Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||||||||||||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOÃO MATOS | ||||||||||||
Descritores: | ACEITAÇÃO DA HERANÇA HERANÇA JACENTE FORMA REPÚDIO DA HERANÇA IRREVOGABILIDADE DA ACEITAÇÃO PENHORA QUINHÃO HEREDITÁRIO | ||||||||||||
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Nº do Documento: | RG | ||||||||||||
Data do Acordão: | 02/06/2025 | ||||||||||||
Votação: | UNANIMIDADE | ||||||||||||
Texto Integral: | S | ||||||||||||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||||||||||||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||||||||||||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||||||||||||
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Sumário: | I. Não fornecendo a lei uma definição do que seja a aceitação tácita da herança, valerá como tal o comportamento (consubstanciado em factos concretos) que, com toda probabilidade, revele (permita deduzir) essa vontade de aceitação, para um declaratário normal colocado na posição do real declaratário. II. A mera celebração de uma escritura de habilitação notarial de herdeiros, a não oposição a um incidente de habilitação de herdeiros e a participação do óbito às Finanças, são actos que, considerados isoladamente (isto é, sem a prática de outros), são insuficientes (isto é, não inequívocos) para se ter como havida uma aceitação tácita da herança. III. A falta de oposição à penhora de quinhão hereditário, considerada isoladamente, é inidónea para valer como aceitação tácita da herança, uma vez que a alegação de que o bem ou direito penhorado não pertence ao executado não é sequer fundamento de dedução daquele incidente (cabendo, sim, à pessoa a quem pertençam a dedução dos necessários e pertinentes embargos de terceiro). IV. Ao contrário da aceitação da herança (que não obriga a uma forma especial, podendo inclusivamente ser tácita), o repúdio é sempre um acto formal (exigindo a formalização por documento escrito); e essa formalização será mais exigente se a herança contiver bens imóveis (já que terá então de ser formalizado por escritura pública ou por documento particular autenticado). V. A penhora do direito a herança por partilhar (o direito e acção a uma quota parte de herança indivisa, património autónomo) consiste unicamente na notificação pessoal do facto aos restantes co-herdeiros (incluindo o cabeça-de-casal), de que o mesmo fica penhorado, desde da data em que se realize a primeira notificação; e fica penhorado enquanto tal, isto é, independentemente da relacionação concreta e determinada (no processo de execução ou no processo de inventário respectivo) dos bens compreendidos na herança. | ||||||||||||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.ª Adjunta - Rosália Cunha; 2.º Adjunto - Fenando Manuel Barroso Cabanelas. * ACÓRDÃOI - RELATÓRIO 1.1. Decisão impugnada 1.1.1. Em 05 de Maio de 2015 AA, advogada, com domicílio profissional na Estrada ..., em ... (aqui Recorrente), intentou uma acção executiva para pagamento de quantia certa, contra BB, residente na Avenida ..., ..., em ... (aqui Recorrido), para haver dele a quantia de € 6.677,08, exibindo como título executivo uma sentença (proferida em 26 de Fevereiro de 2015, numa acção de honorários, mercê da qual este foi condenado a pagar-lhe a quantia de capital de € 6.319,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde 03 de Dezembro de 2013), indicando diversos bens à penhora (v.g. bens móveis, quinhão hereditário, parte de vencimento, depósitos bancários). 1.1.2. Em 14 de Setembro de 2016 a Agente de Execução notificou CC, na qualidade de cabeça-de-casal e co-herdeiro da herança aberta por óbito de DD (a que foi atribuído o número de identificação fiscal ...35...), e notificou EE, FF e GG, estes na qualidade de co-herdeiros da mesma herança, de que ficava penhorado o quinhão hereditário do Executado (BB) na dita herança, lendo-se nomeadamente nas notificações em causa (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido): «(…) NOTIFICAÇÃO PENHORA DE QUINHÃO HEREDITÁRIO Na qualidade de co-herdeiro, no processo acima indicado na herança aberta por óbito de DD falecido a ../../2015, nos termos e para o efeito do disposto no Artigo 781 do atual CPC fica pela presente notificado da penhora do quinhão hereditário que pertence ao executado BB, para garantia da quantia exequenda e custas prováveis, até ao limite de 8526,56 euros. ADVERTÊNCIAS Fica advertido, que os direitos do executado ficam à ordem do Agente de Execução, desde a data da primeira notificação, não podendo assim ser celebrado qualquer negócio. NO PRAZO DE DEZ DIAS DEVERÁ JUNTAR AOS AUTOS 1. Identificação dos restantes co-herdeiros/comproprietários 2. A identificação de quais os bens que integram a dita herança; 3. Pode ainda, nos mesmos termos de fazer quaisquer declarações que entenda quanto ao direito do executado e ao modo de o tomar efetivo, podendo ainda dizer se pretende que a venda tenha por objeto todo o patrimônio ou a totalidade do Bem. (…)» 1.1.3. Em 14 de Setembro de 2016 a Agente de Execução notificou o Executado da penhora do seu quinhão hereditário na herança aberta por óbito de DD, seu pai, lendo-se nomeadamente na dita notificação (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido): «(…) NOTIFICAÇÃO PENHORA DE QUINHÃO HEREDITÁRIO Na qualidade de co-herdeiro e executado, no processo acima indicado na herança aberta por óbito de DD falecido a ../../2015, nos termos e para o efeito do disposto no Artigo 781 do atual CPC fica pela presente notificado da penhora do quinhão hereditário que pertence ao executado BB, exequente AA para garantia da quantia exequenda e custas prováveis, até ao limite de 8526,56 euros. ADVERTÊNCIAS Fica advertido, que os direitos do executado ficam á ordem do Agente de Execução, desde a data da primeira notificação, não podendo assim ser celebrado qualquer negócio. (…)» 1.1.4. Nem o Cabeça-de-casal, nem os demais co-Herdeiros, nem o Executado (BB) reagiram à penhora do quinhão hereditário deste último na herança aberta por óbito de DD. 1.1.5. Em 30 de Outubro de 2017, depois de sucessivos pedidos à Exequente (AA) de pagamento de provisões, não satisfeitos, a Agente de Execução declarou extinta a instância executiva, lendo-se nomeadamente na sua decisão: «(…) Extingue-se a presente execução nos termos do Artigo 721 do CPC. (…)» 1.1.6. Em 11 de Fevereiro de 2020 a Exequente requereu a renovação da instância executiva, nomeando «à penhora, o vencimento do cônjuge do Executado, HH, por ser um bem comum, prosseguindo também a penhora do quinhão hereditário do Executado que tem na herança por óbito dos seus pais» (conforme requerimento que aqui se dá por integralmente reproduzido). 1.1.7. Em 20 de Março de 2020 a Agente de Execução requereu ao Tribunal a quo a renovação da instância executiva. 1.1.8. Em 22 de Maio de 2023, requerido o levantamento do sigilo fiscal pela Agente de Execução e autorizado o mesmo pelo Tribunal a quo, foi lavrado «AUTO DE PENHORA» (que aqui se dá por integralmente reproduzido), onde nomeadamente se lê: «(…)
(…)» 1.1.9. Em 22 de Maio de 2023 o Executado (BB) foi notificado da penhora realizada e não reagiu à mesma, lendo-se nomeadamente na notificação de que foi alvo: «(…) Nos termos do disposto nos artigos 784º e 785º do Código Processo Civil (CPC), fica pela presente notificado para, no prazo de 10 (dez) dias deduzir, querendo, oposição à penhora dos bem(s) ...(s) em anexo, com algum dos seguintes fundamentos: a. Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada; b. Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda; c. Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência. (…)» 1.1.10. Em 20 de Junho de 2023 o Executado (BB) - representado para o efeito pela advogada II, conforme procuração forense que então juntou aos autos (outorgada por ele e por HH, identificada como sua «mulher», sendo aí referido serem «casados sob o regime da comunhão de adquiridos») - informou a Agente de Execução que em 12 de Dezembro de 2022 repudiara a herança de seus pais e que em 21 de Dezembro de 2022 comunicara esse repúdio à Conservatória dos Serviços Centrais (conforme requerimento que aqui se dá por integralmente reproduzido), juntando documento particular de repúdio de herança, com termo de autenticação lavrado pela advogada II (documentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos), lendo-se nomeadamente no primeiro: «(…) REPÚDIO DE HERANÇA PRIMEIRO OUTORGANTE BB, Casado, ( …). Pelo Primeiro Outorgante foi dito: 1. Que repudia a herança aberta por óbito de sua mãe, JJ, natural que foi da freguesia e concelho ..., que teve a sua última residência na Rua ..., na freguesia ..., ..., falecida em ../../2015, sem testamento ou outra disposição de última vontade, no estado de casada com DD, no regime de comunhão geral. 2. Que repudia a herança aberta por óbito de seu pai, DD, natural que foi da freguesia ..., ..., que teve a sua última residência em Praceta ..., ..., freguesia ..., ... e ..., concelho ..., falecido em 29/17/2015, sem testamento ou outra disposição de última vontade, no estado de viúvo de JJ. Que, ele repudiante, tem como únicos descendentes sucessíveis as suas filhas, a seguir identificadas: a) KK (…); b) LL (…). (…)» 1.1.11. Em 06 de Julho de 2023 a Exequente (AA) veio requerer que a execução prosseguisse os seus ulteriores termos processuais, defendendo ser o alegado repúdio de heranças ineficaz em relação «à penhora dos quinhões hereditários do executado, nas heranças abertas por óbito dos seus pais», face nomeadamente à data de entrada em juízo do requerimento executivo (05 de Maio de 2015). 1.1.12. Em 14 de Janeiro de 2024, depois de notificado para se pronunciar sobre a modalidade de venda dos direitos penhorados, o Executado (BB) requereu que o Tribunal a quo se pronunciasse sobre o processado, nomeadamente sobre a alegada inexistência da penhora de quinhão hereditário (requerimento que aqui se dá por integralmente reproduzido). 1.1.13. Em 19 de Janeiro de 2024 foi proferido despacho pelo Tribunal a quo, ordenando o cumprimento do contraditório sobre o requerimento do Executado (BB), lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Notifique a exequente, bem como a Sr. Agente de Execução, para, no prazo de 10 dias, se pronunciarem quanto ao requerimento apresentado em juízo pelo executado no dia 14 de Janeiro de 2024 (Cfr. referência cititus n.º 2385460) (…)» 1.1.14. Em 29 de Janeiro de 2024 a Exequente (AA) pediu que se julgasse improcedente a pretensão do Executado (BB) e que a execução prosseguisse os seus ulteriores termos, por meio de venda por proposta em carta fechada dos direitos objecto de penhora (conforme requerimento que aqui se dá por integralmente reproduzido). Alegou para o efeito, em síntese: ter o Executado (BB) aceite ab initio as heranças dos seus pais, tendo deixado desde então de as poder repudiar; ser o repúdio alegado nos autos nulo por falta de forma (já que a sua formalização exigiria escritura pública) e não poder intervir no respectivo termo de autenticação a mesma advogada que agora o patrocina nos autos; e tendo o Executado (BB) sido notificado da penhora em causa em 22 de Maio de 2023, não reagiu oportunamente à mesma, pelo que a penhora dos seus quinhões hereditários teria sido efecivamente realizada e manter-se-ia nos autos. 1.1.15. Em 12 de Fevereiro de 2024 o Executado (BB) veio responder ao requerimento da Exequente (AA), reiterando o bem fundado da sua pretensão inicial (conforme requerimento que aqui se dá por integralmente reproduzido). Alegou para o efeito, em síntese, que, seguindo o repúdio a forma exigida para a alienação da herança, e contendo-se nela bens imóveis, teria de ter sido feito, ou por meio de escritura pública, ou por documento particular autenticado; e ter sido efectivamente realizado por meio desta segunda modalidade. Mais alegou inexistir qualquer norma que proibisse que advogado que realizou o termo de autenticação representasse depois em juízo a parte autora da declaração vertida no documento autenticado. Por fim, alegou que, proibindo a lei a prática de actos inúteis, não faria sentido a dedução, por ele próprio, de qualquer oposição, uma vez que, não sendo titular do direito pretensamente penhorado, não teria interesse na sua defesa. 1.1.16. Em 15 de Fevereiro de 2024 foi proferido despacho pelo Tribunal a quo, ordenando a pronúncia da Agente Execução, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Considerando que o executado repudiou a herança dos seus pais por documento particular autenticado de 12 de Dezembro de 2022 e tendo em cona que o auto de penhora do quinhão hereditário do executado na referida herança remonta ao dia 22 de maio de 2023, à luz do disposto no artigo 2026.º, do Código Civil, antes de mais, notifique a Sra. Agente de Execução para, no prazo de 10 dias, se pronunciar quanto à penhora efectuada. (…)» 1.1.17. Em 17 de Agosto de 2024, face ao silêncio da Agente de Execução, foi proferido despacho pelo Tribunal a quo, ordenando que a mesma e as partes se pronunciassem sobre a validade da penhora de quinhão hereditário, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Considerando o teor do antecedente despacho, com vista a evitar a prolacção de decisões surpresa, notifique a exequente, o executado e a Sra. Agente de Execução para, no prazo de 10 dias, se pronunciarem quanto á validade da decisão da Sra. Agente de execução de penhorar o quinhão hereditário do executado na herança dos seus pais, tendo em conta que o mesmo a ela havia renunciado em momento anterior à referida penhora. (…)» 1.1.18. Em 03 de Setembro de 2024 o Executado (BB) veio novamente defender «que não se pode penhorar um direito que está fora da esfera jurídica do executado, pelo que a penhora em causa não será válida e deve ser considerada inexistente», reiterando o seu anterior entendimento (conforme requerimento que aqui se dá por integralmente reproduzido). 1.1.19. Em 04 de Setembro de 2024 a Agente de Execução informou que «desconhecia e não foi notificada em momento próprio de que o quinhão hereditário teria sido objecto de repúdio a 12/12/2022»; e que «desde a citação» do Executado, enviada «em 01/12/2022», «e todas as notificações que constam dos autos não foram objecto de qualquer oposição e ou reclamação» (conforme «RESUMO DAS DILIGÊNCIAS» que aqui se dá por integralmente reproduzido). 1.1.20. Em 16 de Setembro de 2024 a Exequente (AA) reiterou o seu entendimento já expresso nos autos, nomeadamente «que o Executado aceitou» as heranças de seus pais; e que a penhora de quinhões hereditários foi «pedida à Sra. Agente de Execução, há anos, designadamente em 11.02.2020, e efectivada, à qual o Executado, não reagiu» (conforme requerimento que aqui se dá por integralmente reproduzido). 1.1.21. Em 21 de Outubro de 2024 foi proferido despacho pelo Tribunal a quo, ordenando o levantamento da penhora de quinhões hereditários, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Tendo por base este enquadramento jurídico, cumpre referir, para o que releva, o executado, no dia 12/12/2022, através de documento particular autenticado (ou seja, através de modo válido e legal), comunicou o repúdio da herança dos seus pais, DD e JJ. Acresce que inexiste na tramitação que antecede qualquer ato praticado pelo executado que, eventualmente, se possa subsumir a uma aceitação, ainda que tácita, da herança, na medida em que a não oposição à penhora não tem essa virtualidade (do mesmo modo que o incidente de habilitação de herdeiros não contestado também não se assume como um ato concludente de aceitação de herança). Neste particular, o facto de o requerimento executivo ter dado entrada a 05/05/2015, nada permite concluir a esse mesmo respeito, pois que continua a não revelar um ato de aceitação da herança. Destarte, atendo tudo quanto se expendeu, é mister concluir que o executado não praticou qualquer ato que revele inequivocamente a sua aceitação tácita da herança, razão pela qual o documento particular autenticado de repúdio, junta aos autos, retroage ao momento da abertura da sucessão, considerando-se, pois, este, eficaz. * Pelo exposto, e sem mais considerações, julga-se eficaz o repúdio da herança realizado pelo executado BB, relativamente à herança dos seus pais DD e JJ, razão pela qual deve ser levantada a penhora, em conformidade. * Notifique e comunique à Exma. Sra. AE. (…)» * 1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformada com esta decisão, a Exequente (AA) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido e se considerasse ineficaz e de nenhum efeito o repúdio do Executado (BB) das heranças dos seus pais (mantendo-se, assim, as penhoras dos respectivos quinhões hereditários). Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção): 1 - É ineficaz o repúdio da herança realizado pelo executado, relativamente às heranças por óbito dos seus pais, razão pela qual deve ser mantida a penhora, em conformidade. 2 - Sendo pois ineficaz relativamente à execução e à penhora dos quinhões hereditários por óbito dos seus pais. 3 - Heranças que o herdeiro, executado, aceitou, ab initio, e às quais, por essa razão, não podia nem pode repudiar. 4 - Aceitação que se manifestou, na prática de vários actos pelo executado na qualidade de herdeiro, visitando, tratando, limpando, cuidando, pagando a quota parte nos impostos, à vista de toda a gente da localidade onde os bens se situam, tudo como fazem os verdadeiros herdeiros, que é. 5 - Todo o expediente ora trazido aos autos pelo executado, mais não passa do que uma manobra orquestrada, entre vários, com o mero intuito de se furtar ao pagamento a que foi condenado, por sentença transitada em julgado à Advogada. 6 - Sendo que não lhe são conhecidos quaisquer outros bens, de valor considerável, susceptíveis de penhora. 7 - Sem prescindir, sempre diremos que 14.09.2016, o executado foi notificado, ele e os seus irmãos, da penhora do quinhão hereditário, cfr. notificação ao tribunal da A.E., datada de 22.09.2016. 8 - Tendo sido penhorados os quinhões hereditários do executado nas heranças abertas por óbito do pai e da mãe. 9 - Não tendo reagido de acordo com as disposições legais aplicáveis à situação em apreço. 10 - Para no prazo de 10 dias, deduzir oposição, querendo, o que não fez. 11 - Tendo apresentado em 20.06.2023, um mero requerimento, ad hoc. 12 - Sem prescindir, se outras razões não houvesse, sempre diremos que, o repúdio é nulo por falta de forma, obrigando à sua celebração por escritura pública. 13 - O direito do executado aos quinhões hereditários, foi e está penhorado, devendo manter-se. 14 - O repúdio da herança é ineficaz relativamente à execução e à penhora dos quinhões hereditários do executado, nas heranças aceites e abertas por óbito dos seus pais, mantendo-se a penhora efectivada. 15 – Devendo, pois, a execução prosseguir sem mais, os seus ulteriores termos processuais. 16 - Mal andou o Tribunal, ao decidir como decidiu. * 1.2.2. Contra-alegações Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações. * 1.2.3. Processamento ulterior do recurso Tendo sido proferido despacho pelo Tribunal a quo a admitir o recurso da Exequente (AA) - como de apelação, com subida imediata, em separado dos autos de execução principais e com efeito meramente devolutivo -, foi o mesmo recebido por este Tribunal ad quem, sem qualquer alteração (nomeadamente, quanto ao momento e à forma de subida e ao efeito). * II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR2.1. Objecto do recurso - EM GERAL O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, nºs. 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC). Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [1], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa). * 2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciarMercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pela Exequente (AA), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem: · Questão Única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito, nomeadamente ao considerar válido e eficaz o repúdio (por documento particular autenticado), pelo Executado (BB), do quinhão hereditário respectivo nas heranças abertas por óbito de seus pais (por ter antes aceite a mesma, ainda que tacitamente) ? * III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOCom interesse para a apreciação da questão única enunciada encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos. * IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO4.1. Aceitação de herança 4.1.1.1. Herança jacente Lê-se no art.º 2031.º do CC que a «sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele», pretendendo-se por ela a substituição de alguém na titularidade dos bens que pertenceram ao de cuius. Ora, é precisamente pelo momento da morte que se determina quem é chamado à sucessão, qual o valor dos bens deixados pelo autor da sucessão e qual o valor dos bens doados em vida por ele. Mais se lê, no art.º 2032.º do CC, que, aberta «a sucessão, serão chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade»; e são títulos de vocação sucessória a lei, o testamento e o contrato (conforme art.º 2026.º do CC). Estando em causa a sucessão legal, a lei define as diferentes classes de sucessíveis - o cônjuge, os descendentes, os ascendentes, os irmãos e seus descendentes, ou outros colaterais até ao quarto grau, e o Estado - e respectiva hierarquia, figurando o Estado em último lugar (art.ºs 2031.º, 2132.º, 2133.º, 2134.º e 2135.º, todos do CC). Lê-se ainda, no art.º 2046.º do CC, que diz-se «jacente a herança aberta, mas ainda não aceita nem declarada vaga para o Estado». Logo, «herança jacente é a que jaz. Jaz porquê ? Porque o seu património ainda não encontrou titular», não se sabendo se os sucessíveis a vão, ou não, aceitar [2]. Contudo, como «não convém à ordem jurídica que este estado de coisas se prolongue indefinidamente» - por ser «antieconómica e anti-jurídica a situação expressa na fórmula herança jacente», já que «não pode admitir-se que um património fique abandonado durante muito tempo, sem se saber a quem pertence» -, a «lei tomou medidas tendentes a fazer desaparecer o facto anormal da jacência da herança», por «meio de providências que conduzam a um destes resultados: aceitação da herança ou vacância dela» (Alberto dos Reis, Processos Especiais, Volume II, Coimbra Editora, Limitada, Reimpressão, pág. 293 e 294). * 4.1.1.2. Legitimidade Lê-se no art.º 2051.º do CC que, sendo «vários os sucessíveis, pode a herança ser aceite por algum ou alguns deles e repudiada pelos restantes». Mais se lê, no art.º 1683.º, n.º 1, do CC, que os «cônjuges não necessitam do consentimento um do outro para aceitar doações, heranças ou legados». Precisa-se que a «previsão constante do n.º 1 da desnecessidade de prestação do consentimento do consorte para que um dos cônjuges possa aceitar doações, heranças ou legados encontra a sua explicação na gratuitidade que caracteriza esses atos e na circunscrição da responsabilidade assumida pelos respetivos beneficiários» (Rute Teixeira Pedro, Código Civil Anotado, coordenação de Ana Prata, Volume II, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2022, pág. 571, com bold apócrifo). * 4.1.1.3. Forma da aceitação (expressa ou tácita) Lê-se no art.º 2050.º do CC que «o domínio e posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação, independentemente da sua apreensão material» (n.º 1), retroagindo os efeitos da aceitação «ao momento da abertura da sucessão» (n.º 2). Logo, a aquisição do domínio sobre os bens que compõem o acervo hereditário opera-se mediante um acto voluntário (a aceitação da herança), e não por força da lei (só então o sucessível adquirindo a qualidade de herdeiro); mas, uma vez praticado, tem eficácia retroactiva, agora por força da lei [3]. * Mais se lê, no art.º 2058.º, n.º 1, do CC, que a «aceitação [da herança] pode ser expressa ou tácita».Reafirma-se aqui o princípio da liberdade declarativa, consagrado no art.º 217.º do CC, segundo o qual a declaração negocial pode ser expressa, «quando feita por palavras, escrito ou outro meio directo de manifestação de vontade», ou tácita, «quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem» (n.º 1); e nem mesmo o carácter formal da declaração impede «que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz» (n.º 2). Logo, as «duas modalidades de declaração distinguidas no artigo 217º, nº 1, são consideradas pelo legislador como equivalentes. Este é (…) o conteúdo do princípio da liberdade declarativa». Qual será, porém, o «regime geral da modalidade “tácita” de declaração» ? «Ora, a este respeito cremos que se deve afirmar a inexistência de uma disciplina jurídica geral própria das declarações “tácitas”. Supomos que, em princípio, a equiparação entre declaração expressa e declaração “tácita” se estende ao tratamento jurídico, não se ficando pela admissibilidade de ambos os modos de declaração. Não só a declaração expressa e a “tácita” têm a mesma “força”, salva disposição especial, como estão em princípio sujeitas a um tratamento idêntico - “para as declarações mediatas por ‘comportamento concludente’ não valem de todo regras diversas do que para as declarações de vontade em geral” [citando K. Larenz].Isto significa, designadamente, que o critério para averiguar a existência de uma declaração “tácita” é o mesmo - ou seja, que o ponto de vista interpretativamente relevante é o do “declaratário normal colocado na posição do real declaratário”» (Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, Almedina, 1995, págs. 734 e 735) [4]. * Contudo, e no caso concreto da aceitação da herança (negócio unilateral, não receptício e singular [5]), face à importância dos interesses em jogo, o legislador teve a preocupação, não só de definir o que fosse a aceitação expressa da herança (em termos mais exigentes dos que os previstos para a declaração negocial em geral), como de precisar algumas das situações em que se teria a aceitação da herança como tácita e outras situações que não valeriam como tal (uma vez que, valendo para a aceitação tácita a noção geral de declaração negocial tácita, em qualquer das referidas situações a real substância dos efeitos pretendidos pelo sucessível é contrária ao teor das declarações por ele emitidas).Lê-se, assim, no art.º 2056.º, n.º 2, do CC, e quanto à aceitação expressa, que «é havida» como tal «quando nalgum documento escrito o sucessível chamado à herança declara aceitá-la ou assume o título de herdeiro com a intenção de a adquirir». Logo, afasta-se aqui o legislador da noção geral de declaração expressa do art.º 217.º do CC, já que, não se bastando com palavras ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, exige um documento escrito; e com um teor preciso [6]. Dir-se-á, porém, que a regra será a da aceitação tácita da herança [7], já que o «que normalmente acontece é que o sucessível chamado começa a comportar-se como herdeiro, p. ex., pagando as dívidas da herança, recebendo os rendimentos dos bens da herança, partilhando (se forem vários os sucessíveis) os bens da herança, cumprindo as obrigações fiscais, etc.» (Cristina Pimenta Coelho, Código Civil Anotado, coordenação de Ana Prata, Volume II, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2022, pág. 986, com bold apócrifo). Ora, não fornecendo a lei uma definição do que seja a aceitação tácita da herança, valerá com tal o comportamento (consubstanciado em factos concretos) que, com toda probabilidade, revele (permita deduzir) essa vontade de aceitação, para um declaratário normal colocado na posição do real declaratário [8]. Tendo, porém, presente situações potencialmente equívocas de aceitação tácita (isto é, a prática de actos imprecisos quanto à real intenção/vontade de quem os pratica, quanto à aceitação do chamamento, nomeadamente - mas não só - por desconformidade entre a declaração proferida e os efeitos pretendidos), a própria lei clarifica algumas dessas situações. Lê-se, assim, no art.º 2057.º, n.º 2, do CC que se entende «que aceita a herança e a aliena aquele que declara renunciar a ela, se o faz a favor apenas de algum ou alguns dos sucessíveis que seriam chamados na sua falta». Logo, esta «declaração de renúncia (próxima da declaração de repúdio) à herança, mas em que o renunciante acrescenta fazê-lo, não a favor de todos, mas apenas de alguns daqueles que seriam chamados à herança, na sua falta» - «que nenhuma razão há para não respeitar, uma vez que promana do sucessível com direito à herança» - «não coincide inteiramente, nos efeitos que visa, com os efeitos próprios do repúdio; e, por isso, na «parte em que não há coincidência entre o conteúdo da declaração (de afastamento de algum ou de alguns dos subsequentes sucessíveis) e as consequências legais do repúdio, o que existe já é a intenção do renunciante de impor a sua vontade à determinação da lei». Com efeito, só sendo herdeiro é que depois pode renunciar à herança apenas a favor de algum ou alguns dos demais sucessíveis (e não de todos). Compreende-se, assim, a solução da lei, de se afastar «do teor da declaração emitida pelo chamado e guiando-se pelos efeitos reais, substanciais ou efectivos do acto» e considerar «haver neste caso, não uma renúncia à herança, mas uma aceitação dela, sem a qual o sucessível chamado em primeiro lugar não poderia imprimir ao chamamento subsequente a direcção final correspondente à vontade real expressa na sua declaração» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume VI, Coimbra Editora, Setembro de 1998, pág. 95, com bold apócrifo). Exclui, porém, a lei, como formas de necessária aceitação tácita da herança, os «actos de administração praticados pelo sucessível» (art.º 2056.º, n.º 3, do CC) [9]; e «a alienação da herança, quando feita gratuitamente em benefício de todos aqueles a quem ela caberia se o alienante a repudiasse» (art.º 2057.º, n.º 1, do CC). Logo, e na primeira hipótese (de prática de actos de administração da herança), dada a sua «normal equivocidade» para este efeito de aceitação, uma vez «que tanto podem ter, de facto, na sua raiz a vontade de aceitar o chamamento» como outra intenção, nomeadamente a «de não deixar perder ou deteriorar os bens da herança», a lei intervém, esclarecendo que não equivalem a aceitação tácita (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume VI, Coimbra Editora, Setembro de 1998, págs. 92 e 93). Assim, «mandar reparar um cano que rebentou num imóvel que faz parte da herança, não equivale a uma aceitação tácita». «No entanto, se o sucessível não se limitar a administrar mas se comportar como verdadeiro proprietário, nomeadamente fazendo seus os frutos, já se afigura existir aceitação». Já na segunda hipótese (de alienação gratuita da herança a favor de todos os demais sucessíveis chamados a ela e na proporção devida), em que, «em rigor», o sucessível que assim procede «não chega a aceitar e a alienar posteriormente, já que o resultado seria rigorosamente igual ao de um repúdio», devendo-se «então considerar que, para todos os efeitos, o que se verificou foi antes o repúdio» (Cristina Pimenta Coelho, Código Civil Anotado, coordenação de Ana Prata, Volume II, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2022, págs. 980 e 987). Logo, este é um novo «caso em que, segundo o teor da declaração emitida pelo sucessível e a própria natureza do acto, quando realizado sob a forma de negócio bilateral, se diria ter havido aceitação da herança e subsequente transmissão dela para os beneficiários do acto. Todavia, como as beneficiárias da aparente transmissão da herança são exactamente as mesmas pessoas que à herança seriam chamadas, no caso de o chamado a ter repudiado, a lei, atendendo a essa coincidência substancial de efeitos, salta por cima da eventual declaração das partes e da forma estrutural do acto, considerando como acto de repúdio aquilo a que o sucessível chamou, efectiva ou implicitamente, aceitação e subsequente alienação, para alcançar, sobretudo no foro do direito fiscal, o tratamento fiscal mais justo da operação» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume VI, Coimbra Editora, Setembro de 1998, pág. 95, com bold apócrifo). Já a jurisprudência considera, de forma maioritária, que a mera celebração de uma escritura de habilitação notarial de herdeiros, a não oposição a um incidente de habilitação de herdeiros e a participação do óbito às Finanças, são actos que, considerados isoladamente (isto é, sem a prática de outros), são insuficientes (isto é, não inequívocos) para se ter como havida uma aceitação tácita da herança [10]. Pondera, para o efeito, que: no caso da escritura de habilitação notarial de herdeiros e de cumprimento de obrigações fiscais, se está perante actos que não dependem da iniciativa e da vontade dos sucessíveis, antes correspondendo ao cumprimento de obrigações de cariz burocrático e/ou fiscal; e no caso do incidente de habilitação de herdeiros, é limitado o efeito cominatório da falta de oposição, abrangendo apenas os factos alegados pelo requerente não sujeitos a prova vinculada (e não também o direito invocado), sendo ainda valorada a exiguidade do prazo de 10 dias para a sua dedução (menor que o de 15 dias, passível de ser concedido no processo próprio para a declaração de aceitação a que se refere o art.º 1039º do CPC, por remissão do art.º 2049.º do CC). * 4.1.1.4. Irrevogabilidade (da aceitação) Uma vez ocorrida a aceitação da herança (sendo irrelevante, repete-se, que o tenha sido de forma expressa ou tácita), é a mesma irrevogável. Com efeito, lê-se no art.º 2061.º do CC que a «aceitação [de herança] é irrevogável», isto é, não é possível que depois, por um novo acto unilateral (v.g. repúdio), o já herdeiro deixe de possuir essa qualidade [11]. * 4.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)4.1.2.1. Aceitação expressa (de herança) Concretizando, verifica-se que, tendo sucessivamente falecido JJ, em ../../2015, e DD, em 29 de Outubro de 2015, a primeira no estado de casada com o segundo e este no estado de viúvo daquela, eram os mesmos pais de BB, aqui executado. Mais se verifica que, tendo este sido chamado à respectiva sucessão, por força da lei, não foi dada notícia nos autos de que tenha aceitado expressamente essas heranças, isto é, por meio de documento escrito em que declarasse aceitá-las, ou nele assumisse o título de herdeiro com a intenção de as adquirir. Não pode, pois, concluir-se por qualquer aceitação expressa de heranças dos pais do Executado (BB) por ele próprio. * 4.1.2.2. Aceitação tácita (de herança)Verifica-se ainda que, tendo a Exequente (AA) declarado nos autos ter o Executado (BB) aceitado a herança de seus pais, não concretizou, contudo, quais os actos por ele praticados que permitissem deduzir, com toda a probabilidade, essa aceitação tácita. Com efeito, só em sede do recurso que ora se aprecia veio, pela primeira vez, alegar que a aceitação «se manifestou, na prática de vários actos pelo executado na qualidade de herdeiro, visitando, tratando, limpando, cuidando, pagando a quota parte nos impostos, à vista de toda a gente da localidade onde os bens se situam, tudo como fazem os verdadeiros herdeiros, que é». Ora, precisamente pelo carácter inédito e inoportuno dessa alegação que não pode a mesma ser aqui e agora considerada. * Defendeu, porém, a Exequente (AA) que seria susceptível de ser valorado nesse sentido o facto de, tendo sido penhorados, em 14 de Setembro de 2016, os quinhões hereditários do Executado (BB) nas heranças abertas por óbito do pai e da mãe, e tendo sido ele próprio e os demais co-herdeiros notificados em conformidade, nada disseram no prazo de dez dias de que dispunham para o efeito.Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não lhe assiste razão. Com efeito, tal como igualmente o ajuizou o Tribunal a quo e se detalhou supra, «a não oposição à penhora não tem essa virtualidade (do mesmo modo que o incidente de habilitação de herdeiros não contestado também não se assume como um ato concludente de aceitação de herança)», de aceitação tácita da herança. Acresce que se entende pacificamente, face ao disposto no art.º 784.º do CPC, que a alegação de que o bem ou direito penhorado não pertence ao executado não é idónea a fundamentar a dedução do dito incidente de oposição à penhora (cabendo, sim, à pessoa a quem pertençam a dedução dos necessários e pertinentes embargos de terceiro). Não pode, pois, concluir-se por qualquer aceitação tácita de heranças dos pais do Executado (BB) por ele próprio. * Improcede, assim, o primeiro fundamento do recurso de apelação da Exequente (AA), relativo à aceitação, pelo Executado (BB), das heranças dos respectivos pais.* 4.2. Repúdio de herança 4.2.1.1. Legitimidade Reitera-se que se lê, no art.º 2051.º do CC, que, sendo «vários os sucessíveis, pode a herança ser aceite por algum ou alguns deles e repudiada pelos restantes». Mais se lê, no art.º 1683.º, n.º 2, do CC, que o «repúdio da herança ou legado só pode ser feito com o consentimento de ambos os cônjuges, a menos que vigore o regime de separação de bens». Precisa-se que a diferença de tratamento, entre os casamentos celebrados sob o regime de comunhão de bens e aqueles outros celebrados sob o regime de separação de bens, «justifica-se, em virtude de, apenas no primeiro caso, o repúdio acarretar uma perda patrimonial, cujos efeitos ultrapassam o repudiante, seja porque os bens que poderiam ser adquiridos sucessoriamente deixam, por força daquele ato, de integrar o património comum do casal - como aconteceria no caso de se aplicar o regime de comunhão geral - seja porque apenas os respetivos frutos deixam de entrar nessa massa patrimonial, na medida em que os bens adquiridos, em caso de aceitação, não se comuniquem, integrando apenas o património do cônjuge sucessível - como ocorrerá na comunhão de adquiridos (art. 1722.º, n.º 1-b))» (Rute Teixeira Pedro, Código Civil Anotado, coordenação de Ana Prata, Volume II, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2022, págs. 571 e 572, com bold apócrifo) [12]. Lê-se ainda, no art.º 2062.º do CC, que os «efeitos do repúdio da herança retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão, considerando-se como não chamado o sucessível que a repudia, salvo para efeitos de representação». Compreende-se, por isso, que se afirme que «quando alguém repudia, ainda que o tenha feito vários anos depois da morte do autor da sucessão, tudo se passa como se o repúdio se tivesse verificado nesse momento»; e o repúdio deve «ser considerado como um caso de não querer aceitar e poder determinar que outro herdeiro venha a ser chamado a ocupar a posição que o repudiante não quis ou, caso não se verifiquem os demais pressupostos das vocações indiretas, que seja chamado o sucessível subsequente» (Cristina Pimenta Coelho, Código Civil Anotado, coordenação de Ana Prata, Volume II, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2022, pág. 992, com bold apócrifo). * 4.2.1.2. Forma Lê-se no art.º 219.º do CC que a «validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir». Vigora, assim, entre nós o regime da liberdade de forma, que tem, porém, excepções, consagradas na lei a propósito da prática de actos que, face à especial importância (v.g. pessoal e/ou económica) de que se revestem para as partes, a mesma pretendeu que fosse revestida de particular cautela, nomeadamente de reforçada ponderação e segura prova. Um desses casos excepcionais é precisamente o de repúdio de herança, lendo-se no art.º 2063.º do CC que o mesmo «está sujeito à forma exigida para a alienação da herança». Somos, assim, remetidos para o art.º 2126.º, do CC, onde se lê que, sem «prejuízo do disposto em lei especial, a alienação de herança ou de quinhão hereditário é feita por escritura pública ou por documento particular autenticado se existirem bens cuja alienação deva ser feita por uma dessas forma» (n.º 1); e, fora «dos casos previstos no número anterior, a alienação deve constar de documento particular» (n.º 2). Recorda-se, a propósito, que se lê no art.º 875.º do CC que, sem «prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado». Compreende-se que assim seja, sabido que, tradicionalmente, os bens imóveis constituíam, e ainda constituem para uma grande maioria da população, o activo mais valioso do património pessoal [13]. Logo, e ao contrário da aceitação da herança (que não obriga a uma forma especial, podendo inclusivamente ser tácita), o repúdio é sempre um acto formal (exigindo a formalização por documento escrito)[14], cuja inobservância implicará a respectiva nulidade (conforme art.º 220.º do CC); e essa formalização será mais exigente se a herança contiver bens imóveis (já que terá então de ser formalizado por escritura pública ou por documento particular autenticado). * Recorda-se ainda, a propósito das modalidades de documentos escritos, que se lê no art.º 363.º do CC que os mesmos «podem ser autênticos ou particulares» (n.º 1); que são autênticos os «exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública», sendo «todos os outros documentos» particulares (n.º 2); e que os «documentos particulares são havidos por autenticados, quando confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais» (n.º 3) [15].Precisando, então, os requisitos do termo de autenticação de documento particular por notário, terá o mesmo, antes de mais, que respeitar as formalidades comuns (exigências legais) de qualquer instrumento notarial, previstas no art.º 46.º, n.º 1, do CN [16]; e ainda os requisitos comuns do termo de autenticação, previstos nos art.ºs 150.º, n.º 2 e 151.º , ambos do CN [17]. Afirma-se, assim, que o «procedimento de autenticação do documento particular consiste na confirmação do seu teor perante entidade dotada de fé pública (…) e a parte declarar estar inteirada do seu conteúdo e que este traduz a sua vontade, sendo ainda elaborado por aquela entidade um termo de autenticação, que deve ser lavrado em conformidade com os requisitos previstos nos artigos 150.º e 151.º do Código de Notariado (conter a declaração da parte de que leu o documento e está inteirada do seu conteúdo e que o mesmo exprime a sua vontade)» (Ac. do STJ, de 21.04.2022, Fernando Baptista, Processo n.º 1670/13.5TBPTM.E1.S1). Contudo, o termo de autenticação de documento particular poderá igualmente ser feito por advogado. Com efeito, lê-se no art.º 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, e no que ora nos interessa, que, sem «prejuízo da competência atribuída a outras entidades, (…) os advogados (…) podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial» (n.º 1); e os «reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial» (n.º 2) [18]. A norma em referência é meramente permissiva, isto é, limita-se a atribuir a competência para a prática de certos actos jurídicos (antes reservados aos notários) a determinadas entidades, entre elas os advogados. Não esclarece, porém, os termos da sua realização, já que os mesmos decorreriam precisamente das normas que já antes dispunham sobre aquela prática, nomeadamente das insertas no CC (art.º 363.º, n.ºs 2 e 3) e no CN (art.ºs 46.º, n.º 1, als. a) a n), 150.º e 151.º); e são elas que precisamente permitem considerar os documentos assim emanados como documentos autênticos (na expressa e pretendida equiparação legal, feita pelo n.º 2 do art.º 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março). Lê-se, porém, no art.º 38.º já parcialmente reproduzido, agora no seu n.º 3, e no que ora nos interessa, que os «actos referidos no n.º 1 apenas podem ser validamente praticados» pelos «advogados e solicitadores mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respectivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça». A mesma é a Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de Junho, em cujo art.º 1.º se lê, no que ora nos interessa, que a «validade (…) das autenticações de documentos particulares», efectuadas por «advogados e solicitadores, depende de registo em sistema informático». Lê-se ainda, no seu art.º 4.º, que o dito «registo informático é efectuado no momento da prática do acto, devendo o sistema informático gerar um número de identificação que é aposto no documento que formaliza o acto», isto é, no dito termo de autenticação (n.º 1); e se, «em virtude de dificuldades de carácter técnico, não for possível aceder ao sistema no momento da realização do acto, esse facto deve ser expressamente referido no documento que o formaliza, devendo o registo informático ser realizado nas quarenta e oito horas seguintes» (n.º 2) [19]. Afirma-se, assim, que «para haver uma situação de autenticação de um documento particular por advogado» «torna-se necessário que se proceda a três fases distintas: (i) que as partes assinem o documento particular; (ii) que esse documento seja apresentado ao advogado para que este efetue a respetiva autenticação, devendo as partes confirmarem perante si o conteúdo do documento particular, procedendo-se de seguida à elaboração do termo de autenticação, onde tem de ficar a constar que as partes já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo, e que o documento exprime a sua vontade, bem como a ressalva de eventuais emendas, entrelinhas, rasuras ou traços; e (iii) que o advogado efetue o registo informático, em obediência ao disposto nos artigos 3.º e 4.º da Portaria n.º 657-B/2006, de 29-06» (Ac. da RE, de 25.11.2021, Emília Ramos Costa, Processo n.º 1670/13.5T8PTM.E1). Já se o termo de autenticação ou o seu registo informático for efectuado de forma desconforme com os requisitos previstos na lei para o efeito, o documento dele objecto (no caso, de repúdio de herança) não pode valer como documento particular autenticado (com a fé pública inerente a um documento autêntico), por preterição de uma formalidade essencial [20]. Contudo, não deixa o mesmo de valer e produzir os seus efeitos como documento particular não autenticado, como, ab initio, já o era. Com efeito, «não se pode confundir a invalidade do termo de autenticação, com base no facto de não se ter procedido ao registo [ou ao registo válido], com a validade do acto corporizado no documento para os efeitos visados» (Ac. da RG, de 28.01.2021, Maria dos Anjos Nogueira, Processo n.º 1397/18.1T8VCT.G1) [21]. * 4.2.1.3. Irrevogabilidade (do repúdio) Uma vez ocorrido o repúdio da herança é o mesmo irrevogável. Com efeito, lê-se no art.º 2066.º do CC que o «repúdio [de herança] é irrevogável», isto é, não é possível que depois, por um novo acto unilateral do repudiante, sejam desfeitos os respectivos efeitos [22]. * 4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)Concretizando, verifica-se que, por meio de um documento particular escrito, datado de 12 de Dezembro de 2022, o aqui Executado (BB) declarou repudiar a herança da sua mãe, JJ, e de seu pai, DD. Ora, não obstante constar aí como sendo casado, constar da procuração forense que juntou aos autos que o é sob o regime de comunhão de adquiridos, e não ter sido igualmente junto qualquer documento que certificasse o prévio ou simultâneo consentimento do seu cônjuge nesse repúdio, certo é que essa questão não foi suscitada no recurso que ora se aprecie, não podendo, por isso, ser conhecida por este Tribunal ad quem. Mais se verifica que o dito documento particular foi, na mesma data, autenticado por advogado (não interditando a lei que este patrocine posteriormente o seu autor em juízo), constando do termo respectivo que ambos (documento e termo) foram lidos e explicados ao Executado (BB), procedendo-se ao simultâneo registo informático na plataforma própria da Ordem dos Advogados. Assim, e ainda que das heranças dos pais do Executado (BB) constassem bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo, certo é que o repúdio por ele formalizado foi efectuado de acordo com a forma exigida por lei; e esta, ao contrário do sustentado pela Exequente (AA) nos autos, não se limita à escritura pública, incluindo igualmente documento particular autenticado. Ora, não tendo ficada certificada nos autos qualquer prévia aceitação da herança dos respectivos pais por parte do Executado (BB), podia o mesmo repudiá-las quando o fez, cumpridas que foram as exigências de forma impostas por lei para o efeito. * Improcede, assim, o segundo fundamento do recurso de apelação da Exequente (AA), relativo à nulidade, por falta de forma, do repúdio, pelo Executado (BB), das heranças dos respectivos pais.* 4.3. Penhora de quinhão hereditário 4.3.1.1. Modo de realização Lê-se no art.º 781.º, n.º 1, do CPC, que se «a penhora tiver por objeto quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo, a diligência consiste unicamente na notificação do facto ao administrador dos bens, se o houver, e aos contitulares, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do agente de execução, desde a data da primeira notificação efetuada». Logo, o direito a herança por partilhar (o direito e acção a uma quota parte de herança indivisa, património autónomo), não se encontrando fora do comércio, por sua natureza ou por disposição da lei, é um bem com valor económico e negociável; e pode, assim, ser objecto de penhora (art.ºs 202.º, 204.º e 205.º, todos do CC, e art.º 735.º do CPC). A dita penhora (de um tal direito) consiste «unicamente» na notificação pessoal [23] do facto aos restantes co-herdeiros (incluindo o cabeça-de-casal), de que o mesmo fica penhorado, desde a data em que se realize a primeira notificação [24]; e fica penhorado enquanto tal, isto é, independentemente da relacionação concreta e determinada (no processo de execução ou no processo de inventário respectivo) dos bens compreendidos na herança, já que se trata de «um bem "a se" (…) [25]. De resto, na maior parte dos casos o cabeça-de-casal não possui elementos que lhe consintam identificar os bens compreendidos na herança indivisa e está aqui obstáculo sério a dificultar e até impedir a relacionação concreta dos mesmos bens» (José António Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Volume III, 4.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra Editora, 1991, págs. 352 e 353). Caberá, porém, ao exequente proceder à identificação dos notificandos, bem como à identificação da quota-parte do executado (art.º 724.º, n.º 2, do CPC). Compreende-se, por isso, que se leia, no art.º 743.º, n.º 1, do CPC, que, sem «prejuízo do disposto no nº 4 do artigo 781º, na execução movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fração de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso». Posteriormente, «quando o direito se concretizar a penhora passa a afectar os bens em que o direito se resolveu, sem que tenha de proceder-se a nova diligência» (José Alberto dos Reis, Processo de Execução, Volume 2.º, reimpressão, Coimbra Editora, Lda., 1985, págs. 225 e 226): «o direito constituído pela penhora transfere-se automaticamente para os bens que o integram, independentemente de nova apreensão» (Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3.ª edição, reimpressão, Livraria Almedina, 1992, págs. 454 e 455). Logo, não podem ser objecto de penhora bens concretos e determinados que façam parte de um acervo hereditário ainda por partilhar, já que inclusivamente se desconhece, nesta fase, se (em sede de partilha) os mesmos virão a caber ao executado [26]; e ainda que a herança integre imóveis, a penhora não carece de registo [27]. Mais se lê, no art.º 781.º, n.º 2, do CPC, que é «lícito aos notificados fazer as declarações que entendam quanto ao direito do executado e ao modo de o tornar efetivo, podendo ainda os contitulares dizer se pretendem que a venda tenha por objeto todo o património ou a totalidade do bem». Assim, e nos termos do art.º 773.º, aplicável ex vi do art.º 783.º, ambos do CPC, cumpre aos notificados declarar se o quinhão hereditário existe, ou se existe numa proporção diferente da indicação pelo exequente, e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução (n.º 2); e, não o fazendo no prazo geral de 10 dias (n.º 3), entende-se que reconhecem a existência do direito, tal como foi indicado à penhora (n.º 4). Logo, não reagindo os demais co-herdeiros, nos 10 dias subsequentes, à notificação de que foi penhorado o direito ao quinhão hereditário de um deles em herança comum, não podem posteriormente contestar a sua existência ou os demais termos em que foi nomeado à penhora [28]. * 4.3.1.2. Vicissitudes posteriores Lê-se no art.º 819.º do CC que, sem «prejuízo das regras do registo, são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados». Mais se lê, no art.º 820.º seguinte, que, sendo «penhorado algum crédito do devedor, a extinção dele por causa dependente da vontade do executado ou do seu devedor, verificada depois da penhora, é igualmente inoponível à execução». Consagra-se em ambas as normas a inoponibilidade relacional (face às partes e aos intervenientes na execução) de actos praticados pelo executado, sendo que, enquanto que a primeira delas tem por âmbito a penhora de direitos reais, a segunda tem por âmbito a penhora de créditos e de direitos de estrutura relativa, em geral [29]. Precisa-se que se está perante uma ineficácia relativa dos actos de disposição e de oneração do objecto da penhora (que não têm efeito perante a, ou em relação à, execução, enquanto a penhora subsistir), mas não perante a respectiva invalidade (já que a penhora não retira ao executado os poderes de disposição e de oneração sobre os bens penhorados, pelo que tais actos, a serem praticados, não são ilícitos) [30]. Tendo-se, porém, presente o princípio da proporcionalidade da penhora, consagrado no art.º 735.º, n.º 3, do CPC [31] (que se impõe quer quanto ao respectivo objecto, quer quanto aos seus efeitos), defende-se uma interpretação restritiva da regra da inoponibilidade relativa referida, que apenas deverá operar quando haja efectiva colisão entre os actos de disposição e de oneração do objecto da penhora e os interesses do exequente (nomeadamente por os efeitos dos primeiros serem incompatíveis com a realização dos segundos); e bem assim a possibilidade dessa consequente limitação da ineficácia relativa operar, tanto no plano do objecto (dos actos de disposição ou de oneração praticados), como no plano dos sujeitos (dos autores de tais actos e dos destinatários da ineficácia relativa) [32]. * 4.3.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)Concretizando, verifica-se que, tendo sido, em Setembro de 2016, efectiva e correctamente, penhorado o quinhão hereditário do Executado (BB) na herança do respectivo pai (mas não igualmente na herança da respectiva mãe, do que não se encontrou notícia na consulta feita do processo electrónico), veio posteriormente a execução, em 30 de Outubro de 2027, a ser declarada extinta, nos termos do art.º 721.º, n.º 3, do CPC (isto é, por a Exequente não ter efectuado o pagamento à Agente de Execução das quantias que lhe eram devidas a titulo de honorários e despesas). Mais se verifica que, tendo sido pedida a sua renovação - em 11 de Fevereiro de 2022 pela Exequente (AA) e em 20 de Março de 2022 pela Agente de Execução -, e tramitados depois os autos em conformidade com essa efectiva renovação (não obstante o disposto no art.º 850.º, n.º 5, do CPC, que não contempla nas hipóteses de renovação de execução extinta a considerada nos autos), em 22 de Maio de 2023 foi lavrado um epigrafado «AUTO DE PENHORA», constando do mesmo terem sido penhoradas três verbas, cada uma delas correspondendo ao quinhão hereditário do Executado (BB) em três prédios distintos que integram a herança do seu pai (como facilmente se constata pelo número de identificação fiscal atribuído à respectiva herança e constante do mesmo auto). Verifica-se ainda, nomeadamente pela pronúncia da Agente de Execução de 04 de Setembro de 2024, considerar a mesma que «o quinhão hereditário foi penhorado em 22/05/2023», isto é, por meio do dito «AUTO DE PENHORA», não obstante desconforme com as regras legais editadas para o pretendido efeito (sobejamente detalhadas supra). Contudo, e para a economia do recurso em apreciação, certo é que aquela pretendida penhora foi realizada já depois do Executado (BB) ter repudiado as heranças dos respectivos pais; e, ainda que assim não fosse (considerando-se a penhora de quinhão hereditário realizada em Setembro de 2016), retroagindo o repúdio ao momento de abertura da herança, do mesmo modo nunca teria a efectiva penhora qualquer objecto. * Improcede, assim, definitivamente o recurso de apelação da Exequente (AA).* V - DECISÃOPelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Exequente (AA), e, em consequência, em · Confirmar o despacho recorrido. * Custas da apelação pela Exequente recorrente (art.º 527.º, n.º 1, do CPC).* Guimarães, 06 de Fevereiro de 2025. O presente acórdão é assinado electronicamente pelas respectivas Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.ª Adjunta - Rosália Cunha; 2.º Adjunto - Fernando Manuel Barroso Cabanelas. [1] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1 (in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem), onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido». [2] Compreende-se, por isso, que se afirme que daqui «resulta que, na prática, há um lapso de tempo que medeia entre a abertura da sucessão e a altura em que o sucessível se pronuncia, aceitando a herança. Nesse período de tempo diz-se que a herança está jacente» (Cristina Pimenta Coelho, Código Civil Anotado, coordenação de Ana Prata, Volume II, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2022, pág. 980). Fala-se, por isso, de um «período de crise que decorre entre o chamamento do sucessível e a aceitação efectiva da herança ou do legado, ou seja, entre o momento da vocação sucessória e a devolução efectiva dos bens e dos deveres que integram a herança» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume VI, Coimbra Editora, Setembro de 1998, pág. 68). [3] Pires de Lima e Antunes Varela radicam esta retroactividade dos efeitos do acto de aceitação da herança no «interesse geral da continuidade das relações jurídicas encabeçadas na anterior titularidade do falecido» (in Código Civil Anotado, Volume VI, Coimbra Editora, Setembro de 1998, pág. 79). [4] Recorda-se que, de acordo com o art.º 236.º, n.º 1, do CC, «a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele», consagrando desse modo uma interpretação objectivista (denominada teoria da impressão do destinatário). Assim, o sentido decisivo da declaração negocial será «aquele que seja apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante», a não ser que este, razoavelmente, não pudesse contar com tal sentido (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 223). Este comportamento do declarante a que se refere o n.º 1 do art.º 236.º do C.C. «não é constituído somente pela textual declaração negocial por ele proferida, mas também pelas circunstâncias, a ele relativas, do caso concreto que, conhecidas ou devendo ser conhecidas pelo declaratário, possam esclarecer o sentido da declaração», sendo exemplos dessas circunstâncias atendíveis «os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo, a finalidade prosseguida pelo declarante, as negociações prévias, as precedentes relações negociais entre as partes, os hábitos do declarante (de linguagem e outros), os usos da prática, em matéria terminológica ou de outra natureza que possa interessar, os modos de conduta por que se prestou observância ao negócio concluído» (RLJ, Ano 110, pág. 42). Logo, a doutrina da impressão do destinatário, recondutível ao âmbito do princípio da protecção da confiança, impõe ao declarante um ónus de clareza na manifestação do seu pensamento, desde forma se concedendo primazia ao ponto de vista do destinatário da declaração, a partir de quem tal declaração deve ser focada (Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, Almedina, 1995, pág. 206). Todavia, a lei não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário, significando o entendimento subjectivo deste, mas apenas concede relevância ao sentido que apreenderia o declaratário normal, colocado na posição do real declaratário - a pessoa com capacidade, razoabilidade, conhecimento e diligência medianos (Paulo Mota Pinto, op. cit., pág. 208). Não se impõe, assim, ao declaratário uma investigação sobre o que o declarante pretendeu significar com esse comportamento, mas antes a apreensão do sentido objectivo que resulta da declaração, independentemente da cognoscibilidade da verdadeira intenção do declarante. Compreende-se, por isso, que se afirme que «o alcance decisivo da declaração será àquele que em abstracto lhe atribuiria um declaratário razoável, medianamente inteligente, diligente e sagaz, colocado na posição concreta do declaratário real, em face das circunstâncias que este efectivamente conheceu e das outras que podia ter conhecido, maxime dos termos da declaração, dos interesses em jogo e seu mais razoável tratamento, da finalidade prosseguida pelo declarante, das circunstâncias concomitantes, dos usos da prática e da lei» (João Calvão da Silva, Estudos de Direito Comercial, Almedina, 1996, pág. 217). Assim, «a normalidade do destinatário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante (Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., pág. 243). Serão por isso atendíveis na interpretação da declaração negocial quer as circunstâncias contemporâneas da mesma, quer anteriores à sua conclusão, quer posteriores, importando que quer o declaratário, quer o declarante actuem de boa fé, aquele investigando o que o declarante quis, tendo em consideração todas as circunstâncias por si conhecidas, e este deixando valer da declaração no sentido em que o declaratário, mediante verificação cuidadosa, tinha de atribuir-lhe (RLJ, Ano 104, pág. 63). [5] Neste sentido, Cristina Pimenta Coelho, Código Civil Anotado, coordenação de Ana Prata, Volume II, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2022, pág. 982. Na jurisprudência, Ac. do STJ, de 10.09.2020, Oliveira Abreu, Processo n.º 3379/18.4T8LRS.L1.S1, onde se lê que, prendendo-se o «instituto da aceitação da herança (…) com uma postura íntima do sucessível para com a personalidade e relações com o “de cujus” e também, com o conjunto de direitos e obrigações inerentes à herança», a «aceitação da herança jacente é, na sua estrutura e natureza, um negócio jurídico singular, unilateral, indivisível, irrevogável e, não receptício, traduzido na vontade do sucessível adquirir, efectivamente, a herança». [6] Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume VI, Coimbra Editora, Setembro de 1998, págs. 92 e 93, onde se lê que, «dadas a equivocidade de muitos dos actos praticados em relação aos bens que integram a herança, por um lado, e a necessidade de clarificar com a maior brevidade possível as situações criadas após a abertura da sucessão, por outro, a aceitação expressa da herança não corresponde à noção (geral) de declaração negocial expressa, tal como a define o artigo 217.º, n.º 1». [7] No mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume VI, Coimbra Editora, Setembro de 1998, pág. 93, onde se lê que «na prática a herança é, as mais das vezes, aceite tacitamente, por factos (e não por palavras) ou por meras declarações verbais»,; e respeitar a nossa lei «essa prática da aceitação tácita (…), em homenagem à vontade real do sucessível, desde que ela obedeça ao requisito comum de comunicabilidade ou de objectividade das declarações tácitas de vontade definido no artigo 217.º, n.º 1», isso é, «de os factos em que se apoia revelarem, com grande probabilidade, a sua existência». [8] Neste sentido, na jurisprudência: . Ac. da RG, de 01.03.2018, Sandra Melo, Processo n.º 384/17.1.T8GMR-A.G1 - onde se lê que existe «aceitação tácita da herança quando o sucessível tem comportamentos que criam uma situação da qual se conclua que com toda a probabilidade aceitou a herança (artigo 217º do Código Civil), sendo esta aferida com os padrões que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, pudesse deduzir do comportamento daquele (artigo 236º do Código Civil)». . Ac. do STJ, de 10.09.2020, Oliveira Abreu, Processo n.º 3379/18.4T8LRS.L1.S1 - onde se lê que, ao «invés do que ocorre para o repúdio, a aceitação, como manifestação de vontade positiva, pode ser expressa (o que pressupõe a elaboração de um documento escrito, não estando sujeita à forma exigida para a alienação da herança) ou tácita (inferindo-se do comportamento do sucessível), conforme resulta da lei substantiva civil - art.º 2056º do Código Civil - importando que o enquadramento jurídico de aceitação expressa e tácita da herança, deve retirar-se a partir das noções gerais contidas no art.º 217º do Código Civil, daí que se deva entender como aceitação tácita da herança a manifestação de vontade que se deduz de simples factos que, com toda a probabilidade, a revelam». . Ac. do STJ, de 30.05.2023, Pedro Lima Gonçalves, Processo n.º 28471/17.9T8LSB.L1.S1 - onde se lê que «não havendo uma noção clara do que é uma aceitação tácita (a que se refere o art. 2056.º, do CC), deve a mesma recolher-se a partir dos comportamentos do que se arroga a qualidade de herdeiro, a fim de apurar se deles resulta, com grande probabilidade, a evidência de aceitação, sem descurar que mesmo sem aceitação o suspeito herdeiro pode praticar atos sem que daí decorra a consequência de os mesmos se terem por demonstrativos da aceitação». [9] De forma conforme, lê-se no art.º 2047.º, n.º 1, do CC, que o «sucessível chamado à herança, se ainda a não tiver aceitado nem repudiado, não está inibido de providenciar acerca da administração dos bens, se do retardamento das providências puderem resultar prejuízos». [10] Neste sentido: Ac. do STJ, de 08.07.1975, Bruto da Costa, Processo n.º 065465; Ac. do STJ, de 11.10.1994, Mário Noronha, Processo n.º 085629; Ac. do STJ, de 10.12.1997, Mário Cancela, Processo n.º 97B757; Ac. do STJ, de 28.06.2007, Gil Roque, Processo n.º 07B2233; Ac. da RL, de 28.04.2016, Jorge Vilaça, Processo n.º 7981/09.7T2SNT-B.L1-2; Ac. da RG, de 01.03.2018, Sandra Melo, Processo n.º 384/17.1.T8GMR-A; Ac. da RP, de 11.03.2021, Carlos Portela, Processo n.º 4311/15.2T8AVR-H.P1; ou Ac. do STJ, de 30.05.2023, Pedro Lima Gonçalves, Processo n.º 28471/17.9T8LSB.L1.S1. Contudo, em sentido contrário: Ac. da RL, de 06.12.2005, Fernanda Isabel Pereira, Processo n.º 9068/2005-6; Ac. da RL, de 13.03.2007, Rijo Ferreira, Processo n.º 933/2007-1; ou Ac. da RG, de 04.10.2017, Alda Martins, Processo n.º 1336/15.1T8VRL.G1. Ainda Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 9.ª edição, 2017, Almedina, pág. 212, onde defende que a sentença proferida no incidente de habilitação, declarativa de que certas pessoas são herdeiras da parte falecida, pressupõe que aceitaram a herança, apesar de não terem sido citadas com a cominação prevista nos art.º 2049.°, n.° 1 do CC e no art.º 1039.°, n.° 1, do CPC. [11] No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 10.09.2020, Oliveira Abreu, Processo n.º 3379/18.4T8LRS.L1.S1, onde se lê que, demonstrada «a aceitação da herança, enquanto manifestação de vontade positiva da sucessível em adquirir a ajuizada fracção, cuja natureza, é, além do mais, irrevogável, torna nula, ou mais propriamente, manifestamente inexistente em termos jurídicos, a escritura pública de repúdio da herança, outorgada posteriormente aos factos concludentes que determinaram o reconhecimento da aceitação da herança». Precisa, ainda, que, caso tenha ocorrido algum registo de bens a favor do inicial aceitante de herança e depois pretenso repudiante da mesma, o dito registo será igualmente nulo. Pondera, para o efeito, que a «teoria da nulidade dos actos pode ser transposta para os actos de registo, e, se certo que nos termos do n.º1 do art.º 17 do Código do Registo Predial “a nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado”, tal não invalida que a nulidade possa ser invocada como excepção, em sede de demanda declarativa, com o objectivo de destruir a presunção que deriva do registo, daí que a prova em contrário da presunção decorrente do art.º 7º do CRP pode resultar da nulidade do próprio registo ou da invalidade do acto substantivo inscrito, significando que ao apurar-se factos que se subsumem à invalidade do acto substantivo inscrito (no caso a escritura repúdio da herança quando se demonstrou a aceitação da herança, cuja natureza é irrevogável), importa, necessariamente, a nulidade do registo». [12] No mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume IV, 2.º edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada,1992, pág. 307, onde se lê que, seja «qual for a rigorosa natureza jurídica do acto de repúdio, quer se trate de um acto abdicativo, quer de um acto impeditivo da devolução (cfr. arts. 2050.º e 2062.º), certo é que, economicamente, o acto do repudiante se traduz numa perda patrimonial para a sustentação do casal, mesmo que os bens legados ou deixados viessem a ter a natureza de bens próprios do cônjuge benificiário (art. 1722.º, n.º 1, al. b))». [13] Compreende-se, por isso, que este regime, isto é, as «normas da compra e venda», seja aplicável «aos outros contratos onerosos pelos quais se alienam bens ou se estabeleçam encargos sobre eles, na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respectivas» (art.º 939.º, do CC). [14] Compreende-se esta diversidade de tratamento, uma vez que, em princípio, a aceitação da herança só pode trazer benefício para o seu autor, enquanto que o repúdio importará uma perda (mais ou menos volumosa) de acréscimo do património do repudiante; e, por isso, a maior exigência de forma prevista para este último acto protege mais eficazmente o sucessível de reações levianas, precipitadas ou imponderadas. [15] O art.º 363.º, n.º 3, do CC é reafirmado no art.º 150.º, n.º 1, do CN, onde se lê que os «documentos particulares adquirem a natureza de documentos autenticados desde que as partes confirmem o seu conteúdo perante o notário». [16] No caso de repúdio de herança por documento particular, o termo de autenticação por notário terá, nomeadamente, de conter: «a) A designação do dia, mês, ano e lugar em que for lavrado ou assinado e, quando solicitado pelas partes, a indicação da hora em que se realizou»; «b) O nome completo do funcionário que nele interveio, a menção da respectiva qualidade e a designação do cartório a que pertence»; «c) O nome completo, estado, naturalidade e residência habitual dos outorgantes (…)»; «d) A referência à forma como foi verificada a identidade dos outorgantes (…)»; «l) A menção de haver sido feita a leitura do instrumento lavrado, ou de ter sido dispensada a leitura pelos intervenientes, bem como a menção da explicação do seu conteúdo»; «n) As assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que possam e saibam assinar, (…) e a assinatura do funcionário, que será a última do instrumento». [17] Estando-se perante a autenticação de um documento particular por notário, exige o art.º 150.º, n.º 2, do CN que a autenticação seja reduzida a termo; e esclarece o art.º 36.º, n.º 4, do CN, que os «termos de autenticação e os reconhecimentos são lavrados no próprio documento a que respeitam ou em folha anexa». Exige ainda o art.º 151.º do CN que o «termo de autenticação, além de satisfazer, na parte aplicável e com as necessárias adaptações, o disposto nas alíneas a) a n) do n.º 1 do artigo 46.º, deve conter ainda» a «declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade» (n.º 1, al. a) respectiva); e é «aplicável à verificação da identidade das partes (…) o disposto para os instrumentos públicos» (n.º 2). [18] Dir-se-á que foram sobretudo razões de simplificação, desburocratização e agilização da prática destes actos, com vista ao incremento do desenvolvimento económico, que estiveram na base desta inovadora atribuição de competências (conforme Preâmbulo do diploma) - que antes eram exclusivas de autoridades públicas - a certas entidades; e, no caso dos advogados, o legislador terá presumido que, atentos os deveres constantes do seu estatuto profissional, os actos por eles praticados seriam verdadeiros (cfr. art.ºs 76º e seguintes do E.O.A., na versão então em vigor, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março). [19] Logo, só pode haver uma dilação entre o termo de autenticação e o seu registo informático se: exclusivamente por razões técnicas, não for possível a simultânea elaboração daquele (termo) e a realização deste (registo informático); essa circunstância for expressamente mencionada no termo de autenticação; e a dilação entre o documento termo de autenticação e o seu registo informático for inferior ou igual a quarenta e oito horas. Precisa-se, porém, que, da «conjugação dos normativos do DL nº 76-A/ 2006 e Portaria nº 657-B/2006, de 29.06, resulta que o acto a que a Portaria 657-B/2006 de 29 de Junho se refere é o da autenticação do documento particular e não o da outorga do próprio documento particular e que o prazo de 48 horas previsto no artº 4º da referida Portaria nº 657-B/2006 respeita à elaboração do termo de autenticação e do registo do mesmo e não à celebração do contrato e respectiva autenticação». Assim, «pouco importa se decorreu, ou não, mais de 48 horas entre a outorga das procurações e a sua autenticação. Importa, sim (e apenas) que não decorra mais de 48 horas entre essa autenticação e o seu registo informático. Este, e só este limite temporal é que é inultrapassável» (Ac. do STJ, de 21.04.2022, Fernando Baptista, Processo n.º 1670/13.5TBPTM.E1.S1). [20] Neste sentido, Ac. do STJ, de 21.04.2022, Fernando Baptista, Processo n.º 1670/13.5TBPTM.E1.S1, onde se lê que, «não tendo as procurações aludidas nos autos respeitado as apontadas exigências, ficaram padecendo de vício de forma, por falta de cumprimento dos requisitos legais do termo de autenticação que as compõem». [21] No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 21.04.2022, Fernando Baptista, Processo n.º 1670/13.5TBPTM.E1.S1, onde se lê que, «não cumprindo a autenticação duma procuração os requisitos legais constantes da Portaria n.º 657-B/2006, tal inquina a validade do documento enquanto documento autenticado, valendo apenas como documento particular». [22] Dir-se-ão «evidentes os graves inconvenientes, sobretudo de ordem prática, que teria no comércio jurídico e os frequentes protestos que suscitaria a cada passo um regime diferente do que foi expressamente consagrado, quer neste artigo 2066.º, para o repúdio, quer no artigo 2061.º, para a aceitação» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume VI, Coimbra Editora, Setembro de 1998, pág. 112). [23] Recorda-se que se lê no art.º 773.º, n.º 1, aplicável ex vi do art.º 783.º, ambos do CPC, que a «penhora de créditos consiste na notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime deste, de que o crédito fica à ordem do agente de execução». [24] Procura-se, deste modo, assegurar tão cedo quanto possível a produção dos efeitos da penhora. [25] No mesmo sentido, Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, AAFDL, Junho de 2018, pág. 612, onde se lê que «apenas pode ser penhorada a quota-parte do executado, que é em si mesma uma realidade ou quid de natureza jurídica, nos termos do artigo 743º nº 1». Na jurisprudência, Ac. da RC, de 27.04.2021, António Domingos Robalo, Processo n.º 8638/15.5T8CBR-B.C1, onde se lê que a «herança ilíquida e indivisa, como consta do auto de penhora, e bens imóveis à mesma pertencente, constitui um património autónomo, sendo que com o acto de aceitação os herdeiros apenas assumem uma quota ideal e abstrata do todo hereditário, pois só com a partilha, ainda que com efeitos retrativos à abertura da herança, é que cada um dos herdeiros fica a conhecer e obtém a qualidade de sucessor dos concretos bens que lhe foram atribuídos». [26] No mesmo sentido, na doutrina: . Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, AAFDL, Junho de 2018, pág. 612 - onde se lê que não «se penhora a coisa em si, sua fração especificada ou bens que a compõem. (…) De contrário, estar-se-ia a penhorar um bem de um terceiro (cfr. artigo 735º nº 2), o qual poderia embargar de terceiro». . António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2.ª edição, Almedina, Junho de 2022, pág. 175 - onde se lê que no «âmbito da penhora do direito a bens indivisos, não se penhoram os concretos bens compreendidos no património comum ou alguma fração especificada de qualquer bem, mas apenas a quota-parte do executado na comunhão. Neste contexto, a eventual penhora da coisa em si ou de concretos bens configurara penhora de bem pertencente a um estranho à execução (art. 735º, nº 2), dando azo à dedução de embargos de terceiro (art. 342º, nº 1)». Na jurisprudência: . Ac. do STJ, de 27.10.1998, Lopes Pinto, Processo n.º 98A960 - onde se lê que «o direito à meação da herança não está materializado sobre o bem X ou Y, ainda que se saiba que tais bens integram o património indiviso». . Ac. da RL, de 03.12.1992, Rodrigues Codeço, Processo n.º 0047376 - onde se lê que, nomeado «à penhora um oitavo de todos os bens que integram a herança e não o direito ao quinhão hereditário do executado (um oitavo) procedem os embargos de terceiro deduzidos pelos demais herdeiros». [27] Neste sentido, Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3.ª edição, reimpressão, Livraria Almedina, 1992, págs. 455, onde se lê que a «penhora sobre o direito a bens indivisos só é registável quando a indivisão respeite a um único bem, sobre o qual sejam registáveis direitos. Se compreender vários bens, o registo não é necessário e nem sequer se pode fazer, por não se poder determinar senão depois da divisão, a qual ou quais bens respeita o direito». Na jurisprudência: . Ac. da RE, de 11.07.2019, Francisco Xavier, Processo n.º 318/08.4TBPSR-A.E1 - onde se lê que a «penhora do direito do executado a herança indivisa não está sujeita a registo, ainda que na herança se integrem bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, por não se concretizar em bens certos e determinados». . Ac. da RC, de 27.04.2021, António Domingos Robalo, Processo n.º 8638/15.5T8CBR-B.C1 - onde se lê que no «artigo 781º do Código de Processo Civil (correspondente ao anterior artigo 862º) estabelece-se as especialidades do procedimento da penhora que tenha por objecto o quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo, prescrevendo-se a este respeito no n.º 1 que: “Se a penhora tiver por objecto quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo, a diligência consiste unicamente na notificação do facto ao administrador dos bens, se o houver, e aos contitulares, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do agente de execução, desde a data da primeira notificação efectuada”. Ora, no «caso em apreço não subsistem dúvidas de que a penhora incidiu não sob uma quota-parte dos imóveis detidos em compropriedade, mas sobre o quinhão hereditário da executada, do qual fazem parte a quota em imóveis, pelo que se entende que a penhora se efetua por notificação, nos termos previstos no artigo 781º do Código de Processo Civil, não estando sujeita a registo». Conclui-se, assim, que «o registo» não é «condição de eficácia ou constitutivo desta penhora, pois que ainda que do quinhão penhorado façam parte imóveis, móveis ou direitos sujeitos a registo, tal penhora não se encontra sujeita a registo, no sentido em que tal registo não é necessário à sua oponibilidade perante terceiros, por não se concretizar em bens certos e determinados, integrando assim a exceção consagrada na al. c) do nº 2 do artigo 5º do Código de Registo Predial». [28] Neste sentido, Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, AAFDL, Junho de 2018, pág. 583. Na jurisprudência, Ac. da RC, de 14.10.2008, Sílvia Pires, Processo n.º 5174/03.6TBAVR-E.C1, onde se lê que, não tendo «efectuado qualquer declaração, prevê o n.º 3, do art.º 856º do C.P.Civil [hoje, n.º 3 do art.º 773.º do actual CPC], que deve considerar-se que o notificado reconhece a existência da obrigação nos termos da indicação do crédito à penhora, estabelecendo-se assim um efeito cominatório pleno para o silêncio do notificado». Ora, perante «o estabelecimento deste efeito cominatório, está vedado ao notificado vir posteriormente deduzir embargos de terceiro, relativamente à penhora do crédito cuja existência reconheceu pela conduta silenciosa adoptada perante a notificação que lhe foi efectuada. A lei já lhe facultou um meio para deduzir a sua pretensão – art.º 856º, n.º 2, do C.P.Civil». Assim, não «tendo este feito qualquer declaração no prazo legal, nos termos do n.º 3, do art.º 856º do C.P.Civil, ficou reconhecida a existência do referido direito». Contudo, em sentido contrário, José Lebre de Freitas, A Ação Executiva À luz do Código de Processos Civil de 2013, 6.ª edição, Coimbra Editora, Fevereiro de 2024, pág. 287, onde se lê que os «notificados podem também contestar a existência do direito penhorado ou fazer acerca dele outras declarações pertinentes (art. 781, n.ºs 2 e 5); mas, não tendo o seu silêncio qualquer efeito cominatório, ele não impede, designadamente, a dedução de embargos de terceiro». [29] Neste sentido, Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, AAFDL, Junho de 2018, pág. 647, onde se lê que o «artigo 820º CC vale para a penhora de crédito e direito de estrutura relativa, em geral, enquanto que o artigo 819º CC tem por âmbito a penhora de direitos reais, independentemente da sua arrumação prática no Código – i.e., de ser tratada como penhora de imóveis, móveis, de direitos sobre bens indivisos, de direito real de habitação periódica ou de outros direitos reais cujo objeto não deva ser apreendido. Também se lhe pode ainda juntar a penhora de outros direitos absolutos, como a penhora do direito patrimonial de autor e a penhora dos direitos da propriedade industrial». [30] No mesmo sentido, José Lebre de Freitas, Código Civil Anotado, coordenação de Ana Prata, Volume I, 2.ª edição revista e actualizada, Almedina, Outubro de 2021, pág. 1067, onde se lê que, com «a penhora, o executado não fica privado do poder de dispor do seu direito, podendo, depois da penhora, continuar a praticar atos de disposição ou oneração», que «comprometeriam, no entanto, a função da penhora se tivessem eficácia plena. Por isso, são inoponíveis à execução. Não se tratando de atos nulos, mas apenas relativamente ineficazes, eles readquirirão eficácia plena no caso de a penhora vir a ser levantada. Mas se, pelo contrário, da execução resultar a transmissão do direito do executado, o direito do terceiro que tiver contratado com o exequente caduca, embora transferindo-se, por sub-rogação objetiva, para o produto da venda (art. 824º)». [31] Recorda-se que se lê no art.º 735.º, n.º 3, do CPC, que a «penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíeis na execução». [32] Neste sentido, por todos, Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, AAFDL, Junho de 2018, págs. 648 a 658, explicando detalhamento os termos da interpretação restritiva proposta, com citação de doutrina e jurisprudência conforme. |