Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
205/22.3T8MLG.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: ACÃO DE ALIMENTOS
OBRIGADOS A ALIMENTOS
LEGITIMIDADE
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Numa ação de alimentos, o autor/alimentando pode exercer o seu direito perante qualquer dos obrigados, não lhe competindo provar a impossibilidade económica daqueles que precedem o demandado na ordem legalmente estabelecida (art. 2009º, n.ºs 1 e 3, do Cód. Civil).
II - Nada obsta, por isso, que aquele demande apenas os filhos, para deles exigir a prestação dos alimentos de que carece.
III - Cabe aos demandados invocar (e provar) a excepção da existência de um obrigado anterior e a subsidiariedade da sua obrigação, designadamente que o ex-cônjuge do autor possui meios para lhe prestar alimentos.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA intentou, no Juízo de Competência Genérica de ... do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum (alimentos definitivos), contra 1º- BB e 2º- CC, peticionando a fixação de uma pensão de alimentos a favor da Autor, no valor mensal de € 240,00 e a condenação dos Réus no seu pagamento, na proporção de ½ (metade), ou de 50% (cinquenta por cento), a cargo de cada um deles (RR.), a contar da data da propositura da presente ação.
Para o efeito, e em síntese, alegou, auferir mensalmente, de pensões de reforma, a quantia total de 431,91 €, não tendo património nem qualquer outra fonte de rendimentos, pagando renda de casa, alimentação, vestuário, despesas médicas e medicamentosas, despesas correntes, entre outras, não sendo os seus rendimentos suficientes para o custeamento de tais despesas, tendo, para além disso, diversos problemas de saúde, carecendo, pois, de uma pensão de alimentos, a ser paga pelos seus dois filhos, por reunirem eles condições económico-financeiras sobejas para lhos prestar.
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Regularmente citados, os réus BB e CC deduziram contestação, impugnando os fundamentos da causa e invocando a exceção de preterição do art. 2009.º, n.º 3, do Código Civil (ref.ª ...21).
Invocaram para o efeito que o pedido de alimentos deveria ter sido primacialmente dirigido ao seu ex-cônjuge e só diante da impossibilidade de este prestar alimentos é que poderiam ser demandados os Réus, enquanto descendentes, sendo imperativa a ordem fixada por aquele artigo.
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O autor AA respondeu, referindo que o direito a receber alimentos do ex-cônjuge assume carácter excecional e temporário e natureza subsidiária, e que o ex-cônjuge do Autor, com rendimentos mensais que não ultrapassam os 400,00 €, não reúne as condições económicas para prestar os alimentos de que o Autor carece (ref.ª ...63).
Não obstante, a fim de assegurar o efeito útil da ação requereu a intervenção principal provocada passiva do seu ex-cônjuge, contra o qual dirigiu, a título principal, o pedido formulado na petição inicial da ação apresentado contra os réus, ficando o pedido quanto a estes para ser apreciado a título subsidiário.
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Por despacho de 27/09/2023, foi determinada a notificação dos réus para, exercerem, querendo, o contraditório quanto ao chamamento de DD (ref.ª ...08).
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Os RR. pugnaram pela inadmissibilidade do chamamento aos autos de DD, concluindo que a acção deve ser julgada totalmente improcedente e os Réus absolvidos da instância, nos termos da aplicação conjugada dos arts. 2009.º, n.º 3 do Código Civil e arts. 576.º, n.º 2, 577.º, al. e), e 278.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil.
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Dispensada a realização da audiência prévia, foi elaborado despacho saneador (ref.ª ...57), datado de 2/12/2023, tendo o Mm.º Juiz “a quo” decidido:

«A. Rejeitar liminarmente o incidente de intervenção principal provocada de DD; e,
B. Julgar verificada a excepção dilatória inominada de preterição da ordem dos obrigados a alimentos nos termos do arts. 2009.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil e, em consequência, absolver os réus BB e CC da instância.
Custas pelo autor, AA, por ter decaído integralmente, cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
(…)».
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Inconformado com esse despacho, o Autor dele interpôs recurso (ref.ª ...89) e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1º- Entende o Autor/Apelante, com o devido respeito, que a decisão objeto deste recurso não traduz uma correta apreciação da factualidade assente nos autos, nem uma acertada interpretação e aplicação da lei processual e substantiva atinente,
2º- Na fundamentação da decisão impugnada o Tribunal “a quo”, coligindo doutrina e jurisprudência, discorre abundantemente (para além do mais) acerca das pessoas sobre quem incumbe a obrigação da prestação alimentícia dentro da classe dos descendentes, o que não é o caso de que tratam os presentes autos.
3º- Apesar de considerar que o Autor deveria ter deduzido o seu pedido não só contra os seus filhos mas também contra o seu ex-cônjuge, o Tribunal de Primeira Instância entende como pacífica a possibilidade de qualquer autor intentar a ação de alimentos contra todas as pessoas que integrem as classes de obrigados, deduzindo o pedido principal de alimentos contra o primeiro obrigado e sucessivos pedidos subsidiários contra os demais obrigados, pela respetiva ordem. Dizer que,
4º- O Autor apenas não demandou, por via da ação em curso, inicialmente, o seu ex-cônjuge por ser para ele factual que a mesma não reúne as mínimas condições que seja para lhe poder prestar alimentos (do que os filhos comuns, RR. na dita ação, são, de resto, perfeitos conhecedores).
5º- Não obstante, e à cautela, viando assegurar o efeito útil da ação, o Autor requereu a intervenção principal provocada passiva do ex-cônjuge, contra o qual dirigiu, a título principal, o pedido, passando a dirigir tal pedido contra os filhos a título subsidiário.
6º- Encontrando-se alegado nos autos (seja na petição inicial ou em resposta à contestação) que o ex-cônjuge do Autor/Apelante não reúne as mínimas condições para lhe prestar alimentos, seria a presente ação passível de prosseguir os seus termos apenas contra os filhos, Réus inicialmente demandados;
7º- Tendo presente, até, o que estatuído é no nº 3 do artigo 2.009º do Código Civil.
8º- O direito a receber alimentos do ex-cônjuge assume, também, natureza subsidiária, e carácter excecional, tendencial e temporário (só podendo ser concedido quando preenchidos se encontrem, com rigor e relevância inequívocos, os seus requisitos, designadamente uma situação económico-financeira claramente deficitária do credor e um patente desafogo do devedor).
9º- Que apenas os filhos (sem intervenção do ex-cônjuge) podem ser demandados em ação de alimentos se entendeu também no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, prolatado em 21/11/2019, no âmbito do processo nº 1177/16.9T8OLH.E1. Sem prescindir,
10º- A ilegitimidade plural é suprível por via do mecanismo ou incidente da intervenção provocada;
11º- Como tal o tendo entendido o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 04/06/1998, no âmbito do processo nº 9830506 JTRP00023792, e o tendo sufragado o Supremo Tribunal de Justiça, no esclarecedor Acórdão de 06/07/2021, proferido pela 1ª Secção, no âmbito do processo nº 3250/19.2T8VCT-B.G1.S1.
12º- Um tal entendimento colhe suporte numa visão inovadora, que privilegia a justiça material, visando eliminar peias processuais que dificultem a realização do direito material e respondendo positivamente aos princípios da economia e da celeridade processuais;
13º- Sendo esta, também, a filosofia subjacente ao novo Código de Processo Civil, que visa, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, bem como a sanação das irregularidades processuais e dos obstáculos ao normal prosseguimento da instância, tendo em vista o máximo aproveitamento dos atos processuais.
14º- No caso sub judice não se justifica, pois, a absolvição da instância, antes se impondo o deferimento da requerida intervenção principal passiva do ex-cônjuge do Autor/Apelante.
15º- Também o entendimento da doutrina vai no sentido exposto, citando-se, neste particular, o Prof. Lebre de Freitas (in Código Processo Civil Anotado).
16º- Não o entendendo conforme antecedentemente explanado o douto despacho saneador objeto deste recurso violou, além do mais, e designadamente por erro de previsão/interpretação, ou desadequada aplicação do direito, o disposto nos artigos 2.009ºdo Código Civil e 261º, 262º e 316º do C. P. Civil.

TERMOS EM QUE,
E nos mais de direito aplicáveis, que doutamente serão supridos, deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se a decisão da Primeira Instância (despacho saneador proferido em 02/12/2023, com a referência eletrónica ...57), na parte em que rejeitou liminarmente o incidente de intervenção principal provocada passiva de DD e julgou verificada a exceção dilatória inominada da preterição da ordem dos obrigados a alimentos, absolvendo os Réus da Instância e condenando o Autor nas custas, substituindo-a por outra que  defira a referida intervenção principal provocada passiva, e julgue não verificada a exceção inominada da preterição da ordem dos obrigados a alimentos, ordenando a citação da chamada, tal como requerido no incidente de intervenção, e prosseguindo-se os ulteriores e legais trâmites, até final.
Em decidindo, porém, farão Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA!»
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Não foram oferecidas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (ref.ª ...19).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso             

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(a) recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].
No caso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são as seguintes:
- da “preterição da ordem dos obrigados a alimentos nos termos do arts. 2009.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil”; e,
- da admissibilidade do incidente de intervenção principal provocada de DD.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.
As incidências fáctico-processuais a considerar para a decisão do presente recurso são as descritas no relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos).
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V. Fundamentação de direito.        
              
1. - Da preterição da ordem dos obrigados a alimentos nos termos do arts. 2009.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil.
O Tribunal “a quo”, no despacho saneador, julgou, entre o mais, verificada a exceção dilatória inominada da preterição da ordem dos obrigados a alimentos, absolvendo os Réus da instância.
A decisão apelada – louvando-se, essencialmente, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-03-2012 (relator Rui Vouga), disponível in www.dgsi.pt., que, por sua vez, se alicerçou na anotação de Pires de Lima/Antunes Varela (in “Código Civil Anotado”, Vol. V, 1995, Coimbra Editora, p. 595) – aduziu, resumidamente, a seguinte fundamentação:
i) Havendo um ou mais parentes de determinada classe de obrigados e um ou mais parentes de cada uma das classes subsequentes, por exemplo, coexistindo cônjuge e descendentes (cfr. art. 2009º, n.º 1, alíneas a) e b)), os onerados subsequentes (v.g., os descendentes) só ficam constituídos na obrigação de prestar alimentos se nenhum dos parentes da primeira classe possuir recursos económicos bastantes para satisfazer a prestação alimentícia (cfr. o cit. art. 2009º-3);
ii) Havendo, em determinada classe de obrigados, concretamente, uma ou mais pessoas vinculadas, mas sem capacidade económica para suportarem o encargo e existindo, ao lado deles, dentro da mesma classe, outros vinculados da mesma classe, mas de grau posterior, na ordem de chamamento da lei (por exemplo, filhos versus netos), caso os primeiros vinculados (os filhos) não puderem prestar os alimentos (de que o pai carece), é sobre os onerados subsequentes (os netos) que recai a obrigação de suportar o encargo (a favor do avô) – cfr. o mesmo art. 2009º-3;
iii) Quando são vários os obrigados à prestação de alimentos, no mesmo grau da escala de prioridades fixada no n.º 1 do art. 2009º e todos eles tenham condições económicas bastantes para ajudar o parente carecido de receber alimentos, cada um dos vinculados responde apenas por uma quota da prestação integral, quota essa correspondente à proporção das quotas que a cada um deles competiria na herança do alimentando, se este morresse antes deles e deixasse bens (cfr. o art. 2010º, n.º 1);
iv) O Autor deveria ter deduzido o seu pedido de alimentos não só contra os seus filhos, mas também contra a sua ex-cônjuge, esta última a título principal e aqueles a título subsidiário;
v) A petição inicial é absolutamente omissa quanto à (in)capacidade do ex-cônjuge prestar ou não alimentos ao autor, sendo que, para o autor, a obrigação de alegação dessa matéria «se materializa no momento da propositura da acção, com o articulado de petição inicial, cf. art. 552.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, e não em momento posterior em qualquer outro articulado»;
vi) A preterição da ordem dos obrigados a alimentos nos termos do art. 2009.º, n.ºs 1 e 3, do CC corresponde a uma excepção dilatória inominada, que tem por consequência a absolvição dos réus da instância, nos termos dos arts. 278.º, n.ºs 1, al. e), e 3, 576.º, n.ºs 1 e 2, e 578.º, todos do CPC.

Vejamos.
A obrigação legal de alimentos constitui a expressão da solidariedade que se entende poder exigir entre particulares, em caso de carência económica de uma pessoa que a torna incapaz de prover à sua subsistência. Trata-se de um mecanismo assistencial de natureza privada, a que acrescem os instrumentos de carácter público, cuja existência é ditada pelo art. 63º da CRP[1].

A noção legal de alimentos é facultada pelo art. 2003º do Código Civil (CC), quando estabelece:

“1. Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário.
2. Os alimentos compreendem também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor”.

Quanto à medida dos alimentos rege o art. 2004.º do CC nos termos seguintes:
«1. Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
2. Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência».

Em regra, os alimentos devem ser fixados numa prestação pecuniária mensal (art. 2005º, n.º 1, do CC).
O direito a alimentos é um direito indisponível, irrenunciável, impenhorável e não pode ser objeto de compensação, ainda que se trate de prestações vencidas (art. 2008º do CC).

De acordo com o disposto no art. 2009º (“pessoas obrigadas a alimentos”) do CC:
«1. Estão vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada:
 a) O cônjuge ou o ex-cônjuge;
 b) Os descendentes;
 c) Os ascendentes;
 d) Os irmãos;
 e) Os tios, durante a menoridade do alimentando;
 f) O padrasto e a madrasta, relativamente a enteados menores que estejam, ou estivessem no momento da morte do cônjuge, a cargo deste.
 2. Entre as pessoas designadas nas alíneas b) e c) do número anterior, a obrigação defere-se segundo a ordem da sucessão legítima.
 3. Se algum dos vinculados não puder prestar os alimentos ou não puder saldar integralmente a sua responsabilidade, o encargo recai sobre os onerados subsequentes». 

Acrescenta o normativo subsequente – art. 2010º –, prevendo acerca da existência de pluralidade de vinculados, que:
«1. Sendo várias as pessoas vinculadas à prestação de alimentos, respondem todas na proporção das suas quotas como herdeiros legítimos do alimentando.
 2. Se alguma das pessoas assim oneradas não puder satisfazer a parte que lhe cabe, o encargo recai sobre as restantes». 
A obrigação de alimentos pode ter por fonte um negócio jurídico (cfr. arts. 2014º, n.º 1, 2073 e 2273º do CC) ou um facto não negocial, nomeadamente um vínculo familiar (art. 2009º, n.º 1). A obrigação de alimentos que se constituiu por facto não negocial é conhecida por obrigação legal de alimentos[2]
Na generalidade, as pessoas a quem, no mencionado art. 2009º do CC, se impõe o dever assistencial, sob a forma de prestação de alimentos, estão ligadas ao alimentando por uma relação jurídica preexistente, como seja o que “decorre do vínculo emergente de uma das relações jurídico-familiares previstas no art. 1576º”, assim sucedendo quanto à primeira parte da al. a) e quanto às als. b) a e) do n.º 1. Com efeito, o dever de prestar alimentos por parte de parentes na linha recta, descendente (al. b)) e ascendente (al. c)), é o corolário do dever recíproco de assistência entre pais e filhos consagrado no art. 1874º, n.º 2, como efeito geral das relações de filiação[3].
Estão vinculados à prestação de alimentos, em primeira linha, o cônjuge ou o ex-cônjuge [art. 2009º, n.º 1, al. a) do CC].
O dever de prestar alimentos imposto ao ex-cônjuge surge com a dissolução do casamento por divórcio.
Em ambos os casos previstos na al. a) – o cônjuge ou o ex-cônjuge – a obrigação de alimentos está sujeita ao regime especial previsto nos arts. 2015º e ss.
O facto de as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessarem em caso de decretamento do divórcio não impede a constituição de um direito a alimentos no período posterior à dissolução da relação matrimonial (art. 1688º do CC).
Como é reconhecido pela doutrina[4] e jurisprudência[5], a obrigação alimentar entre ex-cônjuges na decorrência de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens funda-se no princípio da recíproca solidariedade pós-conjugal, constituindo um prolongamento do dever de assistência conjugal.
Está em causa a tutela existencial de um dos cônjuges que, após a extinção do vínculo conjugal, se encontra em situação de necessidade (que se pretende temporária), sendo pressuposto para o reconhecimento do direito a alimentos a ausência de meios adequados a consentir ao ex-cônjuge um teor de vida autónomo e digno[6].
Importa ter também presente que “o escalonamento das pessoas legalmente obrigadas a prestar alimentos constante do art. 2009º do CC, assim como a leitura de outras normas dispersas, revelam a adopção de um critério assente na maior proximidade natural em pessoas ligadas por laços familiares ou que, na prática, desempenham na rede de solidariedade função semelhante às dos parentes mais próximos[7].
Ora, na concreta identificação das pessoas que devem prestar alimentos, “tem de se atender à ordem da enunciação feita no n.º 1 [do art. 2009º], à luz de um princípio de prioridade de classes. Consequentemente, só serão chamadas a prestar alimentos as pessoas reconduzíveis a uma dada categoria, se não existirem pessoas das categorias anteriores ou se estas, existindo, não puderem prestar (total ou parcialmente) os alimentos devidos (n.º 3). Ademais, dentro de cada classe, existindo vários potenciais obrigados, vínculo de parentesco mais intenso (grau mais próximo) afastando os de grau mais afastado[8].
Portanto, em primeiro lugar, a vinculação recai sobre o cônjuge ou o ex-cônjuge; em segundo lugar, sobre os descendentes; em terceiro lugar, sobre os ascendentes; em quarto lugar, sobre os irmãos.
Entre os descendentes e ascendentes, a obrigação alimentar é deferida segundo o princípio de preferência de graus de parentesco, sem prejuízo do direito de representação (arts. 2135º e 2018º do CC), nos termos do n.º 2 do art. 2009º do CC. Por ex., se A., que carece de alimentos tiver um filho e um neto, a vinculação recai diretamente sobre o filho; se B, que carece de alimentos, tiver um filho, C, e dois netos, E e F, que são, por seu turno, filhos de um filho já falecido, D, a vinculação recai diretamente sobre o filho C e, por direito de representação, sobre os netos E e F[9].
De acordo com o art. 2009º, n.º 3, se «algum dos vinculados não puder prestar os alimentos ou não puder saldar integralmente a sua responsabilidade, o encargo recai sobre os onerados subsequentes».  Por ex., se o ex-cônjuge não tiver meios para prestar alimentos ao outro ao ex-cônjuge que deles carece, incumbe aos filhos o respetivo encargo.
À decisão do presente recurso importa apenas a situação segundo a qual havendo um ou mais parentes de determinada classe de obrigados e um ou mais parentes de cada uma das classes subsequentes, por exemplo, coexistindo ex-cônjuge e descendentes [cfr. art. 2009º, n.º 1, alíneas a) e b)], os onerados subsequentes (v.g., os descendentes) só ficam constituídos na obrigação de prestar alimentos se nenhum dos parentes da primeira classe possuir recursos económicos bastantes para satisfazer a prestação alimentícia (cfr. o art. 2009º-3).
Todavia, como elucida Maria João Vaz Tomé[10], uma vez «verificada a situação de necessidade, recai sobre todos os sujeitos a obrigação potencial de alimentos. O alimentando pode exercer o seu direito perante qualquer dos obrigados, não lhe competindo provar a impossibilidade económica daqueles que precedem o demandado na ordem legalmente estabelecida. Muito diferentemente, cabe ao demandado invocar a excepção da existência de um obrigado anterior e a sua subsidiariedade da sua obrigação».
Ora, no caso em análise, o Autor pretende que seja fixada uma pensão de alimentos, no montante mensal de 240,00€, a pagar pelos seus dois filhos. Está, pois, em causa um pedido de fixação de alimentos ou de obrigação legal de alimentos, nos termos do disposto nos arts. 2003.º e segs. do Código Civil.
Na sequência da invocação pelos RR., na contestação, da exceção de preterição do art. 2009.º, n.º 3, do CC, o autor esclareceu, em sede de resposta, que o ex-cônjuge do Autor não reúne as condições económicas para lhe prestar alimentos e daí não o ter demandado, tendo optado por dirigir o pedido de alimentos tão só contra os RR..
Por sua vez, na decisão recorrida, o Mm.º Juiz “a quo”, acolhendo a posição propugnada pelos RR. na contestação, sufragou o entendimento de que o Autor deveria «ter deduzido o seu pedido de alimentos não só contra os seus filhos, (…), mas também contra a sua ex-cônjuge, (…), esta última a título principal, e os primeiros a título subsidiário», e, consequentemente, julgou «verificada a excepção dilatória inominada de preterição da ordem dos obrigados a alimentos nos termos do arts. 2009.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil», absolvendo os réus da instância.
Salvaguardando sempre o devido respeito por opinião contrária, dissentimos do entendimento subscrito na decisão recorrida, por se nos afigurar que o mesmo não corresponde a uma adequada interpretação e aplicação do regime legal em discussão.
Com efeito, pretendendo o Autor recorrente exercer o seu direito de alimentos e tendo diretamente demandado os seus dois filhos, abstendo-se de demandar o seu-ex-cônjuge, competirá aos demandados invocar – e demonstrar – a excepção da existência de um obrigado anterior e a sua subsidiariedade da sua obrigação, ou seja, de que o ex-cônjuge do autor está em condições de lhe poder prestar alimentos. Só assim se tornará inviável aferir a capacidade económica dos demandados para prestar alimentos ao seu progenitor. E não como fez o Tribunal recorrido, que erigiu como prevalecente a alegação (e prova) de que o ex-cônjuge do autor não tinha meios económicos suficientes para satisfazer a peticionada prestação de alimentos.
De resto, nenhum sentido faria que o autor demandasse o ex-cônjuge quando reconhece que o mesmo está impossibilitado de prestar alimentos.
Aliás, de acordo com a qualificação jurídica feita pelos RR. e acolhida pelo tribunal recorrido quanto à questão em apreço, catalogando-a como uma «excepção (…) de preterição da ordem dos obrigados a alimentos nos termos do arts. 2009.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil», o recurso ao art. 342º, n.º 2, do CC apontaria no sentido de que a prova dos factos impeditivos ou extintivos do direito de que o autor se arroga compete àqueles contra quem a invocação é feita, no caso aos RR.[11].
Embora em termos não totalmente coincidentes[12], o Ac. da RE de 21/11/2019 (relator Manuel Bargado), www.dgsi.pt., decidiu que «[t]endo o autor alegado na petição inicial que o ex-cônjuge não tem meios para lhe prestar alimentos, nada obsta, no plano do direito substantivo e do ponto de vista estritamente processual, que aquele demande apenas os filhos, para deles exigir a prestação dos alimentos de que carece».
Por conseguinte, na situação dos autos, e contrariamente ao que foi entendido na decisão recorrida, não tinha o autor que demandar o seu ex-cônjuge, a título principal e os filhos, ora réus, a título subsidiário, pedindo a condenação destes na proporção das suas quotas, nos termos do disposto no art. 2010º do CC.
A questão consubstancia um caso de legitimidade substantiva, a qual, no caso de se vir a provar que o ex-cônjuge do autor lhe podia prestar alimentos, conduzirá à absolvição dos réus do pedido e não da instância.
Nada obsta, pois, no plano do direito substantivo e do ponto de vista estritamente processual, que o autor demande apenas os filhos, para deles exigir a prestação dos alimentos de que (alegadamente) carece.
Procede, pois, este fundamento da apelação, devendo os autos prosseguir com a elaboração do despacho saneador e subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, se a tal nada mais obstar.
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2. - Da admissibilidade do incidente de intervenção principal provocada de DD.
O Tribunal “a quo”, no despacho saneador, rejeitou liminarmente o incidente de intervenção principal provocada de DD.
Para tanto, ponderou se, no caso de inverificação da preterição da ordem dos obrigados a alimentos nos termos do arts. 2009.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil, tal pode ser sanado mediante um pedido de intervenção principal provocada do obrigado em falta.
Concluiu que a ex-cônjuge e o conjunto dos filhos poderiam ser demandados em coligação, mas não como litisconsortes, sendo que o art. 316.º do CPC «não permite a sua intervenção principal provocada, visto a ilegitimidade individual ser insuprível, donde decorre que a excepção dilatória acima referida não é in casu sanável por este mecanismo processual».
É contra este entendimento que o recorrente se insurge, nomeadamente por considerar que o despacho recorrido violou o disposto no art. 316.º do CPC, posto que a requerida intervenção principal provocada passiva do ex-cônjuge, contra a qual dirigiu, a título principal, o pedido, passando a dirigir tal pedido contra os filhos a título subsidiário, visa assegurar o efeito útil da ação, além de que a ilegitimidade plural é suprível por via do mecanismo ou incidente da intervenção provocada.
Vejamos como decidir.
Prescreve o art. 259º, n.º 1, do CPC que a «instância inicia-se pela proposição da acção e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial».
Consagrando o princípio da estabilidade da instância, prescreve o art. 260º do CPC que, “[c]itado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”.
Dele resulta que, após a citação do réu (art. 564º, al. b), do CPC), os elementos essenciais da causa (sujeitos/partes, pedido e causa de pedir), salvo nos casos expressamente previstos na lei, não podem ser modificados.
De entre os principais desvios ao enunciado princípio contam-se as modificações objetivas da instância previstas nos arts. 264º e 265º (alterações do pedido e da causa de pedir), 266º (reconvenção) e as modificações subjetivas da instância reguladas nos arts. 261º (renovação da instância), 262º e 263º (substituição de alguma das partes, por sucessão ou por ato entre vivos, na relação substantiva em litígio, e a intervenção de terceiros), todos do CPC.
Importa incidir a nossa atenção exclusivamente sobre o incidente de intervenção principal provocada.
 A lei processual permite que, em diversas situações, quem não sendo parte na instância, no início da ação, venha a adquirir essa mesma qualidade[13].

Prevendo sobre o âmbito da intervenção provocada, estipula o art. 316º do CPC:
1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
 2 - Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.
3 - O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:
 a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;
 b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor”. 

Deste preceito, bem como do art. 311º (“Intervenção espontânea”) do CPC, resulta que o campo de aplicação da intervenção provocada é circunscrita à figura do litisconsórcio[14].
Com efeito, apenas pode intervir na acção assumindo a posição de parte principal um terceiro que seja, juntamente com a parte principal, titular da mesma e única relação material controvertida.
O interveniente principal faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu, apresentando o seu próprio articulado ou aderindo aos já apresentados pela parte com quem se associa (art. 312º do CPC).
Na intervenção principal provocada, o interveniente assume, com a respetiva citação pessoal (art. 319º, n.º 1, do CPC), efetuada na sequência da admissão do chamamento, a qualidade de parte principal.
Efetivamente, por força do preceituado no art. 320º do CPC, a sentença que vier a ser proferida sobre o mérito da causa irá apreciar “a relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir, constituindo, quanto a ele, caso julgado”.
O incidente de intervenção principal provocada será, pois, adequado para qualquer das partes provocar a intervenção de alguém que deveria ter sido demandado inicialmente, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária, por estar em causa uma situação de litisconsórcio necessário (n.º 1), ou, no caso de litisconsórcio voluntário, para o autor poder provocar a intervenção de um litisconsorte do réu[15] (contra quem pretenda dirigir o pedido já formulado) ou contra terceiro contra quem pretenda dirigir, subsidiariamente, o pedido inicialmente formulado (e não outro), nos termos do art. 39º - litisconsorte subsidiário passivo (n.º 2 do art. 316º)[16] [17] [18].
O litisconsórcio necessário, previsto no art. 33.º do CPC, «é aquele em que todos os interessados têm de estar em juízo e, por isso, devem demandar ou ser demandados, sob pena de ilegitimidade dos demandantes ou dos demandados presentes na acção. Isto significa que os vários interessados têm o ónus de propor a acção conjuntamente (ou, se algum ou alguns deles não o quiser fazer, de promover a intervenção dos restantes interessados: art. 316.º, n.º 1) ou que o autor tem o ónus de propor a acção contra todos os interessados. (b) O litisconsórcio nunca é necessário quando a ausência de algum interessado tiver qualquer outra consequência que não seja a ilegitimidade das partes presentes em juízo. (c) O litisconsórcio necessário pode ser legal (n.º 1), convencional (n.º 1) ou natural (n.º 2 e 3)»[19].
E o litisconsórcio voluntário, previsto no art. 32.º do CPC, «é aquele em que, havendo uma pluralidade de interessados, nem todos eles têm de demandar ou ser demandados. Assim, se todos os interessados demandarem ou forem demandados, é voluntário o litisconsórcio por eles constituído (n.º 1 1.ª parte). (b) O litisconsórcio voluntário é sempre admissível, ou seja, é sempre possível a presença de todos os interessados em juízo. Precisamente por isso, o litisconsórcio voluntário pressupõe algo comum entre os litisconsortes. Este elemento é, no caso do n.º 1, uma obrigação conjunta ou parciária e, na hipótese do n.º 2, uma situação substantiva que atribui a cada um dos titulares uma legitimidade concorrente. (c) O litisconsórcio voluntário também pode ter outras bases legais, como, p. ex., aquele que ocorre entre o devedor e o fiador (art. 641.º, n.º 1, CC) ou aquele que, por morte da investigada ou do investigado, se verifica na acção de investigação da maternidade ou da paternidade entre os herdeiros e legatários cujos direitos sejam atingidos pela procedência da acção (art. 1819.º, n.º 2, e 1873.º CC)»[20].
No caso de litisconsórcio necessário, há uma única ação com pluralidade de sujeitos; no litisconsórcio voluntário, há uma simples acumulação de ações, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes” (art. 35º do CPC).
A distinção entre a coligação e o litisconsórcio expressa-se assim: “na coligação, há pluralidade de partes e pluralidade correspondente de relações materiais controvertidas; no litisconsórcio, há pluralidade de partes, mas unicidade da relação. Acresce que a coligação tem sempre caráter voluntário, ao passo que o litisconsórcio ora pode ser voluntario, ora necessário[21].
Na decisão recorrida, com vista a alicerçar o juízo de indeferimento liminar do incidente de intervenção principal provocada, o Mm.º Juiz “a quo” aduziu a seguinte fundamentação:
“(…), as diversas classes de obrigados a alimentos (no caso concreto, a primeira classe que corresponde à ex-cônjuge, e a segunda classe que corresponde aos filhos), numa eventual acção de alimentos definitivos não actuam entre si como litisconsortes mas sim como coligados.
Tal é assim, porque:
O autor deduz um pedido individual a cada uma das classes de obrigados, isto é, faz um primeiro pedido à primeira classe, e um pedido subsidiário à segunda classe, intervindo estes segundos na medida do não vencimento do autor contra os primeiros, e assim sucessivamente, caso a acção seja apresentada contra outros obrigados.
Existem relações materiais controvertidas díspares, não obstante a sua muita proximidade. Quanto aos cônjuges estamos perante um efeito do contrato de casamento, quanto aos filhos e outros descendentes estamos perante um efeito das relações de família.
A acção pode ter todo o seu efeito útil normal sem a intervenção dos descen[den]tes, porquanto, de forma autónoma e juridicamente relevante, a ex-cônjuge pode ser condenada ou absolvida em juízo sem qualquer necessidade de intervenção dos descendentes. Só esta conclusão afasta, plena e sem qualquer dúvida, o litisconsórcio necessário.
Também não existe uma responsabilidade parcial ou concorrente entre a ex-cônjuge de um lado, e os filhos, de outro, relativamente ao seu ex-cônjuge (dela) e pai (deles). Isto é, a obrigação da ex-cônjuge prestar alimentos não está repartida/divida entre ela e os filhos do credor de alimentos, pelo contrário, a ex-cônjuge tem uma obrigação exclusiva, só nascendo a obrigação dos filhos caso seja impossível o cumprimento dessa obrigação, cf. art. 2009.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil. Daqui retira-se que os filhos, entre si, estão pelos menos numa posição de litisconsórcio voluntário, não ocorrendo o mesmo entre estes e a sua mãe/ex-cônjuge.
Daqui se conclui, como exposto, que a ex-cônjuge e o conjunto dos filhos poderiam ser demandados em coligação, mas não como litisconsortes.
Ora, estando nós perante um caso de coligação, como referido previamente, o art. 316.º do Código de Processo Civil não permite a sua intervenção principal provocada (…).
Excluída que se mostra a menção respeitante à verificação da excepção dilatória inominada atinente à preterição da ordem dos obrigados a alimentos nos termos do art. 2009.º, n.ºs 1 e 3, do CC, subscreve-se por inteiro a judiciosa fundamentação supra enunciada, dado fazer uma abordagem que reputamos como adequada do regime da intervenção provocada por referência ao regime legal dos alimentos.
À míngua de melhores argumentos e em jeito meramente complementar, permitimo-nos tão só acrescentar que a situação tão pouco é subsumível na previsão da 2ª parte do n.º 2 do art. 316º do CPC – “dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida” (art. 39º do CPC) – visto a referida hipótese ter como pressuposto uma situação de litisconsórcio voluntário legitimadora do chamamento de terceiro contra quem o autor pretendia dirigir, subsidariamente, o pedido inicialmente formulado, o que não é o caso, posto o que está em causa é uma situação coligatória e esta, como vimos, não é apta a ser suprida mediante a intervenção provocada. Como se disse, limita-se a intervenção principal provocada aos casos de litisconsórcio[22].
Impõe-se, pois, concluir que decidiu com acerto o Tribunal “a quo” ao julgar não verificados os pressupostos da intervenção principal provocada.
Deste modo, improcedendo as conclusões, é de negar este fundamento da apelação, confirmando-se, nesta parte, a decisão recorrida.
*
Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Assim, as custas do recurso, mercê da sua parcial procedência, são da responsabilidade de ambas as partes, em proporções iguais.
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VI. DECISÃO

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação, e, em consequência, revogam a decisão recorrida no segmento em que, julgando verificada a excepção dilatória inominada de preterição da ordem dos obrigados a alimentos nos termos do arts. 2009.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil, absolveu os réus da instância, devendo os autos prosseguir nos termos supra referidos.
Confirmar a decisão recorrida no segmento em que rejeitou liminarmente o incidente de intervenção principal provocada.
Custas da apelação a cargo de ambas as partes, em proporções iguais (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 23 de maio de 2024

Alcides Rodrigues (relator)
Paulo Reis (1º adjunto)
Carla Oliveira (2ª adjunta)



[1] Cfr. Rute Teixeira Pedro, Código Civil Anotado (Ana Prata Coord.), volume II, 2017, Almedina, p. 902.
[2] Cfr. Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, 7.ª ed., Gestlegal, 2020, p. 51.
[3] Cfr. Rute Teixeira Pedro, obra citada, pp. 915/916.
[4] Cfr. Guilherme de Oliveira, Manual de Direito da Família, 2020, Almedina, p. 295 e Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé, Reflexões sobre a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges, em Textos de Direito da Família para Francisco Pereira Coelho, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, p. 588, disponível on-line, J.P. Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores) «Versus» O Dever de Assistência dos Pais para Com os Filhos (Em Especial Filhos Menores), Coimbra Editora, 2000, p. 12, (nota 11) e p. 162 (nota 214).
[5] Cfr. Ac. do STJ de 19/06/2019 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), in www.dgsi.pt.
[6] Cfr. Ac. da RC de 24/10/2017 (relator Fonte Ramos), in www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Vol. (6. procedimentos cautelares especificados), março/2001, Almedina, p. 102.
[8] Cfr. Rute Teixeira Pedro, obra citada, p. 917.
[9] Cfr. Jorge Duarte Pinheiro, obra citada, p. 52.
[10] Cfr. Código Civil Anotado, Livro IV - Direito da Família (Coord. Clara Sottomayor), 2020, Almedina, p. 1074. anotação ao art. 2009º do CC (nota 4.III).
[11] Divergindo igualmente da referida qualificação jurídica, afigura-se-nos não se estar perante uma excepção dilatória inominada, mas sim ante uma exceção perentória – posto pressupor a alegação de factos que impedem ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor –, a qual, uma vez verificada, determina a absolvição (total ou parcial) do pedido (art. 576º, n.º 3, do CPC).
[12] Porquanto, ao contrário da situação versada no referido aresto, no caso em apreço foi omitida na petição inicial a alegação de que o ex-cônjuge não dispunha de meios para prestar alimentos, constando essa alegação apenas do articulado da resposta à excepção (cfr. ref.ª ...63).
Alegou, então, para o efeito o autor que:
- deveria ter-se em consideração o disposto no n.º 3 do art. 2009º do CC;
- o direito a receber alimentos do ex-cônjuge assume carácter excecional e temporário e natureza subsidiária;
- o seu ex-cônjuge não reúne as mínimas condições que seja para prestar os alimentos de que o autor carece.
[13] Cfr., António Júlio Cunha, Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., Quid Juris, p. 144.
[14] Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 367.
[15] O qual poderia ter sido inicialmente demandado conjuntamente com o réu, mas cuja intervenção na lide não é imprescindível.
[16] Ao réu, por sua vez, é permitido provocar a intervenção de terceiros nos termos definidos no n.º 3 do art. 316º do CPC (que ao caso não releva).
[17] Nas palavras de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, surgindo a “dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida”, “este incidente evitar o risco de a acção prosseguir em exclusivo contra alguém que, afinal, poderá não ser o titular da relação controvertida. Deste modo, além de se contornarem os riscos decorrentes da verificação de uma ilegitimidade singular, aproveita-se a ação pendente para fazer valer a mesma pretensão, ainda que subsidiariamente, conto novo demandado” (cfr. Código de Processo (…), Vol. I, p. 367).
[18] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre sustentam que o autor tem a possibilidade de escolher o réu contra quem em primeira linha quer dirigir o pedido único: normalmente, manterá como parte principal o réu primitivo e como parte subsidiária o terceiro por ele chamado a intervir; mas está livre de pretender que o pedido único seja apreciado a título principal contra o chamado e só subsidiariamente contra o réu primitivo (cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, 2018, p. 633).
[19] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Código de Processo Civil online, pp. 44/45.
[20] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Código de Processo Civil online, p. 42.
[21] Cfr. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., 2017, Almedina, p. 83.
[22] Cfr. Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, p. 293.