Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCO SOUSA PEREIRA | ||
Descritores: | PREVPAP REGULARIZAÇÃO DE VÍNCULOS PRECÁRIOS ANTIGUIDADE RECONSTITUIÇÃO DE CARREIRA PROFISSIONAL PRINCÍPIO DA IGUALDADE | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 07/10/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
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Sumário: | I – No âmbito do PREVPAP o legislador não pretendeu a criação de novas relações laborais, mas o reconhecimento de relações pré-existentes, pelo que é de considerar que a antiguidade do trabalhador deve retroagir ao início das suas funções. II – Não existe fundamento legal, e particularmente para a fixação da retribuição no contrato de trabalho por tempo indeterminado formalizado no âmbito do PREVPAP, para recorrer ao Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente, conjugado com o Regulamento de avaliação do desempenho dos mesmos trabalhadores, que vigoram na entidade empregadora, instituição de ensino superior pública de natureza fundacional. III – A interpretação e aplicação das normas realizada pelo tribunal a quo não viola nem o art. 2.º nem o art. 47.º da CRP, uma vez a regularização do vínculo da Autora foi efectuada de acordo com o estabelecido no PREVPAP (o qual constitui uma excepção à regra da contratação em obediência aos princípios de natureza pública). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Universidade ..., também nos autos melhor identificada, pedindo a condenação desta a: “a). Reconhecer a existência de contrato de trabalho entre ambas desde 11.12.2016; b). Reconhecer a sua antiguidade reportada a essa data, com contabilização, ao nível da reconstituição da sua carreira, mormente para efeitos de posicionamento remuneratório, do período temporal decorrido desde 11.12.2016 até 01.02.2020; c). Pagar-lhe o montante global de € 8.525,50, a título de subsídios de férias e de Natal, referentes aos anos de 2016 a 2019; d). Reconhecer que, no ano de 2020, tinha direito a 22 dias de férias e, consequentemente, a pagar-lhe a diferença entre o subsídio de férias que pagou e aquele que deveria ter pago, caso tivesse reconhecido o direito a gozar aqueles 22 dias de férias, no montante de € 122,84; e). Pagar-lhe juros de mora, sobre as quantias peticionadas.” Alega para tanto, e acompanhando de muito perto a síntese feita pelo Tribunal recorrido, que sendo a ré uma fundação pública, regida, em particular quanto à respectiva gestão financeira, patrimonial e pessoal, por regime de direito privado, foi pela mesma verbalmente contratada aos 11.12.2016, para desempenhar funções de apoio técnico e administrativo na Escola de Economia e Gestão; que, posteriormente, veio o vínculo assim iniciado a ser regularizado através do regime de aquisição de serviços, situação que se manteve até 31.05.2018; que, com efeitos formalmente reportados a 01.06.2018, foi entre as partes celebrado contrato denominado de “Bolsa de Investigação”, que foi sendo sucessivamente renovado até 2020; que as funções que, a coberto da vinculação assim estabelecida e mantida, desenvolveu ao serviço da ré incluíram a realização das mesmas tarefas, sem prejuízo da progressão que se foi fazendo; que, como contrapartida dessas funções, recebeu da ré, até Março de 2017, a importância mensal ilíquida de € 1.224,00, a qual, a partir de Abril desse ano, passou a cifrar-se em € 1.690,00, sendo que, entre Janeiro e Maio de 2018, recebeu a quantia mensal ilíquida de 1.364,55, e, entre Junho e Dezembro de 2018, a importância de € 1.245,00; que tal contrapartida se fixou, no ano de 2019, no valor de € 1.257,33; que, durante todo o referido período de tempo, em que se manteve, nos sobreditos termos, vinculada à ré, exerceu sempre as respectivas funções sem soluções de continuidade, nas instalações e com equipamentos pertença da mesma, bem como cumprindo o horário de trabalho por ela definido; que, de igual forma, esteve sempre sujeita a controlo de assiduidade e a autorização dos seus superiores hierárquicos para gozar férias e para poder ausentar-se, quando necessário, do seu local de trabalho; que, tendo estado, desde sempre, sujeita ao poder de direcção, às ordens e fiscalização da ré, a respectiva contratação, assente em vínculos formais precários, teve, na realidade, por escopo satisfazer necessidades permanentes da mesma, sendo, por conseguinte, de qualificar a correspondente relação, desde a data da sua originária constituição, como de trabalho; que, no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários – PREVPAP -, e mediante prévio parecer favorável da Comissão de Avaliação Bipartida (CAB) da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, por via do qual foi considerado que as funções que exercia satisfaziam necessidades permanentes da ré, o que por esta foi, igualmente, reconhecido, foi deliberado por aquela comissão que o contrato de bolsa não configurava vínculo adequado ao exercício das funções em causa, justificando-se a regularização extraordinária da sua situação laboral, parecer que veio a ser objecto de homologação pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das Finanças, do Trabalho, da Solidariedade e Segurança Social; que aos 30.12.2019, ao abrigo do referido programa, foi entre as partes celebrado contrato de trabalho sem termo, que ela, autora, aceitou celebrar, para não ver os seus direitos ainda mais prejudicados, por via do qual foi fixado o início da sua vigência por referência ao dia 01.02.2020 – rectius, 01.01.2020 - e a sua antiguidade na categoria reportada a 01.02.2017, quando, ao abrigo do regime do PREVPAP, deveria tê-lo sido por referência ao dia 11.12.2016; que, reportando-se o início da relação laboral à última das referidas datas, a ré nunca lhe pagou os subsídios de férias e de Natal, a conferir-lhe o direito a obter a condenação desta no pagamento da importância global reportada na al. c); que, para além disso, a ré, com a regularização do vínculo, assumiu que estava perante uma nova relação laboral, tendo-lhe, apenas, permitido, no ano de 2020, o gozo de 20 dias úteis de férias, quando, na verdade, reportando-se a vinculação laboral a data anterior, deveria ter reconhecido esse direito em correspondência com 22 dias úteis, contexto em que se encontra por pagar o diferencial entre o que, a título de subsídio de férias, foi pela mesma liquidado e o que devia ter sido pago, no montante que quantificou sob a enunciada al. d). Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se a conciliação destas. A ré apresentou contestação, sustentando, conforme síntese do mesmo Tribunal, que acompanhamos, que, não obstante tratar-se de fundação pública em regime de direito privado, encontra-se sujeita ao disposto nos artºs 47º, nº 2 e 266º, nº 2 da CPR, de que constitui concretização o estatuído no artº 134º, nºs 1 e 2 da L. nº 62/2007, de 10.09, contexto em que se encontra impossibilitada de reconhecer, motu proprio, a existência de contratos de trabalho, apenas podendo celebrá-los, de acordo com o respectivo Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador, regulamento esse que demanda que, a preceder a contratação, tenham lugar processos de recrutamento e selecção prévios, em convergência com os princípios subjacentes à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; que o PREVPAP se apresenta como excepção ao regime a que ela, ré, se encontra subordinada, no que à contratação de trabalhadores concerne, regime esse que lhe permitiu contratar, directamente sem concurso prévio, os opositores ao procedimento do PREVPAP, cujas relações contratuais com ela, ré, cumprissem os requisitos para o efeito previstos; que a relação mantida com a autora, a partir de 11.12.2016, a coberto de diversas formas de contratação, nunca revestiu natureza laboral, sendo que ela, ré, nunca reconheceu, no âmbito do programa de regularização, outra coisa que não fosse a circunstância de as funções exercidas corresponderem a necessidades permanentes; que o dever, emergente do regime PREVPAP, de reconhecimento da existência de contrato de trabalho apenas produziu efeitos imediatos, a partir da situação prevista no respectivo diploma, o que fez cumprir; que, de todo o modo, as funções exercidas pela autora, a coberto dos contratos de bolsa que com ela celebrou, sempre corresponderam aos planos de actividades inerentes aos projectos que desenvolveu como bolseira, contra o pagamento da bolsa devida, para além de que a autora nunca esteve sujeita a poder disciplinar e a mobilidade; que nunca poderá ser-lhe reconhecida a peticionada reconstituição na carreira, por inaplicabilidade do artº 13º da L. nº 112/2017, que se destina aos casos de regularização a coberto da LGTFP; que a interpretação proposta pela autora do regime do PREVPAP, e que o ultrapassa, em particular quanto ao reconhecimento da sua antiguidade por referência à data que peticionou, bem como o próprio artº 14º, nº 1, al. b) da L. nº 112/2017, são inconstitucionais, por violação do que se dispõe no artº 47º, nº 2 da CRP, o que se estende/afecta às pretensões que formulou relativamente à condenação no pagamento dos subsídios de férias de Natal. Prosseguindo os autos, veio a realizar-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julga-se a presente acção intentada por AA parcialmente procedente, termos em que se decide: --- a). Condenar a ré Universidade ... a: --- i. Reconhecer a existência de contrato de trabalho entre ela e a autora desde 11.12.2016, com efeitos, em matéria de antiguidade, reportados a essa data; --- ii. Reconstituir, devendo ser esse o caso, a carreira da autora, quanto à sua progressão e consequente colocação na posição remuneratória que lhe couber; --- iii. Pagar à autora os subsídios de férias e de Natal relativos aos anos de 2016 a 2019, no montante ilíquido global de € 8.414,85 – incidindo sobre as parcelas que o integram, ao tratamento fiscal e para a segurança social aplicável aos trabalhadores; --- iv. Reconhecer o direito da autora ao gozo, no ano de 2020, de 22 dias úteis de férias e pagar-lhe a quantia ilíquida de € 122,84, correspondente à diferença entre o valor ilíquido do subsídio de férias que, reportado ao mesmo ano, lhe pagou e o que deveria ter pago – com sujeição do correspondente montantes a tratamento tributário e para a SS nos termos aplicáveis aos trabalhadores; --- v. Pagar juros de mora, à taxa supletiva legal, sobre as quantias devidas, desde a data de vencimento de cada delas e até efectivo e integral pagamento; --- b). Absolver a ré do mais peticionado. ---” Inconformada com esta decisão, dela veio a ré interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição): “III.1. DA ANTIGUIDADE: A. A Recorrente, enquanto fundação pública sujeita ao regime de direito privado, está obrigada a observar os princípios constitucionais respeitantes à administração pública, nomeadamente a prossecução do interesse público e os princípios da igualdade, imparcialidade, justiça e proporcionalidade. B. A Recorrente, não obstante ter poder para celebrar contratos de trabalho sujeitos ao direito privado, nomeadamente ao Código do Trabalho, está obrigada a observar um procedimento público, imparcial e escrutinável de selecção de candidatos a cada posto de trabalho que pretenda preencher. C. O PREVPAP (criado pela Lei 112/2017, de 29 de Dezembro) permitiu à Recorrente celebrar contratos de trabalho sem observância do procedimento imparcial e escrutinável de selecção de candidatos a cada posto de trabalho que pretenda preencher, desde que observados os limites e requisitos ali vertidos. D. O PREVPAP destina-se a regularizar os vínculos contratuais existentes, passando a ser qualificados como contratos de trabalho, das pessoas a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro, que exerçam ou tenham exercido as funções em causa no período entre 1 de janeiro e 4 de maio de 2017, ou parte dele, e durante pelo menos um ano à data do início do procedimento concursal de regularização; E. Nos casos em que a relação contratual prévia ao contrato a celebrar na sequência do procedimento PREVPAP não era uma relação laboral, estabelece a alínea b) do número 1 do artigo 14.º que Em órgãos, serviços ou entidades abrangidos pelo n.º 1 do artigo 2.º, tratando-se de relações laborais abrangidas pelo Código do Trabalho, a homologação, pelos membros do Governo competentes, dos pareceres das CAB das respetivas áreas governamentais que identifiquem situações de exercício de funções que satisfaçam necessidades permanentes, sem vínculo jurídico adequado e, no setor empresarial local, a decisão da respetiva câmara municipal nos termos do n.º 4 do artigo 2.º, obriga as mesmas entidades a proceder imediatamente à regularização formal das situações, conforme os casos e nomeadamente mediante o reconhecimento: Da existência de contratos de trabalho, nomeadamente por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes. F. Desde logo, retira-se de forma inequívoca a diferença de redacção entre a alínea b) e a alínea c) deste número 1 do artigo 14.º: ao passo que na previsão dos contratos de trabalho a termo (o vínculo precário a regularizar), a lei diz de forma expressa que o reconhecimento da relação contratual ocorre desde o início do contrato de trabalho a termo, nos demais casos nada diz a esse respeito, ou seja, não ordena que se faça qualquer reconhecimento desde o início do vínculo precário não laboral. G. Desta diferença de regime tem que resultar uma diferença de actuação, pois que se o legislador pretendesse que o regime fosse o mesmo, tê-lo-ia plasmado na letra da lei, incluindo na alínea b) do número 1 do artigo 14.º menção idêntica à que faz na alínea seguinte (e na d), também, mas esta por via de remissão). H. De facto: a. A Recorrente apenas pode contratar trabalhadores por via de procedimento público, transparente e escrutinável, pois deve obediência ao principio do concurso previsto no artigo 47.º, número 1, da CRP. b. O PREVPAP apresenta-se como uma excepção a este princípio, o que permitiu à Recorrente contratar trabalhadores sem que tivesse levado a cabo procedimento concursal prévio, desde que tais trabalhadores tivessem sido opositores ao PREVPAP, e tivessem sido sinalizados para tal integração pela CAB. c. O PREVPAP não impõe à Recorrente que esta reconheça uma antiguidade aos opositores ao PREVPAP que celebram contratos de trabalho por tempo indeterminado que reporte ao início do vínculo que sustentou o exercício das funções permanentes (que justificaram a oposição ao procedimento de integração), d. Por conseguinte, a excepção ao regime concursal, que é delimitada pelo regime jurídico do PREVPAP, não franqueia tal amplitude de decisão: nem a Recorrente nem ao Tribunal. I. A decisão de reconhecimento de antiguidade da Recorrida a 11.12.2016, para todos os efeitos legais, por não ter fundamentação legal que a sustente (nem concurso para ingresso nos quadros da Recorrente, nem lei autorizante que excepcione a regra do concurso) é ilícita, devendo, por conseguinte, ser revogada. J. O Tribunal a quo socorre-se, assim, de uma interpretação da norma ínsita no artigo 14.º, número 1, alínea b) da Lei 112/2017, de 29 e Dezembro que é contrária ao disposto no artigo 47.º, número 1, da CRP, pois permite-se afastar a obrigatoriedade do concurso quando tal não consta da norma (resultando, de facto, regime diferente da mesma), sendo que o princípio do concurso é aplicável à Recorrente, por força do regime jurídico a que a mesma está sujeita. K. Esta interpretação, porque não ancorada na letra da lei (que, como acima analisado, não permite tal abrangência, o que se conclui pela mera análise comparativa com o regime estabelecido para os casos previstos nas alíneas c) e d)), viola igualmente o princípio do estado de direito, especificamente os subprincípios concretizadores do mesmo que são o princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos. L. Conforme sumariza o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, prolatado a 13-11-2007, que se encontra disponível para consulta em www.dgsi.pt: I - O princípio do Estado de Direito concretiza-se através de elementos retirados de outros princípios, designadamente, o da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos. II - Tal princípio encontra-se expressamente consagrado no artigo 2.º da CRP e deve ser tido como um princípio politicamente conformado que explicita as valorações fundamentadas do legislador constituinte. III - Os citados princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado. M. Também a este respeito, cita-se o JJ Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e a Teoria da Constituição, Almedina, 2.ª Edição, página 250 e seguintes: A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. N. No âmbito da protecção da segurança jurídica relativamente a actos normativos, vigora o princípio da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas. De acordo com o Autor acima citados, na mesma obra, página 251, A segurança jurídica postula o princípio da precisão ou determinabilidade dos actos normativos, ou seja, a conformação material e formal dos actos normativos em termos linguisticamente claros, compreensíveis e não contraditórios. (…) O princípio da determinabilidade das leis reconduz-se, sob o ponto de vista intrínseco, a duas ideias fundamentais. A primeira, é a da exigência de clareza das normas legais, pois de uma lei obscura ou contraditória pode não ser possível, através da interpretação, obter um sentido inequívoco dapaz de alicerçar uma solução jurídica para o problema concreto. A segunda aponta para a exigência de densidade suficiente na regulamentação legal, opois um acto legislativo (ou um acto normaltivo em geral) que não contém uma disciplina suficientemente concreta (=densa, determinada) não oferece uma medida jurídica capaz de: (1) alicerçar posições juridicamente protegidas dos cidadãos; (2) constituir uma norma de actuação para a admministração; (3) possibilitar, como norma de controlo, a fiscalização da legalidade e a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos (Acs. 285/92, DR, 17-8-92, e 233/94, RD, II, 27-8-94). O. Tendo o antedito em consideração, impõe-se que as normas sejam claras e tenham um sentido unívoco. Pelo que, atendendo a tudo o vindo de dizer, não se pode senão concluir que face à insegurança jurídica que acarreta a norma ínsita no artigo 14.º, número 1, alínea b) da Lei do PREVPAP, especificamente quando interpretada e aplicada no sentido de que deve o empregador, mesmo que sujeito à regra do concurso prevista no artigo 47.º, número 1, da CRP, reconhecer ao opositor do PREVPAP uma antiguidade coincidente com o início da relação contratual não laboral que esteve subjacente ao exercício das funções que representavam necessidades permanentes daquela, a mesma viola o artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa. P. Por conseguinte, deverá se recusada a aplicação da mencionada norma quando interpretada naquele sentido. III.2. – DA RECONSTITUIÇÃO DA CARREIRA POR REFERÊNCIA AO INICIO DO CONTRATO A 11.12.2016: Q. O regime jurídico do PREVPAP distinguiu de forma clara as relações contratuais a regularizar que são regidas pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, e as que são regidas pelo Código do Trabalho. R. Assim, que quanto ao primeiro caso, a Lei 112/2017 de 29 de dezembro apresenta o regime ínsito nos artigos 8.º a 13.º e no segundo caso, o artigo 14.º. S. O legislador separou ambas as situações, e criou regimes distintos para as mesmas, não sendo, claramente, aplicável a entidades abrangidas pelo Código do Trabalho o vertido no artigo 13.º - artigo que prevê a reconstituição da carreira dos trabalhares integrados no âmbito do PREVPAP, cujas relações laborais estão sujeitas à LGTFP. T. Não pode colher a douta tese do Tribunal a quo que argumenta que, uma vez que a Recorrente realiza avaliações dos seus trabalhadores, deve estar sujeita ao regime que impõe a reconstituição das carreiras, uma vez que a avaliação surge a jusante, ou seja, depois de decidida a questão principal: a aplicação ou não do artigo 13.º ao caso concreto. Sendo aplicável, então logo se apreciaria a forma de aplicação dessa reconstituição da carreira (nomeadamente, por via das avaliações – ou falta delas – previstas no Regulamento das Carreiras do pessoal não docente). Mas, uma vez que não é aplicável, tal é uma questão irrelevante para o caso. U. Por não ser aplicável ao caso concreto o disposto no artigo 13.º da Lei 112/2017, de 29 de dezembro, requer-se que seja revogada a subalínea ii) da alínea a) do Ponto III da douta sentença. III.3. – DOS SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E DE NATAL: V. O regime jurídico do PREVPAP visa regularizar os vínculos jurídicos pré-existentes, que se apresentam precários, e que correspondem ao exercício de funções que colmatam necessidades permanentes do beneficiário da actividade. W. O regime jurídico não determina que toda a relação contratual que existiu com o beneficiário da actividade é uma relação laboral. X. De acordo com o regime jurídico do PREVPAP (Lei 112/2017, de 29 de Dezembro) - Artigo 14.º, número 1, alínea b) - o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado verifica-se “imediatamente”, produzindo efeitos a partir do momento da verificação da situação prevista no diploma. Y. Aliás, se atentarmos no disposto no artigo 2.º, número 2, da Lei 112/2017, a mesma determina que, havendo lugar a parecer da CAB que reconheça que as mesmas correspondem a necessidades permanentes e que o vínculo jurídico é inadequado, se consideram verificados estes requisitos para efeito do disposto no número anterior . Z. Ou seja, torna-se desnecessária a demonstração de que ao longo de determinado período de tempo se verificou qualquer característica própria do contrato de trabalho. AA. Face a esta redacção, entende a Ré que não decorre ope legis qualquer assumpção de que a relação existente entre a entidade beneficiária da actividade e o/a opositor/a foi, sempre, uma relação contratual. BB. Assim, não se pode aceitar que se entenda que desde 15.04.2005 vigorava entre a Recorrente e a Recorrida um contrato de trabalho, que deveria ter obedecido ao regime jurídico dos contratos de trabalho, nomeadamente no que toca ao pagamento dos subsídios de férias e de Natal. CC. Note-se que todas as funções desempenhadas pela Recorrida eram próprias de um bolseiro. DD. Nos termos do artigo 9.º do Regulamento de Bolsas de Investigação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P. do ano de 2013, As bolsas de gestão de ciência e tecnologia (BGCT) destinam-se a licenciados, mestres ou doutores, com vista a proporcionar formação complementar em gestão de programas de ciência, tecnologia e inovação, ou formação na observação e monitorização do sistema científico e tecnológico ou do ensino superior, e ainda para obterem formação em instituições relevantes para o sistema científico e tecnológico nacional de reconhecida qualidade e adequada dimensão, em Portugal ou no estrangeiro. EE. Assim, não se verificando que a relação que existia entre a Recorrente e o Recorrido era de natureza laboral, não são devidos à Recorrida os subsídios de férias e de Natal em que a mesma foi condenada, razão pela qual se requer que seja revogada a douta sentença. III.4. – DA CONDENAÇÃO NO RECONHECIMENTO DO DIREITO DA AUTORA AO GOZO, NO ANO DE 2020, DE 22 DIAS ÚTEIS DE FÉRIAS (e consequências): A. Face a tudo o vindo de expor, uma vez que é a 01/01/2020 que se inicia o contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado entre a Ré e o Autor, deve o mesmo seguir as regras ínsitas no artigo 239.º, número 1, do CT. B. Pelo que a condenação constante dos números v. e vi. da alínea a) do dispositivo deverá ser revogada, por violar a norma acima invocada.” A recorrida respondeu ao recurso, concluindo assim as suas contra-alegações: “1. Na decisão recorrida não foi cometido qualquer erro na apreciação e aplicação da matéria de direito que imponha uma solução diversa daquela que foi decidida na aludida sentença, competindo, assim, a este tribunal “ad quem” usar dos seus poderes de confirmação. 2. Da leitura do artigo 14.º n.º 1 alínea b) não é possível alcançar-se o entendimento a que chegou a recorrente, concretamente, que o legislador não pretendeu o mero reconhecimento da existência de uma relação laboral, mas antes o nascimento de uma nova relação de trabalho. 3. Caso contrário, no artigo 14.º n.º 1 b), ao invés de ter feito alusão à figura da presunção de contrato de trabalho, e ter utilizado a expressão reconhecimento/reconhecer, teria certamente referido que a entidade estava obrigada a converter os vínculos precários em contratos de trabalho ou ainda que a entidade estava obrigada a celebrar contratos de trabalho, o que claramente não fez! 4. A expressão reconhecer não deixa dúvidas quanto à intenção do legislador, pois, só se reconhece algo que já existe, isto é, não é possível reconhecer uma realidade – contrato de trabalho – que só vai existir no futuro. 5. A expressão regularizar também é bem reveladora de que com o PREVPAP visou-se apenas fazer uma correspondência entre a realidade material existente e o regime do contrato de trabalho, pois, caso contrário, não faria sentido que o legislador tivesse usado a mencionada expressão, na medida em que, regularizar significa corrigir e somente se corrige uma situação já existente, tornando-a mais de acordo com uma determinada regra. 6. O respeito pela antiguidade, resulta também expressamente do artigo 13.º da Lei 112/2017, pelo que, dúvidas não existem que o legislador não pretendeu a criação de um novo vínculo, nem para os trabalhadores integrados na Administração Pública em sentido estrito, nem para os trabalhadores integrados no âmbito do Código do Trabalho, independentemente da relação prévia não ter, formalmente, natureza laboral. 7. Em defesa deste argumento, não poderá também deixar de se referir que o PREVPAP resulta da estratégia de combate à precariedade no setor público que foi estabelecida no artigo 19.º n.º 1 da Lei 7-A/2016, de 30 de março e no artigo 25.º n.º 1 da Lei 42/2016, de 28 de dezembro. 8. No essencial, tratou-se de estender ao setor público o regime de combate à precariedade laboral que foi introduzido pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, com a criação da ação com processo especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, ou seja, a ratio dos dois regimes é a mesma – acabar com a precariedade laboral. 9. A propósito da referida ação especial, sempre foi entendido que não estava em causa a constituição de um novo vínculo, mas o reconhecimento de que a relação anterior correspondia a uma relação laboral e devia ser qualificada ab initio como um contrato de trabalho, pelo que, uma vez que, conforme já se referiu, o PREVPAP tem a mesma finalidade da ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho – reitera-se, acabar com a precariedade laboral - não faz qualquer sentido, atenta a unidade do sistema, interpretar as suas normas com base em premissas absolutamente distintas e até contraditórias! 10. O entendimento plasmado na decisão recorrida é, assim, o único que se revela coincidente com o princípio da unidade do sistema, pois, seria desprovido de qualquer sentido que as relações de trabalho precário regularizadas por força da Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, retroagissem ao momento em que se iniciou a prestação do trabalho precário, e as relações laborais regularizadas ao abrigo do PREVPAP apenas fossem consideradas como tal, isto é, apenas produzissem os efeitos de uma relação de trabalho para o futuro. 11. O entendimento vertido na sentença, quanto à antiguidade, também não fere qualquer princípio ou regra Constitucional, concretamente, o disposto no artigo 47.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que o concurso não foi estabelecido como a única forma de acesso à função pública, mas apenas como uma regra. 12. O objetivo do legislador com o mencionado preceito constitucional consistiu em impedir que haja discricionariedade no acesso à função pública, pelo que, o que é verdadeiramente essencial é que a utilização de formas de acesso distintas do concurso tenham um fundamento material relevante, e que respeitem os princípios inerentes ao procedimento concursal, especialmente, os da igualdade e da liberdade de acesso, ou seja, pretendeu-se essencialmente impedir o acesso à função pública baseado numa escolha discricionária dos serviços. 13. O acesso da A. à Universidade ... foi efetuado ao abrigo do PREVPAP, programa este que tem subjacente a ideia de que a situação de facto que se gerou com a utilização indevida de vínculos precários para a satisfação de necessidades permanentes era uma justificação válida para que o acesso à função pública não ocorresse por concurso, mas sim através da regularização formal da situação anterior, opção esta que nada tem de discricionário, pois, além de ter um fundamento material relacionado com a segurança no emprego e o combate à precariedade laboral, que são valores protegidos pela Constituição tal como a igualdade no acesso à função pública, foi estabelecida uma forma de acesso que é regida por uma lei geral e abstrata aplicável a todos os potenciais candidatos e que não permite qualquer decisão dos serviços quanto à escolha das pessoas, pelo que, dúvidas não existem de que a regularização operada no caso concreto não é violadora da Constituição da República Portuguesa. 14. Na presente ação, não está sequer em causa o acesso do recorrido à função pública, na medida em que esse acesso foi decidido pela CAB no âmbito do PREVPAP, e regularizado através do contrato individual de trabalho por tempo indeterminado celebrado entre as partes em 2020, ou seja, o que está em causa são apenas os termos em que a recorrida devia ter sido admitida, e quanto a esse aspeto, não temos dúvidas de que o artigo 14.º b) da Lei 112/2017, impunha que a Universidade ... tivesse reconhecido que a relação que mantinha com o A. desde agosto de 2006 era uma verdadeira relação laboral, interpretação essa que, pelos motivos já expostos, em nada viola o artigo 47.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, porquanto, a integração da A., na administração pública, foi feita ao abrigo de uma lei geral e abstrata. 15. A interpretação do artigo 14.º n.º 1 b), plasmada na sentença recorrida, também não é violadora do artigo 2.º da Constituição, porquanto, a sua redação apresenta-se absolutamente clara e com um sentido unívoco, pois, as expressões reconhecer e regularizar, e o recurso à figura da presunção do contrato de trabalho, não permitiam interpretação diferente daquela que foi feita pelo Tribunal a quo. 16. A diferença de regimes prevista nos n.ºs 2 e 3 do artigo 14.º não se justifica pelo facto de não existir qualquer comando legal que imponha o reconhecimento de antiguidade, mas sim pela circunstância de, nas situações reguladas pelo n.º 3, o vínculo pré-existente não ter natureza laboral e, consequentemente, a conversão automática das quantias recebidas pelos falsos prestadores de serviços ou bolseiros na retribuição que lhes passava a ser paga no âmbito do contrato de trabalho celebrado para a regularização formal do vínculo, poder gerar situações de discriminação ou diferenciação injustificada com o pagamento de um montante que tinha sido determinado segundo critérios muito distintos e que podia ser diferente do que era pago a outros trabalhadores que prestavam as mesmas funções. 17. Embora não se discuta que o legislador quis, efetivamente, distinguir a regularização do vínculo precário através da celebração de um contrato de trabalho em funções públicas ou um contrato individual de trabalho, aplicando-se o artigo 8.º da Lei do PREVPAP à regularização dos vínculos de trabalhadores de órgãos ou serviços da administração pública propriamente dita, aos quais é aplicável a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e às situações que implicam a celebração de um contrato individual de trabalho, ao abrigo do Código do Trabalho, o disposto no artigo 14.º da Lei do PREVPAP. 18. Após uma leitura atenta do preceito legal previsto no artigo 13.º da Lei do PREVPAP, é notório de que não se encontra plasmado a tese de que tal norma apenas tem aplicabilidade aos opositores a quem vai ser aplicada a LTFP. 19. Outrossim, visa, proteger o princípio da proteção da antiguidade para todos os trabalhadores que sejam sujeitos a este regime, sob pena de gerar situações de discriminação ou diferenciação injustificada. 20. Ademais, do Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador, resulta que os trabalhadores estão sujeitos às avaliações de desempenho, que, por sua vez, se destinam a promover a progressão na carreira, com inerentes consequências ao nível do posicionamento retributivo. 21. Assim, dúvidas não existem de que não assiste qualquer razão à recorrente, pois, não é minimamente defensável que, apesar de estar preocupado com a precariedade laboral, o legislador não tenha querido acautelar a situação anterior dos trabalhadores, isto é, que a solução por si contemplada permita que os trabalhadores, após a regularização do vínculo, fiquem numa situação de desigualdade e desprotegidos, o que, sucedia caso a pretensão da recorrente fosse precedente! 22. O Tribunal a quo decidiu também de forma acertada e justa, ao condenar a recorrente no pagamento dos subsídios de férias e Natal, pois, resultando da leitura do artigo 14.º da Lei n.º 112/2017 que a intenção do legislador não foi o de fazer nascer uma nova relação laboral, mas sim impor à entidade beneficiária do trabalho precário a obrigação de reconhecer/assumir/aceitar que a relação prévia àquela regularização já tinha natureza laboral, e sendo certo que, a obrigação de pagamento do subsídio de férias e Natal resulta de norma imperativa, não poderia o Erudito Tribunal de Primeira Instância ter concluído noutro sentido, que não o de condenar a recorrente no pagamento dos aludidos subsídios em falta, decisão essa que não coloca, de forma alguma, em causa o princípio da igualdade, na medida em que, aos trabalhadores admitidos ao serviço da recorrente com essa qualidade (aos não precários) foram sempre pagos tais montantes, pelo que, a decisão do Tribunal a quo está, na verdade, a repor a igualdade entre os trabalhadores com um vínculo originário precário e os não precários. 23. Mesmo que não tivesse sido criado o PREVPAP, programa de combate à precariedade laboral, atenta a matéria de facto considerada provada nos presentes autos, sempre se imporia ao Tribunal a quo a condenação da recorrente no pagamento dos referidos subsídios, pois, apesar de nessa hipótese (inexistência do PREVPAP) a recorrente ter limites à contratação de trabalhadores sem lançamento de um concurso, considerando-se nulos os contratos celebrados sem obediência de tal formalismo, o certo é que, os efeitos da nulidade impunham igualmente à recorrente que pagasse ao recorrido os referidos subsídios de férias e natal, uma vez que, o artigo 122.º do Código do Trabalho determina que “o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado”. 24. O Tribunal a quo andou igualmente bem ao condenar a R. a reconhecer que no ano de 2020 a A. tinha direito a gozar 22 dias úteis de férias, com as inerentes consequências legais, pois, tendo em conta que o contrato de trabalho se iniciou em 2016, e que através do PREVPAP não se visou a criação de novas relações de trabalho, mas sim a mera regularização formal das relações já existentes no plano material, aplicando-se às mesmas o regime jurídico que lhe devia ter sido aplicado desde o início, não poderia o Erudito Tribunal de Primeira Instância acolher entendimento diverso. 25. A sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo, por isso, manter-se inalterada. 26. A sentença recorrida não violou o disposto no artigo 14.º n.º 3 da Lei 112/2017, de 29 de dezembro, nem os artigos 47.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa.” Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso. Tal parecer não mereceu qualquer resposta. Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento. II OBJECTO DO RECURSO Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar: a) Antiguidade da autora; b) Reconstituição da carreira profissional da autora, designadamente para efeitos de colocação na posição remuneratória que lhe couber, por referência ao início do contrato a 11.12.2016; c) Se são devidas as férias e, bem assim, os subsídios de férias e de Natal reclamados [dos subsídios de férias e de Natal e da condenação no reconhecimento do direito da autora ao gozo, no ano de 2020, de 22 dias úteis de férias]; d) Violação dos art.s 2.º e 47.º n.º 1 da CRP. III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos relevantes para a decisão da causa são os que assim constam da decisão recorrida (pois que não houve recurso da matéria de facto nem se vislumbra fundamento para alterar oficiosamente a decisão proferida sobre essa matéria): “Encontra-se assente, com relevância para a decisão a proferir, a seguinte factualidade: a). A ré é uma Fundação Pública com regime de direito privado. --- b). A autora foi verbalmente admitida pela ré, ao abrigo de regime de prestação de serviços, para desempenhar funções de apoio técnico e administrativo na Escola de Economia e Gestão, actividade essa que iniciou aos 11.12.2016. --- c). Posteriormente, a ré veio a formalizar o referido vínculo, mediante a contratação da autora a coberto do regime simplificado de aquisição de serviços por ajuste directo, o que sucedeu até 31.05.2018. --- d). Por escrito datado de 28.05.2018, foi entre a ré e a autora formalizado acordo, denominado por “Contrato de Bolsa de Investigação”, por via do qual foi à segunda atribuída Bolsa de Gestão de Ciência e Tecnologia, tendo o início de produção dos respectivos efeitos sido reportado a 01.06.2018 e fixada a sua duração em 3 meses, com possibilidade de renovação. --- e). O contrato mencionado em d), foi sendo, ininterrupta e sucessivamente, renovado, perdurando os seus efeitos até 31.12.2019. --- f). A coberto da vinculação formalizada nos termos reportados em b) a e), a autora, a partir de 11.12.2016, exerceu, em continuidade mantida, sem quaisquer interrupções temporais, funções para a ré, consistentes na execução das seguintes tarefas: --- - Elaboração de propostas de formação; --- - Recepção de pedidos de formação e tratamento das inerentes questões administrativas; --- - Gestão de redes sociais e actividades de email marketing; --- - Apoio aos formadores e formandos, bem como gestão da operação dos programas de formação; --- - Interacção com os responsáveis das entidades por referência às quais a ... desenvolve programas de formação. --- g). As sobreditas funções foram pela autora exercidas de acordo com instruções e sob orientação de quem o chefiava directamente, tendo sido sempre desenvolvidas em instalações da ré e com utilização de equipamentos e instrumentos de trabalho pertença desta. --- h). Para além disso, a autora observou sempre o horário definido pela ré, com subordinação a controlo superior, estando, também, dependente de autorização superior para marcação do período anual de descanso que lhe era reconhecido, bem como para poder ausentar-se, em caso de necessidade, do local de execução da sua actividade. --- i). Como contrapartida das funções que exerceu, a autora recebeu da ré, 12 vezes por ano, os seguintes valores mensais ilíquidos: --- i. Entre 11.12.2016 e 07.04.2017: € 1.224,00; --- ii. De 08.04.2017 a 31.12.2017: € 1.690,00; --- iii. De Janeiro a Maio de 2018: € 1.364,55; --- iv. De Junho a Dezembro de 2018: € 1.245,00; --- v. De Janeiro a Dezembro de 2019: € 1.257,33. --- j). No âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários [PREVPAP], foi emitido pela Segunda Comissão de Avaliação Bipartida [CAB] da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior parecer favorável à regularização extraordinária do vínculo que mantinha com a ré, por ter sido considerado que as funções que exercia, e que extravasaram os planos de actividades formalmente definidos nos contratos de bolsa, satisfaziam necessidades permanentes da universidade e que o vínculo que vinha sendo mantido era inadequado. --- l). O referido parecer foi objecto de homologação pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das Finanças, do Trabalho, da Solidariedade e Segurança Social. m). Ao abrigo do referido programa, a ré e a autora vieram, aos 30.12.2019, a outorgar, por escrito, contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, em vista da regularização do vínculo mantido entre ambas, com atribuição à segunda da categoria de Técnico Superior da carreira de Técnico Superior. --- n). Da Cláusula 1ª do mencionado escrito ficou a constar que: --- “1. O presente contrato é celebrado por tempo indeterminado e tem início em 01.01.2020. 2. Ao abrigo do disposto no artº 11º da Lei PREVPAP, o tempo de serviço prestado na situação de exercício de funções a regularizar é contabilizado para efeitos de duração do decurso do período experimental, sendo o mesmo dispensado quando aquele tempo de serviço seja igual ou superior à duração de 180 dias, definida no artigo 112º nº 1, alínea b) do Código do Trabalho. 3. Em conformidade com o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 14º da Lei PREVPAP, a antiguidade na categoria reporta-se a 01.02.2017”. --- o). Mais foi feito constar da Cláusula 5ª do escrito sob consideração que: --- “1. O Primeiro Outorgante pagará ao Segundo Outorgante a retribuição base mensal de € 1.347,25 (mil, trezentos e quarenta e sete euros e vinte e cinco cêntimos), correspondente entre a 2ª e 3ª posição retributiva da categoria e ao nível retributivo entre 15-A e 19-A da tabela retributiva única constante no anexo III do Regulamento, em conformidade com o preceituado no artigo 37º nº 5 do Regulamento. 2. Sobre a retribuição incidem os descontos legalmente previstos”. --- p). Pelo menos em Julho de 2020, a autora auferia a retribuição base de € 1.351,29. q). Por considerar o ano de 2020 como o da admissão da autora ao seu serviço, ao abrigo de contrato de trabalho, a ré apenas lhe pagou subsídio de férias tendo por referência o período de 20 dias úteis, no montante de € 1.228,45. --- B). FACTUALIDADE NÃO DEMONSTRADA Para além de factos que possam mostrar-se em contradição com aqueles que se deram por assentes, nenhuma materialidade, com relevância para a decisão a proferir, ficou por demonstrar. ** Nenhum outro facto, com relevância para a decisão a proferir, se demonstrou ou ficou por demonstrar. ---”IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO - Da antiguidade da autora: A recorrente insurge-se, logo em primeiro lugar, contra o reconhecimento na sentença recorrida da antiguidade da autora (para todos os efeitos inerentes à relação laboral) por reporte a 11.12.2016. Assim, e designadamente, diz a recorrente que “Sendo indubitável que a Recorrida apenas foi integrada com contrato de trabalho por tempo indeterminado porquanto foi opositor ao regime do PREVPAP (previsto e regulado pela Lei 112/2017, de 29 de dezembro), entende a Recorrente que tal regime não pressupõe que, nos casos em que os opositores não detinham um vínculo laboral prévio, haja o reconhecimento da existência de uma relação laboral prévia.” Vejamos. Já previa o n.º 1 do art. 25.º da Lei 42/2016, de 28.12 (Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2017) que “No âmbito da estratégia de combate à precariedade definida no artigo 19.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, e na sequência do levantamento dos instrumentos de contratação utilizados pelos serviços, organismos e entidades da Administração Pública e do setor empresarial do Estado, o Governo apresenta à Assembleia da República até ao final do primeiro trimestre de 2017 um programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública para as situações do pessoal que desempenhe funções que correspondam a necessidades permanentes dos serviços, com sujeição ao poder hierárquico, de disciplina ou direção e horário completo, sem o adequado vínculo jurídico.” Também o ponto 2 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 32/2017, de 28.2, e depois de no seu preâmbulo ter nomeadamente consignado que “Efetivamente, em obediência ao princípio da garantia de efetivação dos direitos fundamentais, corolário constitucional do Estado de direito democrático, importa regularizar as situações contratuais desadequadas que vierem a ser definitivamente identificadas, tendo em vista corrigir situações de flagrante injustiça da responsabilidade do próprio Estado, ainda que tenham tido por objetivo dar cabal cumprimento às obrigações de serviço público que lhe são legalmente atribuídas.” determinava que “são abrangidos pelo PREVPAP todos os casos relativos a postos de trabalho que, não abrangendo carreiras com regime especial, correspondam a necessidades permanentes dos serviços da administração direta, central ou desconcentrada, e da administração indireta do Estado, incluindo o setor empresarial do Estado, sem o adequado vínculo jurídico, desde que se verifiquem alguns dos indícios de laboralidade previstos no artigo 12.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de fevereiro.” Foi nesta senda que a Portaria n.º 150/2017, de 03.5 (Portaria que criou as designadas Comissões de Avaliação Bipartida – CAB), prevê também no seu preâmbulo: “Pretende-se que sejam ponderadas as situações de exercício de funções que correspondam a trabalho subordinado que concorrem para a satisfação de necessidades permanentes e não sejam baseadas num vínculo jurídico adequado.”. Posto o que, em harmoniosa decorrência, no art. 1.º, n.º 1, da Lei 112/2017, de 29.12, que estabelece o programa de regularização extraordinária dos vínculos precários, se diz que “A presente lei estabelece os termos da regularização prevista no programa de regularização extraordinária dos vínculos precários de pessoas que exerçam ou tenham exercido funções que correspondam a necessidades permanentes da Administração Pública, de autarquias locais e de entidades do setor empresarial do Estado ou do setor empresarial local, sem vínculo jurídico adequado, a que se referem o artigo 25.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 32/2017, de 28 de fevereiro.” e, no art. 2.º/1 e acerca do seu âmbito de aplicação, que “A presente lei abrange as pessoas que exerçam ou tenham exercido funções que correspondam ao conteúdo funcional de carreiras gerais ou especiais e que satisfaçam necessidades permanentes dos órgãos ou serviços abrangidos pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e alterada pelas Leis n.os 84/2015, de 7 de agosto, 18/2016, de 20 de junho, 42/2016, de 28 de dezembro, 25/2017, de 30 de maio, 70/2017, de 14 de agosto, e 73/2017, de 16 de agosto, bem como de instituições de ensino superior públicas de natureza fundacional, de entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica dos setores privado, público e cooperativo e de entidades do setor empresarial do Estado ou do setor empresarial local, cujas relações laborais são abrangidas, ainda que em parte, pelo Código do Trabalho, com sujeição ao poder hierárquico, à disciplina ou direção desses órgãos, serviços ou entidades, sem vínculo jurídico adequado”. E o art. 14.º da mesma Lei 112/2017 estabelece: “Entidades abrangidas pelo Código do Trabalho 1 - Em órgãos, serviços ou entidades abrangidos pelo n.º 1 do artigo 2.º, tratando-se de relações laborais abrangidas pelo Código do Trabalho, a homologação, pelos membros do Governo competentes, dos pareceres das CAB das respetivas áreas governamentais que identifiquem situações de exercício de funções que satisfaçam necessidades permanentes, sem vínculo jurídico adequado e, no setor empresarial local, a decisão da respetiva câmara municipal nos termos do n.º 4 do artigo 2.º, obriga as mesmas entidades a proceder imediatamente à regularização formal das situações, conforme os casos e nomeadamente mediante o reconhecimento: a) De que as entidades ficam, para este efeito, dispensadas de quaisquer autorizações por parte dos mesmos membros do Governo; b) Da existência de contratos de trabalho, nomeadamente por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes; c) De que os contratos de trabalho celebrados com termo resolutivo ao abrigo dos quais essas funções são exercidas se consideram desde o seu início sem termo, ou se converteram em contratos de trabalho sem termo, de acordo com o artigo 147.º do Código do Trabalho; d) De que, havendo trabalho temporário prestado à entidade em causa com base em contrato de utilização de trabalho temporário celebrado fora das situações de admissibilidade, o trabalhador se considera vinculado à mesma entidade por contrato de trabalho sem termo, de acordo com o n.º 3 do artigo 176.º do Código do Trabalho. 2 - De acordo com a legislação laboral, o reconhecimento formal da regularização, produzida por efeito da lei, não altera o valor das retribuições anteriormente estabelecido com a entidade empregadora em causa quando esta era parte do vínculo laboral preexistente. 3 - Nas situações a que não se aplica o número anterior, as retribuições serão determinadas de acordo com os critérios gerais, particularmente a retribuição mínima mensal garantida e as tabelas salariais das convenções coletivas aplicáveis. 4 - As entidades da Administração Pública não pertencentes à administração direta ou indireta do Estado, cujas relações laborais são reguladas pelo Código do Trabalho, procedem à identificação de situações de exercício de funções que satisfaçam necessidades permanentes e sem vínculo adequado, sendo aplicável a regularização formal das situações de acordo com o disposto no n.º 1. 5 - O procedimento de regularização dos vínculos precários nas entidades abrangidas pelo Código do Trabalho termina em 31 de maio de 2018.” (o realce é sempre nosso) Da análise conjugada destes diplomas, e particularmente dos princípios e normas citados, resulta claro que o legislador pretendeu corrigir situações no seio da administração pública que, constituindo materialmente contratos de trabalho por tempo indeterminado, os prestadores de actividade estavam formalmente ligados à administração mediante os mais variados tipos de vínculo – contratos de trabalho a termo resolutivo, contratos de trabalho temporário, contratos emprego-inserção, estágios, bolsas de investigação, bolsas de gestão de ciência e tecnologia, contratos de prestação de serviços… -, todos de «natureza precária». Como tem sido reafirmado em diversos acórdãos desta Relação, “com a criação do programa PREVPAP [regularização dos vínculos precários na Administração Pública e no Sector Empresarial do Estado], não foi intenção do legislador criar uma nova relação contratual de natureza laboral, mas sim teve como finalidade impor à entidade beneficiária do trabalho precário a obrigação de reconhecer a pré existência do vínculo laboral, nas situações em que se verificassem os requisitos para o efeito – cfr art.º 14.º n.º 1 b) da Lei n.º 112/2017. Só se reconhece aquilo que já existe assim partindo do pressuposto que o legislador soube exprimir corretamente o seu pensamento (cfr. artigo 9.º do Código Civil), é manifesto que a sua intenção foi a de que a entidade beneficiária assuma que a relação existente antes da regularização do vínculo precário era já uma relação de natureza laboral, pois, só assim se explica o recurso à figura da presunção do contrato de trabalho e da expressão “reconhecer”. Tal tem sido entendido em paridade com o que sucede na ARECT relativamente ao sector privado, salvaguardando assim o princípio da unidade do ordenamento jurídico.”[1] Também no Ac. do STJ de 22.6.2022[2], se assentou que «(…) quanto à reclassificação e remuneração da recorrida no âmbito da integração nos quadros da Ré, através do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública e setor empresarial do Estado (PREVPAP), importa ter em consideração o que salientou o acórdão recorrido: “o PREVPAP não cria novos vínculos laborais, antes regulariza situações (precárias) preexistentes, consistindo o dito programa, como resulta da exposição de motivos da referida Proposta de Lei 91/XIII, no reenquadramento contratual das situações laborais irregulares de modo a que as mesmas passem a basear-se em vínculos contratuais adequados” e, ainda como é referido na mesma peça “na sequência daquele processo de regularização, impunha-se à Ré proceder ao enquadramento da Autora, considerando a sua antiguidade, tipo de funções desempenhadas, grau de complexidade e responsabilidade, bem como retribuí-la em conformidade”.» Foi também este o caminho seguido na decisão recorrida, onde a propósito se escreveu: “Fundamentalmente, aquilo que por via do sobredito regime se pretendeu foi estender ao sector público o que, através da L. nº 63/2013, de 27.08, havia sido feito já relativamente à precaridade dos vínculos no domínio do sector privado, com a previsão da acção com processo especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, disciplinada nos artºs 186º- K e ss. do CPT, de que se destaca a previsão do nº 8 do artº 186º-O, no qual se prescreve que a sentença que reconheça a existência de um contrato de trabalho fixa a data do início da relação laboral. --- Ora, também por via do PREVPAP o que se pretendeu foi, justamente, garantir o reconhecimento de que situações anteriormente constituídas correspondiam já a relações laborais, impondo-se a respectiva regularização, através da formalização de contratos de trabalho em funções públicas ou de contratos individuais de trabalho, nos termos previstos pelo artº 7º da LTFP e 11º do CT, respectivamente. --- Importa ressaltar, em convergência com o que vem de dizer-se, a previsão do artº 13º da L. nº 112/2017, do qual emerge a imposição de respeito pela antiguidade, a significar, reforçadamente, não ter estado na mente do legislador a criação, por via do sobredito regime, de vínculos ex nunc, mas, outrossim, a formalização por via da celebração de contratos de trabalho do reconhecimento de situações pré-constituídas e qualificáveis como tal. ---” Concordamos inteiramente com o entendimento assim expendido. Com efeito, enfatiza a recorrente, em abono da sua tese, que no caso em análise a prestadora da actividade/recorrida não detinha um vínculo laboral prévio, mas facto este que convém precisar. Efectivamente, a autora/recorrida não se encontrava previamente (à regularização do seu vínculo no âmbito do PREVPAP) vinculado à ré/recorrente através de um contrato formalizado como contrato de trabalho, antes de contratos designados de “prestação de serviços”/“aquisição de serviços” e “Contrato de Bolsa de Investigação” (cf. al.s b) a e) da factualidade provada). Todavia, na sua execução tais contratos configuravam um verdadeiro contrato de trabalho (cf. al.s f) a i) do elenco dos factos provados e art.s 11.º e 12.º, este particularmente al.s a), b), c) e d) do seu n.º 1, do CT). E é, em suma, porque assim acontecia que a autora foi abrangida pelo PREVPAP. E o que em essência se fez no âmbito deste, e utilizando as palavras da lei, foi “o reconhecimento formal da regularização”. Ora, tendo a autora iniciado a prestação do seu trabalho para a ré em 11.12.2016, não se alcança nenhuma razão valida para não se considerar a sua antiguidade desde essa data, mas apenas desde 01.01.2020 (ou ainda que fosse desde 01.02.2017, data a que se reporta o reconhecimento da antiguidade na categoria), olvidando na parte que medeia entre uma e outra data o «primado da realidade», e cortando à duração do contrato de trabalho pelo que – nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 14.º da Lei 112/2017, de 29.12 – deve ser reconhecido à autora também aquela parte da sua “existência”. Não se afigura correcta a afirmação da recorrente que da diferença do regime previsto na al. b do n.º 1 do referido art. 14.º, em contraponto com o regime previsto nas al.s c) e d) do mesmo artigo, “tem que resultar uma diferença de actuação, pois que se o legislador pretendesse que o regime fosse o mesmo, tê-lo-ia plasmado na letra da lei, incluindo na alínea b) do número 1 do artigo 14.º menção idêntica à que faz na alínea seguinte (e na d), também, mas esta por via de remissão).” Na mencionada al. b) prevê-se o reconhecimento de contratos de trabalho, nomeadamente por efeito da já falada presunção (art. 12.º do CT), sem qualquer amputação. Se o contrato de trabalho deve ser reconhecido, que é o que a lei prescreve, e fazendo apelo aos critérios legais da interpretação (v.g. art. 9.º/3 do CC), deve sê-lo na íntegra, desde o seu início. Ademais, se alguma utilidade orientadora se pode retirar da redacção das referidas al.s c) e d) para a interpretação da al. b), é que a lei pretende que seja considerada toda a antiguidade. Daí que, concordando-se com a recorrente quando diz que “o programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública, PREVPAP, regulado pela Lei 112/2017, de 29 de dezembro, surge como uma excepção ao regime jurídico a que a Recorrente está obrigada, no que à contratação de trabalhadores respeita.”, discordamos quando, trazendo nomeadamente à colação o Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador da Universidade ..., publicado no Diário da República, 2ª série, de 12 de maio de 2017, e que nos seus termos a celebração de contratos de trabalho terá de ser precedida de um processo de recrutamento e seleção prévio, em obediência aos princípios gerais de direito, designadamente “Liberdade de candidatura, igualdade de condições e oportunidades para todos os candidatos”, pretende estar legalmente impedida de reconhecer a antiguidade nos termos reclamados pelo autor. Como vimos, o regime excepcional estabelecido pelo PREVPAP consagra o reconhecimento do contrato de trabalho sem que preveja qualquer restrição (relativamente à situação a reconhecer como integrando um contrato de trabalho) à fixação da data do seu início e, assim, abarcando toda a antiguidade da, agora assim considerada, trabalhadora. Acresce que se afigura claro que o disposto no art. 3.º/1 a) da Lei 112/2017 destina-se apenas a estipular uma janela de tempo para determinação dos interessados (opositores aos procedimentos concursais) ilegíveis para efeitos do PREVPAP e a data aposta no contrato como do seu início (01.01.2020) é «apenas» a data do início do contrato formalizado como contrato de trabalho. - Da reconstituição da carreira profissional da autora, designadamente para efeitos de colocação na posição remuneratória que lhe couber, por referência ao início do contrato a 11.12.2016: Na decisão recorrida fundamentou-se a opção a propósito tomada (a autora, como decorre do relatório supra, para além de outros pedidos, peticionou que a ré seja condenada a " b). Reconhecer a sua antiguidade reportada a essa data, com contabilização, ao nível da reconstituição da sua carreira, mormente para efeitos de posicionamento remuneratório, do período temporal decorrido desde 11.12.2016 até 01.02.2020"), e nomeadamente, nos seguintes termos: “Aqui chegados, e impondo-se, como se viu já que se impõe, reconhecer a existência de vínculo de natureza laboral entre a ré e a autora desde 11.12.2016, opôs-se a primeira à pretensão formulada pela segunda de que a condenação nesse reconhecimento importe o dever de reconstituição da sua carreira, designadamente para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório, por inaplicabilidade do disposto no artº 13º da L. nº 112/2017, reservado que estaria à situação daqueles que, ao abrigo do regime extraordinário de regularização do seu vínculo, fossem recrutados, o que não foi o caso, através de procedimento concursal, únicos sujeitos ao processo de avaliação mencionado na referida disposição. --- Parece, contudo, esquecer a ré que, de acordo com o seu próprio Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador, alterado e republicado em anexo por Despacho nº ...17 da Reitoria – publicado no DR, 2ª Série, nº 92, de 12.05.2017 -, os trabalhadores contratados por tempo indeterminado, categoria que importa para o caso considerar, estão sujeitos a avaliação de desempenho nos termos do seu, dela ré, regulamento interno próprio – cfr. artº 18º, nº 2. --- Ora, esse regulamento foi aprovado por Despacho da Reitoria nº ...18 – publicado no DR 2ª Série, nº 1, de 02.01.2018 –, dele resultando que a avaliação de desempenho se destina, entre o mais, a promover a progressão na carreira do trabalhador, nos termos do regulamento da gestão de carreira do pessoal não docente e não investigador em regime de contrato de trabalho, regulamento esse aprovado por Despacho nº ...18 – publicado no DR, 2ª Série, nº 37, de 21.02.2018. --- Emerge, assim, e desde logo, daquilo que vem de dizer-se, que também os trabalhadores vinculados por contrato individual de trabalho em regime de direito privado estão sujeitos a avaliação, a realizar, na circunstância, nos termos previstos pelos regulamentos internos da ré. --- Para além disso, ou, até independentemente disso, nunca o reconhecimento da existência de vínculo anterior à data de formalização dos contratos, por via do regime extraordinário de que ora cuidamos, poderia deixar de ter como consequência, a dever ser esse o caso, a reconstituição da carreira, em termos de progressão, com inerentes consequências ao nível do posicionamento retributivo. Já se a autora, de acordo com o regulamento de gestão acima referido, mormente em face do que se prescreve nos respectivos artºs 2º, nº 3 e 4º, nº 2 reúne, ou não, requisitos para o efeito, é aspecto que extravasa do objecto da presente acção. – Em decorrência do que vem de expor-se, não pode a ré deixar de ser condenada a reconstituir, devendo ser esse o caso, a carreira da autora, quanto à sua progressão e consequente colocação na posição remuneratória que lhe couber. ---” A ré, discordando deste entendimento, recorre alegando essencialmente o seguinte: "Percorrida a Lei 112/2017, de 29 de Novembro, é no artigo 13.º da mesma que se encontra a menção à reconstituição da carreira do trabalhador integrado. Sucede que não se pode aplicar o disposto no indicado artigo 13.º à relação contratual existente entre o Recorrente e Recorrida. De facto, analisado o regime do PREVPAP, verifica-se que o mesmo distinguiu de forma clara as relações contratuais a regularizar que são regidas pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, e as que são regidas pelo Código do Trabalho. Assim, que quanto ao primeiro caso, a Lei 112/2017 de 29 de dezembro apresenta o regime ínsito nos artigos 8.º a 13.º e no segundo caso, o artigo 14.º. Conclusão que se alcança por via da simples leitura da lei: o artigo 8.º apresenta como epígrafe Processo de integração, e o número 1 desse artigo não deixa margem para dúvidas ao identificar qual o processo de integração que passa a ser regulado: Nos órgãos ou serviços abrangidos pela LTFP: Do artigo 8.º ao artigo 13.º, a Lei do PREVPAP descreve o procedimento de integração dos opositores a quem vai ser aplicada a LTFP. Sendo que, no artigo 14.º o legislador é claro ao prever que o mesmo se destina a ser aplicado às Entidades abrangidas pelo Código do Trabalho. E, neste artigo, os números 2 e 3 estabelecem o regime atinente às retribuições. Quer isto dizer que o legislador separou ambas as situações, e criou regimes distintos para as mesmas, não sendo, claramente, aplicável a entidades abrangidas pelo Código do Trabalho o vertido no artigo 13.º. O Tribunal a quo argumenta que, uma vez que a Recorrente realiza avaliações dos seus trabalhadores, que deve estar sujeita ao regime que impõe a reconstituição das carreiras. Não nos parece que deva este entendimento ter acolhimento, uma vez que se trata de uma questão que surge a jusante, ou seja, depois de decidida a questão principal: a aplicação ou não do artigo 13.º ao caso concreto. Sendo aplicável, então logo se apreciaria a forma de aplicação dessa reconstituição da carreira (nomeadamente, por via das avaliações – ou falta delas – previstas no Regulamento das Carreiras do pessoal não docente). Mas, uma vez que não é aplicável, tal é uma questão irrelevante para o caso." Efectivamente existe na ré o Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador identificado na sentença recorrida, aplicável pois ao pessoal não docente e não investigador em regime de contrato de trabalho, i. é, celebrado ao abrigo do CT, cujo art. 3.º estabelece que "O regime jurídico aplicável aos trabalhadores referidos no artigo anterior é o constante no Código do Trabalho, no presente Regulamento e demais Regulamentos da ..., sem prejuízo dos instrumentos de regulamentação coletiva que venham a ser adotados nos termos da lei." O art. 11.º do mesmo Regulamento prevê que "As categorias encontram-se estruturadas em distintas posições retributivas que constam no anexo II ao presente Regulamento e que dele faz parte integrante." e o art. 18.º que "1 - As mudanças de categoria e alterações salariais regem-se por regulamento interno próprio. 2 - Os trabalhadores contratados por tempo indeterminado, bem como os contratados a termo por períodos superiores a seis meses, estão sujeitos a avaliação de desempenho nos termos de regulamento interno próprio." Regulamento interno próprio – Regulamento de avaliação do desempenho - que foi aprovado pelo Despacho 78/2018, constando do seu art. 1.º: "1 — O presente regulamento aplica -se ao pessoal não docente e não investigador em regime de contrato de trabalho da Universidade ... integrados nas carreiras e categorias definidas no Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho do Pessoal não Docente e não Investigador da Universidade ... (adiante designado por trabalhadores em regime privado ou trabalhadores), abrangendo os trabalhadores contratados por tempo indeterminado, bem como os contratos a termo por períodos superiores a seis meses. 2 — O processo de avaliação tem como objetivo principal a valorização do desempenho dos trabalhadores em regime privado e a melhoria contínua da sua atividade, em cumprimento da missão e objetivos da Universidade ..., adiante designada por ... " E o seu art. 21.º: "A avaliação do desempenho tem, designadamente, os seguintes efeitos: a) Identificação de potencialidades pessoais e profissionais do trabalhador que devam ser desenvolvidas; b) Diagnóstico de necessidades de formação; c) Promover a progressão na carreira do trabalhador e a atribuição de prémios de desempenho, nos termos do regulamento da gestão da carreira do pessoal não docente e não investigador em regime de contrato de trabalho da Universidade ...." O regulamento interno é uma das formas que o empregador pode utilizar para criar regras na empresa, ao cumprimento das quais ficará, naturalmente, vinculado – cf. art. 104.º do CT. Todavia, não pode olvidar-se que a Lei 112/2017, de 29.12, contém um regime específico, e que não se harmoniza, antes pode revelar-se incompatível, com as normas regulamentares acabadas de citar. Relembrando na parte que para aqui mais releva, aquele artigo 14.º, sob a epígrafe Entidades abrangidas pelo Código do Trabalho, dispõe: “1 - Em órgãos, serviços ou entidades abrangidos pelo n.º 1 do artigo 2.º, tratando-se de relações laborais abrangidas pelo Código do Trabalho, a homologação, pelos membros do Governo competentes, dos pareceres das CAB das respetivas áreas governamentais que identifiquem situações de exercício de funções que satisfaçam necessidades permanentes, sem vínculo jurídico adequado e, no setor empresarial local, a decisão da respetiva câmara municipal nos termos do n.º 4 do artigo 2.º, obriga as mesmas entidades a proceder imediatamente à regularização formal das situações, conforme os casos e nomeadamente mediante o reconhecimento: a) De que as entidades ficam, para este efeito, dispensadas de quaisquer autorizações por parte dos mesmos membros do Governo; b) Da existência de contratos de trabalho, nomeadamente por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes; c) De que os contratos de trabalho celebrados com termo resolutivo ao abrigo dos quais essas funções são exercidas se consideram desde o seu início sem termo, ou se converteram em contratos de trabalho sem termo, de acordo com o artigo 147.º do Código do Trabalho; d) De que, havendo trabalho temporário prestado à entidade em causa com base em contrato de utilização de trabalho temporário celebrado fora das situações de admissibilidade, o trabalhador se considera vinculado à mesma entidade por contrato de trabalho sem termo, de acordo com o n.º 3 do artigo 176.º do Código do Trabalho. 2 - De acordo com a legislação laboral, o reconhecimento formal da regularização, produzida por efeito da lei, não altera o valor das retribuições anteriormente estabelecido com a entidade empregadora em causa quando esta era parte do vínculo laboral preexistente. 3 - Nas situações a que não se aplica o número anterior, as retribuições serão determinadas de acordo com os critérios gerais, particularmente a retribuição mínima mensal garantida e as tabelas salariais das convenções coletivas aplicáveis. (…)” Ora, entre as “entidades abrangidos pelo n.º 1 do artigo 2.º”, com relações laborais abrangidas pelo Código do Trabalho, contam-se expressamente as “instituições de ensino superior públicas de natureza fundacional”, como é o caso da recorrente. Em consequência, nas situações como a do caso presente (a autora não prestava o seu trabalho à ré mediante um contrato formalizado como contrato de trabalho, ainda que a termo, pelo que é particularmente à luz do citado número 3 que temos de dilucidar a questão), as retribuições serão determinadas de acordo com os critérios gerais, particularmente a retribuição mínima mensal garantida e as tabelas salariais das convenções coletivas aplicáveis. O ponto passa, pois, por determinar o que quer o legislador significar com a expressão “as retribuições serão determinadas de acordo com os critérios gerais”. Quais critérios gerais? Afigura-se que os critérios ínsitos à legislação laboral, nomeadamente pode lograr aqui aplicação o princípio da irredutibilidade da retribuição ínsito ao art. 129.º/1 al. d) do CT. O que não retira razão de ser nem conflitua com a alusão na mesma norma à “retribuição mínima mensal garantida” e às “tabelas salariais das convenções coletivas aplicáveis”, pois sempre poderão conter patamares mínimos que, também nos «termos gerais», tenham de ser respeitados. Não faz sentido é recorrer aqui, e particularmente para a fixação da retribuição no contrato formalizado no âmbito do PREVPAP, ao Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente (conjugado com o Regulamento de avaliação do desempenho), quando, no que tange aos trabalhadores vinculados ao empregador por contrato de trabalho em funções públicas a lei regulou expressa e pormenorizadamente os termos da integração na carreira e posicionamento remuneratório, assim como a reconstituição da carreira (cf. art.s 12.º e 13.º da citada Lei) e, tendo previsto um regime diverso para as entidades abrangidas pelo Código do Trabalho/trabalhadores vinculados através de contrato de trabalho, neste não dê qualquer relevância aqueles regulamentos, omitindo por completo qualquer repercussão dos mesmos, v.g., no achamento do valor da retribuição do trabalhador. E até tendo em consideração os “órgãos, serviços ou entidades abrangidos pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei 112/2017” que importa ter em consideração - instituições de ensino superior públicas de natureza fundacional, de entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica dos setores privado, público e cooperativo e de entidades do setor empresarial do Estado ou do setor empresarial local, cujas relações laborais são abrangidas, ainda que em parte, pelo Código do Trabalho -, o legislador não desconhecia certamente que, senão em todos seguramente em muitos deles, vigoram, como no caso da ré, regulamentos que regem as carreiras dos respectivos trabalhadores, designadamente para efeitos de integração e progressão nas tabelas remuneratórias. Donde, não deixaria o legislador, se fosse essa a sua intenção, de prever de forma expressa/clara o reflexo dos regimes de carreiras previstos nesses regulamentos no posicionamento remuneratório também dos trabalhadores que celebraram, no âmbito do PREVPAP, contratos de trabalho por tempo indeterminado. Aliás, a lei é taxativa, afastando qualquer eventual posicionamento inicial ou incremento remuneratório por força da integração na carreira e categoria e/ou da “reconstituição da carreira”, quando (para o caso de o vínculo pré existente já então ser formalmente assumido como contrato de trabalho, conquanto com natureza precária/a termo), nos termos do n.º 2 do citado art. 14.º, prescreve De acordo com a legislação laboral, o reconhecimento formal da regularização, produzida por efeito da lei, não altera o valor das retribuições anteriormente estabelecido com a entidade empregadora em causa quando esta era parte do vínculo laboral preexistente. Ante o exposto, merece, nesta parte, provimento o recurso. - Das férias e dos subsídios de férias e de Natal reclamados [dos subsídios de férias e de Natal e da condenação no reconhecimento do direito da autora ao gozo, no ano de 2020, de 22 dias úteis de férias (e consequências)]: Como também decorre da fundamentação da sentença recorrida, são devidos subsídios de férias e de Natal. Com efeito, a procedência do recurso estava nesta parte essencialmente dependente do sucesso do recurso – que não se verifica - quanto à precedente questão da antiguidade. Daí que, e tendo-se reconhecido a antiguidade da autora com referência a 11.12.2016, sejam devidos, em conformidade com o disposto nos art.s 237.º n.ºs 1 e 2, 238.º n.º 1, 239.º n.º 1 e 264.º nº.s 1 e 2 e 263.º, n.º 1 e n.º 2 al. a), todos do CT, os valores reconhecidos a este título na decisão recorrida. E das normas que acima se identificaram, particularmente do art. 238.º/1 do CT, também é devida a diferença resultante de a autora ter direito ao gozo de 22 dias de férias com referência ao ano de 2020. - Da invocada violação dos art.s 2.º e 47.º n.º 1 da CRP: Cumpre agora pronunciarmo-nos quanto à invocada inconstitucionalidade da interpretação das normas em que se fundamentou a sentença recorrida, já que a recorrente defende que por força da Lei 112/2017, que aprovou o PREVPAP, só estava autorizada a regularizar a relação contratual que mantinha com a recorrida nos termos em que o fez, pelo que, ao fazer-se reportar a antiguidade do autor a Abril de 2012, ao fixar-se o valor da retribuição que se fixou na sentença, e ao estabelecer-se que a autora tem direito a receber os valores dos subsídios de férias e de Natal que peticionou, o Tribunal está a aplicar o regime jurídico do PREVPAP em violação do disposto nos art.s 2.º e 47.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa. O art. 2.º da CRP consagra o princípio fundamental de que a República Portuguesa é um Estado de Direito Democrático (“baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa”), e os n.ºs 1 e 2 do art. 47.º do mesmo diploma fundamental estabelecem, respectivamente, que “Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade.” e “Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.”. Ora, como escreve Bruno Gonçalo Fidalgo Martelo[3], «(…) as EPE, fazendo parte integrante da Administração Pública, não podem recrutar pessoal com a liberdade com que o faz uma empresa privada. Na verdade, e parafraseando Hartmut Maurer, “a Administração dispõe das formas de direito privado, mas não da liberdade e das possibilidades da autonomia privada”. Assim, mesmo que se defenda que a contratação de pessoal nas EPE não está sujeita à regra do concurso que decorre do artigo 47.º, n.º 2, da CRP, sempre terão de ser observados, nessa contratação, os princípios que regem a actividade administrativa, designadamente os da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da boa-fé e da publicidade.» E em nota (118) de rodapé acrescenta: «É assim que, por exemplo, o Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de Dezembro – diploma que procedeu à transformação dos Hospitais S.A. em EPE – estabelece, no n.º 4 do artigo 14.º que “[o]s processos de recrutamento devem assentar na adequação dos profissionais às funções a desenvolver e assegurar os princípios da igualdade de oportunidades, da boa fé, da não discriminação, bem como da publicidade, excepto em casos de manifesta urgência, devidamente fundamentada”.» (sublinhado nosso) Não se lobriga, porém, que a aplicação, e interpretação, que acima se fez, corroborando o entendimento da 1.ª instância, das normas da Lei 112/2017, particularmente dos assinalados segmentos (números 2 e 3) do seu art. 14.º, colidam com os princípios ínsitos às normas da CRP que a recorrente trouxe à colação. Diga-se, com particular referência ao n.º 2 do art. 47.º da CRP, que mesmo a regra do concurso como forma normal de provimento de lugares na Administração Pública mais do que determinar a exclusividade desta forma de recrutamento impõe, sim, que sejam devidamente justificados os casos de provimento de lugares sem concurso.[4] A Lei 112/2017 afigura-se clara quer na sua redacção quer na sua intencionalidade, aliás já bem expressa nos diplomas que, versando a matéria, a antecederam, limitando-se o Tribunal recorrido a fazer a sua aplicação ao pleito submetido a julgamento. Como já se escreveu em acórdão desta Relação[5], “Salvo o devido respeito por opinião em contrário, não podemos concordar com a Recorrente, pois a posição assumida na sentença recorrida a propósito quer da antiguidade, quer do direito a receber os subsídios de férias e de natal desde o início da relação contratual estabelecida entre as partes” – e, acrescentamos nós, quanto ao valor da retribuição fixado – “tem acolhimentos na Lei n.º 112/2017, de 29-12.” Não se olvida que, como regra, a ré tem razão quando diz que a celebração de contratos de trabalho terá de ser precedida de um processo de recrutamento e seleção prévio, designadamente em obediência aos princípios gerais de “Liberdade de candidatura, igualdade de condições e oportunidades para todos os candidatos” – já desde a Lei n.º 23/2004, de 22/6 (que aprovou o regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública) se previa que “Aos contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas é aplicável o regime do Código do Trabalho e respectiva legislação especial, com as especificidades constantes da presente lei.” (art. 2.º, n.º 1), sendo que logo o seu art. 5.º prescrevia sobre o processo de selecção, e obrigava a que fossem respeitados diversos princípios atinentes aqueles referidos pela ré – mas foi precisamente para, indo além deste regime, permitir a integração de trabalhadores, “sujeitos a situações de flagrante injustiça da responsabilidade do próprio Estado”, no seio da administração Pública que foi publicada toda a legislação relativa ao PREVPAP. Numa situação similar, em termos substanciais, à discutida nos autos, ainda recentemente o Supremo Tribunal Administrativo proferiu acórdão em que, ao que supomos e face à jurisprudência que vem sendo publicada, pela primeira vez, e divergindo de anterior jurisprudência, veio perfilhar o entendimento que o contrato de trabalho a termo deve ser qualificado como contrato de trabalho por tempo indeterminado e o funcionário deve para passar a integrar os quadros da entidade pública, escrevendo-se no respectivo sumário: “I - O regime sancionatório estabelecido no número 3 do artigo 92.º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, não previne, nem reprime, de forma efetiva os abusos decorrentes da celebração de sucessivos contratos de trabalho a termo, para além do prazo ou do número máximo de renovações legalmente permitidas. II - Não se prevendo no direito interno português outras medidas que previnam aqueles abusos, o número 2 do artigo 92.º do mesmo diploma legal, que proíbe em absoluto a conversão de contratos de trabalho a termo celebrados por entidades públicas em contratos de trabalho por tempo indeterminado, viola o Direito da União Europeia, nomeadamente o artigo 5.º do Acordo-Quadro anexo à Diretiva n.º 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo-quadro CES, UNICE e CEEP. III - A conversão de um contrato a termo num contrato por tempo indeterminado, por efeito da aplicação direta da alínea b) do número 2 do artigo 5.º da citada Diretiva n.º 1999/70/CE, não constitui uma restrição arbitrária do princípio da igualdade no acesso à função pública, não violando o disposto no número 2 do artigo 47.º da CRP.” Afirmando-se aa fundamentação do acórdão o seguinte: “(…) independentemente do regime de acesso e da forma de constituição dos contratos de trabalho em funções públicas a termo resolutivo, hoje, como então, o princípio da igualdade no acesso à função pública não se pode sobrepor cegamente ao direito à estabilidade no emprego consagrado no artigo 53.º da CRP. O entendimento em que assenta o Acórdão n.º 368/00 [do TC], que reduz aquele direito, no âmbito das relações de trabalho a termo, a uma mera garantia indemnizatória, parte de um preconceito injustificado sobre as modalidades de recrutamento dos contratados a termo no setor público, ignora o interesse e a responsabilidade dos empregadores públicos na consolidação das relações laborais a termo, e não pondera de forma proporcional os diversos valores constitucionais em presença. Como salientou de forma expressiva Liberal Fernandes, «este entendimento da segurança no emprego parece-nos altamente redutor do âmbito de uma regra estruturante do nosso ordenamento laboral; admitir, como tese geral, a redutibilidade daquele princípio a um direito de indemnização significa amputar o seu conteúdo e restringir de forma desproporcionada as garantias contra a violação do seu conteúdo essencial, uma vez que a regra da conversão constitui o meio que verdadeiramente lhe confere eficácia jurídica» - cfr. Relações de tensão entre o ordenamento português e comunitário na disciplina do contrato de trabalho a termo, in Revista Electrónica de Direito, 2013, n.º 1, p. 19.” De todo o modo, como se diz da decisão recorrida, o processo que levou à formalização do contrato individual de trabalho aqui em causa nada teve de discricionário/arbitrário. Na conclusão O) diz a apelante que “(…) não se pode senão concluir que face à insegurança jurídica que acarreta a norma ínsita no artigo 14.º, número 1, alínea b) da Lei do PREVPAP, especificamente quando interpretada e aplicada no sentido de que deve o empregador, mesmo que sujeito à regra do concurso prevista no artigo 47.º, número 1, da CRP, reconhecer ao opositor do PREVPAP uma antiguidade coincidente com o início da relação contratual não laboral que esteve subjacente ao exercício das funções que representavam necessidades permanentes daquela, a mesma viola o artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.” Mais uma vez se refira que a recorrente incorre num equívoco ao afirmar que “(…) o início da relação contratual não laboral que esteve subjacente ao exercício das funções que representavam necessidades permanentes daquela (…)” (sublinhámos) Efectivamente, e como decorre do que já se deixou dito, o contrato só não estava formalizado como laboral desde o início, mas a relação que, desde o início, se estabeleceu entre a autora e a ré tinha natureza laboral. E aludir a “insegurança jurídica” - “que acarreta a norma ínsita no artigo 14.º, número 1, alínea b) da Lei do PREVPAP, especificamente quando interpretada e aplicada no sentido de que deve o empregador, mesmo que sujeito à regra do concurso prevista no artigo 47.º, número 1, da CRP, reconhecer ao opositor do PREVPAP uma antiguidade coincidente com o início da relação contratual não laboral que esteve subjacente ao exercício das funções que representavam necessidades permanentes daquela”, é, quer pelo já apontado equívoco (quanto ao pressuposto de que a relação não é laboral desde o início), quer porque apenas radica numa diferente, mas «normal», interpretação da lei, é conclusão que não tem fundamento bastante, não conflituando a interpretação acolhida na sentença, de forma alguma, com o Estado de direito. V - DECISÃO Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença na parte em que condena a ré a “ii. Reconstituir, devendo ser esse o caso, a carreira da autora, quanto à sua progressão e consequente colocação na posição remuneratória que lhe couber;”. Quanto ao mais, confirma-se a decisão recorrida. Custas: 2/3 a cargo da recorrente e 1/3 a cargo da recorrida. Notifique. Guimarães, 10 de Julho de 2023 Francisco Sousa Pereira (relator) Vera Maria Sottomayor Antero Veiga [1] Cf. Ac. RG de 16.12.2021, Proc. 6149/20.6T8BRG.G1, Relator: Vera Sottomayor, www.dgsi.pt. [2] Proc. 987/19.0T8BRR.L2.S1, Relator: Pedro Branquinho Dias, in www.dgsi.pt; no mesmo sentido e mais recentemente, Ac. STJ de 08-03-2023, Proc. 20152/21.5T8LSB.L1.S1, Ramalho Pinto, www.dgsi.pt. [3] O regime jurídico de emprego nas entidades públicas empresariais à luz da laboralização da função pública, consultável em https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/42722/1/Bruno%20Martelo.pdf [4] Ac. n.º 61/2004 TC (Pleno), Proc, 471/01, Relator: Mário Torres, www.tribunalconstitucional.pt. [5] Ac. de 6.12.2021, Proc. 6149/20.6T8BRG.G1, Relator: Vera Sottomayor, www.dgsi.pt. |