Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
382/19.0T9VRL.G2
Relator: ARMANDO AZEVEDO
Descritores: REENVIO
NOVO JULGAMENTO
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
IMPEDIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- Em face do disposto nos artigo 426º e 426º-A do Código de Processo Penal importa não confundir, como se tratasse da mesma realidade, a competência do tribunal, com a sua composição, ou seja, com o juiz que integrou o tribunal e, consequentemente, com o regime legal dos impedimentos do juiz.
II – O que o legislador pretende, em caso de reenvio, é que o novo julgamento seja efetuado pelo mesmo tribunal, mas não pelo mesmo juiz que interveio no julgamento anterior. É que importa estabelecer a concordância prática entre, por um lado, o princípio do juiz natural e, por outro lado, os princípios da imparcialidade e isenção dos juízes por forma a garantir que não haja risco de pré-juízos decorrentes de atividade judicantes no decurso do processo – imprescindíveis à noção de processo equitativo.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

1. No processo comum, com intervenção de tribunal singular, nº 382/19...., do Tribunal Judicial a Comarca de Vila Real, Juízo Local Criminal de Vila  Real – Juiz ...,  por despacho datado de 09.10.2023, o Exmo. Senhor Juiz, na sequência de requerimento apresentado pelos arguidos AA e BB em que solicitavam  o seu impedimento para presidir à audiência de julgamento da qual haviam sido notificados, não considerou haver fundamento para se declarar impedido de intervir no novo julgamento ordenado por este Tribunal da Relação de Guimarães.
2. Não se conformando com tal decisão, dela interpuseram recurso os arguidos AA e BB, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões (transcrição)[1]:
1)
O presente RECURSO é interposto do despacho de 9 de outubro de 2023 que indeferiu o peticionado pelos Arguidos, aqui Recorrentes, no sentido de o Exmo. Senhor Juiz de Direito, Dr. CC, se declarar impedido para realizar a audiência de discussão e julgamento que fora designada para o dia 30 de outubro18, nos termos do disposto nos artigos 426-A e 40, n.º 1 e c) do CPP, com as devidas consequências legais.
2)
O despacho recorrido decidiu o seguinte que, por facilidade, se reproduz:
Quando o tribunal da relação reenvia o processo ao tribunal a quo para novo julgamento, pode fazê-lo em duas modalidades: pelo mesmo juiz que proferiu a decisão recorrida – artigo 426.º, do código de processo penal, ou para novo julgamento, por um outro juiz – artigo 426.º-A, do mesmo diploma legal.
Ora, lendo e relendo o douto acórdão proferido pelo tribunal da relação de Guimarães, constata-se que não é referido que o reenvio do processo para novo julgamento tenha sido reenviado nos termos do artigo 426.º-A, do código de processo penal, ou seja, o novo julgamento tem que ser efetuado por um outro juiz que não o que proferiu a decisão recorrida.
Assim sendo, não se verifica qualquer impedimento do subscritor em realizar o novo julgamento, na sequência do douto acórdão do tribunal da relação de Guimarães.
3)
Desde logo cumpre notar que, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, não existem duas modalidades de reenvio de processo para novo julgamento vertidas nos artigos 426 e 426-A do CPP, mas sim das condições para o reenvio do processo e o tribunal competente para julgar, respetivamente.
4)
Entendem os Recorrentes que o Exmo. Senhor Juiz de Direito está, à luz da lei, impedido para realizar a repetição do julgamento nos presentes autos.
5)
Cumpre recordar: na sequência do recurso interposto pelos Arguidos, aqui Recorrentes, no âmbito dos presentes autos decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães19 em revogar a sentença recorrida, determinando o reenvio dos autos para novo julgamento relativamente à totalidade do seu objeto.20
6)
Tudo devido à “ocorrência da alegada nulidade da sentença, por falta de fundamentação e de exame crítico da prova, prevista nos arts. 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a) e c), ambos do Cód. Processo Penal, bem como da natureza e abrangência dos vícios decisórios assinalados, assim como a conveniência de não suprimir um grau de jurisdição, impõem que a tarefa tenha que ser realizada pelo Tribunal a quo.
Em conformidade, declara-se a nulidade da sentença recorrida, devendo o Tribunal “a quo” proceder a novo julgamento, realizando as diligências tidas por adequadas e pertinentes à supressão da nulidade e à correção dos vícios decisórios (e sem prejuízo de poder/dever reponderar as demais questões suscitadas nos recursos, cuja apreciação ficou prejudicada), elaborando nova sentença em conformidade.21
7)
Nos termos do disposto no artigo 426 do CPP, “sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objeto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.”
8)
Cumpre realçar que os referidos vícios decisórios assinalados pelo Tribunal da Relação de Guimarães são os previstos no artigo 410, n.º 2 do CPP, e que, por facilidade se reproduzem: a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de condenação proferida; Também por estas razões há uma manifesta insuficiência da matéria de facto provada para a decisão proferida; trata-se, efetivamente, da invocada contradição insanável, pelo que e sem necessidade de maiores considerações, também nesta parte o recurso procede22.
9)
Dúvidas não existem que nos termos do disposto no artigo 426-A do CPP, nos casos de reenvio do processo para novo julgamento, ainda que parcial, esse julgamento deve, em princípio, ser realizado pelo tribunal anterior.
10)
Todavia, se exige que seja respeitado o regime geral de impedimentos, não podendo o juiz que haja intervindo no anterior julgamento participar no da renovação (artigo 40º)” 23, assim se garantindo a imparcialidade objetiva e as garantias de defesa dos arguidos.
11)
O julgamento anterior foi presidido e a sentença proferida pelo Exmo. Senhor Juiz de Direito Dr. CC pelo que conhece os factos em causa e já formou a sua convicção quanto aos mesmos, tendo proferido sentença condenatória quanto aos Arguidos, aqui Recorrentes.
12)
Em face do exposto, o Exmo. Senhor Juiz de Direito Dr. CC está impedido nos termos do disposto no artigo 40, n.º 1 al. c) do CPP para julgar o reenvio do processo, pelo facto de ter participado e decidido o julgamento anterior, cuja decisão foi revogada pelo Tribunal Superior.

NESTES TERMOS
Deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deve o Exmo. Senhor Juiz de Direito, Dr. CC ser declarado impedido para realizar o reenvio do processo no âmbito dos presentes autos, nos termos do disposto nos artigos 426-A e 40, n.º 1 e c) do CPP.

3. O Ministério Público, na primeira instância, respondeu ao recurso interposto pelos arguidos, tendo concluído nos seguintes termos (transcrição).
1. No Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, entendeu-se e assim se decidiu, existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, e em consequência, revogou a sentença recorrida, determinando o reenvio dos autos para novo julgamento relativamente à totalidade do seu objecto, se está no âmbito da aplicação disposto nos arts. 426º e 426º-A, ambos do CPP.
2. O artigo 426º-A do CPP, ao referir-se ao reenvio do processo, se refere ao reenvio conforme está previsto no artigo anterior, ou seja, no artigo 426º.
3. No nº 1, do artigo 426º-A do CPP, quando se refere que competente é o tribunal que tiver efectuado o julgamento anterior, se está a referir ao mesmo órgão jurisdicional.
4. Da letra da lei do artigo 426º-A do CPP, resulta que o Juiz que realiza tal julgamento não pode, ser a mesma pessoa que participou no anterior julgamento, na medida em que ressalva o disposto no art. 40º do CPP.
5. A exposição de motivos do artigo em crise, refere expressamente: «Nos casos de reenvio do processo, admite-se que o novo julgamento seja realizado pelo tribunal anterior (artigo 426º-A). Apenas se exige que seja respeitado o regime geral de impedimentos, não podendo o juiz que haja intervindo no anterior julgamento participar no da renovação (artigo 40º)» (cfr Exposição de Motivos da PL 109/X).
6. Logo, pese embora o tribunal seja o mesmo, os concretos elementos que o compõe, a saber os Senhores Juízes, não poderão ser os mesmos.
7. O Ex.º Sr. Juiz Dr. CC está impedido nos termos do disposto no artigo 40, n.º 1 al. c) do CPP para julgar o reenvio do processo, pelo facto de ter participado e decidido o julgamento anterior, cuja decisão foi revogada pelo Tribunal Superior.
8. Deverá ser dado provimento ao recurso interposto.
Mas V. Exas. farão Justiça!
4. Nesta instância, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá ser julgado procedente.
5. Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta.
6. Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1- Objeto do recurso

O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso[2] do tribunal, cfr. artigos 402º, 403º e 412º, nº 1, todos do CPP.
Assim, considerando as razões da discordância dos recorrentes sintetizadas nas conclusões do recurso interposto, a questão a decidir consiste em saber se - tendo sido decidido nos presentes autos, por acórdão desta Relação de 07.03.2022, conforme consta do seu dispositivo, “revogar a sentença recorrida, determinando o reenvio dos autos para novo julgamento relativamente à totalidade do seu objeto” - o Exmo. Senhor Juiz que presidiu à audiência de julgamento e proferiu a sentença entretanto revogada está ou não impedido de intervir no novo julgamento.   

2. O despacho recorrido

O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição integral):
Referência: ...35
Quando o tribunal da relação reenvia o processo ao tribunal a quo para novo julgamento, pode fazê-lo em duas modalidades: pelo mesmo juiz que proferiu a decisão recorrida – artigo 426.º, do código de processo penal, ou para novo julgamento, por um outro juiz – artigo 426.º-A, do mesmo diploma legal.
Ora, lendo e relendo o douto acórdão proferido pelo tribunal da relação de Guimarães, constata-se que não é referido que o reenvio do processo para novo julgamento tenha sido reenviado nos termos do artigo 426.º-A, do código de processo penal, ou seja, o novo julgamento tem que ser efetuado por um outro juiz que não o que proferiu a decisão recorrida.
Assim sendo, não se verifica qualquer impedimento do subscritor em realizar o novo julgamento, na sequência do douto acórdão do tribunal da relação de Guimarães.

3- Apreciação do recurso

O acórdão desta Relação, datado de 07.03.2022, proferido nos presentes autos, que esteve na base da questão em apreço, pese embora tendo reconhecido que a sentença recorrida era nula, nomeadamente, por falta de fundamentação, considerou também verificarem-se os vícios decisórios do artigo 410º, nº 2 als. a) e b) do CPP. E, nesse sentido, decidiu “revogar a sentença recorrida, determinando o reenvio dos autos para novo julgamento relativamente à totalidade do seu objeto”.
Nos termos do disposto no artigo 426º, nº 1 do CPP “1 - Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objeto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.”
Por sua vez o nº1 do artigo 426º-A do CPP refere que “1 - Quando for decretado o reenvio do processo, o novo julgamento compete ao tribunal que tiver efetuado o julgamento anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 40.º, ou, no caso de não ser possível, ao tribunal que se encontre mais próximo, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida.”
Acresce que, por força do nº 1 al. c) do artigo 40º do CPP, “1 - Nenhum juiz pode intervir em julgamento (…) relativos a processo em que tiver:
(…)
c) Participado em julgamento anterior;”
Em face do teor dos preceitos legais citados importa não confundir, como se tratasse da mesma realidade, a competência do tribunal, com a sua composição, ou seja, com o juiz que integrou o tribunal e, consequentemente, com o regime legal dos impedimentos do juiz. É que, como bem se salientou no Ac. RE de 30.09.2014, processo 97/11.8PFSTB.E2, acessível em www.dgsi.pt, “A atribuição de competência pode fazer surgir a questão do impedimento, mas este nunca pode refletir-se naquela.” Neste mesmo sentido, vide Ac. RG de 28.11.2023, processo 104/17.0GBTMC.G3, acessível em www.dgsi.pt.
O que o legislador pretende, em caso de reenvio, é que o novo julgamento seja efetuado pelo mesmo tribunal, mas não pelo mesmo juiz que interveio no julgamento anterior. É que importa estabelecer a concordância prática entre, por um lado, o princípio do juiz natural e, por outro lado, os princípios da imparcialidade e isenção dos juízes por forma a garantir que não haja risco de pré-juízos decorrentes de atividade judicantes no decurso do processo – imprescindíveis à noção de processo equitativo.
Como se refere no acórdão do STJ de 10.03.2010 (proc. n.º 36/09.6GAGMR.G1-A.S1), «O art. 40.º do CPP tem em vista garantir a imparcialidade do juiz enquanto elemento fundamental à integração da função jurisdicional, face a intervenções processuais anteriores que, pelo seu conteúdo e âmbito, considera como razão impeditiva de futura intervenção. O envolvimento do juiz no processo, através da sua direta intervenção enquanto julgador, através da tomada de decisões, o que sempre implica a formação de juízos e convicções, sendo suscetível de o condicionar em futuras decisões, assim afetando a sua imparcialidade objetiva, conduziu o julgador a impedi-lo de intervir nas situações em que a cumulação de funções processuais pode fazer suscitar no interessado, bem como na comunidade, apreensões e receios, objetivamente fundados. (…) trata-se de construção dogmática da garantia ao tribunal imparcial, que está escrita no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, como um dos elementos centrais da noção de processo equitativo: «qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente (…) por um tribunal independente e imparcial, estabelecido por lei, o qual decidirá (…) sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela».
Outrossim, importa distinguir os casos de reenvio para novo julgamento em virtude da verificação dos vícios decisórios do nº 2 do artigo 410º do CPP, os quais reportam-se a vícios intrínsecos quanto ao conteúdo da decisão tomada sobre a matéria de facto, dos casos de nulidade.
No caso de nulidade de sentença / acórdão que não deva ser suprida pelo tribunal de recurso, o processo baixa «a fim de se fazer a reforma da decisão anulada, pelo mesmo juiz, quando possível», como prescreve o artigo 684º, nº 2, do CPC, ex vi do artigo 4º do CPP. E neste tipo de casos não tem aplicação do regime de impedimentos legais do juiz do artigo 40º do CPP.
Nestes casos trata-se, apenas, de reparar vícios de uma decisão, que foi reapreciada por um tribunal superior, e não de um novo julgamento (neste sentido, Figueiredo Dias / Nuno Brandão, in Direito Processual Penal, Os Sujeitos Processuais, Gestlegal, 2022, p. 53 e segs., e  Henriques Gaspar, in Código de Processo Penal comentado, 2022, p. 114 e segs.). No mesmo sentido, o ac. TC 147/2011, cfr. Mouraz Lopes, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo I,1ª ed, pág. 476.
Do mesmo modo se deverá entender quando estejam em causa nulidades “…exteriores à sentença (embora com possibilidade de nela se repercutirem), como a documenta­ção da prova ou a atendibilidade da contestação e a produção de prova requerida pelo arguido, o que terá estado na base do entendimento do legislador de que, nestas hipóte­ses, nada obsta a que a repetição do julgamento seja feita pelo mesmo tribunal. E, na mesma linha, há que concluir não ser de considerar como desrespeitadora do princípio da imparcialidade do julgador a possibilidade de intervenção dos mesmos juízes (ou de parte deles) que participaram no primeiro julgamento.", cfr. Ac. TC nº 167/2007, de 07.03.2007, acessível em www.tribunalconstitucional.pt.
Assim, e fazendo apelo à síntese do regime atual sobre esta temática e do que o antecedeu, vide Ac. STJ de 13.02.2019, processo 65/14.8YREVR.S2, acessível em www.dgsi.pt, no qual se refere:
“A jurisprudência distinguia o reenvio da nulidade: enquanto o novo julgamento efectuado por força de reenvio deveria ser efectuado por um tribunal diferente (ainda que da mesma comarca, caso se verificasse a hipótese prevista no n.º 2, do art. 426.ºA do CPP), o julgamento mandado repetir por força da verificação de uma nulidade deveria ser levado a cabo pelo mesmo tribunal (o tribunal a quo) (v. Ac. STJ de 6 de Novembro de 1996, CJACSTJ, IV, T. III, pág. 195 e, nas Relações, Ac. RL de 25 de Fevereiro de 2004, CJ, XXIX, T. I, pág. 141; Ac. RG de 31 de Maio de 2004, Proc. 967/041.ª, Rel. Maria Augusta).
    Com a revisão do CPP, operada através da Lei 48/2007, que alterou a redacção do n.º 1 do artigo 426.ºA do CPP, grande parte do esquema (relativo ao reenvio) resultante da versão anterior se alterou.
Na verdade, por força da nova redacção do n.º 1, «Quando for decretado o reenvio do processo, o novo julgamento compete ao tribunal que tiver efectuado o julgamento anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 40.º, ou, no caso de não ser possível, ao tribunal que se encontre mais próximo, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida.» (negrito nosso).
Para se encontrar o tribunal competente para a feitura do novo julgamento, por força de reenvio decretado pelo tribunal ad quem, é possível lançar mão de três hipóteses:
— o novo julgamento compete ao mesmo tribunal que tiver efectuado o julgamento anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 40 .º (esta é a grande novidade introduzida pela revisão de 2007);
— no caso de se verificar algum dos impedimentos consagrados no art. 40.º do CPP [nomeadamente o da alínea c)] então será competente o tribunal que se encontre mais próximo, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida;
— todavia, notese, se na mesma comarca existir mais de um juízo da mesma categoria e composição, é competente para o julgamento o tribunal que resultar da distribuição (caso existam apenas dois juízos da mesma categoria e composição então já não haverá, logicamente, necessidade de efectuar qualquer distribuição, dado que o competente será o outro juízo).
Em suma, o legislador pretende que, em caso de reenvio, o novo julgamento seja realizado pelo mesmo tribunal [mas não pelo mesmo juiz ou juízes, que tenham intervindo no julgamento anterior — referese na Exposição de Motivos da PL 109/X que: «Nos casos de reenvio do processo, admitese que o novo julgamento seja realizado pelo tribunal anterior (artigo 426.ºA). Apenas se exige que seja respeitado o regime geral de impedimentos, não podendo o juiz que haja intervindo no anterior julgamento participar no da renovação (artigo 40.º)».] que efectuou o anterior, salvo se existir algum impedimento (artigo 40.º do CPP). O tribunal será o mesmo, mas com diferente composição humana. Neste sentido, já em face da alteração operada pela L 48/2007, cfr. Ac. RP de 26 de Novembro de 2008, Proc. 0845184, Rel. Ernesto Nascimento, Decisão de 3 de Dezembro de 2013, Proc. 133/13.3YREVR, Rel. Fernando Ribeiro Cardoso (VicePres. da RE), Ac. RE de 30 de Setembro de 2014, Proc. 97/11.8PFSTB.E2, Rel. João Gomes de Sousa, Ac. RL de 22 de Novembro de 2016, Proc. 33/11.1 PJOER.L2-5, Rel. Maria José Machado.
No caso da repetição de julgamento por força de nulidade (…), é competente o mesmo tribunal (tribunal a quo) e, se possível, com a mesma composição (juiz ou juízes). Vejase, além da jurisprudência do STJ cit. no aresto recorrido, também o Ac. STJ de 27 de Fevereiro de 2013, Proc. 36/06.8YRLSB.S1, Rel. Sousa Fonte e, na jurisprudência das Relações, o Ac. RG de 20 de Fevereiro de 2017, Proc. 2559/13.3TAGMR.G2, Rel. Fátima Furtado, onde se distingue o reenvio da nulidade e se foca o caso previsto na alínea c) do art. 40.º do CPP.
Continua, assim, a existir diferença entre o reenvio e a nulidade.”
No caso em apreço, não está em causa a mera nulidade da sentença proferida. Na verdade, por acórdão deste Tribunal da Relação, foi considerado estarem verificados, para além do mais, os vícios das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 410º, do CPP. E, nesse sentido, decidiu-se “revogar a sentença recorrida, determinando o reenvio dos autos para novo julgamento relativamente à totalidade do seu objeto”
Por conseguinte, o Exmo. Juiz que presidiu à audiência de julgamento e proferiu a respetiva sentença, posteriormente revogada pelo acórdão desta Relação de 07.03.2022, encontra-se legalmente impedido de intervir no novo julgamento, nos termos do disposto no artigo 40º, nº 1 al. c) do CPP.
Em consequência, o recurso deverá ser julgado procedente, impondo-se proceder à revogação do despacho recorrido.

III – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso interposto e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, estando o Exmo. Juiz que presidiu à audiência de julgamento e proferiu a respetiva sentença posteriormente revogada pelo acórdão desta Relação de 07.03.2022, impedido de intervir no novo julgamento.
Sem custas.
Guimarães, 21.05.2024
Texto integralmente elaborado pelo seu relator e revistos por todos os seus signatários – artigo 94º, nº 2 do CPP, encontrando-se assinado eletronicamente na 1ª página, nos termos do disposto no artigo 19º da Portaria nº 280/2013, de 26.08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20.09.

Os Juízes Desembargadores
(Armando Azevedo - relator)
(Florbela Sebastião e Silva – 1ª adjunta)
(Isilda Pinho – 2ª adjunta)
  
   

[1] Nas transcrições das peças processuais irá reproduzir-se a ortografia segundo o texto original, sem prejuízo de correção de erros ou lapsos manifestos e da formatação do texto, da responsabilidade do relator.
[2] De entre as questões de conhecimento oficioso do tribunal estão os vícios da sentença do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., cfr.  Ac. do STJ nº 7/95, de 19.10, in DR, I-A, de 28.12.1995, as nulidades da sentença do artigo 379º, nº 1 e nº 2 do CPP, irregularidades no caso no nº 2 do artigo 123º do CPP e as nulidades insanáveis do artigo 119º do C.P.P..