Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
533/22.8T8VPA.G1
Relator: ALEXANDRA VIANA LOPES
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
SUSPENSÃO DA DELIBERAÇÃO SOCIAL
BALDIOS
N.º 1
AL. B) DO CPC
NULIDADE DA SENTENÇA – ART.º 615.º N.º 1 AL. D) DO CPC
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REQUISITOS DE DECRETAMENTO DA PROVIDÊNCIA
EXCEÇÕES IMPEDITIVAS DO DECRETAMENTO DA PROVIDÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Não ocorre omissão de pronúncia das exceções impeditivas dos arts.381º/2 do CPC e 334º do CC, determinante da nulidade da sentença, nos termos do art.615º/1-d) do CPC, quando esta, na sua fundamentação, declarou expressamente entender que não se verificavam as referidas exceções, de acordo com os fundamentos que indicou, apenas atacáveis como erro de julgamento.
2. O Tribunal da Relação:
2.1. Deve, quanto à matéria de facto e/ou à sua impugnação:
a) Rejeitar a impugnação à matéria de facto, por violação do ónus do art.640º/2-b) do CPC, quando o recorrente impugnar um conjunto global de matéria de facto, respeitante a distintas realidades factuais, com base apenas numa indicação genérica e total de meios de prova com base nos quais pretende a alteração global de todos os factos (sem discriminação de meios de prova e análise em relação a cada facto ou grupo de factos da mesma realidade factual).
b) Expurgar da decisão de facto matéria de direito e suprir obscuridades e deficiências da matéria facto da 1ª instância, nos termos do art.662º/2-c) do CPC.
2.2. Não tem condições de reapreciar a fundamentação de direito: quando não foi alterada a decisão de facto com base na qual foi invocada a alteração da decisão e não foram suscitadas questões estritamente de direito; quando se suscitou o erro da decisão sem identificação e fundamentação concreta de questões a apreciar, em violação do art.639º/1 e 2 do CPC.
3. Num procedimento cautelar de suspensão de deliberações (arts.380º e 381º do CPC):
3.1. Consideram-se verificados os requisitos de que depende o decretamento da providência, quando:
a) O resultado de eleições para órgãos de baldios é anulável (art.177º do CC), quando as eleições ocorreram em ato eleitoral de 12.11.2022, convocado por decisão da mesa de assembleia de compartes de 05.11.2022 e publicitado por edital da mesma data, por violação: do prazo de 15 dias de antecedência da convocação da assembleia (art.26º/5 da Lei 75/2017), se se interpretar a convocação como sendo para uma assembleia de compartes para realizar eleições; ou da regra do art.32º/1 da mesma Lei nº75/2017, se se entender que foi convocado e realizou-se apenas um ato eleitoral, conforme foi denominado, por o mesmo não ter sido justificado por regulamento (por o mesmo não ter sido aprovado pela assembleia de compartes) e não ter sido convocada nem se ter realizado na assembleia de compartes competente para o efeito.
b) A execução do resultado das eleições (da mesa de assembleia de compartes, do conselho diretivo e da comissão de fiscalização) é possível de causar dano apreciável: por o resultado das eleições implicar que os órgãos eleitos procedam à transição de uma representação e gestão autárquica dos baldios (delegados na junta de Freguesia desde 1978) para uma representação e gestão pelos órgãos próprios previstos na lei, tal como procedam à gestão e à fiscalização dos negócios pendentes (com quadro de relevo patrimonial provado relevante); por a prática destes atos não ser apenas interna mas exigir atos externos, a exercer através de poderes de representação da assembleia de compartes pela mesa, de poderes próprios de administração e de prática de outros atos pelo conselho diretivo e de poderes de fiscalização pela comissão de fiscalização (arts.22º/3, 24º, 26º/3, 29º/1 e 31º da Lei nº75/2017), que podem ser invalidados pela retroatividade dos efeitos da anulação das eleições (art.289º/1 do CC).
3.2. Considera-se não demonstrada a exceção impeditiva da suspensão de órgãos eleitos causar prejuízos superiores à execução, para os efeitos do art.381º/2 do CPC (ainda que a eleição tenha sido participada e houvesse indícios de confusão entre as receitas dos baldios e da Junta de Freguesia), quando: a realização da assembleia de compartes pode ser convocada pela mesa (art.26º/3 da Lei nº75/2015) ou por 5% dos compartes não atendidos na sua solicitação (art.26º/3-c) e 4 da Lei nº75/2017); podem realizar-se novas assembleias de compartes, nomeadamente, para proceder à destituição de órgãos por incumprimento de deveres, à revogação da delegação de poderes ou à realização da sua fiscalização (art.26º/1-b), n) e o) da Lei nº75/2016), para preparar a realização de eleições da totalidade dos órgãos (nomeadamente com prévia atualização dos cadernos de recenseamento previstos nos art.7º/10, 29º/1-b) e 32º/1 da Lei nº75/2017, e após, apresentação de listas de compartes com as formalidades legais), e para realizar eleições de membros para a nova mesa de assembleia de compartes, o conselho diretivo e a comissão de fiscalização, a convocar com pré-aviso de 15 dias (arts.26º/1-a) e b), 17º e 32º da Lei nº75/2017) e com observância de todas as exigências legais.
Decisão Texto Integral:
As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte
ACÓRDÃO

I – Relatório:

No procedimento cautelar de Suspensão da Deliberação Social para Suspensão da execução e eficácia da deliberação tomada pela Assembleia de Compartes dos Baldios de ..., no dia 12 de novembro de 2022, de eleição dos órgãos dos baldios, instaurada por AA, BB, CC, DD e EE, contra Assembleia de Compartes do Baldio da Freguesia de ... – Comunidade Local de ..., representada por FF, Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes, e GG, Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes eleito com a deliberação em causa nos presentes autos:

1. Os requerentes:
1.1. Pediram:
a) A suspensão imediata da execução da deliberação tomada pela Assembleia de Compartes dos Baldios de ... no dia 12 de novembro de 2022, que elegeu a lista A para os órgãos dos Baldios de ..., declarando-se suspensos os efeitos do ato eleitoral realizado nessa Assembleia, e bem assim, a eventual tomada de posse dos elementos que compunham a lista A.
b) A inversão do contencioso.
1.2. Alegaram e defenderam, para tanto e em síntese:
1.2.1. A comunidade local gestora dos Baldios de ... encontra-se organizada nos termos da Lei nº75/2017, de 17.08. (representada pela Assembleia de Compartes) e que os autores são há muito compartes do baldio, recenseados no respetivo caderno (arts.1º e 2º da petição inicial).
1.2.2. É nula a deliberação tomada na assembleia de 12 de novembro de 2022 (que elegeu a Lista A para os órgãos gestores dos baldios de ...), tal como todos os atos de execução subsequentes (designadamente, a tomada de posse e eventuais atos de gestão dos eleitos com base nessa deliberação ilegal), tendo em conta (arts.3º a 5º da petição inicial):
a) Que as eleições de 12.11.2022 realizaram-se de acordo com o Regulamento apresentado pela Presidente da Mesa a 05.11.2022, que não foi aprovado pela assembleia de compartes (em data anterior ou nesse dia, em que não ocorreu qualquer deliberação) e, por esta razão, é inexistente ou pelo menos nulo e vicia a deliberação tomada com base no mesmo (arts.9º, 17º a 19º da petição inicial).
b) Que a convocatória para a assembleia eleitoral, informada e afixada a 05.11.2022, não respeitou o prazo de 15 dias previsto no art.26º/5 da Lei nº75/2012, de 17.08., impedindo a apresentação de outras listas ou a participação de elementos nas mesmas, sendo, por isso, nula (arts.20º a 27º da petição inicial).
c) Que o aviso convocatório para a assembleia eleitoral é nulo, pois não indicou o número de compartes necessário para a assembleia reunir e deliberar validamente, nos termos dos arts.26º/5-c) e 27º/1 e 2 da Lei nº75/2017, de 17.08., nem informou que a assembleia se realiza com qualquer número de compartes, no caso previsto no art.27º/3, ex vi do art.26º/5-d) da referida Lei nº75/2017, o que vicia a deliberação (arts.28º a 30º da petição inicial).
d) Que a lista A desrespeita a lei, viciando a deliberação, tendo em conta que integrou na mesma o Sr. HH, que reside em ... e não está recenseado como comparte do baldio no caderno de recenseamento, nem solicitou a sua inscrição, sem que isto tenha sido controlado pela mesa da referida assembleia, em violação dos arts.21º/1 e 28º/1 da Lei nº75/2017, de 17.08. (arts.32º a 45º da petição inicial).
e) Que na assembleia de compartes de 12.11.2022 votaram e foram aceites votos de pessoas que não eram membros da assembleia de compartes e não tinham direito a voto, nomeando no mínimo HH, II, JJ, KK, LL, entre outros, em violação do art.32º da Lei nº75/2017, de 17.08., viciando também a deliberação (arts.46º a 51º da petição inicial).
f) Que a presidente da mesa não dirigiu a assembleia de acordo com princípios democráticos, em violação do art.21º/2 da Lei nº75/2017, de 17.08, nomeadamente em face do referido supra e de atos ocorridos entre 29.09.2022 e 29.10.2022 alegados nos arts.61º a 71º (arts.52º ss da petição inicial).
1.2.3. Ocorre um dano apreciável se a deliberação não for suspensa, uma vez: que os membros eleitos, sabendo que iria ser impugnada a deliberação, iniciaram imediatamente, com base na deliberação ilegal, diligências junto da Junta de Freguesia, da REN, do ICNF e outras, com vista a avocação dos poderes de gestão dos baldios (desde sempre delegados na Junta de Freguesia), pretendendo perturbar a gestão em curso, com evidente prejuízo para a comunidade local (designadamente: por impossibilitar a execução de vários protocolos já aprovados e que implicam a intervenção da Junta de Freguesia; por decidir negociações em curso, designadamente com a REN e outras entidades, que envolvem dezenas de milhares de euros; por celebrar contratos e por praticar outros atos que, não sendo suspensos, vincularão a comunidade local com terceiros e não poderão ser revertidos após invalidação da deliberação); que a não suspensão levará a que os membros eleitos avoquem os poderes de gestão, tenham acesso às contas, assumam compromissos com terceiros em protocolos, contratos e outros negócios sobre móveis e imóveis, tomando as mais variadas decisões, criem despesas, que vincularão a comunidade local e os compartes para futuro, durante o tempo em que  demorar a ação principal até declarar nula a deliberação (arts. 6º e 7º, 72º a 80º da petição inicial).
1.2.4. Estão reunidos os pressupostos para a inversão do contencioso, uma vez que a matéria adquirida no presente procedimento cautelar permitirá formar convicção segura do direito acautelado (art.81º da petição inicial).
2. Regularmente citada, a requerida veio apresentar a sua oposição, na qual se defendeu:
2.1. Por exceção, invocando:
2.1.1. Que os requerentes atuam em abuso do direito (arts.5º, 55º a 66º da contestação), em face dos seguintes factos:
a) A lista B foi uma criação política com o plano de entregar as receitas do baldio (avultadas e previstas em 2023 para valor superior a meio milhão de euros) novamente ao poder autárquico, delineado pelo presidente da Junta de Freguesia MM (que tem a garantia da delegação de poderes na falta do órgão executivo de conselho diretivo e que controlava a lista eleita), para manter a delegação de poderes, continuar a gerir o dinheiro dos compartes, favorecer o orçamento da Junta de Freguesia e não diretamente os Baldios, sem prestar contas, assustado com a existência de uma lista A que anunciava a eleição de um conselho diretivo para gerir as verbas geradas pelos baldios, a serem gastos exclusivamente nos mesmos e não na Junta de Freguesia (que agrega mais que uma freguesia) e que abrange área maior (arts.7º a 21º da contestação).
b) Os candidatos da lista B e todos os demais compartes aceitaram a marcação das eleições, os votantes inscritos para as mesmas e os seus resultados (tendo o mandatário da Lista B, até, felicitado o presidente da lista A) ( art.3º, arts.4º, 6º 2ª parte, 26º, 49º a 54º da contestação).
c) A atuação da requerida e seus representantes foi condicionada pela manifestação de confiança dos requerentes e seus representantes (art.28º da contestação).
d) Os requerentes (dois foram candidatos da lista B que perdeu as eleições- BB e CC; e três têm relações familiares e políticas com os mesmos) são testas de ferro do verdadeiro poder autárquico (maxime o Presidente da União de Freguesias de Além Tâmega- MM), que arquitetou e incitou os compartes a instaurar a presente providência (2º art.3º, art.6º- 1ª parte da contestação).
2.1.2. A suspensão causará prejuízos, porque: vai permitir a continuação da má e indevida gestão pela Junta de Freguesia, a falta de transparência, a perpetuação da mesma no poder; desrespeitará a vontade popular, expressa numa grande participação de 218 compartes e no ganho da lista A.
2.2. Por impugnação (art.24º da contestação), alegando e defendendo que:
a) A convocatória de 28.10.2022 referiu que seriam aprovadas na assembleia de 05.11.2022 as regras e a data das eleições (art.31º da contestação).
b) A convocatória de 05.11.2022 decorreu do quês e passou na própria assembleia dessa data (realizada na sequência da convocatória de 17.10.2022, com esclarecimento a 28.10.2022, sendo que a 29.10.2022 a assembleia não se realizou por falta de quórum), assembleia de 05.11.2022 na qual, depois de todos terem tido a oportunidade de apresentar candidaturas aos órgãos dessa data (conforme edital adicional à convocatória das eleições) e de a lista B e outros compartes terem exigido eleições imediatas, estas apenas não se realizaram nessa altura por o comparte GG ter explicado que era necessário publicitar as listas para os compartes poderem votar informados e todos terem aprovado a realização da assembleia a 12.11.2022, (arts.33º a 38º, 73º a 84º da contestação).
c) O regulamento do ato eleitoral e a marcação das eleições foram aprovados na assembleia de 05.11.2022, no qual todos participaram e concordaram, como consta da ata nº...8 dessa data, e foi publicitado em 3 lugares distintos, juntamente com as listas A e B e o anúncio das eleições (arts.29º e 30º, 67º a 72º da contestação).
d) As pessoas indicadas pelos requerentes como não sendo compartes, são-no efetivamente:
d1) HH da lista A é comparte, pois tem prédios no lugar, utiliza os baldios e foi deferido em 2018 o seu pedido de admissão como comparte, tendo passado a constar do caderno de recenseamento de 2019, sendo que foi aceite por todos os presentes que os membros das listas eram compartes e as listas eram legais (arts.39º a 42º da contestação).
d2) Todos os demais também o são, por terem residência ou prédios e utilizarem os baldios, sendo que: II, depois da admissão de 2018 e da Junta de Freguesia ter suprimido o seu nome em 2022, esta falha foi colmatada em 12.11.2022 com a aposição do seu nome à mão, com a aprovação de ambas as listas; LL, KK e JJ foram adicionados na última folha do caderno eleitoral no dia das eleições; os mandatários das listas, sem qualquer reserva de todos os presentes no ato eleitoral, aceitaram-nos como eleitores; não existe qualquer pedido de admissão de compartes que esteja pendente desde 2019 (arts.43º a 49º da contestação).
e) Não existe desconformidade da lista A com a lei, face ao referido em d1) e ao mais explicitado na alegação (arts.85º a 93º da contestação), nem existem eleitores que não sejam compartes, face ao referido em d2) e ao mais explicitado na alegação (arts.94º a 99º da contestação).
f) Não houve desrespeito dos princípios democráticos do art.21º/2 da Lei nº75/2017 (arts.100º a 112º da contestação); não se verifica qualquer ilegalidade na deliberação tomada pela assembleia de compartes dos Baldios de ... no dia 12 de novembro de 2022, nem foram tomadas quaisquer medidas que possam causar danos aos compartes (arts.23º da contestação). 
g) Não existe perigo de dano apreciável, face: à idoneidade dos membros eleitos; aos atos que elencam que se limitaram a realizar; ao facto de todos os negócios terem de ser aprovados pela assembleia de compartes; à impossibilidade de realizarem atos administrativos e acederem a contas face aos incumprimentos do Presidente da Junta de Freguesia com delegação de poderes das obrigações de diligenciar nos termos dos arts. 8º e 9º, 4º/2 da Lei nº75/2017 e à falta de abertura de conta da Comunidade Local dos Baldios, utilizando a conta pública da união de freguesias (arts. .22º, 23º, 113º a 129º da contestação).
3. Os requerentes cumpriram o contraditório.
4. Realizou-se a audiência final.
5. Foi proferida decisão final a 10.02.2023, que determinou:
«Em consequência, julgo o presente procedimento cautelar procedente e, em consequência, decido:
§ Declarar a suspensão da execução da deliberação tomada pela Assembleia de Compartes dos Baldios de ... no dia 12 de Novembro de 2022, onde teve lugar a eleição dos órgãos dos baldios.
§ Deferir a inversão do contencioso, decidindo-se dispensar os Requerentes do ónus de propositura da ação principal, nos termos do disposto no art. 369.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.».
6. A ré interpôs recurso da decisão de I-5 supra, no qual apresentou as seguintes conclusões:
«1.ª – Este recurso que versa sobre matéria de facto e de direito, Cfr. 639.º e 640.º do CPC, com recurso à prova gravada, e, as questões centrais deste recurso, para além de erro notório na apreciação da prova (matéria de facto a alterar), derivam do facto de a recorrente entender que não estão verificados os requisitos para a procedência da suspensão da deliberação social, por não existir periculum in mora; por não existir o fumos bonis iuris; por ter existido abuso de direito dos requerentes, além de a suspensão causar prejuízo superior – o que se pretende ver apreciado pelo Tribunal da Relação.

A) DA MATÉRIA DE FACTO:

Matéria de facto que deve ser dada como provada.

2.ª – Os seguintes pontos da matéria de facto devem ser dados como provados (e que constam na sentença como factos não provados nas alíneas H, J, M, N, O, P, S, T, FF), indicando-se infra os concretos meios de prova.
3.ª - FACTO A SER DADO COMO PROVADO:
H. No ano de 2023 é previsível que as receitas dos baldios de ... venham a ultrapassar meio milhão de euros, os quais são canalizados totalmente para a União das freguesias, sendo tais valores administrados pelo presidente da Junta de Freguesia, a seu bel prazer, e não pelos compartes, e sem lhes prestar contas, e são gastos na União das freguesias, com preponderância na freguesia ..., e não exclusivamente pelos compartes do lugar onde efetivamente são gerados.
4.ª - FACTO A SER DADO COMO PROVADO:
J. Que a união de freguesias não apresente as respetivas contas separadas dos baldios.
5.ª - FACTO A SER DADO COMO PROVADO:
M. Foram os membros da lista B candidata e outros compartes que, de forma tumultuosa, na própria assembleia do dia 5/11/2022, exigiram a realização imediata e nesse próprio dia do ato eleitoral.
6.ª - FACTO A SER DADO COMO PROVADO:
N. As eleições apenas não se realizaram no dia 05/11/2022 por o comparte GG ter apelado à calma e bom senso e acentuando aos compartes a ilegalidade da realização das eleições de imediato, pois teria de ser dada a possibilidade de que todos os restantes compartes da comunidade local, ausentes nessa assembleia de 5/11/2022, pudessem consultar em edital público as listas candidatas entregues nessa reunião, ponderarem e votarem informados das candidaturas que concorriam a eleições.
7.ª - FACTO A SER DADO COMO PROVADO:
O. A aprovação da data de eleições para o dia 12/11/2022, foi da concordância dos membros da lista B, incluindo os requerentes (que inicialmente exigiam a realização do ato eleitoral imediatamente nessa reunião), o que foi aprovado por todos os compartes presentes na assembleia de 5/11/2022, dada a pressão por parte dos membros da lista B.
8.ª - FACTO A SER DADO COMO PROVADO:
P. Nos atos eleitorais anteriores votaram cerca de 50 compartes.
9.ª - FACTO A SER DADO COMO PROVADO:
... e KK possuem cartão de cidadão emitido no corrente ano de 2022 e residência na comunidade local das aldeias de ..., ... e ....
10.ª - FACTO A SER DADO COMO PROVADO:
T. No ato eleitoral de 12/11/2022 os mandatários de ambas as listas acordaram, sem reservas de todos os presentes (mesa da assembleia e os dois mandatários das listas candidatas), que se aceitavam como eleitores, apesar do seu direito recente de compartes ainda não ter sido aprovado.
11.ª - FACTO A SER DADO COMO PROVADO:
FF. O conselho Diretivo eleito é composto por pessoas responsáveis e honestas.
12.ª - houve erro notório de julgamento nestes pontos, sendo que estes factos são essenciais, e constam erradamente da matéria dada como não provada.
Os meios concretos de prova são:
PROVA TESTEMUNHAL:
TESTEMUNHA: NN
(Minutos 00:01:12 a 00:14:41, e 00:19:05 a 00:22:44, em 16.02.2013)
TESTEMUNHA: OO,
(Minutos 00:00:30 a 00:18:33, em 16.02.2013);
TESTEMUNHA: PP
(Minutos 00:01:12 a 00:13:24, em 16.02.2013);
TESTEMUNHA: HH
(Minutos 00:00:49 a 00:05:06, e 00:07:39 a 00:08:11, em 16.02.2013);
DECLARAÇÕES DO REPRESENTANTE DA REQUERIDA - GG:
(Minutos 00:01:59 a 00:24:24, em 16.02.2013);
DECLARAÇÕES DA REPRESENTANTE DA REQUERIDA – FF: (Minutos 00:02:42 a 00:13:04, em 16.02.2013);
Matéria de facto dada como provada de forma incompleta nos factos provados:
13.ª - Os meios probatórios constantes do processo impunham decisão diversa da recorrida dando os seguintes pontos da matéria de facto como provados (e que ali constam como provados de forma incompleta nos pontos 18, 20, 23, 29, indicando-se infra os concretos meios de prova (sublinhando-se a parte a aditar).
18. Na referida Assembleia de dia 5 de Novembro de 2022, a Sr.ª Presidente da Assembleia informou os presentes que as eleições seriam convocadas para o dia 12 de Novembro de 2022 entre as 15 horas e as 17 horas, o que foi feito com a concordância dos compartes presentes, depois de serenados os ânimos por os compartes terem exigido eleições logo nesse dia 5 de Novembro de 2022.
20. O Requerente AA não teve conhecimento da data de realização das eleições e não exerceu o seu direito de voto no dia 12/11/2022, sendo que o mesmo não tem assistido às outras assembleias de compartes e não participa ativamente nos assuntos dos compartes.
23. HH, residente na Rua ..., ..., ... ..., faz parte da lista A, não reside na área da abrangência da comunidade local dos baldios de ... e não consta do caderno de recenseamento dos compartes aprovado e com referência à data de 31/12/2021, mas tem terrenos e interesses nessa comunidade, usufruindo dos baldios.
29. A deliberação ocorrida a 12/11/2022 permite aos elementos da Lista A eleitos praticar atos de gestão dos baldios de ..., inclusive o de avocar os poderes de gestão até então delegados na Junta de Freguesia, apenas e só se a assembleia de compartes o deliberar por maioria qualificada de dois terços dos compartes reunidos validamente em assembleia. art.º24.º, n.º1, al. n) e n.º2 da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto.
14.ª - Salvo melhor opinião, houve erro notório de julgamento nestes pontos, devendo os factos supra enunciados serem dados como provados por completo.
Os meios concretos de prova destes fatos são a parte dos depoimentos das pessoas acima referidos e indicados, que aqui se dão por reproduzidos, evitando repetições, e art.º24.º, n.º1, al. n) e n.º2 da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto.
B

DA MATÉRIA DE DIREITO
15.ª - Partindo dos factos provados da sentença, e dos factos a dar como provados acima assinalados, e independentemente desta alteração, têm de ser retiradas as devidas consequências jurídicas – que é a revogação da sentença recorrida.
16.ª – A sentença deu como provado que estavam verificados os requisitos para a sua procedência, ao invés da recorrente, que sustenta que não estão verificados estes requisitos, porquanto:
a) Não existe o periculum in mora - dano apreciável;
b) O dano causado pela suspensão é superior, como alegado, ao contrário do que consta da douta sentença, que não se pronunciou sobre esta questão – constituindo omissão de pronuncia, constando no texto que não foi alegado.
c) Existiu abuso de direito pelos requerentes/recorridos, nas várias modalidades, incluindo tu quoque, ao contrário do que consta da douta sentença, que não se pronunciou sobre esta questão – constituindo omissão de pronuncia.

I - QUANTO AO PERICULUM IN MORA E DANO APRECIÁVEL:
17.ª – A providência de suspensão só faz sentido com a alegação e prova segura dos prejuízos que possam decorrer da execução da deliberação, pois mais do que restaurar provisoriamente a legalidade, interessa prevenir danos futuros, e, o “dano apreciável” – o requisito do “periculum in mora” – a possibilidade de prejuízos imputáveis - tem que ficar em concreto provado, não sendo a sua existência de presumir.
18.ª - Neste processo não foi alegada e feita prova bastante de que está verificado este pressuposto, pelo contrário, os documentos, as declarações e os depoimentos de parte, a lógica, a experiência e as testemunhas demonstraram que não existe qualquer dano apreciável suficientemente justificativo para tal suspensão.

II – DO PREJUÍZO SUPERIOR PELA SUSPENSÃO DA DELIBERAÇÃO
19.ª – Ao contrário do que consta da douta sentença, que refere a fls.29: “bem como o facto de não ter resultado provado (nem ter sido alegado) qualquer facto que demonstre a existência de prejuízo superior ao da declaração de suspensão da referida deliberação,”
Mas foram alegados factos nos art.º122.º e 123.º da oposição, que deveriam ter sido ponderados para levar à improcedência das suspensão da deliberação, por existência de prejuízo superior, como previsto na citada norma.
20.ª - Outrossim, resultaria prejuízo da não execução da deliberação da assembleia, tomada por 111 compartes num universo de cerca de 218 compartes, pois seria a paralisação de uma vontade democrática, expressa de forma clara e legal, que não poderia tomar nenhuma posição nos próximos meses, deixando os destinos dos baldios entregues a quem o povo afastou de forma inequívoca, continuando uma Junta de Freguesia a gerir a aplicar os dinheiros desses compartes.

III – DO ABUSO DE DIREITO:
21.ª - Ao contrário do que consta da douta sentença, entende a recorrente que existe o direito para invocar o seu abuso, e o facto da quase totalidade dos requerentes/recorridos terem participado e aceite as regras e procedimentos torna a sua invocação um ato abusivo.
22.ª - Toda a atuação da requerida e dos seus representantes foi sempre condicionada pela manifestação de confiança dos requerentes e dos representantes da lista B candidata, o que foi contrariado posteriormente, gerando uma reprovável injustiça, Cfr. art.º334 do Cód. Civil - abuso de direito.
23.ª - O que constitui abuso de direito e venire contra factum proprium atribuir o poder de bloquearem o resultado de umas eleições justas, e existe uma manifesta contradição das condutas, viola flagrantemente as mais elementares normas de boa-fé, confiança das partes, dos bons costumes e o fim social e económico subjacente ao direito, razão pela qual, nunca poderá ser a Requerida condenada no pedido, prejudicando a vontade expressa dos compartes, o que seria ofensiva da justiça, ainda que ajustado ao conteúdo formal do direito, o que se verifica e aplica in casu.
24.ª - In casu, ao contrário do decidido na douta sentença, existiu abuso de direito pelos requerentes/recorridos, nas várias modalidades, incluindo tu quoque, ao contrário do que consta da douta sentença, que não se pronunciou sobre esta questão – constituindo omissão de pronúncia.

IV – INEXISTEM OS APONTADOS VÍCIOS – NÃO HÁ FUMUS BONIS IURIS:
25.ª - Salvo o devido respeito, ao contrário do sustentado na douta sentença, não existe quaisquer vícios que justifiquem uma drástica decisão de suspensão da deliberação da assembleia que elegeu livremente os seus órgãos, dado que se tratou de umas eleições livres, informada, fiscalizadas, com a máxima participação de que há registo, tendo a lista A sido eleita pela maioria dos compartes, e tendo a lista B tudo aceitado e reconhecido os resultados.

V – INVERSÃO DO CONTENCIOSO
26.ª - A requerida defende que não estão verificados os pressupostos para o seu deferimento.
27.ª - Salvo melhor opinião, o Tribunal cometeu erro na indagação dos factos e erro na apreciação da matéria de facto provada, e violou o disposto nos artigos 380.º do CPC.
Nestes termos, e nos melhores de direito, devem ser revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que julgue improcedente o procedimento cautelar de suspensão da deliberação social, e condenando os recorridos em custas, assim se fazendo, como sempre, sã JUSTIÇA.».
7. Os requeridos/recorridos responderam ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso foi interposto com manifesta violação do preceituado no artigo 637 n.º 1, última parte, do CPC, motivo pelo qual não deve ser admitido;
Acresce que,
2. A recorrente, ao impugnar a matéria de facto, não cumpriu o ónus previsto no artigo 640.º do CPC;
3. Impunha-se à recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso nos termos da (alínea b) do n.º 1 e alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC), que indicasse os concretos meios probatórios constantes das gravações que impunham decisão inversa relativamente a cada um dos factos individualmente considerados. Tanto mais que os factos impugnados não estão sequer co-relacionados, respeitando, cada um deles, uma realidade diferente.
4. A recorrente indica longos excertos (alguns com mais de 20 minutos) das gravações dos depoimentos, para com os mesmos, pretender impugnar a decisão proferida aos factos H, J, M, N, O, P, S, T, FF dos factos não provados e os factos 18, 20, 23, 29 dos factos provados (todos em conjunto, num só bloco de factos).
5. Os factos impugnados não estão co-relacionados, respeitando, cada um deles, realidades diferentes.
6. Como tal, no seguimento da jurisprudência produzida a este respeito, evidenciada, além do mais, nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 5-09-2018, no âmbito do processo n.º 15787/15.8T8PRT.P1.S2, e, Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 22-10-2020, no âmbito do processo n.º 5397/18.3T8BRG.G1, deve o presente recurso da matéria de facto ser rejeitado.
Ainda assim, por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que:
7. As alterações factuais pretendidas pela Recorrente são inócuas para o desfecho da presente lide, traduzindo-se a sua apreciação um acto inútil.
Na verdade,
8. Os requerentes nada têm a ver com atitudes que pudessem ser tomadas por outros compartes, ou pelo Presidente da Junta de Freguesia.
9. Os requerentes, aqui recorridos, na sua qualidade de compartes, insurgem-se contra:
a) uma eleição absolutamente ilegal, que atropelou todos os mais básicos princípios democráticos e violou expressamente a lei dos baldios, em vários dos seus normativos.
b) Insurgem-se contra a atitude da Sr.ª Presidente da Mesa da Assembleia que ao invés de assumir uma atitude imparcial e correcta, atropelou tudo e todos, para colocar no poder as pessoas que lhe interessou, favorecendo as mesmas para que conseguissem chegar ao poder.
c) Insurgem-se contra o facto de ter existido por parte da Sr.ª Presidente da Mesa, conluiada com o promotor de uma das listas, um manifesto boicote à realização de um acto eleitoral livre, difundido, participado e democrático, tudo valendo para favorecer uma lista em detrimento das demais que pudessem pretender concorrer.
d) Insurgem-se contra o facto do seu baldio seja gerido por pessoas que não são compartes recenseados e foram eleitas numa eleição absolutamente ilegal e com o atropelo dos mais básicos princípios democráticos.
e) Insurgem-se contra imediata prática de actos de gestão dos baldios por estas pessoas, nomeadamente assinando contratos, assumindo despesa ou gastando receita e tomando as mais variadas opções de gestão, seguindo o seu entendimento, uma vez que, anulada a deliberação ilegal que os elegeu, a reversão de todos esses actos, ou será impossível, ou trará prejuízos consideráveis.
10. Os Requerentes da providência, aqui recorridos, não representam mais do que cada um a sua pessoa, agindo na presente lide, na qualidade de compartes e não na qualidade de membros de qualquer lista concorrente ao acto eleitoral ilegalmente realizado.
11. As alterações pretendidas, salvo o devido respeito, nenhuma relevância jurídica possuem para o desfecho da presente lide.
Como tal,
12. Como decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães supra aludido, não deve ser efectuada a reapreciação pretendida.

V. Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil.
12. Quando assim se não entenda, importa salientar que bem andou o Tribunal na apreciação e decisão efectiada a respeito de todos os factos, inclusive dos factos impugnados;
Na verdade,
13. Nenhuma prova foi produzida que impusesse uma decisão inversa da proferida relativamente a cada um dos factos impugnados, muito pelo contrário, como se deixou dito na motivação, foi produzida prova bastante que sustenta a decisão proferida relativamente a cada um deles;
Acresce que,
14. A sentença aplicou devidamente o direito tendo decidido com justiça.
15. Sob os factos provados 5, 21, 23 a 26 e 28, ficou demonstrado a forma como decorreu todo o processo que culminou na deliberação impugnada, espelhando um claro atropelo da Lei e um preocupante desrespeito pelos mais basilares princípios democráticos.
16. Aliás, os recorrentes não impugnam a ilegalidade da deliberação, pois sabem bem que a mesma existe e é por demais notória.
De igual forma,
17. Como devida e abundantemente fundamentado na Sentença, mostra-se verificado o “periculum in mora” na sua vertente de que a execução da deliberação, permitira a prática de actos de gestão, pelos eleitos ilegais, até à anulação da deliberação em acção judicial definitiva, criando situações consumadas e irreversíveis, com o apreciável dano que daí resulta.
Na verdade,
18. Sob os factos provados 22, 40, 41, 43 e 45 vêm claramente demonstradas as imediatas intenções dos eleitos ilegais, que passam por gerir as receitas obtidas pelos baldios, em prol daquilo que referem ser (na sua visão subjectiva) a valorização da comunidade.
19. Ou seja, pretendem, imediatamente os eleitos ilegais, aceder às receitas dos baldios, começar a tomar opções de acordo com a sua vontade e gastar esse dinheiro no seu programa de acção pré concebido.
20. Para esse efeito, logo a seguir à tomada de posse, tentaram avocar a gestão dos baldios, até então delegada mediante deliberação tomada de 4 em 4 anos na Junta de Freguesia, peticionando a esta todos os elementos e processos da anterior gestão, contas bancárias etc. , conforme factos 29, 30, 35 e 44 dos factos provados;
21. De imediato, contactaram, igualmente, a REN e o ICNF, a fim de assumirem os processos em curso e decidirem os mesmos, por forma a obterem receitas de centenas de milhares de euros, que são esperados a título de receitas para o ano de 2023, que gastarão naquilo que apelidam, “valorização da comunidade”, conforme factos provados 31, 32, 33, 43 e 45;
22. Com vista a poderem celebrar contratos, autonomamente, (assumindo em nome da comunidade local deveres e obrigações vinculativos para os compartes), e abrir uma conta bancária para poder movimentar as receitas dos baldios, foram prontamente criar um N.º de Contribuinte (NIPC), conforme facto 45 dos factos provados;
Ou seja,
23. Não fosse a presente providência Cautelar, e os seus efeitos decorrentes, nomeadamente a imediata “suspensão dos actos” determinada pelo n.º 3 do artigo 381 do CPC, e estariam os eleitos ilegais, alguns deles que nem compartes são, a gastar, de forma irreversível, o dinheiro proveniente das receitas dos baldios naquilo que apelidas “valorização da Comunidade”;
24. Estariam tais eleitos a outorgar contratos, decidir as suas cláusulas e tomar opções de gestão próprias, durante um longo período até que viesse a ser anulada a deliberação em causa na respectiva acção judicial definitiva, assumindo tais obrigações, durante todo esse período, sem qualquer legitimidade e cuja anulação, sendo possível, daria lugar a indemnizações a todos os terceiros que com os mesmos tivessem contratualizado, o que traduz também num dano apreciável, até potencialmente irreversível.
25. Como tal, o dano apreciável é evidente, e encontra-se devidamente fundamentado na sentença.
Acresce ainda que,
26. De igual forma carece de razão a recorrente no que respeita à questão do vício de omissão de pronuncia invocado a respeito da violação do preceituado no artigo 381 .º n.º 2 do CPC.
27. Na verdade, consta devidamente na Sentença, a apreciação desta questão, nomeadamente na página 29, onde apreciando a questão o Tribunal “a quo” conclui que não se mostra demonstrado qualquer dano com a suspensão da deliberação. Pelo contrário, ficou sim demonstrado o significativo dano que ocorreria com a sua não suspensão.
28. Como tal, carece absolutamente de razão a recorrente na invocação deste vício.
De igual forma,
29. Carece de razão na alegação do vício de omissão de pronúncia no que respeita à invocada excepção do Abuso de Direito.
30. Esta questão foi apreciada e decidida nas páginas 29 a 32 da Sentença, tendo o Tribunal “a quo” concluído, e bem, que inexiste qualquer abuso de direito.
Na verdade,
31. Como facilmente se percebe, os Requerentes da providência, aqui recorridos, não representam mais do que cada um a sua pessoa, agindo na presente lide, na qualidade de compartes e não na qualidade de membros de qualquer lista concorrente ao acto eleitoral ilegalmente realizado.
Aliás,
32. Três dos requerentes nem sequer pertenceram à lista B (ou a qualquer lista) e o Requerente AA, (à semelhança de inúmeros compartes), nem soube da realização da Assembleia eleitoral e, como tal, nem votar foi (não tendo participado na deliberação).
33. De igual forma, nenhum dos requerentes da providência, aqui recorridos, é membro da Junta de Freguesia ou Assembleia de Freguesia.
Como tal,
34. Só se percebe esta falsa alegação, para tentar a recorrente afastar as atenções, das atrocidades legais cometidas durante todo o processo e da postura da Sr. Presidente da Mesa da Assembleia, “de quero, posso e mando”, pretendendo impedir que a democracia funcionasse, com o único e deliberado objectivo de favorecer a lista da sua preferência e impedir que outras listas pudessem ser atempadamente preparadas e concorrer, defraudando este objectivo.
Assim,
35. Bem sabe a recorrente a total ausência de razão da sua parte e que a sentença aplicou devidamente o direito, fazendo justiça, sendo o presente recurso, além do mais, manifestamente infundado, e, enquanto tal, deve, pois, improceder.
36. A sentença apreciou devidamente as provas, decidiu correctamente os factos e aplicou devidamente o direito, fazendo, acima de tudo Justiça.
Pelo que, improcedendo totalmente o recurso, deverá a sentença ser mantida, assim se mantendo, também, a já materializada Justiça.».
8. Foi proferido despacho: a considerar que não existem as nulidades; a admitir o presente recurso, a subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito meramente devolutivo.
9. Recebido o presente recurso nesta Relação, nos mesmos termos admitidos na 1ª instância, colheram-se os vistos e realizou-se a conferência.

II. Questões a decidir:

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do C. P. Civil.
Definem-se como questões a decidir:
1. Se ocorreu alguma nulidade da decisão por omissão de pronúncia da sentença quanto às arguidas exceções: da suspensão causar dano superior à execução; de abuso de direito, nas várias modalidades, nomeadamente do tu quoque.
2. Se é admissível a impugnação da matéria de facto provada e não provada e a sua reapreciação, nos termos do art.640º do CPC, no âmbito da qual a recorrente pediu:
a) Que os factos não provados nas alíneas H, J, M, N, O, P, S, T, FF se julgassem provados.
b) Que se completasse a redação dos factos provados em 18, 20, 23, 29, de forma a que, à redação existente se aditasse a seguinte:
b1) No facto 18 se aditasse ao facto aí constante («18. Na referida Assembleia de dia 5 de Novembro de 2022, a Sr.ª Presidente da Assembleia informou os presentes que as eleições seriam convocadas para o dia 12 de Novembro de 2022 entre as 15 horas e as 17 horas»): «o que foi feito com a concordância dos compartes presentes, depois de serenados os ânimos por os compartes terem exigido eleições logo nesse dia 5 de Novembro de 2022.».
b2) No facto 20 se aditasse ao facto aí constante («20. O Requerente AA não teve conhecimento da data de realização das eleições e não exerceu o seu direito de voto no dia 12/11/2022»): «sendo que o mesmo não tem assistido às outras assembleias de compartes e não participa ativamente nos assuntos dos compartes.».
b3) No facto 23 se aditasse ao facto aí constante («23. HH, residente na Rua ..., ..., ... ..., faz parte da lista A, não reside na área da abrangência da comunidade local dos baldios de ... e não consta do caderno de recenseamento dos compartes aprovado e com referência à data de 31/12/2021»): «mas tem terrenos e interesses nessa comunidade, usufruindo dos baldios.».
b4) No facto 29 se aditasse ao facto aí constante («29. A deliberação ocorrida a 12/11/2022 permite aos elementos da Lista A eleitos praticar atos de gestão dos baldios de ..., inclusive o de avocar os poderes de gestão até então delegados na Junta de Freguesia»): «apenas e só se a assembleia de compartes o deliberar por maioria qualificada de dois terços dos compartes reunidos validamente em assembleia. art.º24.º, n.º1, al. n) e n.º2 da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto.»
3. Se ocorreu erro de direito da decisão por, ao contrário do que entendeu a decisão recorrida:
3.1. Não estarem verificados os requisitos da providência:
a) Os vícios integrativos do fumus bonis iuris.
b) O periculum in mora - dano apreciável.
3.2. Estarem verificadas exceções impeditivas do decretamento da providência:
a) O dano causado pela suspensão ser superior ao da execução.
b) Existir abuso de direito pelos requerentes/recorridos, nas várias modalidades, incluindo tu quoque.
3.3. Não estarem verificados os pressupostos para deferir a inversão de contencioso.

III- Fundamentação:

1. Decisão e fundamentos da sentença recorrida:
A sentença recorrida decretou a providência de suspensão da execução da deliberação tomada a 12.11.2022 e declarou invertido o contencioso, mediante a seguinte fundamentação de facto (transcrita em 1.1. infra) e de direito (sintetizada em 1.2. infra):
1.1. Fundamentação de facto da sentença recorrida:
1.1.1. Matéria de facto provada:
«1. A comunidade local gestora dos Baldios de ... é representada pela respetiva Assembleia de Compartes, há muito constituída e em funcionamento.
2. Os Requerentes são compartes dos baldios de ..., residentes na respetiva área de abrangência do baldio da comunidade local, usufruindo do mesmo segundo os usos e costumes e encontram-se recenseados no Caderno de Recenseamento de Compartes dos Baldios de ....
3. Encontra-se junto aos autos o documento ...4 junto com o requerimento inicial em que foi aposta de forma manuscrita a data de 29 de Setembro de 2022, que se encontra dirigido à Presidente da Mesa da Assembleia dos Compartes dos Baldios de ..., de onde consta que:
“A Junta de Freguesia – União das Freguesias ... (...) e ..., entidade administradora dos baldios, e os compartes que abaixo assinam, os quais correspondem a mais de 5% dos compartes recenseados”, ao abrigo do preceituado nas alíneas a) e c) do artigo 26.º da lei 75/2017 de 17 de Agosto, a convocatória de uma Assembleia de Compartes, a realizar no prazo de 15 dias, como dita a lei, com a seguinte ordem de trabalhos:
Actualização dos cadernos de recenseamento dos compartes, os quais se encontram nos lugares do costume a fim de serem consultados. Discussão e deliberação;
Eleição dos órgãos dos Baldios;
Delegação dos poderes de administração da totalidade do baldio, nos termos do artigo 35.º da lei 75/2017 de 17 de Agosto, pelo prazo de 4 anos, na União de Freguesias ... (...) e .... Discussão e Deliberação.”
4. O documento referido em 3 não contem a data de recolha das assinaturas que o acompanham.
5. Encontra-se junto aos autos o Doc. ... junto com a oposição datado de 17 de Outubro de 2022, sob a epígrafe “EDITAL CONVOCATÓRIA”, no qual a Presidente da Mesa da Assembleia dos Compartes dos Baldios de ... agendou uma Assembleia de Compartes para o dia 29 de Outubro, com a seguinte ordem de trabalhos:
“Convocatória de eleições para os novos órgãos dos baldios de ....”
6. O documento referido em 5 previa a realização da assembleia de compartes para o dia 5/11/2022, se decorrida meia hora não estivessem presentes pelos menos 50 compartes.
7. Encontra-se junto aos autos o Doc. ... junto com a oposição, datado de 28 de Outubro de 2022, sob a epígrafe “EDITAL CONVOCATÓRIA” no qual a Presidente da Mesa da Assembleia dos Compartes dos Baldios de ... fez constar que a Reunião Extraordinária prevista se destina a:
“a) Será definida a data limite para a entrega das listas para posterior analise, decisão sobre a aceitação/rejeição das candidatura e posterior divulgação pública a afixar nos locais usuais.
b) Será definida a data das eleições dos novos órgãos dos baldios de ....
c) Será definida a comissão eleitoral, para acompanhamento do acto eleitoral.”
8. No dia 29 de Outubro de 2022, pelas 15 horas, data da realização desta Assembleia de Compartes, a Sr.ª Presidente, tendo chegado ao logradouro da Escola Básica ... não chega a entrar no local da reunião, ausentando-se de imediato, e referiu não haver quórum suficiente para a realização da reunião.
9. Encontra-se junto aos autos o Doc. ... junto com o requerimento inicial datado de 05 de Novembro de 2020 (pretendendo referir-se 2022), sob a epígrafe “EDITAL” no qual a Presidente da Mesa da Assembleia dos Compartes dos Baldios de ... fez constar:
“Data das eleições: 12 de Novembro de 2022 (…)
Horário de funcionamento: Início às 15h00 h – Fim Às 17:00h”
10. Encontra-se junto aos autos o Doc. ... junto com a oposição designado “Regulamento Eleitoral da Assembleia de Compartes dos Baldios de ...”, o qual foi afixado no dia 5 de Novembro de 2022.
11. O documento referido em 10 foi apresentado pela Sr.ª Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes na reunião ocorrida no dia 5 de Novembro de 2022 (em segunda Convocatória), no seguimento das convocatórias datadas de 17 de Outubro e 28 de Outubro de 2022, onde a Sr.ª Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes, sem submeter o mesmo a deliberação da Mesa da Assembleia e dos compartes presentes, abriu os trabalhos e informou os compartes que as eleições seriam marcadas para o Sábado seguinte, dia 12, e que as regras desse ato eleitoral eram as constantes do referido regulamento que em voz alta leu, de imediato, solicitando aos interessados a apresentação das listas para afixar e encerrando a reunião.
12. Os elementos da lista A tiveram conhecimento do regulamento referido em 10 em data anterior a 5 de Novembro de 2022.
13. O autor do “Regulamento”, que o fez em conjunto com a Sr.ª Presidente da Mesa para que fosse lido na dita Assembleia, faz parte integrante da Lista A.
14. Os compartes interessados apresentaram as listas que haviam consigo, tendo sido apresentadas as listas A e B.
15. Os membros da lista B tiveram que juntar a lista que possuíam, ainda em preparação e não terminada.
16. Nos termos do “Regulamento” referido em 10 as candidaturas tinham que ser apresentadas no prazo máximo de oito dias antes da data marcada para o ato eleitoral e afixadas nos locais públicos usuais, pelo que nenhum prazo restava além daquele momento para a apresentação de listas eleitorais.
17. O regulamento referido em 10 nunca foi aprovado pela Assembleia de Compartes, quer em data anterior, quer no dia 5 de Novembro de 2022.
18. Na referida Assembleia de dia 5 de Novembro de 2022, a Sr.ª Presidente da Assembleia informou os presentes que as eleições seriam convocadas para o dia 12 de Novembro de 2022 entre as 15 horas e as 17 horas.
19. Entregues duas listas, deu por terminada a Assembleia de Compartes, procedendo à afixação do documento designado “Edital/ Convocatória da Assembleia Eleitoral” para o dia 12 de Novembro de 2022, afixando a convocatória datada de 05/11/2022, o referido “Regulamento” e as Listas A e B, apresentadas naquele dia.
20. O Requerente AA não teve conhecimento da data de realização das eleições e não exerceu o seu direito de voto no dia 12/11/2022.
21. No seguimento da convocatória referida em 9, no dia 12/11/2022 teve lugar a eleição dos membros para os vários órgãos da Ré, tendo a lista A saído vencedora.
22. Os membros eleitos com base nessa deliberação iniciaram imediatamente o desenvolvimento de várias diligências, junto de várias entidades, designadamente junto da Junta de Freguesia, da REN, do ICNF e outras, com vista à avocação dos poderes de gestão dos baldios, que desde 1978 se encontravam delegados na Junta de Freguesia.
23. HH, residente na Rua ..., ..., ... ..., faz parte da lista A, não reside na área da abrangência da comunidade local dos baldios de ... e não consta do caderno de recenseamento dos compartes aprovado e com referência à data de 31/12/2021.
24. HH requereu ao órgão gestor dos baldios que lhe fosse atribuída esta qualidade de Comparte dos Baldios de ... por requerimento onde consta aposta a data de “Junho de 2018”.
25. HH exerceu o direito de voto na Assembleia Eleitoral realizada no dia 12 de Novembro de 2022.
26. No dia 12 de Novembro de 2022, na Assembleia de Compartes eleitoral, votaram e foram aceites os votos dos seguintes elementos, que não eram membros da Assembleia de Compartes nem estavam inscritos no respetivo caderno de recenseamento: LL; KK; JJ; HH; II.
27. O mandatário e candidato a Secretário do Conselho Diretivo da Lista B, o Sr. QQ, cumprimentou o mandatário da Lista A, o Sr. GG, após o apuramento do resultado das eleições ocorridas a 12/11/2022.
28. II explora o supermercado ..., em ..., onde também reside.
29. A deliberação ocorrida a 12/11/2022 permite aos elementos da Lista A eleitos praticar atos de gestão dos baldios de ..., inclusive o de avocar os poderes de gestão até então delegados na Junta de Freguesia.
30. No email datado de 14/11/2022 o Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes de ... solicita ao Presidente da União de Freguesias ... e ... a realização de “uma reunião urgente a fim de fornecer todos os elementos e processos da anterior gestão, desde 2013 até 13 de Novembro de 2022, bem como números de conta bancária, respetivos saldos e o valor da constituição de reservas para a sua futura valorização (…)”.
31. Por email datado de 15/11/2022 o Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes de ... dá conhecimento à REN – Redes Energéticas Nacionais da tomada de posse dos novos órgãos da Assembleia de Compartes dos Baldios de ....
32. Mais informa que
Brevemente teremos do documentos informais para finalizar o processo da nova Subestação de ... (…)”.
33. Por email datado de 15/11/2022 o Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes de ... dá conhecimento ao ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, IP) da tomada de posse dos novos órgãos da Assembleia de Compartes dos Baldios de ... e onde solicita
a marcação de uma reunião para esclarecimento de processos em curso, deveres e responsabilidades mútuas e informações eventualmente necessárias.”
34. O caderno de recenseamentos dos compartes utilizado no ato eleitoral de 12/11/2022 tem como data de referência o dia 31/12/2021.
35. Atualmente e desde 1978 a gestão das receitas da Associação dos Baldios de ... e da respetiva conta bancária encontra-se delegada na Junta de Freguesia.
36. Houve uma participação calma e ordeira nas eleições ocorridas no dia 12/11/2022, tendo nelas votado 218 compartes.
37. HH encontrava-se inscrito no caderno de recenseamento do ano de 2019.
38. II encontrava-se inscrito no caderno de recenseamento do ano de 2019.
39. A lista junta aos autos como Doc. 15 do requerimento inicial não refere qualquer título no cabeçalho, não informa do objetivo dessa recolha de assinaturas e não apresenta a data de recolha de tais assinaturas.
40. No dia 13/11/2022, tendo em conta os resultados das eleições, teve lugar a tomada de posse dos membros eleitos.
41. Consta da candidatura da Lista A como “programa de ação”: “devolver a gestão das receitas obtidas pelos baldios aos habitantes de .../.../... em prol da valorização económica e benefício exclusivo destas comunidades locais, conforme a lei”.
42. Foi feita uma participação contra a União das Freguesias ... e ... junto do Tribunal de Contas.
43. Estão previstas para o ano de 2023 como receitas dos Baldios o pagamento da indemnização dos terrenos baldios da atual subestação de ... da empresa REN; o pagamento da servidão de várias linhas de muita alta tensão; pagamento do material lenhoso leiloado pelo ICNF e com a recolha/venda de resina dos pinhais pertencentes aos Baldios de ..., tudo em montantes não concretamente apurados.
44. O dinheiro e o direito de acesso às contas bancárias dos Baldios de ... estão atualmente entregues à Junta de Freguesia e seu presidente.
45. A lista vencedora procedeu, após a sua eleição, à formalização do Número de Identificação de Pessoa Coletiva da Comunidade Local do Baldio de ....
46. A Junta de Freguesia nunca abriu uma conta em nome da ..., utilizando a conta pública da união de freguesias.»

1.1.2. Matéria de facto não provada:
«A. Além do A. AA, muitos outros Compartes não tiveram conhecimento da data das eleições pois não viram o edital, ficando impedidos de exercer o seu direito ao voto, participar em listas e/ou apresentar listas a fim das mesmas serem deliberadas.
B. Que, após a eleição ocorrida a 12/11/2022, os membros eleitos pretenderam perturbar a gestão até aí desenvolvida e em curso, designadamente impossibilitando a execução de vários protocolos já aprovados mas que necessitam da intervenção da Junta de Freguesia, decidindo negociações em curso, designadamente com a REN e outras entidades.
C. Apesar de vários compartes terem questionado a legalidade desse regulamento e até da própria reunião, a Sr.ª Presidente manteve que as regras eram aquelas e quem pretendesse que apresentasse a lista para afixarem, com vista à sua publicitação.
D. JJ reside na Rua ..., no Lugar ..., ...; KK é residente no ...; LL é filho do Sr. NN.
E. O Requerente BB não foi consultado quanto a nenhum dos assuntos relacionados com o ato eleitoral.
F. No dia 29 de Outubro de 2022 encontravam-se no local indicado para a realização da Assembleia de Compartes cerca de 90 compartes, dos quais uma grande parte dispuseram-se a assinar uma lista de presenças.
G. A Lista B candidata (com a maioria dos membros com relações diretas de parentesco: pai, filha, genro de uma família; 2 irmãos e cunhada de outra família) foi uma criação política e com um plano de ação de entregar as receitas do baldio novamente ao poder local autárquico da junta de freguesia, delineada pelo Presidente da Junta de Freguesia, feita pelo mesmo no próprio dia 05-11-2022, por volta das 17 horas, na antiga escola primária de ..., com o fim de manter a delegação de poderes de gestão desse baldio, e continuar a gerir os dinheiros dos compartes.
H. No ano de 2023 é previsível que as receitas dos baldios de ... venham a ultrapassar meio milhão de euros, os quais são canalizados totalmente para a União das freguesias, sendo tais valores administrados pelo presidente da Junta de Freguesia, a seu bel prazer, e não pelos compartes, e sem lhes prestar contas, e são gastos na União das freguesias, com preponderância na freguesia ..., e não exclusivamente pelos compartes do lugar onde efetivamente são gerados.
I. O presidente da União das Freguesias ... e RR, que tinha sempre a delegação de poderes garantida, pois controlava a lista eleita, vendo que esta eleição poria em causa a receção de tais valores anuais elevados, que transformavam aquela autarquia num poder económico de realizar obra e despesa como lhe aprouvesse, reagiu incitando posteriormente alguns compartes para recorrer a Tribunal com este procedimento.
J. Que a união de freguesias não apresente as respetivas contas separadas dos baldios.
K. A Ré esteve mais de dois anos sem reunir (2019 – 2021), em virtude da Mesa da Assembleia de Compartes não ter procedido às respetivas convocatórias, por várias vezes solicitadas pelo órgão gestor dos Baldios (com assuntos pendentes de deliberação por parte da Ré).
L. O protocolo com a Câmara Municipal relativamente à Fauna e Flora, o qual foi configurado para a participação da Junta de Freguesia enquanto entidade gestora dos baldios, tendo sido aprovada nesses termos a respetiva minuta ficou sem poder ser assinado e produzir os seus efeitos para os compartes.
M. Foram os membros da lista B candidata e outros compartes que, de forma tumultuosa, na própria assembleia do dia 5/11/2022, exigiram a realização imediata e nesse próprio dia do ato eleitoral.
N. As eleições apenas não se realizaram no dia 05/11/2022 por o comparte GG ter apelado à calma e bom senso e acentuando aos compartes a ilegalidade da realização das eleições de imediato, pois teria de ser dada a possibilidade de que todos os restantes compartes da comunidade local, ausentes nessa assembleia de 5/11/2022, pudessem consultar em edital público as listas candidatas entregues nessa reunião, ponderarem e votarem informados das candidaturas que concorriam a eleições.
O. A aprovação da data de eleições para o dia 12/11/2022, foi da concordância dos membros da lista B, incluindo os requerentes (que inicialmente exigiam a realização do ato eleitoral imediatamente nessa reunião), o que foi aprovado por todos os compartes presentes na assembleia de 5/11/2022, dada a pressão por parte dos membros da lista B.   
P. Nos atos eleitorais anteriores votaram cerca de 50 compartes.
Q. A Junta de Freguesia suprimiu os nomes de HH e II no caderno de recenseamento de 2022.
R. A Junta de Freguesia não diligenciou pela alteração do caderno de recenseamento até 31 de Dezembro de cada ano.
... e KK possuem cartão de cidadão emitido no corrente ano de 2022 e residência na comunidade local das aldeias de ..., ... e ....
T. No ato eleitoral de 12/11/2022 os mandatários de ambas as listas acordaram, sem reservas de todos os presentes (mesa da assembleia e os dois mandatários das listas candidatas), que se aceitavam como eleitores, apesar do seu direito recente de compartes ainda não ter sido aprovado.
U. Não existem quaisquer pedidos de recenseamento de compartes pendentes desde 2019 até à presente data.
V. O prazo de oito dias para a realização do ato eleitoral foi exigido pelos membros da lista B, que inicialmente exigiam agressivamente a realização do ato eleitoral imediatamente nessa reunião.
W. No dia 5/11/2022, após ser dada a reunião por encerrada, o comparte Sr. GG foi insultado verbalmente por alguns elementos da lista B e outros compartes, e houve agressão verbal e tentativa de agressão física por parte de um membro candidato à presidência do conselho fiscal da lista B.
X. A data inscrita no documento dirigido à Presidente da Mesa Assembleia de Compartes dos Baldios de ... junta como Doc. 14 do requerimento inicial foi inserida a posteriori e de forma adaptada, para tentar evidenciar um pedido próximo da data das eleições, e sem que os supostos assinantes tivessem noção da respetiva data.
Y. A recolha de assinaturas foi feita pelos seus subscritores apresentando às pessoas vários motivos diferentes, anunciando assuntos que nada tinham que ver com a agora apresentada primeira folha desse pedido, tais como assinaturas para compor a levada, construir um lar, etc.
Z. A lista anexa ao documento referido em 3 não identificava os subscritores.
AA. No dia 29/10/2022 havia um ambiente de violência e tensão, tendo a anterior presidente da mesa da assembleia sido insultada logo que chegou ao local por vários compartes, tendo persistido o ambiente hostil, com gritos e clima de violência latente, até que a mesma se ausentou do local.
BB. A lista junta aos autos como Doc. 15 do requerimento inicial foi feita à posteriori, chamando as diversas pessoas que nem sequer estavam no local; não identifica os respetivos subscritores; a generalidade dos cidadãos que assinaram já não estavam no local da reunião, mas foram chamados (telefonicamente e presencialmente) pelos membros da lista B e mais alguns compartes.
CC. A inscrição dos números de cartão de cidadão na lista junta aos autos como Doc. 15 do requerimento inicial foi efetuada por uma única pessoa, o Sr. SS (que nem sequer é comparte nesta comunidade local de baldio), como foi declarado por diversos assinantes, que foram pressionados para assinar essa lista de presenças.
DD. A falta de reunião da assembleia de compartes do Baldio da Freguesia de ... nos anos de 2020 e 2021 ficou a dever-se às limitações da pandemia do Covid-19, que restringiu severamente todas as reuniões públicas, e ao facto de não ter sido disponibilizado um recinto suficientemente amplo de modo a cumprir as normas de saúde emanadas pelas autoridades de saúde.
EE. Os baldios não têm nenhuma actividade em curso, aprovada ou planeada.
FF. O conselho Diretivo eleito é composto por pessoas responsáveis e honestas.
GG. Diversos compartes não tiveram conhecimento da data das eleições por não terem visto o respetivo edital.».

1.2. Fundamentação jurídica da decisão:
1.2.1. Da decisão de suspensão da deliberação de 12.11.2022:
A sentença declarou procedente a providência de suspensão da execução da deliberação tomada a 12.11.2022, no âmbito procedimento cautelar dos arts.380º ss do CPC, por considerar estarem verificados os requisitos legais de que a mesma depende e não estarem verificadas exceções impeditivas ao decretamento da providência.
Por um lado, considerou estarem verificados os requisitos constitutivos do decretamento da providência, cuja prova de factos pertinentes competia aos requerentes:
1º) Verosimilhança do direito (por tomada de deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou contrato), fundada nos seguintes três motivos:
a) A convocatória de 05.11.2022, que fixou a data do ato eleitoral a 12.11.2022: não respeitou o prazo de 15 dias do art.26º/5 da Lei dos Baldios, nem apresentou as menções do art.26º/5-c) e d) da Lei dos Badios; não respeitou ainda, mesmo que se pudesse ter aplicado o regulamento eleitoral (que considerou não aprovado e não aplicável), o prazo de 8 dias para apresentação de candidaturas antes das eleições, nos termos previstos no Capitulo II.
b) HH, eleito para o Conselho Diretivo pela lista A, não estava inscrito no caderno de recenseamento de 2021 (apesar de estar no caderno de 2019), em violação dos arts.7º/10, 28º e 32º da Lei dos Baldios. 
c) Foram aceites nas eleições votos de 5 pessoas que não eram membros da assembleia de compartes e não estavam recenseados, em violação dos arts.7º/10, 28º e 32º da Lei dos Baldios.
2º) Possibilidade de ocorrência de dano apreciável, face: aos factos provados que elenca (de 12.11, de 14.11., de 15.11.); ao facto de não ser razoável exigir a ocorrência de danos concretos causados pela eleição (por o procedimento cautelar estar sujeito ao prazo de 10 dias de instauração e ter havido já a suspensão imediata provisória do art.381º/3 do CPC) e a própria tomada de posse de órgãos ilegalmente eleitos corresponder a um dano.
Por outro lado, considerou não se verificarem exceções impeditivas ao decretamento da providência, cuja prova competia à requerida, tendo em conta:
a) Que, para além de terem apenas decorrido apenas 3 meses depois das eleições, não foram alegados e provados factos que demonstrassem que o prejuízo da suspensão era superior ao da execução da deliberação, nos termos e para os efeitos do nº2 do art.381º do CPC.
b) Que não existiu uma situação de abuso de direito do art.334º do CC, tendo em conta: que não resultou provado que qualquer um dos requerentes tivesse acordado na realização da assembleia a 12.11.2022 ou na admissão de membros que não fossem compartes (sendo que, ainda que alguns dos requerentes tivesse aceitado, isso não tornaria legal a conduta); que era irrelevante que o mandatário da lista B- QQ- tivesse cumprimentado o mandatário da lista A depois do apuramento dos resultados, por isso não conduzir à legalidade da eleição, sendo que o mesmo também não era requerente neste procedimento cautelar.

1.2.2. Da decisão de inversão de contencioso:
A sentença declarou, ainda, invertido o contencioso nos termos dos arts.369º/1 e 376º/4 do CPC: por a prova adquirida nestes autos ter sido esclarecedora e criar a convicção segura da invalidade da deliberação decretada; por não se vislumbrar necessidade de produção de prova complementar pelas partes em ação definitiva, uma vez que a decisão depende de prova maioritariamente documental, que já estava junta aos autos, e que os requerentes contestaram a inversão de contencioso de forma conclusiva (sem indicar a necessidade de produção de prova complementar na ação principal).
É sobre esta sentença que serão apreciadas as questões suscitadas no recurso, apreciação que se fará em III- 2.1., 2.2. e 2.3. infra.

2. Apreciação das questões do recurso de II supra (em relação à sentença referida em III-1 supra):
2.1. Arguição de nulidades da sentença recorrida (conclusões 16ª-b) e c) do recurso):
A recorrente defendeu que o Tribunal a quo omitiu a pronúncia quanto às exceções da suspensão causar dano superior à execução e de abuso de direito, nas várias modalidades, nomeadamente do tu quoque, omissão de pronúncia que não qualificou juridicamente e com base na qual não pediu expressamente que a decisão fosse julgada nula, nos termos do disposto no art.615º/1-d) do CPC.
Todavia, sendo nula a sentença quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)» (art.615º/1-d) do CPC), apreciar-se-á se ocorreu uma omissão de pronúncia geradora da referida nulidade.
A omissão de pronúncia, cuja omissão gera a nulidade, respeita às questões que o juiz deve conhecer, nos termos do art.608º/2 do CPC, que prescreve que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.».
Estas questões previstas no nº2 do art.608º do CPC, conforme referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, reportam-se «aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim às controvérsias centrais a dirimir.» [i].

Estas questões, por sua vez, não se confundem:

a) Com os factos que preenchem os fundamentos dos pedidos, factos estes que, caso seja omitida a sua apreciação, esta omissão pode ser invocada como erro de direito. Neste sentido, veja-se, nomeadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017, proferido no processo nº7095/10.7TBMTS.P1.S1, relatado por Tomé Gomes, que sumaria, de forma que se perfilha por inteiro: «I. O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. II. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.»[ii].
b) Com os documentos juntos para prova ou contraprova de factos que tenham sido alegados, documentos estes cuja omissão de apreciação apenas pode ser apreciada como erro de julgamento de facto, em impugnação da decisão de facto (art.640º do CPC) ou em invocação de deficiência ou falta de consideração de factos passíveis de prova documental (arts.662º/3-c)- parte final e 663º/2 do CPC).
c) Com argumentos jurídicos tecidos para defender o sentido de decisão de uma determinada questão suscitada[iii].
Examinada a sentença recorrida, e sintetizada em III-2.1.1. supra, verifica-se que não se pode reconhecer que tenha ocorrido uma omissão de pronúncia, determinante da nulidade da decisão, nos termos do art.615º/1-d) do CPC, tendo em conta que a sentença, na sua fundamentação, declarou expressamente entender que não se verificavam as exceções previstas no art.381º/2 do CPC (sendo que, em relação a esta exceção, a requerida apenas afirmara conclusivamente no art.113º da contestação que «outrossim existe o perigo de se suspenderem os órgãos que foram validamente eleitos.») e no art.334º do CC, de acordo com os fundamentos que indicou.
O possível erro desta decisão, a existir, apenas pode ser apreciado em recurso que suscite o erro de julgamento (de facto ou de direito).

2.2. Impugnação da matéria de facto provada e não provada:
2.2.1. Enquadramento jurídico:
2.2.2.1. Ónus do recorrente:
A. Ónus geral de formular alegações e conclusões:
O recorrente, no seu recurso, tem um ónus de alegar e de formular conclusões, prevendo o nº1 do art.639º do C. P. Civil, sobre a referida epígrafe, que «1- O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.».
As conclusões, com que devem terminar as alegações, correspondem ao pedido no recurso e delimitam o objeto processual a conhecer pelo Tribunal Superior. De facto, como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa:
«3. (…) as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial. Rigorosamente, as conclusões devem (deveriam) corresponder a fundamentos que, com o objetivo de obter a revogação, alteração ou anulação da decisão recorrida, se traduzem na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com a decisão recorrida e com o resultado pretendido, sem que jamais se possam confundir com argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinário, os quais não devem ultrapassar o setor da motivação.
4. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara a inequivocamente resulta do art.639º, nº3.»[iv].
Se não forem observados estes ónus, deve proceder-se ao indeferimento do requerimento de recurso, nos termos da al. b) do nº2 do art.641º do C. P. Civil, que define que «O requerimento é indeferido quando: (…) b) Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões».
B. Ónus específico de impugnação da matéria de facto:
O Código de Processo Civil prevê, desde o Código de 1961, nas alterações legislativas introduzidas pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12 e com continuação no Código de 2013, aprovado pela Lei nº41/2013, de 26.06, a possibilidade de as partes impugnarem a decisão da matéria de facto, conferindo-lhes um duplo grau de jurisdição em sede de julgamento da matéria de facto.
Mas, desde o início, e pese embora as revisões que foram sendo introduzidas, onerou-se a parte recorrente com ónus de impugnação (no art.690º-A do CPC de 1961 posterior às revisões de 1995 e 640º do CPC de 2013), que evitasse invocações genéricas de discordância da decisão de facto e a repetição total da prova do julgamento da 1ª instância, ónus esse de cuja satisfação dependia a admissibilidade da apreciação da impugnação pela Relação, em decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes. De facto, no Preâmbulo do D.L. n.º 329-A/95, de 12/12, o legislador mencionou que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas apenas «detetar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento».
Neste sentido, o art.640º do CPC, sob a epígrafe «Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto», prescreve:
«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».
Os ónus em geral, de acordo com o referido por Abrantes Geraldes, estipulam exigências rigorosas que responsabilizam as partes, ainda que modeladas pelo princípio da proporcionalidade:
«As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.», sem prejuízo do critério de rigor ser moderado pelos «princípios da proporcionalidade e da razoabilidade» sublinhados pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[v].
No regime legal assinalado, todavia, podem distinguir-se, de acordo com o que tem sido realizado pela jurisprudência, ónus primários e ónus secundários, com distinto tratamento no que é ou não exigível constar das conclusões do nº1 do art.639º do CPC.
Por um lado, correspondem a ónus primários os previstos no nº1 do art.640º do CPC, que devem ser observados sob pena de rejeição do recurso se o não forem:
a) Os dois ónus respeitantes à definição precisa do objeto do recurso de impugnação e da pretensão da parte recorrente, previstos nas als. a) e c) do nº1 do art.640º do CPC, que define que «1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; (…) c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.».
Este ónus exige que o recorrente identifique: os pontos concretos da decisão da matéria de facto que o recorrente pretende que sejam reapreciados, com alteração do juízo de prova a identificar; os pontos concretos de que pretende a ampliação, caso pretenda a ampliação de factos não julgados, com referência aos factos alegados pelas partes (art.5º/1 do CPC) ou aos factos instrumentais, complementares ou concretizadores decorrentes da instrução ou aos factos notórios e de conhecimento oficioso do juiz (art.5º/2 do CPC).
b) O ónus respeitante ao dever de fundamentação da alteração pedida, com base na concreta prova produzida, que o recorrente entenda dever ser valorizada e analisada de forma distinta da 1ª instância (o art.640º, no seu nº1, al. b), do CPC define que «1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: (…) b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;»).
A Doutrina e a Jurisprudência têm acentuado dominantemente a necessidade do recorrente identificar e debater a prova concreta com base na qual pede a alteração de cada um dos factos da decisão de facto, ou mesmo tema de factos, posição que o acórdão deste coletivo também perfilha. Entre estas posições:
__ J. O. Cardona Ferreira refere:
«Há que ter em atenção que especificar concretos (…) meios probatórios é, não só indicar, claramente, o que se se concluiu e não se deveria ter concluído- ou (e) vice-versa- mas também, o que ao menos genericamente, efetiva e especificamente, está num determinado depoimento gravado, e não apenas remeter para toda a generalidade de um depoimento ou depoimentos. É que tudo isto não é só interesse da parte; é também exercício do dever de cooperação com o Tribunal (art.7.º). Vale dizer que não interessa apenas identificar uma testemunha; interessa identificar o que ela disse[vi].
__ António Santos Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa referem que este ónus de fundamentação atua numa dupla vertente:
«cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita pelo tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente. Deve o recorrente aduzir argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio probatório adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilidade dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente»[vii].
Abrantes Geraldes sublinha, ainda, a necessidade de assegurar neste campo:
«a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova que são indicados ou em meios de prova oralmente produzidos que são explicitados»[viii].
__ O Ac. STJ de 19.02.2015, proferido no processo nº299/05.6TBMGD.P2.S1, relatado por Tomé Gomes, conclui no sumário:
«3. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC. »[ix].
__ O Ac. RG de 22.10.2020, proferido no processo nº5397/18.3T8BRG.G1, relatado por Maria João Matos, conclui no sumário que:
«II. A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie, global e genericamente, a prova valorada em primeira instância, o que justifica que se imponha ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação. III. O ónus de impugnação previsto no art. 640º, nº 1, al. b) do C.P.C. exige que o recorrente: especifique os meios probatórios que determinariam decisão diversa da tomada em primeira Instância para cada um dos factos que pretende impugnar, não sendo suficiente a genérica indicação dos ditos meios de prova (isto é, desacompanhada do reporte a cada um dos factos sindicados, e antes oferecida para a totalidade da matéria de facto sob recurso);».
Por outro lado, corresponde a um ónus secundário, conexo com o ónus primário de fundamentação referido em b) supra, o que prescreve na al. a) do nº2 do art.640º do CPC, que «2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;».
Em relação a estes ónus, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem acentuado, nomeadamente:
a) Que é exigível um maior rigor na apreciação do cumprimento do ónus primário e fundamental do nº 1 do art.640º do CPC, face ao ónus secundário previsto no nº2 do art.640º do CPC.
b) Que é exigível que os ónus primários de delimitação do objeto do recurso das als. a) e c) do nº1 do art.640º do CPC (sobretudo o da al. a) do nº1 do art.640º do CPC) estejam integrados nas conclusões do recurso, enquanto o ónus primário de motivação probatória e secundário de identificação dos trechos da gravação previstos na al. b) do nº1 e na al. a) do nº2 do art.640º do CPC podem estar integrados na motivação.
c) Que não é admissível despacho de aperfeiçoamento quanto à impugnação da matéria de facto e que a falta de cumprimento dos ónus do art.640º do CPC implica a rejeição do recurso.
Neste sentido, assinalam-se, exemplificativamente:
- O Ac. do STJ de 19.02.2015, proferido no processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relatado por Tomé Gomes, que sumariou:
«1. Para efeitos do disposto nos artigos 640.º, n.º 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, importa distinguir, por um lado, o que constitui requisito formal do ónus de impugnação da decisão de facto, cuja inobservância impede que se entre no conhecimento do objeto do recurso; por outro, o que se inscreve no domínio da reapreciação daquela decisão mediante reavaliação da prova convocada.
2. A exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.
3. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC.
4. É em vista dessa função que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC.
5. Nessa conformidade, enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.».
__ O Ac. do STJ de 29.10.2015, proferido no processo n.º 233/09.4TBVNC.G1.S1, relatado por Lopes do Rego, que sumariou:
«1. Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes ( e que consta actualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC).
2. Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso.».
- O Ac. do STJ de 27.09.2018, proferido no Processo n.º 2611/12.2TBSTS.L1.S1, relatado por Sousa Lameira, que sumariou:
«I - Como decorre do art. 640.º do CPC o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objecto do recurso.
II - Também não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida, devendo ainda especificar a decisão concreta a proferir sobre cada um dos diversos pontos da matéria de facto impugnados.
III - Relativamente ao recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto não há lugar ao despacho de aperfeiçoamento das respectivas alegações uma vez que o art. 652.º, n.º 1, al. a), do CPC, apenas prevê a intervenção do relator quanto ao aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do n.º 3 do art. 639.º”, ou seja, quanto à matéria de direito e já não quanto à matéria de facto.».
- O Ac. do STJ de 03.10.2019, proferido no processo nº 77/06.5TBGVA.C2.S2, relatado por Maria Rosa Tching, que sumariou:
«I. Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.
E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
II. Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
III. Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.
IV. Tendo os recorrentes indicado, nas suas alegações de recurso, apenas o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte, sem acompanhar essa indicação de qualquer transcrição dos excertos das declarações e depoimentos tidos pelos recorrentes como relevantes para o julgamento do objeto do recurso, impõe-se concluir que os recorrentes não cumpriram o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos nº art. 640º, nº 2, al. a) do CPC, na medida em que, nestas circunstâncias, a falta de indicação das passagens concretas de tais excertos torna extramente difícil, quer a respetiva localização por parte do Tribunal da Relação, quer o exercício do contraditório pelos recorridos.
V. Relativamente ao recurso da decisão da matéria de facto, está vedada ao relator a possibilidade de proferir despacho de aperfeiçoamento, na medida em que, em matéria de recursos, o artigo 652º, nº1, al. a), do Código de Processo Civil, limita essa possibilidade às «conclusões das alegações, nos termos do nº 3 do artigo 639º».
VI. O caso julgado resultante do trânsito em julgado da sentença proferida num primeiro processo, não se estende aos factos aí dados como provados para efeito desses mesmos factos poderem ser invocados, isoladamente, da decisão a que serviram de base, num outro processo.».

2.2.1.2. Poder oficioso do Tribunal ad quem:
2.2.1.2.1. Quadro geral sobre factos:
Cabe às partes alegar os factos essenciais (art.5º/1 do CPC e art.342º/1 e 2 do CC) em que baseiam as suas pretensões (arts.552º/1-d) e 583º/1 do CPC) e a sua defesa por exceção (arts.572º/c) e 584º do CPC), factos esses que sejam aptos a preencher facti species da norma, de acordo com as soluções plausíveis das questões de direito.
O Tribunal, por sua vez, deve apreciar e decidir os factos alegados pelas partes e deve atender, ainda, aos factos instrumentais, complementares, concretizadores ou notórios de que possa ter conhecimento (art.5º/1 e 2-a), b) e c) do CPC), de acordo com a narrativa das partes e com a captação real e histórica dos mesmos, que sejam aptos a preencher facti species das normas, de acordo com todas as soluções plausíveis das questões de direito suscitadas.

2.2.1.2.2. Quadro oficioso do Tribunal.
A. Eliminação de matéria de direito ou conclusiva:
Os factos alegados pelas partes e atendíveis pelo Tribunal nos termos referidos – factos fundamentais ou instrumentais, de morfologia estática ou dinâmica[x]- devem ser aptos a descrever a realidade concreta da vida, de forma individualizada, situada no espaço e no tempo e não confundível com qualquer outra realidade.
Estes factos (objetivos ou subjetivos, situados no espaço e no tempo), distinguem-se de matéria genérica e conclusiva (salvo se esta tiver transitado para a linguagem corrente e não constitua o thema decidendum) e de matéria de direito (constante da factispecie da norma).
São apenas estes factos, e não as considerações sobre os mesmos que podem ser objeto:
a) De demonstração pela prova (arts. 341º ss do C. Civil e 410º ss do C.P. Civil) e de decisão de facto na sentença (art.607º/4 e 5 do C. P. Civil).
b) De apreciação de direito e de fundamentação da decisão jurídica do tribunal sobre a tutela pedida (art.607º/3-2ª parte do C. P. Civil).
c) De pedidos de impugnação, atendimento ou ampliação da matéria de facto em sede de recurso (arts.640º, 662º, 663º/2, em referência ao art.607º/4 do C. P. Civil).
É o rigor destes factos com relevância jurídica que permitirá delimitar a situação sobre a qual recai o caso julgado material da decisão da sentença (arts.619º ss do C.P. Civil) e executar a referida sentença (arts.724º ss do C. P. Civil).
A inobservância desta exigência pelo Tribunal a quo- ao integrar na matéria de facto matéria conclusiva, genérica e de direito-deve levar à sanação da irregularidade pelo Tribunal ad quem.
De facto, apesar de no C. P. Civil de 2013 não existir previsão idêntica ao art.646.º/4 do anterior C. P. Civil de 1961 (que previa que se tinham como «não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito»), a doutrina e jurisprudência têm mantido o entendimento que a matéria não factual que conste de uma decisão de facto deve ser expurgada da mesma. Vide, neste sentido, entre outros: Abrantes Geraldes (que refere que devem ser erradicadas da decisão sobre a matéria de facto «as alegações com conteúdo técnico-jurídico, de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem (v.g. renda, contrato, proprietário, residência permanente, etc.)»); Ac. RG de 17.02.2022, proferido no proc. nº2549/11.0TJVNF-J. G1, relatado por Maria João Matos[xi].
B. Consideração de factos plenamente provados:
O Tribunal ad quem pode oficiosamente, em relação a factos relevantes para a decisão da causa e do recurso, nos termos referidos em B. infra: tomar em consideração, nos termos do art.607º/4-2ª parte, ex vi do art.663º/2 do CPC, os factos que estão admitidos por acordo (arts.574º/2 e 587º/1 do CPC), provados por documentos (arts.371º e 376º do CC) ou por confissão reduzida a escrito (arts.352º ss do CC), compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência, desde que estes sejam; suprir deficiências, obscuridades e contradições da matéria de facto provada, caso disponha de elementos para o efeito, nos termos do art.662º/2-c) do CPC.
C. Juízo de utilidade de apreciação da matéria:
A seleção de factos sujeitos a prova está submetida ao critério da relevância dos mesmos para apreciar a questão a decidir, de acordo com as soluções plausíveis das questões de direito. A conexão entre os factos a considerar e a decisão a proferir (sendo a impugnação dos mesmos instrumental a esta decisão a proferir) e o princípio da utilidade dos atos processuais (art.130º do CPC) têm levado a jurisprudência a entender que não se deve apreciar a matéria impugnada ou não se deve aceitar a ampliação da matéria de facto quando a mesma seja irrelevante para a decisão do recurso, em qualquer uma das soluções plausíveis das questões de direito a decidir.
A este propósito, Tomé Soares Gomes refere:
«Mas o tribunal só deve atender aos factos que, tendo sido oportunamente alegados ou licitamente introduzidos durante a instrução, forem relevantes para a resolução do pleito, não cabendo pronunciar-se sobre factos que se mostrem inequivocamente desnecessários para tal efeito.»[xii]
E, no sentido que a jurisprudência tem vindo a adotar nesta matéria, regista-se exemplificativamente o acórdão da Relação de Guimarães de 22.10.2020, proferido no processo nº5397/18.3T8BRG.G1, relatado por Maria João Matos, defendeu também e sumariou:
«V. Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil»[xiii].

2.2.2. Apreciação da situação em análise:
2.2.2.1. Pedidos da recorrente:
A. Pedido que os factos não provados nas alíneas H, J, M, N, O, P, S, T, FF se julguem provados:
A recorrente impugnou as alíneas H, J, M, N, O, P, S, T, FF da matéria indicada na matéria de facto não provada, pedindo que a mesma se julgasse provada por ter havido erro na apreciação da prova, face aos meios de prova que indicou, cuja apreciação e análise não realizou nas alegações: os depoimentos das testemunhas NN, OO, PP, HH, em relação aos quais indicou o dia de audição e o início e fim da gravação; as declarações dos representantes da requerida, GG e FF, em relação aos quais indicou o dia de audição e o início e fim da gravação (conclusões 2ª a 12ª).
Importa apreciar se é possível admitir a apreciação da impugnação, face aos termos em que a mesma foi apresentada e aos critérios de admissibilidade referidos em III- 2.2.1. supra.
Por um lado, verifica-se que a recorrente, ao identificar os factos não provados impugnados e a decisão pretendida quanto aos mesmos, cumpriu os ónus primários previstos no art.640º/1-a) e c) do CPC.
Por outro lado, verifica-se que a recorrente, apesar de identificar os meios de prova que entendeu sustentarem a decisão pretendida (em relação aos quais indicou os trechos da gravação dos depoimentos e declarações gravadas, em satisfação do ónus secundário previsto no art.640º/2-a) do CPC), indicou a totalidade dos meios de prova, sem qualquer análise dos mesmos, para sustentar a globalidade dos pedidos de prova de todos os factos impugnados, e sem discriminar o depoimento ou a declaração (e os trechos da mesmo), com base nos quais sustentou cada uma das impugnações de factos e pedidos ou, pelo menos, cada núcleo de factos da mesma realidade.
Ora, esta matéria alegada pela requerida na sua contestação (como fundamentos de exceção ou como impugnação motivada) integra realidades diferenciadas:
_ Os factos M e N («M. Foram os membros da lista B candidata e outros compartes que, de forma tumultuosa, na própria assembleia do dia 5/11/2022, exigiram a realização imediata e nesse próprio dia do ato eleitoral. N. As eleições apenas não se realizaram no dia 05/11/2022 por o comparte GG ter apelado à calma e bom senso e acentuando aos compartes a ilegalidade da realização das eleições de imediato, pois teria de ser dada a possibilidade de que todos os restantes compartes da comunidade local, ausentes nessa assembleia de 5/11/2022, pudessem consultar em edital público as listas candidatas entregues nessa reunião, ponderarem e votarem informados das candidaturas que concorriam a eleições.»)  foram alegados pela requerida, em relação à assembleia de 05.11.2022, para justificar a convocatória da mesma data de 05.11.2022 e para sustentar o abuso de direito da atuação dos requerentes.
_ Os factos O e T («O. A aprovação da data de eleições para o dia 12/11/2022, foi da concordância dos membros da lista B, incluindo os requerentes (que inicialmente exigiam a realização do ato eleitoral imediatamente nessa reunião), o que foi aprovado por todos os compartes presentes na assembleia de 5/11/2022, dada a pressão por parte dos membros da lista B.» «T No ato eleitoral de 12/11/2022 os mandatários de ambas as listas acordaram, sem reservas de todos os presentes (mesa da assembleia e os dois mandatários das listas candidatas), que se aceitavam como eleitores, apesar do seu direito recente de compartes ainda não ter sido aprovado.») foram alegados em relação à assembleia de 12.11.2022 e para sustentar o abuso de direito da atuação dos requerentes.
__ O facto FF foi alegado pela requerida, na impugnação motivada aos factos alegados pela requerente, para sustentar o dano apreciável da entrada em funções dos órgãos eleitos, cuja eleição pediu a suspensão (FF. O conselho Diretivo eleito é composto por pessoas responsáveis e honestas.); 
__ O facto P («P. Nos atos eleitorais anteriores votaram cerca de 50 compartes.») foi alegado pela requerida, como matéria instrumental de contexto, quando sustentou que a assembleia de 12.11.2022, na qual se realizaram as eleições impugnadas, teve uma participação democrática (de 218 participantes) superior às antecedentes.
__ O facto S («... e KK possuem cartão de cidadão emitido no corrente ano de 2022 e residência na comunidade local das aldeias de ..., ... e ....») foi alegado pela requerida como impugnação da alegação dos requerentes e para justificar a qualidade de compartes dos votantes que os requerentes afirmaram não serem compartes.
__ Os factos H e J («H. No ano de 2023 é previsível que as receitas dos baldios de ... venham a ultrapassar meio milhão de euros, os quais são canalizados totalmente para a União das freguesias, sendo tais valores administrados pelo presidente da Junta de Freguesia, a seu bel prazer, e não pelos compartes, e sem lhes prestar contas, e são gastos na União das freguesias, com preponderância na freguesia ..., e não exclusivamente pelos compartes do lugar onde efetivamente são gerados. J. A união de freguesias não apresenta as respetivas contas separadas dos baldios.») foram alegados pela requerida para sustentar o perigo da suspensão da eleição da lista vencedora e da manutenção da delegação de poderes à Junta de Freguesia existente antes da eleição (no contexto da relação que imputa dos requerentes à lista B perdedora e à Junta de freguesia que tem tido a delegação de poderes).
Desta forma, a impugnação conjunta da totalidade destes factos, com base num conjunto de meios de prova, corresponde a uma motivação genérica, que não cumpre o ónus primário do art.640º/1-b) do CPC.
Pelo exposto, rejeita-se a apreciação da impugnação à matéria não provada impugnada, nos termos do art.640º/1-b) do CPC.

B. Pedido que se complete a redação dos factos provados em 18, 20, 23, 29, de forma a que, à redação existente se aditasse a seguinte (conclusões 13ª a 14ª):
A recorrente impugnou os factos provados em 18, 20, 23 e 29 da decisão recorrida, na qual:
a) Pediu que se aditasse:
a1) «o que foi feito com a concordância dos compartes presentes, depois de serenados os ânimos por os compartes terem exigido eleições logo nesse dia 5 de Novembro de 2022.» ao facto provado em 18 («18. Na referida Assembleia de dia 5 de Novembro de 2022, a Sr.ª Presidente da Assembleia informou os presentes que as eleições seriam convocadas para o dia 12 de Novembro de 2022 entre as 15 horas e as 17 horas»).
a2) «sendo que o mesmo não tem assistido às outras assembleias de compartes e não participa ativamente nos assuntos dos compartes.» ao facto provado em 20 («20. O Requerente AA não teve conhecimento da data de realização das eleições e não exerceu o seu direito de voto no dia 12/11/2022»).
a3) «mas tem terrenos e interesses nessa comunidade, usufruindo dos baldios.» ao facto provado em 23 («23. HH, residente na Rua ..., ..., ... ..., faz parte da lista A, não reside na área da abrangência da comunidade local dos baldios de ... e não consta do caderno de recenseamento dos compartes aprovado e com referência à data de 31/12/2021»).
a4) «apenas e só se a assembleia de compartes o deliberar por maioria qualificada de dois terços dos compartes reunidos validamente em assembleia. art.º24.º, n.º1, al. n) e n.º2 da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto.» ao facto provado em 29 («29. A deliberação ocorrida a 12/11/2022 permite aos elementos da Lista A eleitos praticar atos de gestão dos baldios de ..., inclusive o de avocar os poderes de gestão até então delegados na Junta de Freguesia»).
b) Fundamentou estes pedidos, remetendo para os meios de prova indicados na impugnação dos factos não provados, apreciada liminarmente em III- 2.2.2.1.- A supra.
Importa apreciar se a impugnação pode ser apreciada.
Por um lado, verifica-se que a matéria que a recorrente pretende aditar ao facto 29 é matéria inteiramente de direito e conclusiva, não sendo matéria de facto que possa ser sujeita a prova e aditada.
Por um lado, em relação aos factos 18, 20 e 23, verifica-se que a recorrente:
a) Cumpriu os ónus primários previstos no art.640º/1-a) e c) do CPC, ao identificar os factos provados impugnados e a decisão pretendida quanto aos mesmos.
b) Não cumpriu o ónus primário do art.640º/1-b) do CPC, como se referiu em 2.2.2.1.- A supra, tendo em conta que, apesar de identificar os meios de prova que entendeu sustentarem a decisão pretendida por remissão para a impugnação anterior (em relação aos quais indicou os trechos da gravação dos depoimentos e declarações gravadas, em satisfação do ónus secundário previsto no art.640º/2-a) do CPC), fê-lo de forma genérica, sem discriminar o depoimento ou a declaração (e os trechos da mesmo), com base nos quais sustentou cada uma das impugnações e pedidos de aditamento, respeitantes a realidades fáticas diferentes: o facto 18 respeita a ocorrências da assembleia de compartes de 05.11.2022; o aditamento pedido quanto ao facto 20 respeita a assembleias de compartes anteriores a 05.11.2022; o aditamento ao facto 23 respeita à situação de HH em relação ao baldio).
Pelo exposto, rejeita-se a apreciação da impugnação à matéria de facto.

2.2.2.2. Apreciação oficiosa:
A matéria de facto provada na sentença, apesar de padecer de irregularidades (falta de ordem cronológica, integração de matéria conclusiva, integração de matéria instrumental ou de impugnação motivada), será apenas regularizada oficiosamente, dentro dos poderes desta Relação, em relação a pontos concretos sobre os quais incidirá a apreciação jurídica.
A. Eliminação de matéria de direito (objeto da impugnação supra):
No facto 29, objeto da impugnação de III- 2.2.2.1. supra, o Tribunal a quo julgou provado: «29. A deliberação ocorrida a 12/11/2022 permite aos elementos da Lista A eleitos praticar atos de gestão dos baldios de ..., inclusive o de avocar os poderes de gestão até então delegados na Junta de Freguesia».
Ora, esta matéria respeitante a poderes dos órgãos, corresponde a matéria conclusiva e de direito, que não deve estar integrada na matéria de facto.
Pelo exposto, determina-se a eliminação do ponto 29 dos factos provados.
B. Sanação de deficiências e obscuridades:
B1. No facto 9 o Tribunal a quo julgou provada a existência nos autos do documento nº... junto na petição inicial sob o documento nº..., de afixação do edital, transcrevendo em relação ao mesmo apenas o que no mesmo consta quanto à data e hora das eleições.
Todavia, para além de interessar apenas o facto e não o meio de prova com base o mesmo se julga provado, interessa conhecer a totalidade da convocatória, a apreciar em 2.3. infra.
Assim, deve reformular-se o facto e aditar-se-á o título e o corpo do texto constante do documento (não contestado entre as partes), que enquadram a convocação.
Pelo exposto, reformula-se a adita-se o facto 9, para os seguintes termos:
«9. No dia 5 de Novembro de 2022 foi afixado um edital assinado pela Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes, constante do documento nº... da petição inicial, com o seguinte conteúdo:
“ASSEMBLEIA DE COMPRATES DOS BALDIOS DE ...
EDITAL
ATO ELEITORAL PARA OS ÓRGÃOS DOS BALDIOS DE ...
De acordo com a deliberação da Mesa da Assembleia de Compartes dos Baldios de ..., na reunião extraordinária realizada em 05 de Novembro de 2022, informa-se todos os compartes que o Ato Eleitoral para os Órgãos da Assembleia de Compartes dos Baldios de ... irá realizar-se nas seguintes condições:
Data das Eleições: 12 de Novembro de 2022.
Local das Eleições: Antiga Escola Primária de ...
Horário de Funcionamento: Início às 15:00 h- Fim às 17:00 h
Notas: (…)”».
B2. No facto 21 o Tribunal a quo declarou «No seguimento da convocatória referida em 9, no dia 12/11/2022 teve lugar a eleição dos membros para os vários órgãos da Ré, tendo a lista A saído vencedora», facto que julgou provado com base no Edital junto como documento nº...4.
Este facto provado em 21 indica um resultado conclusivo, que corresponde a uma obscuridade que deve ser suprida nos termos do art.662º/2-c) do CPC, com base no documento nº...4 já referido pelo Tribunal a quo na sua motivação, que documenta números que não foram contestados entre as partes neste procedimento (que houve 218 votantes, tendo a Lista A obtido 111 votos, a Lista B 101 votos, tendo havido 4 votos nulos e 2 votos em branco).
Pelo exposto, determina-se a alteração da redação do facto provado em 21 para os seguintes termos:
«21. No seguimento da convocatória referida em 9, no dia 12/11/2022 teve lugar a eleição dos membros para os vários órgãos da Ré, tendo a lista A saído vencedora com 111 votos, contra 101 votos da Lista B, numa assembleia de 218 participantes em que 4 votos foram nulos e 2 em branco».
B3. No facto provado em 40 referiu-se «No dia 13/11/2022, tendo em conta o resultado das eleições, teve lugar a tomada de posse dos membros eleitos», que pelo facto 21 se sabe que integram a lista A, lista A cuja composição (pelo menos quanto aos órgãos de candidatura) não foi descrita nos factos prévios.
Não sendo contestado entre as partes que a 12.11.2022 foram eleitos membros da mesa da assembleia de compartes, do conselho diretivo e da comissão de fiscalização, documentados nomeadamente na lista junta como documento ...1 pelos requerentes e na ata de tomada de posse, junta na oposição da requerida sob o documento ...6, aditar-se-á esta clarificação.
Pelo exposto, determina-se que o facto 40 passe a ter a seguinte redação:
«No dia 13/11/2022, tendo em conta o resultado das eleições referidas em 21, teve lugar a tomada de posse de membros eleitos para a mesa da assembleia de compartes, para o conselho diretivo (entre os quais o HH referido em 23) e para a comissão de fiscalização».

2.3. Arguição de erro de direito da decisão:
O recorrente contestou no seu recurso a decisão de decretamento da providência (considerando inexistentes os requisitos para o decretamento da providência e a existentes fatores impeditivos para o mesmo) e a decisão de inversão de contencioso.
Todavia, o recorrente, para além de estar sujeito ao ónus geral de formular alegações e conclusões (integrando estas o objeto do recurso), como se referiu em III- 2.2.2.1.-A supra, se pretender recorrer de direito, está sujeito, ainda, ao seguinte ónus qualificado nas suas conclusões: «2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.» (art.639º/2 do CPC).
A falta de suprimento de vícios previstos por lei implica a rejeição do recurso- «3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.» (art.639º/3 do C. P. Civil).
Importa apreciar, em relação a cada uma das decisões contestadas, se foram suscitadas questões a jurídicas apreciar e, em caso afirmativo, qual o mérito das mesmas.

2.3.1. Erro da apreciação dos requisitos de que depende o decretamento da providência- ao fumus bonis iuris (conclusão 25ª) e periculum in mora/dano apreciável (conclusões 17º e 18ª):
2.3.1.1. Quanto aos vícios da deliberação/eleições de 12.11.2022:
2.3.1.1.1. A decisão recorrida, conforme se referiu em III-1.2.1. supra, julgou verosímil o direito invocado pelos requerentes, por a deliberação/eleições de 12.11.2022 ter sido contrária à lei nos seguintes termos:
a) A convocatória de 05.11.2022, que fixou a data do ato eleitoral a 12.11.2022: não respeitou o prazo de 15 dias do art.26º/5 da Lei dos Baldios, nem apresentou as menções do art.26º/5-c) e d) da Lei dos Badios; não respeitou ainda, mesmo que se pudesse ter aplicado o regulamento eleitoral (que considerou não aprovado e não aplicável), o prazo de 8 dias para apresentação de candidaturas antes das eleições, nos termos previstos no Capitulo II.
b) HH, eleito para o Conselho Diretivo pela lista A, não estava inscrito no caderno de recenseamento de 2021 (apesar de estar no caderno de 2019), em violação dos arts.7º/10, 28º e 32º da Lei dos Baldios. 
c) Foram aceites nas eleições votos de 5 pessoas que não eram membros da assembleia de compartes e não estavam recenseados, em violação dos arts.7º/10, 28º e 32º da Lei dos Baldios.

2.3.1.1.2. Importa apreciar se o recurso discute estes fundamentos da decisão.
A. Conclusão 25ª do recurso:
A recorrente defendeu que não existe fumus bonis iuris reconhecido na decisão, por entender que se ocorreram eleições livres, informadas, fiscalizadas, com a máxima participação de que há registo, tendo a lista A sido eleita pela maioria dos compartes e tendo a lista B tudo aceitado e reconhecido os resultados.
Ora, esta conclusão do recurso (vaga e conclusiva), não discutiu concretamente, nos termos do ónus que lhe cabia nos nº1 e 2 do art.639º do CPC, os fundamentos da decisão recorrida que considerara a deliberação/eleições de 12.11.2022 inválida por irregularidade da convocatória, por integração na lista A de pessoa que não era comparte e por votação de 5 pessoas que não eram compartes, nos termos sintetizados em III-1.2. supra, para que se remete.
Desta forma, não foi apresentada a este Tribunal ad quem objeto concreto de apreciação.
Por sua vez, não foi alterada matéria de facto por rejeição da impugnação à matéria de facto, que determinasse a reapreciação da decisão.
B. Conclusão 25ª, interpretada pelo ponto IV das alegações prévias:
Admitindo que a conclusão 25º se refere ao ponto IV das alegações prévias, onde foi defendido que não existem os vícios da deliberação, verifica-se que, mesmo assim, a recorrente: realizou afirmações sem fundamentos fáticos e jurídicos que permitam reapreciar em concreto os fundamentos da decisão recorrida; invocou fundamentos que não permitem reconhecer a existência de erro na decisão de invalidade (ainda que com fundamentos parcialmente distintos).
Apreciar-se-á, assim, cada um dos fundamentos em relação à decisão referida em III-1.2. supra e III- 2.3.1.1.1., pela ordem dos mesmos
B1. Quanto à decisão de invalidade da deliberação/eleição por irregularidade da convocatória face às exigências do art.26º/5-c) e d) da Lei dos Baldios:
A recorrente, para contestar esta decisão, afirmou apenas que a convocatória de 05.11.2022 foi legal e respeitou o prazo de 15 dias, uma vez: que a assembleia de 05.11.2022 ocorreu após a frustração da assembleia de 29.10.2022 por falta de quórum; que a assembleia realizou-se na sequência da convocação de 17.10.2022 e esclarecimento de 28.10.2022, tendo sido tudo de conhecimento geral e prévio.
Ora, examinando esta alegação face à decisão recorrida, em confronto com os factos provados e o regime legal (Lei nº75/2017, de 17.08., que aprovou o regime jurídico dos baldios e demais meios de produção comunitários; Código Civil), verifica-se que este fundamento não procede para julgar que a decisão recorrida incorreu em erro de direito.
Por um lado, apreciando o regime jurídico aplicável, verifica-se:
Os órgãos das comunidades locais previstos no art.17º/1 da Lei nº75/2017 («assembleia de compartes», «conselho diretivo» e «comissão de fiscalização») devem ser eleitos: pela assembleia de compartes convocada para esse efeito; ou por outro método previamente aprovado em assembleia de compartes, sob a forma de regulamento, nos termos do nº2 do art.32º da Lei 75/2017, referente à « Eleição dos órgãos das comunidades locais»  («2 - A eleição pode decorrer em assembleia de compartes convocada para o efeito, ou por outro método previamente aprovado sob forma de regulamento em assembleia de compartes.»).
As reuniões das assembleias de compartes, nomeadamente para os referidos fins eleitorais, podem ser convocadas: pelo presidente da mesa «por decisão da mesa da assembleia de compartes, ou a solicitação escrita, dirigida ao presidente da mesa: a) Do conselho diretivo; b) Da comissão de fiscalização; c) Do mínimo de 5% dos respetivos compartes.», nos termos do art.26º/3 da Lei nº75/2017; pelos próprios solicitantes indicados nas als. a), b) e c) do nº3 do art.26º da referida Lei nº75/2017, «Se a assembleia de compartes não for convocada no prazo de 15 dias a contar da receção do previsto nas alíneas do número anterior, com a ordem de trabalhos proposta».
Estas convocações da assembleia de compartes devem ser feitas e publicadas através de aviso convocatório «tornado público com a antecedência mínima de 15 dias», nos termos do art.26º/1 e 5 da Lei nº75/2017, e com as menções previstas nas als. a) a d) do mesmo número da norma (aqui não discutidas no recurso).
A assembleia de compartes assim convocada realiza-se: na data, na hora e no local agendados, desde que haja «presença de mais de metade dos compartes» (art.27º/1 da Lei nº75/2017); na mesma data mas 30 minutos após a hora agendada, caso não tenha havido quórum inicial, tenham decorridos os referidos 30 minutos e estejam presentes «a) 30 % dos respetivos compartes ou o mínimo de 100, quando se tratar de deliberações que devam ser tomadas por maioria qualificada de dois terços dos compartes presentes, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 38.º; b) 10 % dos respetivos compartes ou o mínimo de 50, nos restantes casos.» (art.27º/1 da Lei nº75/2017); numa nova data de reunião, a convocar de imediato «o presidente da mesa», «para um dos 5 a 14 dias seguintes, a qual funciona com qualquer número de compartes presentes, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 38.º», «Caso não se verifique o quórum de funcionamento previsto no número anterior» (art.27º/3 da Lei nº75/2017).
São anuláveis, nos termos do regime geral do art.177º do CC relativo às associações, «As deliberações da assembleia contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objeto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia (…)».
Este regime civil geral tem sido aplicado pela jurisprudência às reuniões das assembleias de compartes, em face da falta de norma específica da Lei nº75/2017, de 17.08., que aprovou o regime jurídico dos baldios e demais meios de produção comunitários (vide, neste sentido, Ac. RP de 24.01.2019, proferido no processo 188/17.1T8ALB.P1, relatado por Aristides Rodrigues de Almeida; Ac RG de 22.02.2018, proferido no processo nº 663/13.7TBAMR.G1, relatado, Fernando Fernandes Freitas, disponíveis in dgsi.pt).
De acordo com este regime, prevê-se, assim, a anulação de uma deliberação em caso de irregularidade na convocatória da assembleia.
Por outro lado, examinando os factos provados e não provados, no contexto da configuração dada pelos requerentes ao procedimento e à configuração da defesa, verifica-se:
a) A assembleia de compartes de 05.11.2022:
a1) Foi convocada pela presidente da mesa da assembleia de compartes dos baldios (como segunda data para a realização da assembleia em caso de falta de quórum da primeira data de 29.10.2022) apenas com a finalidade de convocar eleições e não com a finalidade de realizar eleições, tendo em conta que: a convocatória de 17.10.2022 indicou apenas a ordem de trabalhos «Convocatória de eleições para os novos órgãos dos baldios de ...»; a convocatória complementar de 28.10.2022 indicou finalidades complementares do mesmo âmbito da anterior- «a) Será definida a data limite para a entrega das listas para posterior analise, decisão sobre a aceitação/rejeição das candidatura e posterior divulgação pública a afixar nos locais usuais. b) Será definida a data das eleições dos novos órgãos dos baldios de .... c) Será definida a comissão eleitoral, para acompanhamento do acto eleitoral.» (factos provados em 5, 6 e 7 da sentença, transcritos em III-1.1. supra).
a2) Realizou-se, após frustração da primeira data, em relação à qual se provou apenas: que a Presidente da mesa da assembleia de compartes apresentou um regulamento eleitoral (sem o submeter a deliberação e que também não tinha sido previamente aprovado), informou os compartes que as eleições se realizariam a 12.11.2022 e solicitou aos interessados a apresentação de listas para afixar nos locais de publicidade; que os interessados apresentaram as listas A e B, sendo que a lista B ainda estava em preparação e não estava terminada; que a Presidente, após isto, encerrou a assembleia (factos provados de 10 a 19 da sentença, transcritos em III-1.1. supra).
b) O ato eleitoral de 12.11.2022:
b1) Foi convocado pela Presidente da mesa da assembleia de compartes por edital de 05.11.2022, acompanhado do regulamento e das listas A e B, no qual constava apenas, após a epígrafe «ATO ELEITORAL PARA OS ÓRGÃOS DOS BALDIOS DE ...», a deliberação da mesa da assembleia «De acordo com a deliberação da Mesa da Assembleia de Compartes dos Baldios de ..., na reunião extraordinária realizada em 05 de Novembro de 2022, informa-se todos os compartes que o Ato Eleitoral para os Órgãos da Assembleia de Compartes dos Baldios de ... irá realizar-se nas seguintes condições :Data das Eleições: 12 de Novembro de 2022. Local das Eleições: Antiga Escola Primária de ... Horário de Funcionamento: Início às 15:00 h- Fim às 17:00 h» (facto provado em 9 da sentença transcrita em III-1.1. supra, nos termos em que o mesmo foi reformulado por esta Relação em III-2.2.2.2.-A supra).
b2) Realizou-se e ganhou a lista A (facto provado em 21 da sentença transcrita em III-1.1. supra, nos termos em que o mesmo foi reformulado por esta Relação em III-2.2.2.2.-B supra).
Perante esta matéria de facto, lida de acordo com o regime legal aplicável, verifica-se que não assiste razão à recorrente para defender que o ato eleitoral de 12.11.2022 foi convocado com 15 dias de antecedência, face às convocatórias de 13 e 28.10.2022.
De facto, as convocatórias de 13 e de 28 de outubro: convocaram apenas os compartes para uma assembleia de compartes para fins pré-eleitorais (para convocação de eleições, face à finalidade indicada a 13.10.2022, e para procedimentos prévios às eleições, face à finalidade acrescida complementarmente a 28.10.2022); não convocaram os compartes para a realização de uma assembleia na qual se procedesse a eleições, convocatória esta apenas realizada a 05.11.2022.
Ora, esta convocatória de 05.11.2022 para a realização de um ato eleitoral a 12.11.2022: foi feita pela presidente da mesa da assembleia de compartes, com a informação que decorreu de deliberação da mesa da referida assembleia de compartes, conforme prevê o citado nº3 do art.26º da Lei nº75/2017 (e não foi feita como tendo decorrido de deliberação da própria assembleia de compartes que, aliás, a requerida, apesar de ter alegado, não provou ter existido, após ter sido invocada a falsidade da ata nº...8 e o teor da mesma não ter sido julgado provado), deliberação esta da mesa que fica sujeita à obrigação legal de convocar a assembleia de compartes com 15 dias de antecedência, nos termos do nº5 do art.26º da Lei nº75/2017; foi feita, como se constata, apenas com 7 dias de antecedência da realização do ato eleitoral.
Desta forma, se se aceitar a interpretação que a convocatória para o ato eleitoral correspondeu implicitamente a uma convocação de assembleia de compartes e que o ato eleitoral ocorreu numa assembleia de compartes, como entendeu tacitamente o Tribunal a quo e as partes, não foi observado o prazo de 15 dias de antecedência da convocatória, previsto no nº5 do art.26º da Lei nº75/2017.
Se se atender aos expressos termos como foi feita a convocação de 05.11.2022 e denominado o ato de 12.11.2022- convocação para ato eleitoral e realização de ato eleitoral- veríamos ainda que esta convocação e este ato eleitoral de 12.11.2022 seriam ilegais em si próprios, tendo em conta: que as eleições para os órgãos dos baldios apenas podem ser feitas em assembleia de compartes, se não existir outro método previsto em regulamento aprovado em assembleia de compartes, nos termos referidos do art.32º da Lei nº75/2017; que a requerida convocou apenas um ato eleitoral (e não uma assembleia de compartes para realizar o ato eleitoral), sem ter logrado provar que a assembleia de compartes aprovou um regulamento que previsse a possibilidade de realizar o referido ato eleitoral em diligência distinta da assembleia de compartes (vide, neste sentido, Ac. RP de 24.01.2019, proferido no processo 188/17.1T8ALB.P1, relatado por Aristides Rodrigues de Almeida).
Desta forma, improcede o recurso com este fundamento.
B2. Quanto à decisão de invalidade da deliberação/eleição pela irregularidade da lista A por integrar um candidato não comparte, face às exigências legais dos arts.7º/10, 28º e 32º da Lei dos Baldios:
A recorrente declarou tão só que a lista A estava em conformidade com a lei, em relação aos compartes, sem discutir e justificar esta afirmação nos factos provados e/ou no direito aplicável que infirmasse o direito aplicado.
Por sua vez, não se proferiu qualquer decisão de alteração da matéria de facto (em particular, do facto 23 da sentença recorrida transcrita em III-1.1., que afirma que HH, apesar de estar recenseado em 2019, não constava da lista de recenseamento de 2021), uma vez que se rejeitou a apreciação da impugnação da matéria de facto.
Desta forma, fica prejudicada a apreciação do recurso nesta matéria.

B3. Quanto à decisão de invalidade da deliberação/eleição por irregularidade da votação por terem votado 5 não compartes, face às exigências legais dos arts.7º/10, 28º e 32º da Lei dos Baldios:
A recorrente, no seu recurso, afirmou somente que foi respeitado o caderno de recenseamento dos compartes, por as pessoas assinaladas serem compartes, terem residência e/ou prédios no lugar e utilizarem baldios.
Todavia, esta afirmação contrasta: com a matéria de facto provada no facto 26, contrária à sua afirmação (que refere expressamente que as 5 pessoas votantes aí indicadas «não eram membros da Assembleia de Compartes, nem estavam inscritos no respetivo caderno de recenseamento», que no facto 23 se refere ter sido o de 31.12.2021), facto este que a recorrente não impugnou e que resultou definitivamente assente (independentemente da relevância desta matéria de facto provada para invalidar a deliberação, uma vez que, mesmo eliminando os 5 votantes não recenseados e não atendendo aos mesmos 5 votos no resultado da lista A, a lista A teria obtido a maioria); com a falta de discussão das normas aplicadas, em particular o art.7º/10 e 32º/1 da Lei nº75/2017, que preveem expressamente que os compartes de cada comunidade local «devem constar de caderno de recenseamento, aprovado e tornado público pela assembleia de compartes, nos termos da presente lei» (sendo que a atualização dos compartes deve ser feita pela assembleia até 31 de dezembro de cada ano, nos termos do art.24º/1-c) da Lei nº75/2017) e que os « órgãos das comunidades locais são eleitos pelo sistema de lista fechada pelos compartes constantes no caderno de recenseamento».
Desta forma, improcede este fundamento de recurso.

2.3.1.2. Quanto ao periculum in mora - dano apreciável:
2.3.1.2.1. A decisão recorrida, conforme se referiu em III-1.2.1. supra, considerou que a execução da deliberação/eleições desencadearia um dano apreciável, face aos factos provados que elenca (de 12.11, de 14.11., de 15.11.2022), à irrazoabilidade de exigir danos concretos causados pela eleição (tendo em conta a instauração do procedimento no prazo de 10 dias e a suspensão imediata provisória do art.381º/3 do CPC já proferida) e a própria tomada de posse de órgãos ilegalmente eleitos corresponder a um dano.

2.3.1.2.2. A recorrente, defendeu nas suas conclusões de recurso 17º e 18º: que os prejuízos que pudessem decorrer da execução da deliberação deveriam ter sido alegados e provados de forma segura e não se podem presumir (conforme, nas alegações, refere ser a posição do Ac. STJ de 05.12.2000, in CJSTJ, III, pág.154, do Ac. RL de 10.01. 2004; do Ac. RC de 02.04.2019); que não foi alegada nem feita prova bastante do pressuposto, tendo resultado, pelo contrário, que não existe dano apreciável justificativo da suspensão, tendo em conta as declarações e os depoimentos de parte e das testemunhas, a lógica e a experiência (esclarecidos, no ponto I das alegações prévias, em relação à responsabilidade dos membros eleitos, ao facto do dinheiro e contas estarem entregues à Junta de Freguesia, os únicos atos praticados pelos novos órgãos terem sido das três ordens indicadas).
A recorrente, nas suas alegações, em referência a esta matéria, defendeu, ainda, não haver perigo de danos por quaisquer decisões/vinculações contratuais/atos de disposição do órgão executivo (conselho diretivo) carecerem da aprovação da assembleia de compartes e estarem sujeitos à prestação de contas.
Importa apreciar.
Constitui segundo requisito para o decretamento da providência de suspensão de deliberações sociais a demonstração que a execução da deliberação, cuja suspensão foi pedida, pode causar dano apreciável, nos termos do art.380º/1 do CPC.
Por um lado, na densificação geral deste requisito, a Doutrina e a Jurisprudência têm sublinhado:
a) Que a previsão da norma, quando refere o “dano apreciável”: refere-se a um dano, que não se confunde com a ilegalidade da deliberação[xiv]; contempla um dano que se repercuta na sociedade ou no sócio e que pode ser patrimonial e/ou não patrimonial; reporta-se a um dano significativo e de importância relevante, que o afasta dos danos irrisórios ou insignificantes, mas que não atinge a exigência qualificada de gravidade e de difícil recuperabilidade das providências cautelares comuns[xv]
b) Que para um preenchimento do requisito: a questão de facto (que permita compreender a dimensão ou a ordem de grandeza do dano) distingue-se da questão de direito (de “qualificar se o dano provado pelas instâncias” é “apreciável”); devem ser alegados e provados factos relevantes passíveis de integrar o requisito no que se refere à questão de facto, nos termos dos arts.5º/1 do CPC e 342º/1 do CC, prova esta que deve ser mais forte do que aquela sumária exigida para a ilegalidade da deliberação[xvi];
Por outro lado, este quadro de entendimento não prejudica que se pondere, a partir da qualidade concreta da deliberação e dos efeitos jurídico-práticos que a mesma é capaz de produzir, face à lei ou a causas naturalísticas, se a execução da deliberação é apta a causar prejuízos para a associação ou sociedade (neste caso para a comunidade local do baldio), para os seus compartes ou terceiros (arts.349º e 351º do CC; art.412º/1 do CPC). O Ac. RE de 14.01.2021, proferido no processo nº2479/20.5T8STR-A.E1, relatado por Canela Brás, em relação a prejuízos decorrentes de efeitos legais, sumariou—se «A alegação, pelo requerente da providência de suspensão de deliberação social, das consequências previstas na lei para o caso de incumprimento dos deveres societários de aprovar, atempadamente, as contas anuais, de dar destino aos resultados do exercício e de eleger os seus corpos gerentes periodicamente - e que justamente se pretendem evitar com a providência requerida - já consubstancia a invocação do prejuízo apreciável exigido para o decretamento da providência.»
Ora, revertendo à situação em análise, podemos realizar duas ponderações:
Por um lado, face aos factos provados, verifica-se:
a) Que a lista A, vencedora no ato de 12.11.2022, após tomar posse a 13.11.2022 (factos provados 21 e 40), realizou imediatamente diversos atos de início de funções:
a1) O Presidente da mesa da assembleia:
* Comunicou a tomada de posse à REN- Redes Energéticas e à ICNF- Instituto de Conservação da Natureza, a 15.11.2022 (factos provados em 31 e 32).
* Pediu a realização de reuniões: ao Presidente da Junta de Freguesia («para fornecer elementos a anterior gestão, desde 2013 até 13.11.2022, bem como os números de conta bancária, respetivos saldos e o valor da constituição de reservas para o fundo de valorização»),a 14.11.2022, num contexto, no qual, desde 1978 a gestão das receitas dos baldios e a respetiva conta bancária encontravam-se entregues à Junta de Freguesia e ao seu Presidente (sem que alguma vez a Junta de Freguesia tivesse aberto uma conta em nome da Comunidade Local de Baldios por utilizar a conta pública da União de Freguesias) e do programa eleitoral da lista A anunciou pretender «devolver a gestão das receitas obtidas pelos baldios aos habitantes (…) em prol da valorização económica e benefício exclusivo destas comunidades locais, conforme a lei» (factos provados em 22, 31, 35, 42, 44 e 46); ao ICNF («para esclarecimento de processo em curso, deveres e responsabilidades mútuas e informações eventualmente necessárias») a 15.11.2022 (facto provado em 33).
a2) Procedeu à formalização do Número de Identificação de Pessoa Coletiva da Comunidade Local do Baldio de ... (facto provado 45).
b) Que a Comunidade Local dos Baldios de ... tem pendentes vários atos de gestão dos imóveis dos baldios, em 2022/2023, nomeadamente: com a REN, quanto à Subestação de ... e à indemnização a receber pela mesma e pelas servidões de várias linhas de alta tensão (factos provados em 32 em relação a 31, e 43); com a ICNF, face ao pagamento por esta devido de leilão de material lenhoso e recolha/venda de ... (facto provado em 43).
Por outro lado, os três órgãos («assembleia de compartes», «conselho diretivo» e «comissão de fiscalização»), através dos quais os compartes de baldios se organizam para o exercício dos atos de representação, disposição, gestão e fiscalização relativos aos correspondentes imóveis (art.17º/1 da Lei nº75/2017), implicam a eleição de membros para a mesa da assembleia e para os demais dois órgãos (art.17º/2 da Lei nº75/2017), aos quais cabe competências para a prática de inúmeros atos:
a) A mesa da assembleia tem competência para representar a assembleia de compartes e para decidir convocá-la (arts.22º/3 e 26º/3 da Lei nº75/2017), assembleia de compartes esta que, por sua vez, é competente para praticar os atos previstos no art.24º da Lei nº75/2017.
b) O conselho diretivo tem competência para a prática de atos elencados no art.29º/1 da Lei nº75/2017, nos quais se integram: a apresentação de propostas a apresentar à assembleia de compartes («b) Elaborar a proposta da relação de compartes e a sua atualização anual a submeter à assembleia de compartes para que possa deliberar sobre ela até 31 de dezembro de cada ano; c) Propor à assembleia de compartes os instrumentos de regulamentação e disciplina do exercício pelos compartes do uso e fruição dos imóveis comunitários, nomeadamente dos baldios, e respetivas alterações; d) Propor à assembleia de compartes os planos de utilização dos recursos de imóvel comunitário e respetivas atualizações; (…) f) Propor à assembleia de compartes ou emitir parecer sobre propostas de alienação ou cessão de exploração de direitos sobre baldios, nos termos da presente lei; g) Propor à assembleia de compartes ou emitir parecer sobre propostas de delegação de poderes de administração, nos termos da presente lei; (…) o) Propor ao presidente da mesa da assembleia de compartes a sua convocação.»); a elaboração anual do «plano anual de atividades, o relatório de atividades e as contas de cada exercício, bem como a proposta de aplicação das receitas» e a sua submissão em tempo para a aprovação da assembleia de compartes (al. e) do nº1 do art.29º e nº2 do art.13º da Lei nº75/2017); a prática de diversos atos de representação, de administração do baldio, que implicam relações, nomeadamente contratuais, com terceiros («h) Em caso de urgência, recorrer a juízo e constituir mandatário para defesa de direitos ou interesses legítimos da comunidade relativos ao correspondente baldio ou baldios e submeter estes atos a ratificação da assembleia de compartes; i) Representar o universo dos compartes nas relações com entidades públicas e privadas, sem prejuízo dos poderes da mesa da assembleia de compartes; j) Exercer em geral todos os atos de administração do baldio ou baldios por compartes, incluindo em associação com o Estado, no respeito da lei, dos usos e costumes e dos regulamentos aplicáveis; (…) m) Promover a inscrição dos imóveis comunitários na matriz e a sua atualização; n) Exercer as demais competências decorrentes da lei, usos, costumes, regulamentos ou contratos;»); a obrigação de prática de atos para zelar por regras, planos e valores («k) Zelar pelo cumprimento dos regulamentos e dos planos de utilização dos recursos do baldio; l) Zelar pela defesa dos valores ecológicos e pelo cumprimento das regras legais e regulamentares relativas à proteção da floresta no espaço do baldio;»).
c) A comissão de fiscalização dispõe de competências de fiscalização (art.31º da Lei nº75/2017), atendendo, nomeadamente às regras de gestão e de aplicação de receitas dos baldios (arts.13º e 14º da Lei nº75/2017), com repercussão interna e externa:  «a) Tomar conhecimento da contabilidade dos atos de gestão do imóvel ou imóveis comunitários;  b) Dar parecer anual sobre as contas e sobre a atividade da administração e verificar a regularidade dos documentos que a estas são anexados; c) Fiscalizar o cumprimento dos planos de utilização dos imóveis comunitários, nomeadamente do plano de utilização do baldio, da atempada e regular cobrança das receitas, da sua boa aplicação e da adequada justificação das despesas;  d) Comunicar às entidades competentes e aos órgãos das comunidades locais as ocorrências de violação da lei, as irregularidades de atos de gestão e o incumprimento de contratos de que tenham conhecimento;  e) Zelar pelo respeito das regras de proteção da floresta e do ambiente.».
Apreciando os concretos factos provados, em conjugação com as competências que cabem à mesa da assembleia de compartes, ao conselho diretivo e à comissão de fiscalização, verifica-se: que a execução do resultado das eleições, implica que os órgãos eleitos, conforme as suas competências, procedam à necessária transição de uma representação e gestão autárquica dos baldios (por terem estado delegados na junta de Freguesia desde 1978) para uma representação e gestão pelos órgãos próprios previstos na lei, tal como procedam à gestão e à fiscalização dos negócios pendentes, nomeadamente com a REN e a ICNF (com quadro de relevo patrimonial provado relevante); que a prática da magnitude deste processo e negócios, que implicam não apenas relações internas entre os órgãos entre si mas relações com terceiros, a exercer através de poderes de representação da assembleia de compartes pela mesa, de poderes próprios de administração e de prática de outros atos externos pelo conselho diretivo (nem todos decorrentes de aprovação prévia em assembleia de compartes) e de poderes de fiscalização pela comissão de fiscalização, pode sofrer um dano relevante e causar danos relevantes a terceiros, no caso de anulação ou de confirmação da invalidade procedimental das eleições na ação definitiva, passível de invalidar as atuações de representação ou de exercício próprio de poderes realizadas, face aos efeitos retroativos da anulação, nos termos do art.289º/1 do CC.
Este dano, notoriamente passível de ocorrer face aos factos provados (do processo de transição e dos negócios pendentes), à qualidade das competências dos órgãos e aos efeitos da anulação, é relevante e é independente da honestidade, da honorabilidade localmente reconhecida dos membros eleitos da lista A e da competência da sua atuação (passível de ser expressa liminarmente pelas diligências imediatas realizadas, normais e legítimas na sequência da sua tomada de posse e antes da invocação em juízo da invalidade procedimental ocorrida).
Desta forma, não procede a apelação do erro da decisão recorrida quanto à verificação deste requisito de dano apreciável.

2.3.2. Quanto às exceções impeditivas do nº2 do art.381º do CC (conclusões 19ª e 20ª) e do abuso de direito do art.334º do CC (conclusões 21º a 24º):
2.3.2.1. Exceção do art.381º/2 do CPC:
2.3.2.1.1. A decisão recorrida, conforme se referiu em III-1.2. supra, considerou não se verificarem exceções impeditivas ao decretamento da providência, cuja prova competia à requerida, tendo em conta que, para além de terem apenas decorrido apenas 3 meses depois das eleições, não foram alegados e provados factos que demonstrassem que a suspensão causaria prejuízo superior ao da execução, nos termos e para os efeitos do nº2 do art.381º do CPC.
2.3.2.1.2. Nas conclusões 19º e 20º, a recorrente defendeu que a deliberação não deveria ser suspensa, tendo em conta que o dano causado pela suspensão é superior ao da execução, face ao que alegara nos arts.122º e 123º da contestação, que deveriam ter sido ponderados pelo Tribunal a quo e ter determinado a improcedência da providência (sendo que a paralisação da vontade democrática de 111 compartes num universo de 218 deixaria o destino dos baldios entregue a quem o povo afastou de forma inequívoca).
Nestes artigos 122º e 123º da oposição, a recorrente alegara: «122.º Pelo que se algum perigo existe, é na má gestão e falta de prestação de contas e sem transparência, onde uma Junta de Freguesia que não coincide com as povoações dos compartes, gere os dinheiros dos compartes, e, de forma indevida, pretende continuar perpetuamente com delegação de poderes forçada pela influencia política, que, mesmo depois dos compartes terem eleito outras pessoas para os cargos e prosseguirem com a autonomia da gestão, continuam a não querer abdicar do poder, comportando-se como titulares eternos do mesmo e dos dinheiros dos compartes. 123.º Outrossim, resultaria prejuízo da não execução da deliberação da assembleia, tomada por 111 compartes num universo de cerca de 218 compartes, pois seria a paralisação de uma vontade democrática, expressa de forma clara e legal, que não poderia tomar nenhuma posição nos próximos meses, deixando os destinos dos baldios entregues a quem o povo afastou de forma inequívoca, continuando uma Junta de Freguesia a gerir a aplicar os dinheiros desses compartes a seu belo prazer.»).
Impõe-se apreciar.
Uma deliberação inválida pode não ser suspensa se o requerido na providência alegar e provar factos que permitam concluir que a suspensão da deliberação causará maiores perigos do que a sua execução (art.381º/2 do CPC, art.5º/1-2ª parte do CPC, art.342º/2 do CC).
Ora, examinando a alegação constante dos arts.122º e 123º da oposição supra transcrita, verifica-se:
a) Que a maior parte da alegação feita em relação à Junta de Freguesia (a quem estiveram delegados poderes de gestão) é conclusiva e não corresponde a matéria de facto mas a qualificações (má-gestão, falta de transparência, gestão indevida de dinheiros, continuação perpétua de poderes, influencia politica; vontade democrática; continuação de gestão de fundos a seu belo- prazer) de atos ou omissões que deveriam ter sido concretamente alegados e provados.
b) Que, apesar de se ter provado matéria indiciadora de confusão entre as receitas dos baldios e as da Junta de Freguesia numa longa delegação de poderes (factos provados em 35, 44 e 46), esta matéria não é suficiente para impedir a suspensão da deliberação inválida por erros procedimentais, face à possibilidade:
b1) Da mesa convocar a realização da assembleia de compartes, nos termos do art.26º/3 da Lei nº75/2015 ou de 5% dos compartes solicitarem à mesa da assembleia a realização de assembleias de compartes e, caso a mesma não proceda à convocatória no prazo de 15 dias após a receção do pedido, com a ordem de trabalhos proposta, poderem os mesmos convocar a referida assembleia, nos termos do art.26º/3-c) e 4 da Lei nº75/2017;
b2) De poderem realizar-se novas assembleias de compartes, convocadas por uma destas vias, nomeadamente: para proceder a destituição de órgãos por incumprimento de deveres, a revogação da delegação de poderes ou a realização da sua fiscalização (art.26º/1-b), n) e o) da Lei nº75/2016); para preparar a realização de eleições da totalidade dos órgãos, nomeadamente com prévia atualização dos cadernos de recenseamento previstos nos art.7º/10, 29º/1-b) e 32º/1 da Lei nº75/2017, após, apresentação de listas de compartes com as formalidades legais; para realizar eleições de membros para integrarem a nova mesa de assembleia de compartes, o conselho diretivo e a comissão de fiscalização, a convocar com pré-aviso de 15 dias (arts.26º/1-a) e b), 17º e 32º da Lei nº75/2017) e com observância de todas as exigências legais.
c) Que a participação de 218 pessoas na assembleia (e sem que se saiba o número de compartes da comunidade de baldio) e o vencimento da lista A não correspondem a factos que permitam integrar a exceção.
Desta forma, não se reconhece provimento ao recurso que invocou erro de direito desta decisão por verificação da exceção impeditiva do art.381º/2 do CPC.

2.3.2.2. Abuso de direito do art.334º do CC:
2.3.2.2.1. A decisão recorrida, conforme se referiu em III-1.2. supra, considerou que não existia uma situação de abuso de direito do art.334º do CC, tendo em conta: que não resultou provado que qualquer um dos requerentes tivesse acordado na realização da assembleia a 12.11.2022 ou na admissão de membros que não fossem compartes (sendo que, ainda que alguns dos requerentes tivesse aceitado, isso não tornaria legal a conduta); que era irrelevante que o mandatário da lista B- QQ- tivesse cumprimentado o da lista A depois do apuramento dos resultados, por isso não conduzir à legalidade da eleição, sendo que o mesmo também não era requerente neste procedimento cautelar.

2.3.2.2.2. Nas conclusões 21º a 24º, a recorrente defendeu existir abuso de direito pelos requerentes/recorridos, nas várias modalidades, incluindo tu quoque, tendo em conta: que quase a totalidade dos requerentes/recorridos participaram e aceitaram as regras e procedimentos; que toda a atuação da requerida e dos seus representantes foi condicionada pela manifestação de confiança dos requerentes e dos representantes da lista B, o que contrariaram posteriormente; que constitui abuso de direito o bloqueio do resultado de umas eleições justas e da vontade dos compartes.
Importa apreciar.
No quadro da lei e da a cláusula geral civilista do art.334º do CC, prevê-se que «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.» (art.334º do CC).
Assim, por um lado, verifica-se que são limites ao exercício de um direito a boa-fé, os bons costumes e o fim social desse direito:
1) A tutela da confiança, apoiada na boa-fé, assente em proposições ou pressupostos.
A boa-fé, como refere Jorge Manuel Coutinho de Abreu, significa:
« que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros», concretizando como hipóteses típicas concretizadoras da cláusula geral da mesma, nomeadamente, a «proibição do venire contra factum proprium, impedindo-se uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior do pretendente; (…) o abuso da nulidade por vícios formais- é inadmissível a impugnação da validade dum negócio por vício de forma por quem, apesar disso, o cumpre ou aceita o cumprimento da contraparte»[xvii]

Menezes Cordeiro sumaria os pressupostos da boa-fé, tratados pela doutrina e pela jurisprudência, referindo:
«Na base da doutrina e com significativa consagração jurisprudencial, a tutela da confiança, apoiada na boa fé, ocorre perante quatro proposições. Assim:
1.a Uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias;
2.a Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocar uma crença plausível;
3.a Um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;
4.a A imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante: tal pessoa, por acção ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao factor objectivo que a tanto conduziu.
Estas quatro proposições devem ser entendidas dentro da lógica de um sistema móvel. Ou seja: não há, entre elas, uma hierarquia e o modelo funciona mesmo na falta de alguma (ou algumas) delas: desde que a intensidade assumida pelas restantes seja tão impressiva que permita, valorativamente, compensar a falha.»[xviii].
Pedro Albuquerque, por sua vez, sumaria estes mesmos pressupostos nos seguintes termos:
«uma situação de confiança conforme o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que sem ofender deveres de cuidado e de indagação pertinentes ao caso, ignore estar a lesar posições alheias; uma justificação para essa confiança traduzida na presença de elementos objectivos susceptíveis de, em abstracto, originarem uma crença plausível; um investimento de confiança traduzido num assentar efectivo, por parte do sujeito protegido, de actividades jurídicas sobre a crença, em termos que desaconselhem ou tornem injusto o seu preterir; e uma imputação da confiança à pessoa atingida.»[xix].
2) Os bons costumes, segundo definição de Ana Prata, correspondem a
«uma cláusula geral de direito privado que remete para princípios morais sociais (…) que devem regular o comportamento das pessoas honestas em todos os seus aspetos, incluindo, mas não restringido, os económicos»[xx].
3) O fim económico e social do direito estabelece também um limite. 
Segundo Ana Prata:
«se o direito subjectivo é sinteticamente um poder jurídico para realizar um interesse, está-se fora do domínio da permissão jurídica sempre que o interesse tutelado pelo direito não é aquele prosseguido pelo seu titular. (…) A violação desse fim, como qualquer outra situação de abuso, resulta em regra de efeitos do exercício e não dele em abstrato.»[xxi].
O abuso de direito impõe que a violação de um destes limites seja clara e manifesta.
Por outro lado, importa equacionar as consequências deste abuso de direito.
Não estando expressamente previstas na norma as consequências do abuso de direito, estas têm sido tratadas pela Doutrina e pela Jurisprudência.
Jorge Manuel Coutinho de Abreu refere que
«o abuso de direito é uma forma de antijuridicidade ou ilicitude. Logo, as consequências do comportamento abusivo têm de ser as mesmas de qualquer actuação sem direito, de todo o acto ou omissão ilícito»[xxii].
Menezes Cordeiro sumaria posições que têm sido defendidas quanto às consequências jurídicas do abuso de direito:
«O artigo 334.° fala em “ilegitimidade” quando, como vimos, se trata de ilicitude. As consequências podem ser variadas:
— a supressão do direito: é a hipótese comum, designadamente na suppressio;
— a cessação do concreto exercício abusivo, mantendo-se, todavia, o direito;
— um dever de restituir, em espécie ou em equivalente pecuniário;
— um dever de indemnizar, quando se verifiquem os pressupostos de responsabilidade civil, com relevo para a culpa.
Não é, pois, possível afirmar a priori que o abuso do direito não suprima direitos: depende do caso.»[xxiii].
Ana Prata, sumariando também posições doutrinárias e jurisprudenciais, já integra nas mesmas consequências a nulidade, e refere que:
«Da responsabilidade civil à nulidade, à própria caducidade (ou supressão) do direito, várias são as consequências jurídicas do exercício abusivo. Tem havido alguma jurisprudência a entender que o ato abusivo é nulo por força do art.294.º (contrariedade a “disposição legal de caráter imperativo”), mas a opinião não tem recolhido apoio doutrinário», o que se compreende, pois a nulidade, se for caso disso, não carece da mediação do art.294.º.»[xxiv].
Revertendo este quadro de direito para a situação em análise, verifica-se que a recorrente, para além de beneficiar da prova da participação nas eleições de 218 pessoas e da prova de vencimento da lista A com 111 resultados (factos provados em 21, reformulado por esta Relação, e 36), não logrou demonstrar a totalidade dos demais factos invocados, em particular: que ocorreu uma deliberação de compartes de marcação de eleições a 05.11.2022 (assembleia, aliás, em relação à qual não foi configurado também o número de compartes e o número de participantes); que a totalidade dos requerentes pertenciam ou estavam ligados à lista B, aceitaram que a 05.11.2022 se marcassem as eleições de 12.11.2012 e aceitaram a totalidade dos votantes como compartes e o resultado das eleições de 12.11.2022.
Desta forma, a matéria provada, relevante apenas para constatar os erros procedimentais, o número de participantes e os votos finais, é totalmente insuficiente para permitir considerar que os requerentes agiram contra a boa-fé os bons costumes ou fins económicos e sociais do direito.

2.3.3. Quanto à inversão de contencioso (conclusões 26ª e 27ª):
2.3.3.1. A sentença declarou, ainda, invertido o contencioso nos termos dos arts.369º/1 e 376º/4 do CPC: por entender que a prova adquirida nestes autos foi esclarecedora e criou a convicção segura da invalidade da deliberação decretada; por não se vislumbrar necessidade de produção de prova complementar pelas partes em ação definitiva, uma vez que esta é maioritariamente documental e já está junta aos autos e os requerentes contestaram a inversão de contencioso de forma conclusiva, sem indicar a necessidade de produção de prova complementar na ação principal.

2.3.3.2. A recorrente, nas suas conclusões e alegações prévias, limitou-se a afirmar que não estavam verificados os pressupostos para deferir a inversão de contencioso, sem discutir qualquer uma das afirmações e sem apresentar fundamentos para a invocação deste erro.
Esta afirmação vaga, sem suscitar qualquer apreciação concreta por este Tribunal da Relação, nos termos do art.639º/1 e 2-a) a c) do CPC, prejudica a apreciação do recurso nesta matéria, por falta de objeto.
Pelo exposto, rejeita-se a apreciação do recurso neste segmento.

IV. Decisão:

Pelo exposto, os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães julgam improcedente o recurso de apelação.
*
Custas pela recorrente (art.527º/1 do CPC).
*
Guimarães, 12 de outubro de 2023
Assinado eletronicamente pelos Juízes Relatora, 1ª Adjunto e 2º Adjunto

Alexandra M. Viana P. Lopes
Pedro Maurício
José Alberto Moreira Dias



[i] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª Edição, 2021, Reimpressão, Almedina, nota 7 ao art.608º, pág.753.
[ii] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017, proferido no processo nº7095/10.7TBMTS.P1.S1, disponível in dgsi.pt
[iii] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, nota 7 ao art.608º, pág.753.
[iv] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, págs.794 e 795.
[v] Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5º Edição, 2018, Almedina, págs.169 e 174.
[vi]  J. O. Cardona Ferreira, in Guia de Recursos em Processo Civil, atualizado à Luz do CPC de 2013, Coimbra Editora, 6ª Edição, Agosto de 2014,, pág.135.
[vii] António Santos Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, nota 4 ao art.640º, 797.
[viii] Abrantes Geraldes, in obra citada, pág.175
[ix] O AC. STJ de 19.02.2015, proferido no processo nº299/05.6TBMGD.P2.S1, relatado por Tomé Gomes, encontra-se disponível in dgs.pt.
[x] Tomé Soares Gomes, Juiz Conselheiro, in “Um Olhar sobre a Prova em demanda da verdade no Processo Civil”, Revista do CEJ (2005), número 3, pág.138, Almedina.
[xi] Neste sentido, respetivamente: António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, Almedina, 1999, págs. 147-148, Ac. RG de 17.02.2022 encontra-se disponível in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/bd1ea2a905306c0e802588000040a0bd?OpenDocument
[xii] Tomé Soares Gomes, inDa Sentença Civil”, págs.14 a 16, a 24 de Janeiro de 2014 nas Jornadas de Processo Civil, disponível in file:///C:/Users/MJ01758/Downloads/texto_intervencao_Manuel_Tome.pdf
[xiii] Acórdão da Relação de Guimarães de 22.10.2020, proferido no processo nº5397/18.3T8BRG.G1, relatado por Maria João Matos
http://www.gde.mj.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/25d5f7fa39d9bef08025861000504aa3?OpenDocument
[xiv] Alexandre Soveral Martins, in “Suspensão de deliberações sociais de sociedades comerciais: Alguns problemas”, publicado in
https://portal.oa.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados-roa/ano-2003/ano-63-vol-i-ii-abr-2003/artigos-doutrinais/alexandre-soveral-martins-suspensao-de-deliberacoes-sociais-de-sociedades-comerciais-alguns-problemas/
[xv] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª Edição, anotação 4 ao art.381º, pág.111.
António Santos Abrantes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, anotação 8 ao art.380º, pág.471.
[xvi] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in obra citada, anotação 4 ao art.381º, pág.111.
António Santos Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, Almedina, março de 2021, ponto 27.3, pág.87.
[xvii] J. M. Coutinho de Abreu, in Do Abuso de Direito, Almedina, 2006, págs.55, 59 e 60.
[xviii] António Menezes Cordeiro, in “Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas”, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista/ano-2005/ano-65-vol-ii-set-2005/artigos-doutrinais/antonio-menezes-cordeiro-do-abuso-do-direito-estado-das-questoes-e-perspectivas-star/
[xix] Pedro Albuquerque, in “Responsabilidade processual por litigância de má-fé, abuso de direito e responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo”, Almedina, 2006, pág.90.
[xx] Ana Prata, in Código Civil por si coordenado, Almedina, 2ª Edição Revista e Atualizada, 2019, nota 5 ao art.334º, pág.441.
[xxi] Ana Prata, in obra citada, nota 6 ao art.334, pág.442.
[xxii] Jorge Manuel Coutinho de Abreu, in obra citada, pág.76.
[xxiii]António Menezes Cordeiro, in “Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas”, supra referido.
[xxiv] Ana Prata, in obra citada, nota 7 ao art.334º do C. Civil, pág.442.