.05.2011 (processo nº 3003/04.2TVLSB.L1.S2, consultável in www.dgsi.pt) “o facto de os bancos serem obrigados a remeter mensalmente e por via informática ao Banco de Portugal todos os créditos e a respectiva situação devidamente codificada não irresponsabiliza aqueles pelas comunicações efectuadas. O automatismo dessa comunicação e as consequências que dela nascem para o cliente impõem um reforço do cuidado e da diligência por forma a evitar o erro e as suas consequências.”. Na situação que nos ocupa, como vimos, defendem os recorrentes que tal informação é incorrecta, porquanto, e para além do mais, o crédito não existe, em virtude de ter sido declarada extinta a execução intentada pela requerida Banco 1..., SA. Mas sem qualquer razão. Conforme resulta da factualidade apurada a acção executiva em questão foi declarada extinta ao abrigo do disposto no art.º 750º, nº 2, do NCPC, ou seja, porque não foram encontrados bens penhoráveis. Estabelece o referido art.º 750º do NCPC que: “1 - Se não forem encontrados bens penhoráveis no prazo de três meses a contar da notificação prevista no n.º 1 do artigo 748.º, o agente de execução notifica o exequente para especificar quais os bens que pretende ver penhorados na execução; simultaneamente, é notificado o executado para indicar bens à penhora, com a cominação de que a omissão ou falsa declaração importa a sua sujeição a sanção pecuniária compulsória, no montante de 5% da dívida ao mês, com o limite mínimo global de 10 UC, se ocorrer ulterior renovação da instância executiva e aí se apurar a existência de bens penhoráveis. 2 - Se nem o exequente nem o executado indicarem bens penhoráveis no prazo de 10 dias, extingue-se sem mais a execução (…)”. A respeito da extinção da execução, o art.º 849º do mesmo diploma legal dispõe: “1 - A execução extingue-se nas seguintes situações: (…) c) Nos casos referidos no n.º 3 do artigo 748.º, no n.º 2 do artigo 750.º, no n.º 6 do artigo 799.º e no n.º 4 do artigo 855.º, por inutilidade superveniente da lide; (…) 2 - A extinção é notificada ao exequente, ao executado, apenas nos casos em que este já tenha sido pessoalmente citado, e aos credores reclamantes. 3 - A extinção da execução é comunicada, por via eletrónica, ao tribunal, sendo assegurado pelo sistema informático o arquivo automático e eletrónico do processo, sem necessidade de intervenção judicial ou da secretaria.”. Por sua vez, prevendo acerca da renovação da execução extinta, prescreve o art.º 850º do NCPC, nos seus nºs 1, 4 e 5, que: “1 - A extinção da execução, quando o título tenha trato sucessivo, não obsta a que a ação executiva se renove no mesmo processo para pagamento de prestações que se vençam posteriormente. (…) 4 - Não se repetem as citações e aproveita-se tudo o que tiver sido processado relativamente aos bens em que prossegue a execução, mas os outros credores e o executado são notificados do requerimento. 5 - O exequente pode ainda requerer a renovação da execução extinta nos termos das alíneas c), d) e e) do nº 1 do artigo anterior, quando indique os concretos bens a penhorar, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no número anterior”. Ora, conforme refere Marco Carvalho Gonçalves (in, Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, p. 398), ao prever a extinção da execução nos termos dos art.ºs 748º, nº 3 e 750º, nºs 1 e 2, do NCPC, «o objetivo principal do legislador foi o de evitar a pendência de execuções inviáveis, face à inexistência de bens suscetíveis de garantir a satisfação da dívida exequenda e das custas da execução (…)». Nesta situação, todavia, mesmo depois de extinta, pode a instância executiva renovar-se no mesmo processo, nomeadamente “mediante indicação superveniente de bens penhoráveis” ou “para efectivação de nova penhora” (art.º 850º, nº 5), por parte do exequente, sendo que o requerimento de renovação pelo exequente não tem sequer prazo para dedução. Nessa eventualidade, o exequente pede a reabertura da execução para recuperar o âmbito patrimonial que detinha inicialmente, ou seja, volta ao direito à execução patrimonialmente irrestrito. Não se repetem citações e aproveita-se tudo o que tiver sido processado relativamente aos bens em que prossegue a execução, mas os outros credores e o executado são notificados do requerimento (nº 4 do art.º 850º do NCPC). Deste modo, no caso em apreço, com a extinção da execução nº 33364/034TJPRT por insuficiência de indicação de bens penhoráveis na sequência da notificação a que alude o nº 2 do art.º 750º do NCPC, o direito exequendo que aí se queria fazer valer não foi afectado, não se extinguiu, nem se modificou (cfr., neste sentido o recente ac. desta RG de 10.10.2024, relatado por Alcides Rodrigues e acessível in www.dgsi.pt). Todavia, e porque assim é, caso a instância executiva venha a ser renovada, a oposição à execução mediante embargos de executado que foi deduzida pelos ora recorrentes a tal execução, e que foi julgada extinta por inutilidade superveniente, deverá prosseguir igualmente (cfr. ac. da RP de 24.02.2015, proferido no processo 33364/034TJPRT-A.P1, disponível in www.dgsi). Ou seja, tal direito exequendo não se extinguiu, mas mantém-se controvertido ou litigioso. Com efeito, nos termos previstos no art.º 579º, nº 3, do CC, consideram-se créditos litigiosos todos aqueles que tenham sido contestados por qualquer interessado em juízo, ainda que arbitral. Tal consideração impõe-nos a apreciação do outro argumento esgrimido pelos recorrentes – o de que o crédito de crédito não podia ter sido cedido para efeitos de titularização de créditos, por se tratar de um crédito litigioso. Ou seja, importa averiguar se o crédito em causa foi validamente cedido, mormente à requerida EMP01...-STC, SA (tanto mais que foi esta a entidade que procedeu à comunicação ao Banco de Portugal aqui em questão). A cessão de crédito ocorre quando o credor, mediante negócio jurídico, transfere para outrem o seu direito. Consiste, portanto, na substituição do credor originário por outra pessoa, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional. Não se produz a substituição da relação obrigacional antiga por uma nova, mas a simples transferência daquela pelo lado activo, conforme resulta do disposto no art.ºs 577º e seguintes do CC. Sobre a temática da cessão de créditos, cfr., designadamente, Menezes Leitão, in “Cessão de Créditos”, p. 285 a 313 e 403 a 414, e “Direito das Obrigações”, Vol. II, 5ª Ed., p. 15 a 33; Galvão Telles, in “Manual dos Contratos em Geral”, refundido e actualizado, 4ª ed. (2002), p. 299 e Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª Ed., p. 593 a 596 e 600/601. O art.º 577º, nº 1 do CC preceitua que “o credor pode ceder a terceiro, uma parte ou a totalidade do seu crédito independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita pela determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor”. Segundo este normativo, a cessão de créditos pode ocorrer mesmo sem o consentimento do devedor. Porém, esta liberdade concedida ao credor de ceder o seu crédito sem que, para o efeito, tenha de colher o assentimento do devedor não envolve uma possibilidade irrestrita da ocorrência da cessão, que está subordinada à verificação de certos requisitos, sem os quais não produz os efeitos que lhe são próprios. Pode obstar à cessão de créditos a própria lei ou a convenção das partes; e a possibilidade da cessão de um crédito pode ainda ser excluída, nos termos da parte final do nº 1 do mesmo art.º 577º, do CC, se o mesmo estiver ligado, pela natureza da prestação, à pessoa do credor. À cessão de créditos para titularização aplica-se um regime próprio que se encontra previsto no Decreto Lei nº 453/99, de 5.11 (com as alterações introduzidas pela Lei 69/2019 de 28.08). De acordo com o aludido diploma legal, para que um crédito seja susceptível de ser cedido para titularização terá de preencher os requisitos cumulativos identificados no seu art.º 4º, nº 1. Primeiramente, exige-se que o crédito seja de natureza pecuniária, isto é, que este tenha correspondência com uma obrigação pecuniária, mormente uma obrigação de soma ou quantidade expressa em moeda. Este requisito impõe-se pela necessidade de pronta solvabilidade para pagamento do crédito e facilidade na mobilização de capitais, coadunando-se com o próprio fim da operação de titularização. Porém, é exigido ainda que os créditos sejam transmissíveis, incondicionais, não litigiosos, não dados em garantia, nem penhorados ou apreendidos judicialmente. Exige-se, desta forma, e de forma expressa que os créditos titularizáveis não sejam litigiosos (salvo quando sejam transmitidos pelo Estado ou pela Segurança Social - art.º 4º, nº 2, do DL nº 453/99, de 5.11). Tal proibição estende-se a qualquer crédito litigioso (desde que não detido pelo Estado ou Segurança Social), pelo que não se aplica nessa situação os limites e excepções presentes nos art.ºs 579º e 581º do CC (ao contrário do que entendeu o tribunal recorrido). Ora, a cessão de créditos efectuada contra a proibição da lei é nula (cfr. ac. da RL de 6.01.2009, processo nº 1383/2008-7, disponível in www.dgsi.pt). Ou seja, a cessão de créditos que não respeite a proibição expressamente prevista no art.º 4º, nº 1, do Decreto-Lei nº 453/99, de 5.11 não pode deixar de se considerar nula, nos termos do disposto no art.º 294º, do CC (cfr., a propósito da nulidade de um negócio jurídico com fundamento na contrariedade à lei, o ac. desta RG de 27.06.2024, processo nº 5232/19.5T8VNF-H.G1, acessível in www.dgsi.pt). E tal nulidade, para além de ser de conhecimento oficioso, pode ser arguida a todo o tempo e por qualquer interessado, como seja, o devedor (debitor cessus) – no caso, os recorrentes – de acordo com o preceituado nos art.ºs 286º e 585º, ambos do CC (cfr., a propósito, Menezes Leitão, na primeira das suas mencionadas obras, p. 291, nota 19). Como ficou provado nos autos, o direito de crédito em causa foi objecto de dois negócios de cessão de créditos – uma celebrada entre a requerida Banco 1..., SA e a Banco 2..., SARL e outra em esta e a requerida EMP01...-STC, SA. A cessão de créditos em que a requerida Banco 1..., SA interveio – celebrada em 2012 – ao contrário do aparentemente alegado pelos recorrentes não teve por objectivo a titularização de créditos. Por outro lado, a requerida Banco 1..., SA cedeu o referido crédito à Banco 2..., SARL em data anterior àquela em que os aqui recorrentes deduziram oposição à execução intentada para cobrança do aludido crédito (ou seja, ainda antes do mesmo poder ser considerado litigioso), tendo cessado as comunicações de incumprimento ao Banco de Portugal quando deixou de ser titular do direito de crédito. Assim sendo, temos por certo que nada obstava à aludida cessão de créditos celebrada pela requerida Banco 1..., SA. Por outro lado, com a cessão de créditos celebrada em 2012, a requerida Banco 1..., SA deixou de ser responsável pela transmissão de informações, rectificações e actualizações relativamente ao crédito em causa. Deste modo, é inexorável concluir pela improcedência da solicitada providência cautelar quanto a esta requerida. Já assim não sucede quanto à requerida EMP01...-STC, SA como passaremos a explicar. A cessão de créditos celebrada entre a Banco 2..., SARL e a requerida EMP01...-STC, SA é contrária à lei no que tange ao crédito em litígio e ora em discussão. Com efeito, a mesma foi confessadamente celebrada nos termos e para os efeitos previstos no DL 453/99, de 5.11. Sendo a cessão do crédito em questão nula, não pode a mesma produzir qualquer efeito. Nesta conformidade, a requerida EMP01...-STC, SA não se pode arrogar como a verdadeira titular do crédito em causa, e consequentemente, carece de legitimidade para proceder à comunicação de incumprimento ao Banco de Portugal. O crédito a existir pertence à Banco 2..., SARL (a qual não tem a qualidade de entidade participante – conforme lista publicada pelo Banco de Portugal) e não à requerida EMP01...-STC, SA. Considera-se, pois, que a comunicação à Central de Responsabilidade do Banco de Portugal de que os requerentes se encontravam em incumprimento realizada pela requerida EMP01...-STC, SA o foi de forma indevida. Encontra-se assim verificado o primeiro requisito para o decretamento da providência: o fumus boni iuris. Isto posto, e no que respeita ao requisito periculum in mora também não podemos deixar de o considerar preenchido. Aliás, a este respeito, importa ter presente o já decidido no acórdão da Relação proferido nestes autos em 16.05.2024: “A situação de impossibilidade de recurso a crédito bancário impede os Requerentes de adquirirem uma habitação própria, como pretendiam, ou qualquer outro bem, como sendo, automóvel, computador, televisão, eletrodomésticos. Ademais, veem o seu nome, honra e consideração pessoais afetados e sentem-se humilhados e comprometidos na sua vida particular. Deste quadro factual somos levados a concluir pela alegação de uma lesão grave, numa parte já consumada mas noutra ainda latente, não sendo exigível que tal situação de risco seja suportada pelos titulares do direito ameaçado, na medida em que a reparação de tal dano se apresenta de difícil reparação. Apresenta-se legitima a conclusão extraída pelos Recorrentes quando sustentam que o prejuízo por si sofrido é um prejuízo atual, constante e permanente nas suas vidas, que os constrange na sua liberdade de decisão do ponto de vista patrimonial, por um lado e, por outro lado, do ponto de vista do seu bom nome, honra e consideração pessoais. Com efeito, a alegação de que perderam de forma definitiva um negócio imobiliário que pretendiam fazer, por si só, é já um dano considerável, mas que não afasta o prejuízo permanente e concreto que a situação lhes está a causar ao impedir a celebração de quaisquer outros negócios com o recurso a crédito. O facto de os requerentes se encontrarem impedidos de recorrer ao financiamento ou crédito por parte de qualquer instituição, consubstancia por si só um prejuízo de difícil reparação em concreto e que afeta a vida quotidiana dos Recorrentes. A situação descrita tem um carácter de atualidade, permanência e continuidade, não colhendo, a nosso ver, o argumento de que “os mesmos já nem sequer estão a tentar fazer um negócio imobiliário, somente aludem à mera possibilidade de aquisição”, pois que dada a frustração do primeiro negócio por não poderem recorrer ao crédito, com outros negócios não podem avançar precisamente por essa razão, restando-lhes como tal a alegação de que estão impedidos de adquirir seja o que for por impossibilidade de recurso a financiamento. Donde, não obstante a consumação de uma lesão, nem assim se pode afirmar que a providência cautelar ficou destituída de qualquer utilidade, pois que existe a possibilidade e probabilidade da repetição do ato. Tal possibilidade, demanda a adoção de medidas tendentes a evitar o prejuízo cujo conteúdo em face dos antecedentes verificados já se conhece. Porque assim, a possibilidade de repetição do ato apresenta-se como suscetível de gerar novos danos ainda preveníveis, sendo o receio fundado, em termos sérios e objetivos, sendo o mecanismo para acautelar o direito dos Requerentes a providencia cautelar por eles requerida.”. Donde, resulta estarem preenchidos todos os requisitos da providência requerida contra a requerida EMP01...-STC, SA, tanto mais que igualmente não se suscitam dúvidas quanto à sua adequação e de que o seu decretamento não gera qualquer prejuízo à requerida. * Ante todo o exposto, procede ainda que parcialmente a apelação, pelo que se revoga também parcialmente a decisão recorrida, ordenando-se em consequência à recorrida EMP01...-STC, SA que notifique o Banco de Portugal para eliminar de imediato a informação da Central de Riscos de Crédito transmitida quanto aos requerentes, relativamente ao crédito de € 8.101,47, com incumprimento desde ../../2003.As custas do procedimento cautelar e do presente recurso deverão ser suportadas pelos recorrentes e pela recorrida EMP01...-STC, SA, na proporção de metade, atento o disposto art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC. * IV. Decisão* Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, e, em consequência, revoga-se parcialmente a decisão recorrida, ordenando-se à requerida EMP01...-STC, SA que notifique o Banco de Portugal para eliminar de imediato a informação da Central de Riscos de Crédito transmitida quanto aos requerentes, relativamente ao crédito de € 8.101,47, com incumprimento desde ../../2003, mantendo-se no mais a decisão recorrida. As custas do procedimento cautelar e do presente recurso deverão ser suportadas pelos recorrentes e pela recorrida EMP01...-STC, SA, na proporção de metade, atento o disposto art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC. * * Guimarães, 13.02.2025 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária Juíza Desembargadora Relatora: Dr(a). Carla Maria da Silva Sousa Oliveira 1ª Adjunta: Juíza Desembargadora: Dr(a). Ana Cristina Duarte 2ª Adjunta: Juíza Desembargadora: Dr(a). Maria dos Anjos Melo Nogueira |