Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2549/11.0TJVNF-J.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: LEILÃO ELETRÓNICO
OFERTA DE AQUISIÇÃO
DESISTÊNCIA DO LICITANTE
INEFICÁCIA
RESPONSABILIDADE DO PROPONENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/17/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da responsabilidade da Relatora - art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. As ofertas de aquisição apresentadas em leilão eletrónico, uma vez introduzidas na plataforma respectiva, não podem ser retiradas (ficando assim afastada a disciplina geral do art. 230.º, n.º 1 e n.º 2, do CC); e, por isso, a comunicação da posterior desistência do licitante é ineficaz, nomeadamente quando tenha sido ele a oferecer o valor mais alto e superior ao mínimo anunciado para venda.

II. Comunicando o licitante, formal e assertivamente, a respectiva desistência de compra (isto é, já depois de reconhecida pela plataforma electrónica a sua licitação como sendo a de maior valor), tornou inútil a sua posterior notificação para proceder ao depósito do preço (estando ínsita naquela desistência uma declaração antecipada de não cumprir).

III. O critério de determinação da medida da responsabilidade do proponente incumpridor, dado pelo art. 825.º, n.º 1, al. c), do CPC, coincide com «o valor em falta», isto é, com o preço antes oferecido pela compra e depois não depositado (subtraindo-se, porém, ao mesmo o eventualmente obtido numa segunda venda, por ser essa a medida do prejuízo efectivamente causado com aquela indevida conduta).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada

1.1.1. Massa Insolvente de X - Tratamento de Superfícies, S.A., representada pelo Administrador de Insolvência respectivo (N. R., com domicílio profissional na Rua …, Vila Nova de Famalicão), propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Y Consulting, Limitada, com sede na Rua …, no Porto, pedindo que

· a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 18.540,08 (sendo € 17.768,96 a título de capital, e € 771,12 a título de juros de mora vencidos, calculados à taxa supletiva legal, contados desde 22 de Maio de 2020 até à data de propositura da acção), acrescida da quantia correspondente aos juros de mora vincendos, calculados à mesma taxa supletiva legal, contados desde a data da propositura da açcão até integral pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, que, tendo sido apreendidos os bens de X - Tratamento de Superfícies, S.A. (depois de declarada a respectiva insolvência, e no âmbito do processo próprio), e promovida a respectiva venda em leilão electrónico, realizado no dia 19 de Dezembro de 2019, vieram quatro verbas, correspondentes a quatro lotes de acções, a ser adjudicadas à aqui Ré (Y Consulting, Limitada), pelo preço global por ela oferecido para o efeito, de € 26.182,01.
Mais alegou que, em no dia imediato, a Ré (Y Consulting, Limitada) declarou desistir a aquisição daqueles activos, tendo ela própria que voltar a promover a sua venda, obtendo um preço global inferior em € 17.768,96 ao que antes tinha sido proposto por ela.
Por fim, alegou que, tendo interpelado a Ré (Y Consulting, Limitada), em 22 de Maio de 2020, para proceder ao pagamento do seu prejuízo, a mesma não o fez.

1.1.2. Regularmente citada, a (Y Consulting, Limitada) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente e ela própria fosse absolvida do pedido.
Alegou para o efeito, em síntese, não ter sido a sua proposta de aquisição dos quatro lotes de acções chegado a ser, formal e regulamente, aceite, pelo que a desistência que apresentou no dia imediato à sua formulação teria sido eficaz.
Mais alegou não terem sido os lotes de acções deviamente publicitados, já que não foi avisada que as Sociedades a que diziam respeito não iriam adquirir as acções respectivas, e que ela própria apenas comprara para revenda. Estaria, assim, perante um ónus cuja prévia existência desconhecia, devendo por isso a dita venda (a ter sido eficazmente concluída) ser anulada.
Alegou ainda que, em qualquer caso, estaria simplesmente em mora quanto ao depósito do preço oferecido, inexistindo por isso qualquer incumprimento contratual que justificasse uma indemnização, e muito menos pelo interesse contratual positivo; e também não servir para o efeito o art. 825.º, n.º 1, al. c), do CPC, que pressuporia que os bens licitados lhe tivessem sido entregues.
Por fim, alegou que, em qualquer caso, deveria o Administrador da Insolvência ter aceitado a melhor proposta dos demais licitantes, muito próxima daquela que ela própria apesentara, desse modo igualmente tornando indevida a indemnização peticionada.

1.1.3. Em sede de audiência prévia, não foi possível obter a conciliação das partes.

1.1.4. A Autora (Massa Insolvente de X - Tratamento de Superfícies, S.A.), exercendo o seu direito de contraditório relativamente a documentos juntos pela Ré (Y Consulting, Limitada), impugnou os mesmos, defendendo que a opção de não compra do capital social próprio, por parte das Sociedades cujos acções foram vendidas em leilão electrónico, consubstanciaria uma decisão interna de uma entidade de direito privado, e não um ónus a publicitar.

1.1.5. Foi proferido despacho: fixando o valor da causa em € 18.540,00; saneador (certificando a validade e a regularidade da instância); definindo o objecto do litígio, enunciando os temas da prova e elaborando um elenco de factos considerados já assentes.

1.1.6. A (Y Consulting, Limitada) reclamou relativamente a duas alíneas dos fatos assentes, e pretendeu a inserção de mais cinco factos no elenco dos controvertidos, no que foi totalmente atendida (sem que a Autora tivesse deduzido qualquer oposição).

1.1.7. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Decisão
Termos em que, vistos aqueles factos e a lei aplicável, lida à luz da doutrina e jurisprudência analisadas, na procedência da acção, condeno a Ré Y Consulting, Lda, a pagar à Massa Insolvente de X – Tratamento de Superfícies, S.A., a quantia de dezanove mil e duzentos e onze €uros e onze cêntimos (19.211,11 €uros), com juros à taxa legal em cada momento vigorante, desde 22.5.2020 – data da interpelação para pagamento, art. 805.º, 1, CC – até efectivo pagamento.
Custas pela Ré, por vencida – art. 527.º, 1 e 2, do CPC e art. 6.º, n.º 1 e Tabela I-A anexa.
Valor: o fixado oportunamente, visto o disposto no n.º 1 do art. 299.º do CPC
Registe e notifique.
(…)»
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1.2. Recurso

1.2.1. Fundamentos
Inconformados com esta decisão, a (Y Consulting, Limitada) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse provido.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

A. A aceitação das propostas apresentadas em leilão eletrónico, a adjudicação dos bens e a notificação para depósito do preço das propostas apresentadas pelo licitante da melhor proposta são procedimentos que cabem ao Administrador da Insolvência e não à plataforma electrónica e-leilões.

B. Cabia ao Senhor Administrador da Insolvência, no prazo de 10 dias contados da certificação da conclusão do leilão, dar cumprimento a toda a tramitação necessária para que as propostas se considerassem aceites e os bens adjudicados à Autora, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, a) e no n.º 10 do artigo 8.º do Despacho n.º 12624/2015, da Ministra da Justiça, publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 219, de 9 de novembro de 2015 e do artigo 26.º da Portaria n.º 282/2013.

C. A licitação mais alta, em sede de leilão eletrónico, não implica que o bem possa efectivamente vir a ser adjudicado ao proponente e cabe ao Senhor Administrador da Insolvência verificar as condições para a efetiva aceitação/ adjudicação das propostas mais altas recolhidas, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no n.º 10 do artigo 8.º do Despacho n.º 12624/2015, da Ministra da Justiça, publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 219, de 9 de novembro de 2015 e do artigo 26.º da Portaria n.º 282/2013.

D. O Senhor Administrador da Insolvência ao não ter comunicado à Ré a adjudicação/aceitação das propostas, nem os dados para que procedesse ao pagamento/depósito do preço das propostas nos termos apresentados, omitiu as formalidades previstas no artigo 25.º e 26 da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), 8.º, n.º1 0, 25.º e 26.º do Despacho n.º 12624/2015, de 09 de Novembro e 824.º, n.º 2 do CPC.

E. O procedimento de aceitação das propostas apresentadas em leilão eletrónico não se encontra subtraído à acção do Administrador da Insolvência, nem é um processo absolutamente robotizado pela plataforma e-leilões, sendo necessária uma notificação ao proponente, após o encerramento dos leilões eletrónicos, para efetiva adjudicação/aceitação das propostas apresentadas.

F. A desistência pela Ré das propostas apresentadas em leilão eletrónico, porque foi enviada antes que lhe tivesse sido remetida qualquer comunicação de aceitação/adjudicação das propostas pela Autora, deve ser considerada válida e eficaz nos termos dos artigos 230.º, n.º 2 e 235.º, n.º 2 ambos do Código Civil.

G. Do teor da comunicação enviada em resposta pelo Sr. Administrador da Insolvência, à desistência da Ré, atendendo à declaração e ao contexto factual em que a mesma foi emitida, um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, consideraria que a desistência havia sido aceite como válida e eficaz pela Autora, consubstanciada pela omissão da notificação da aceitação/adjudicação e de depósito do preço por parte da Autora.

H. A inexistência de incumprimento contratual pela Ré quanto ao pagamento das propostas apresentadas na plataforma e-leilões porquanto a Ré não foi notificada da aceitação das propostas, nem para proceder ao depósito do preço das mesmas nos termos formulados, mais inexistiu da parte da Autora o envio de interpelação admonitória a informá-la de que se encontrava em mora, como se impunha para a existência de incumprimento contratual.

I. Determina o n.º 10 do artigo 8.º do Despacho n.º 12624/2015, da Ministra da Justiça, publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 219, de 9 de novembro de 2015, bem como os artigos 825.º, n.º 1 e 824.º, n.º 2 do CPC que o proponente seja notificado para depositar o preço e não o fazendo, o Senhor Administrador da Insolvência (in casu) poderia proceder nos termos do artigo 825.º n.º 1 do CPC, porém tal comunicação não foi feita à Ré.

J. Ao contrário do entendimento formulado pelo Tribunal recorrido, a aceitação das propostas não é um mecanismo automático, arredado da esfera do Senhor Administrador da Insolvência, após a conclusão dos leilões eletrónicos há todo um conjunto de procedimentos que devem ser adotados pelo Senhor Administrador da Insolvência.

K. O Tribunal recorrido incorreu numa errada interpretação das normas legais, designadamente os artigos 2.º, 10.º, n.ºs 1 e 2 Despacho n.º 12624/2015, que servem de fundamento a tal decisão, pois o administrador da plataforma é uma figura diferente do Agente de Execução ou do Administrador da Insolvência nomeado no processo, já que aquele é “o dirigente ou técnico nomeado pelo conselho geral da Câmara dos Solicitadores que assegura o funcionamento da plataforma” – artigo 2, n.º 1, alínea b) do referido Despacho e, tal como decorre do artigo 2.º, n.º 1 a) do referido Despacho, a adjudicação é “a decisão tomada no âmbito do processo de execução pelo agente de execução, que decida a venda de um bem ou conjunto de bens integrados num lote, a um utente que apresentou a licitação mais elevada, depois de ter depositado o preço e demonstrado o cumprimento das obrigações fiscais”.

L. Cabe ao Administrador da Insolvência nomeado no processo, tal como referido supra, nos termos do artigo 26.º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, do artigo 8.º n.º 10 do Despacho n.º 12624/2015 e do artigo 824.º, n.º 2 do CPC notificar o proponente da decisão de adjudicar os bens e a notificação para depositar o preço, portanto face à prova produzida e às normas legais invocadas teria de ser sido julgados não provados os pontos 1 a 6 da sentença recorrida.

M. Não tendo o Senhor Administrador da Insolvência procedido à aceitação e adjudicação das propostas, nem à notificação para depósito do preço, não se encontram reunidos os pressupostos para aplicação dos artigos 824.º, n.º 2 e 825.º, n.º 1 do CPC, por lhe faltar o seu antecedente lógico.

N. O Senhor Administrador da Insolvência face à desistência da Ré podia optar por uma das três hipóteses alternativas previstas no artigo 825.º, n.º 1 do CPC, ou optava pela alínea a) ou pela alínea b) ou pela alínea c), tendo a Autora aceitado a proposta de valor imediatamente inferior, do segundo proponente, optou pela alínea a) do mencionado artigo, preterindo qualquer umas das outras hipóteses legais previstas, pois ao aceitar a segunda melhor proposta, não pode vir emendar a mão, posteriormente, e liquidar a responsabilidade da aqui Ré nos termos da alínea c) do mencionado artigo.

O. O Senhor Administrador da Insolvência ao notificar o proponente das segundas melhores propostas, da sua aceitação, iniciou a tramitação prevista no artigo 824.º, n.º 2 e no artigo 825.º n.º 1 do CPC, quanto àquele, ou seja, não tendo o segundo melhor proponente depositado o preço poderia o Senhor Administrador da Insolvência determinar que quanto àquele proponente: a) a venda ficasse sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou b) Determinar que a venda fique sem efeito e efetuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente ou preferente remisso a adquirir novamente os mesmos bens e perdendo o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou c) Liquidar a responsabilidade do segundo proponente, devendo ser promovido perante o juiz o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos.

P. O Tribunal recorrido fez uma errada interpretação dos artigos 824.º, n.º 2 e 825.º, n.º 1 do CPC quando julgou que “face à desistência do segundo proponente era legítimo à Autora proceder a nova diligência de venda liquidando, a favor da aqui Ré, primeira proponente, a responsabilidade pelo pagamento diferencial dos valores da sua proposta e da proposta recolhida na segunda venda”, pois, salvo o devido respeito, a Autora ao aceitar as propostas do segundo proponente e este desistindo das mesmas, iniciava-se a tramitação prevista no artigo 824.º, n.º 2 e no artigo 825.º n.º1 do CPC, quanto àquele segundo proponente e não contra a Ré.

Q. A Autora face à desistência do segundo proponente procedeu a nova diligência de venda e, posteriormente, liquidou a responsabilidade da primeira proponente, aqui Ré, pelo pagamento diferencial dos valores da sua proposta e da proposta recolhida na segunda venda, todavia esta nova diligência de venda só se realizou pela desistência do segundo proponente, pelo que não poderia a Autora liquidar a responsabilidade da Ré nos termos do artigo 825.º, n.º 1, alínea c) do CPC.

R. Não pode a Autora, fundando a sua pretensão no artigo 825.º, n.º 1, alínea c) do CPC, vir “liquidar a responsabilidade do proponente” na medida em que o disposto no referido artigo prevê que os bens fossem entregues ao proponente, o que in casu não se verificou, pelo que não pode a Autora invocar o artigo 825, n.º 1, alínea c) do CPC para fundamentar a sua pretensão, referindo uma situação de incumprimento contratual definitivo do contrato pela Ré, pois os bens em causa nunca chegaram a ser entregues à Ré, nem sequer foi a Ré notificada da adjudicação para proceder ao pagamento dos mesmos.

S. A Autora não podia vir exigir à Ré que a indemnizasse pelo diferencial das propostas, da primeira diligência de venda face à segunda diligência de venda, na medida em que tal diligência ocorreu fruto da desistência do segundo melhor proponente na primeira diligência de venda.

T. A Ré apresentou proposta de aquisição convencida de que os bens em causa não possuíam qualquer limitação, circunstância que inclusive procurou ativamente conhecer junto das referidas sociedades e lhe foi confirmada por aquelas, porém em momento posterior à apresentação das propostas, a Ré recebeu por parte das sociedades K e L informação em sentido contrário da anterior, de que as referidas sociedades só procediam à aquisição das ações próprias, única e exclusivamente a acionistas beneficiários aquando da extinção da operação de garantia, bem como, a massas insolventes em processo de insolvência, consubstanciando tal circunstância um ónus ou limitação que deveria constar dos anúncios de venda e não constava.

U. A Ré apresentou as suas propostas com o único propósito de revender os bens, razão pela qual se o anúncio de venda referisse tal limitação nunca a Ré tinha formulado qualquer proposta de aquisição, havendo assim circunstâncias em que a Ré vendo a sua proposta aceite (o que não ocorreu) poderia vir arguir a anulação da venda, nos termos do artigo 838.º, n.º 1 do CPC.
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1.2.2. Contra-alegações

A Autora (Massa Insolvente de X – Tratamento de Superfícies, S.A.) contra-alegou, pedindo que se negasse provimento ao recurso e se mantivesse a sentença recorrida.

Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou procedente o pedido formulado pela aqui Recorrida.

2. A apresentação de uma proposta tem consequências e produz efeitos jurídicos.

3. No que para o presente caso importa, a partir do momento em que a declaração negocial correspondente a uma proposta produz os seus efeitos, a mesma torna-se irrevogável.

4. Decorre da matéria dada como provada, não impugnada pela Recorrente, que esta licitou, apresentou propostas por várias ações (partes de capital) da K.

5. Propostas essas que foram aceites, tendo sido decidido pela adjudicação daquelas ações à Recorrente.

6. Ora, com a apresentação e com a chegada ao poder/conhecimento da contraparte de cada uma destas propostas, em relação a cada uma delas, produziu-se o efeito constante do artigo 230.º do Código Civil, que estabelece a irrevogabilidade da proposta.

7. Aquelas propostas foram aceites pela Recorrida, tendo a aceitação sido comunicada imediatamente após o encerramento do leilão, pela própria plataforma. E com a perfeição da declaração negocial correspondente à aceitação, verificou-se a conclusão do negócio jurídico - cfr. artigo 235.º do Código Civil.

8. Com a conclusão do negócio, Recorrente e Recorrida ficaram vinculadas aos exatos termos das obrigações decorrentes do contrato que, de comum acordo, aceitaram celebrar.

9. Posteriormente, através de email datado de 20/12/2019, a Recorrente declarou desistir da aquisição daqueles ativos, num momento em que o negócio já se encontrava concluído.

10. Por via das suas doutas Alegações de Recurso, pretende a Recorrente fazer crer que no caso em análise não se verificou em momento algum a aceitação por parte da Recorrida.

11. Tal não corresponde à verdade, já que a declaração de aceitação foi imediata e automática, formalizada pela própria plataforma eletrónica e-leilões.

12. Acresce que, a posição assumida pela Recorrente é ainda mais incompreensível quando declara que não rececionou qualquer notificação da Recorrida, não obstante esta ter referido, como resulta demonstrado nos autos, que daria cumprimento ao disposto no artigo 825.º do CPC.

13. No que respeita ao valor da condenação fixado pela douta Sentença Recorrida, uma vez mais foi o mesmo doutamente fixado pelo Tribunal a quo, que corresponde à diferença entre o valor que a Ré ofereceu, nos quatro leilões, de € 26.182,21, e o resultado da segunda venda, que foi de € 6.970,9, o que ascende à quantia de €19.211,11.

14. A Recorrente faz ainda menção a uma alegada limitação que, no seu entender, deveria ter figurado no anúncio de venda.

15. A Recorrente pretende que à Recorrida seja imputada responsabilidade por, alegadamente, e no seu entender, não ter comunicado uma decisão interna de uma entidade de direito privado.

16. Comunicação essa que a própria Recorrente declara ser interna e que não é comunicada oficialmente.

17. A Recorrida desconhece, sem obrigação de conhecer, qual o destino que um qualquer proponente pretende dar a um bem pelo qual apresenta uma proposta, por via de licitação, em leilão eletrónico. A Recorrida desconhece, sem obrigação de conhecer, o teor de deliberações internas de entidades de direito privado, externas à sociedade insolvente, que, no auge da sua autonomia privada, naturalmente podem optar por adquirir ou não os bens que entenderem.

18. Os instrumentos financeiros em apreço, reúnem as condições elencadas com o anúncio de venda.

19. Se o negócio que a Recorrente pretendia celebrar após a licitação e aquisição de tais bens deixou de ser viável, tal não se deve a uma qualquer alteração das características do bem, estando apenas relacionada com a política interna de uma entidade, à qual a Recorrida é totalmente alheia.

20. Se a Recorrente estava impedida de dar ao bem pelo qual apresentou uma proposta o destino que pretendia, deveria ter-se inteirado de tal circunstância antes de apresentar a licitação.

21. De referir ainda que o que a Recorrente denomina de ónus ou encargo, não integra na verdade nenhum destes conceitos.

22. As ações vendidas não estavam oneradas com qualquer penhora, penhor, hipoteca, reserva de propriedade, etc… As ações vendidas não tinham, por exemplo, qualquer direito de preferência associado.

23. À data da venda, inexistia qualquer ónus ou encargo associado às ações em causa.

24. Pelo que também esta alegação da Recorrente carece de qualquer fundamento.

25. Muito bem andou o douto Tribunal a quo ao decidir como decidiu, devendo tal entendimento ser mantido na íntegra.

26. Salvo melhor opinião, este entendimento da Recorrente carece em absoluto de qualquer sentido e razão.

27. Por conseguinte, em face do exposto, a douta decisão recorrida não merece qualquer reparo, devendo manter-se nos seus precisos termos.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, nºs. 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) (1), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

2.2.1. Questões incluídas no objecto do recurso

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pela Ré (Y Consulting, Limitada), 03 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem:

1.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito, ao considerar reunidas as condições para que viesse a ser celebrado o contrato de compra e venda de acções, por meio de leilão electrónico (nomeadamente, por não ter chegado a ser aceite a proposta de aquisição apresentada pela Ré, face à desistência que a mesma depois apresentou, ou por a dita desistência ter sido simplesmente aceite pela Autora), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida, julgando-se a acção totalmente improcedente (e absolvendo a Ré do pedido)?

2.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito, ao basear o direito de indemnização da Autora no art. 825.º, do CPC (nomeadamente, por o Administrador da Insolvência ter aceitado a melhor proposta seguinte, face à apresentada pela Ré, no primeiro leilão electrónico realizado, e por a Ré apenas se encontrar em mora, e não em incumprimento definitivo, quanto ao depósito do preço), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida, julgando-se a acção totalmente improcedente (e absolvendo a Ré do pedido) ?

3.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito, no cálculo da indemnização arbitrada à Autora (nomeadamente, por não estar autorizada a indemnização pelo interesse contratual positivo em sede de incumprimento pré-contratual), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida, julgando-se a acção totalmente improcedente (e absolvendo a Ré do pedido)?
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2.2.2. Questões excluídas do objecto do recurso

2.2.2.1. Impugnação da matéria de facto

Veio a Ré (Y Consulting, Limitada) alegar no seu recurso que «o Tribunal a quo deu como provados factos que se impunha que fossem dados como não provados», nomeadamente os que enunciou na sentença recorrida sob os números 1 a 6.
Contudo, e tal como claramente resulta das suas alegações e conclusões de recurso, o seu juízo de discordância, bem como prévio e idêntico juízo probatório do Tribunal a quo, não se funda na apreciação e valoração da prova produzida, mas sim na prévia e indevida redacção dos factos em causa (quer em sede de elenco dos já tidos por «assentes», quer nos afirmados «A provar», no despacho de instrução da causa).

Precisa-se, a propósito, que para além da incorrecta apreciação da prova (isto é, do juízo crítico do tribunal, em termos de suficiência, ou de insuficiência, da prova produzida para dar, ou não dar, como assente certo facto), a decisão sobre a matéria de facto pode padecer de vícios próprios (que não contendem com o dito erro de julgamento, mas sim com regras próprias da selecção dos factos, e da sua elaboração e estruturação).

Assim, e antes de mais, é apodíctico que a fundamentação de facto se deve cingir à matéria de facto.
Com efeito, e apesar de não existir no actual CPC, de 2013, uma disposição idêntica ao art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC, de 1961 (onde se afirmava que se tinham como «não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito» (2)), entende-se hoje, tal como então, que há que distinguir na decisão de facto entre facto, direito e conclusão: pretende-se que a decisão de facto contenha apenas o facto simples; e dela sejam excluídos, quer conceitos de direito (salvo os que transitaram para a linguagem corrente, por assimilação pelo cidadão comum, uma vez que correspondem a um facto concreto, e desde que não constituem eles próprios o thema decidendu), quer conclusões, que mais não são do que a lógica ilação de premissas (3).

Dir-se-á ainda que, para além da limitação a factos, importa que a prévia selecção (na fase instrutória) e a posterior decisão de facto (na sentença) se cinjam àqueles que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito.
Com efeito, e apesar de não existir no actual CPC uma disposição idêntica ao art. 511.º do anterior CPC, mais precisamente ao seu n.º 1 (onde se afirmava que a selecção de factos era feita tendo em conta o seu «interesse para a decisão da causa, segundo todas as decisões plausíveis da questão de direito»), e ao seu n.º 2 (onde se afirmava que as partes poderão «reclamar contra a selecção da matéria de facto, incluída na base instrutória ou considerada como assente, com fundamento em deficiência, excesso ou obscuridade», caindo precisamente no excesso a inclusão de factos irrelevantes), certo é que este entendimento se mantém no actual CPC.
Pretende-se, assim, uma determinação da matéria de facto «em termos de esta ser suficiente seja qual for a solução jurídica que a final vier a ser perfilhada», tentando desse modo obviar «a uma multiplicação dos casos de anulação do julgamento da matéria de facto em sede de recurso por insuficiência dos factos dados como provados» (Paula Costa e Silva, «Saneamento e Condensação no Novo Processo Civil: A Fase da Audiência Preliminar», Aspectos do Novo Processo Civil, Lex, 1997, págs. 243-244).

Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, constam da fundamentação de facto da sentença recorrida enunciações que exclusivamente contêm matéria de direito (como sejam as nelas enunciadas sob as alíneas B) e C)); e factos que parcialmente contêm conceitos de direito (como sejam «adjudicado», constante dos enunciados sob os números 1 a 4), ou um juízo conclusivo (como seja «Aquelas propostas foram aceites pela Autora», constante dos enunciados sob os números 5 e 6), quando aquele conceito e este juízo integram precisamente as questões jurídicas que aqui se decidem (nomeadamente, a perfectibilização do contrato de compra e venda de acções, em leilão eletrónico, por meio da aceitação das propostas de compra apresentadas pela Ré, e a adjudicação daquela a esta das acções em causa).
Logo, importaria sempre que: se expurgasse da fundamentação de facto da sentença recorrida tais enunciações (totais e/ou parciais), que não resultaram da produção da prova (isto é, do seu teor) mas sim da prévia e indevida redacção dos alegados factos; manter na remanescente redacção dos mesmos a pura e simples descrição da realidade ocorrida, nomeadamente por a mesma resultar em grande medida (face à própria natureza do objecto da causa) da reprodução do teor de documentos insertos nos autos; e reservar para a interpretação do Direito aplicável, subsumidos a ele os factos provados, a conclusão final sobre a aceitação, ou não aceitação, das propostas de compra apresentadas pela Ré, e a adjudicação, ou não adjudicação à mesma, dos lotes de acções delas objecto.

Face ao exposto (a realizar, obrigatória e oficiosamente por esse Tribunal ad quem, nos termos do art. 662.º, do CPC), fica esvaziada de objecto a alegada «impugnação da matéria de facto» pretendida pela Ré (Y Consulting, Limitada), assim se compreendendo que não haja dado cumprimento ao que (em hipótese própria) seria o seu necessário ónus de impugnação, de acordo com o disposto no art. 640.º, do CPC.
Será, por isso, desconsiderada aqui a dita impugnação (no sentido que lhe seria próprio, de sindicância da apreciação e valoração da prova produzida, à luz do disposto nos arts. 640.º e 662.º, ambos do CPC).
*
Contudo, e ainda que fosse outra a intenção da Ré (Y Consulting, Limitada), isto é, sindicar os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 1 a 6 mercê de uma diferente valoração da prova, também não poderia o seu recurso, nesta parte, ser aqui apreciado.
Com efeito, lê-se no já invocado art. 640.º, n.º 1, do CPC, que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição» «a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso (4), para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, e de indicar para cada um deles a prova que justificaria uma decisão diferente, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada.
Esta exigência, «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor (5) enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo).

Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não cumpriu a Ré (Y Consulting, Limitada) este ónus de impugnação, limitando-se a indicar, quer nas suas alegações de recurso, quer nas respectivas conclusões, quais os factos que consideraria incorrectamente julgados (os enunciados como provados na sentença recorrida sob os números 1 a 6).
Assim, nada disse sobre a prova que justificaria uma decisão diferente quanto a cada um deles, sobre as concretas passagens dos depoimentos prestados que sustentariam o seu juízo, e qual a decisão que, no seu entender, sobre eles deveria ser proferida (por indicação da concreta redacção proposta).
Esta omissão implicaria necessariamente a rejeição de um pretendido recurso com esse objecto.
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2.2.2.2. Falta de publicidade de não aquisição de acções pelas próprias Sociedades - Anulação da venda

Veio ainda a Ré (Y Consulting, Limitada) alegar nos autos (reiterando-o depois nas suas alegações de recurso) que apenas se dispusera a comprar, em leilão electrónico, quatro lotes de acções, representativas do capital social de duas Sociedades (K - Sociedade de Garantia Mútua, S.A. e L - Sociedade de Garantia Mútua, S.A.), para depois os revender às próprias; e ter sabido depois da apresentação das suas propostas de compra (e apenas então) que as ditas Sociedades adquiriam, única e exclusivamente, acções próprias a accionistas beneficiários aquando da extinção da operação de garantia, ou a massas insolventes em processo de insolvência, e nunca a terceiros (como ela própria).
Mais alegou que, constituindo este facto um ónus ou limitação sobre as ditas acções, e não tendo a dita venda sido publicitada anunciando o mesmo, «impunha-se a anulação da venda nos termos e para os efeitos do artigo 838.º, n.º 1, do Código de Processo Civil», caso se viessem a considerar válidas e eficazes as propostas de compra apresentadas por si e aceites pelo Administrador da Insolvência (artigo 47.º da contestação).

Contudo, e independentemente da bondade, ou falta dela, desta particular alegação da Ré (Y Consulting, Limitada), certo é que a mesma não deduziu nestes autos (nomeadamente, em sede de eventual reconvenção), ou em quaisquer outros de que tivesse dado notícia, pedido de anulação desta concreta venda.
Assim, e salvo o devido respeito por opinião contrária, esta sua alegação é irrelevante em termos de julgamento da presente causa, onde apenas cumpre decidir se é, ou não, devida indemnização à Autora (Massa Insolvente de X - Tratamento de Superfícies, S.A.) por via da desistência pela Ré (Y Consulting, Limitada) das propostas de compra que apresentara (e consequente não depósito dos valores que oferecera para o efeito), relativas a quatro lotes de acções, em leilão eletrónico realizado para a respectiva alienação.
Será, por isso, desconsiderada aqui a dita alegação.
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1. Factos Provados

Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, o mesmo considerou provados os seguintes factos (aqui reordenados - lógica e cronologicamente -, renumerados, e expurgados de enunciações meramente de direito e/ou conclusivas, atento nomeadamente o thema decidendu):

1 - Por sentença proferida em 06 de Outubro de 2011, foi decretada a insolvência de X - Tratamento de Superfícies, S.A., no âmbito do processo que com o n.° 2549/11.0TJVNF corre termos no Juiz 1, do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, tendo sido nomeado para exercer o cargo de administrador da insolvência N. R., representante nos presentes autos da respectiva Massa Insolvente (conforme documento n.° 1 junto com a petição inicial, que é fls. 8 e 9 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto provado enunciado sob a alínea A) na sentença recorrida)

2 - Na sequência do ordenado na sentença declaratória de insolvência, procedeu-se à apreensão de todos os bens que integravam a propriedade da Insolvente (X - Tratamento de Superfícies, S.A.) e iniciou-se a promoção da venda dos mesmos.
(facto provado enunciado sob a alínea D) na sentença recorrida)

3 - Parte dos bens apreendidos propriedade da Insolvente (X - Tratamento de Superfícies, S.A.) constam do auto de arrolamento junto por fotocópia como documento n.° 2 junto com a petição inicial, que é fls. 11 dos autos (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto provado enunciado sob a alínea E) na sentença recorrida)

4 - O leilão electrónico com n.° ...............19 tinha por objecto a venda do Lote 2, composto por 10.000 acções do capital social de K - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., com valor nominal de € 1,00 (um euro, e zero cêntimos).
(facto provado enunciado sob a alínea F) na sentença recorrida)

5 - O leilão electrónico com n.° ...............19 tinha por objecto a venda do Lote 4, composto por 10.000 acções: 1.600 acções do capital social de L - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., com o valor nominal de € 1,00 (um euro, e zero cêntimos) cada e 8.400 acções do capital social de K - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., com valor nominal de € 1,00 (um euro, e zero cêntimos).
(facto provado enunciado sob a alínea G) na sentença recorrida)

6 - O leilão electrónico com n.° ...............19 tinha por objecto a venda do Lote 5, composto por 10.000 acções do capital social de K - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., com valor nominal de € 1,00 (um euro, e zero cêntimos).
(facto provado enunciado sob a alínea H) na sentença recorrida)

7 - O leilão electrónico com n.º ...............19 tinha por objecto a venda do Lote 6, composto por 8.000 acções do capital social de K - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., com valor nominal de € 1,00 (um euro, e zero cêntimos).
(facto provado enunciado sob a alínea I) na sentença recorrida)

8 - Dos anúncios de venda n.º ...............19, n.º ...............19, n.º ...............19 e n.º ...............19, relativos a acções do capital social de K - Sociedade de Garantia Mútua, S.A. e de L - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., não resultava qualquer ónus ou limitação dos bens.
(facto provado enunciado sob a alínea Q) na sentença recorrida)

9 - A Ré (Y Consulting, Limitada) apresentou nos leilões electrónicos (que encerraram em 19.12.2019, às 11.00 horas, e às 11.04 horas o n.º ...............19) as seguintes propostas de aquisição:
- ...............19 - € 6.654,75;
- ...............19 - € 6.850,85;
- ...............19 - € 6.425,36;
- ...............19 - € 6.251,25.
(facto provado enunciado sob a alínea J) na sentença recorrida)

10 - No leilão
i. com n.º ...............19, a proposta apresentada pela Ré (Y Consulting, Limitada) fixou-se em € 6.654,75, e a segunda melhor proposta apresentada fixou-se em € 6.249,22;
ii. no leilão com n.º ...............19, a proposta apresentada pela Ré fixou-se em € 6.850,85, e a segunda melhor proposta apresentada fixou-se em € 5.138,43;
iii. no leilão com n.º ...............19, a proposta apresentada pela Ré fixou-se em € 6.425,36, e a segunda melhor proposta apresentada fixou-se em € 6.361,74;
iv. no leilão com n.º ...............19, a proposta apresentada pela Ré fixou-se em € 6.251,25, e a segunda melhor proposta apresentada fixou-se em € 5.055,30 (conforme documentos n.ºs 3, 4, 5 e 6 juntos com a petição inicial, que são fls. 12, 13, 14 e 15 dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
(facto provado enunciado sob a alínea R) na sentença recorrida)

11 - As nove propostas posicionadas abaixo da proposta apresentada pela Ré (Y Consulting, Limitada), em cada uma das diligências de venda, constam no campo/sector D (epigrafado «10 MELHORES PROPOSTAS») de cada um dos documentos n.ºs 3 a 6 juntos com a petição inicial (já reproduzidos no facto provado anterior).
(facto provado enunciado sob a alínea S) na sentença recorrida)

12 - No seguimento do leilão eletrónico com o n.° ...............19, decorrido na plataforma E-Leilões (https://www.e-leiloes.pt), que encerrou em 19 de Dezembro de 2019, na «CERTIDÃO DE ENCERRAMENTO DE LEILÃO», no campo/sector C (epigrafado «IDENTIFICAÇÃO DA MELHOR PROPOSTA») foi identificada a Ré (Y Consulting, Limitada) como tendo apresentado a melhor proposta de compra relativa ao Lote 2, composto por 10.000 ações do capital social da K - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., com valor nominal de € 1,00 cada, apreendidas sob a verba n° 31 (parte) do Auto de Arrolamento, pelo preço de € 6.654,75 (conforme referida «CERTIDÃO», cuja cópia foi junta como documento n° 3 com a petição inicial, que é fls. 12 dos autos, e que aqui se dá por integramente reproduzido).
(facto provado enunciado sob o número 1 na sentença recorrida)

13 - No seguimento do leilão eletrónico com o n.º ...............19, decorrido na Plataforma E-Leilões (https://www.e-leiloes.pt), que encerrou em 19 de Dezembro de 2019, na «CERTIDÃO DE ENCERRAMENTO DE LEILÃO», no campo/sector C (epigrafado «IDENTIFICAÇÃO DA MELHOR PROPOSTA») foi identificada a Ré (Y Consulting, Limitada) como tendo apresentado a melhor proposta de compra relativa ao Lote 4 composto por 10.000 ações de capital social repartidas do seguinte modo: 1.600 ações do capital social de L - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., com valor nominal de € 1,00 cada; 8.400 ações do capital social de K - Sociedade de Garantia Mútua S.A., com o valor nominal de € 1,00 cada, apreendidas sob as verbas n.ºs 30 e 31 (parte) do Auto de Arrolamento pelo preço de € 6.850,85 (conforme referida «CERTIDÃO», cuja cópia foi junta como documento n° 4 com a petição inicial, que é fls. 13 dos autos, e que aqui se dá por integramente reproduzido).
(facto provado enunciado sob o número 2 na sentença recorrida)

14 - No seguimento do leilão eletrónico com o n.º ...............19, decorrido na E- Leilões (https://www.e-leiloes.pt), que encerrou em 19 de Dezembro de 2019, na «CERTIDÃO DE ENCERRAMENTO DE LEILÃO», no campo/sector C (epigrafado «IDENTIFICAÇÃO DA MELHOR PROPOSTA») foi identificada a Ré (Y Consulting, Limitada) como tendo apresentado a melhor proposta de compra relativa ao Lote 5 composto por 10.000 ações do capital social de K - Sociedade de Garantia Mútua S.A., com valor nominal de € 1,00 cada, apreendidas sob a verba nº 31 (parte) do Auto de Arrolamento pelo preço de € 6.425,36 (conforme referida «CERTIDÃO», cuja cópia foi junta como documento n° 5 com a petição inicial, que é fls. 14 dos autos, e que aqui se dá por integramente reproduzido).
(facto provado enunciado sob o número 3 na sentença recorrida)

15 - No seguimento do leilão eletrónico com o n.º ...............19, decorrido na plataforma E-Leilões ((https://www.e-leiloes.pt), que encerrou em 19 de Dezembro de 2019, na «CERTIDÃO DE ENCERRAMENTO DE LEILÃO», no campo/sector C (epigrafado «IDENTIFICAÇÃO DA MELHOR PROPOSTA») foi identificada a Ré (Y Consulting, Limitada) como tendo apresentado a melhor proposta de compra relativa ao Lote 6 composto por 8.000 ações do capital social de K - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., com valor nominal de € 1,00 cada, apreendidas sob a verba nº 31 (parte) do Auto de Arrolamento pelo preço de € 6.251,25 (conforme referida «CERTIDÃO», cuja cópia foi junta como documento n° 6 com a petição inicial, que é fls. 15 dos autos, e que aqui se dá por integramente reproduzido).
(facto provado enunciado sob o número 4 na sentença recorrida)

16 - Foi comunicada à Ré (Y Consulting, Limitada) a aceitação das suas propostas de compra, imediatamente após o encerramento do leilão, pela própria plataforma.
(factos provados enunciados sob os números 5 e 6 na sentença recorrida)

17 - Só em momento posterior à apresentação das propostas, a Ré (Y Consulting, Limitada) proponente recebeu por parte de K - Sociedade de Garantia Mútua S.A. e de L - Sociedade de Garantia Mútua S.A. informação de que as referidas sociedades só procediam à aquisição das acções próprias, única e exclusivamente a accionistas beneficiários aquando da extinção da operação de garantia, bem como a massas insolventes em processo de insolvência.
(facto provado enunciado sob o número 14 na sentença recorrida)

18 - O único propósito que levou a Ré (Y Consulting, Limitada) a apresentar as suas propostas foi a possibilidade de revenda dos bens.
(facto provado enunciado sob o número 15 na sentença recorrida)

19 - Se o anúncio de venda referisse a limitação mencionada no facto provado enunciado sob o número 17, nunca a Ré (Y Consulting, Limitada) teria formulado qualquer proposta de aquisição.
(facto provado enunciado sob o número 16 na sentença recorrida)

20 - A plataforma https://www.e-leiloes.pt não possui um mecanismo que permita ao proponente, após formulação de uma proposta, anular ou comunicar de alguma forma a sua desistência, ainda no decurso da diligência de venda.
(facto provado enunciado sob o número 13 na sentença recorrida)

21 - Após encerramento dos leilões eletrónicos n.º ...............19, n.º ...............19, n.º ...............19 e n.º ...............19, a Autora (Massa Insolvente de X - Tratamento de Superfícies, S.A.) verificou o cumprimento dos pressupostos para aceitação das propostas da Ré (Y Consulting, Limitada).
(facto provado enunciado sob o número 17 na sentença recorrida)

22 - Através de e-mail datado de 20 de Dezembro de 2019, pelas 12:28 horas (junto com a petição inicial sob o n.º 7, que é fls. 16 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido), a Ré (Y Consulting, Limitada) informou o Administrador da Insolvência nos termos seguintes:
«(…)
No seguimento dos leilões abaixo referenciados venho comunicar que uma vez que a K, G. e L não reconhecem a validade dos títulos através de pessoas que não sejam clientes da empresa (ou dos respectivos Administradores judiciais/liquidatários) venho comunicar que não poderei manter o meu interesse na concretização do negócio.
Dado que existiam outros licitadores sugiro e agradeço que proceda à sua adjudicação a outro dos licitadores.
Melhores cumprimentos
F. B.
(…)»
(facto provado enunciado sob a alínea K) na sentença recorrida)

23 - A Ré (Y Consulting, Limitada) procedeu à desistência das propostas em momento anterior à comunicação da aceitação das referidas propostas pela Autora (Massa Insolvente de X - Tratamento de Superfícies, S.A.), mas depois de notificada da aceitação pela plataforma, imediatamente após o encerramento do leilão.
(facto provado enunciado sob o número 18 na sentença recorrida)

24 - O Administrador da Insolvência respondeu ao e-mail da Ré (Y Consulting, Limitada) reproduzido no facto provado enunciado sob o número 22 por correio electrónico, de 23 de Dezembro de 2019, pelas 11:19 horas, nos termos seguintes:
Exmo. Sr. F. B.,
Face ao teor do email infra, cumpre-me informar que todas as questões ou dúvidas existentes deveriam ter sido esclarecidas antes de licitar.
Deste modo, será esta desistência reportada no portal “e-leilões.pt”, assim como serão tomadas as medidas previstas no art.” 825° do Código do Processo Civil.
Com os melhores cumprimentos, - documento junto com a contestação, copiado a fs. 38.
(facto provado enunciado sob a alínea L) na sentença recorrida)

25 - A Ré (Y Consulting, Limitada) nunca foi notificada pelo Administrador da Insolvência da aceitação das suas propostas, nem dos dados para pagamento do preço oferecido nas diligências de venda, sem prejuízo da notificação efectuada pela plataforma (conforme facto provado enunciado sob o número 16).
(factos provados enunciados sob os números 11 e 12 na sentença recorrida)

26 - Os bens em causa nunca chegaram a ser entregues à Ré (Y Consulting, Limitada).
(facto provado enunciado sob a alínea T) na sentença recorrida)

27 - A Autora (Massa Insolvente de X - Tratamento de Superfícies, S.A.) não procedeu à aceitação da segunda melhor proposta nos leilões eletrónicos n.º ...............19, n.º ...............19, n.º ...............19 e n.º ...............19 porque o respectivo licitante também desistiu.
(facto provado enunciado sob o número 20 na sentença recorrida)

28 - Após a desistência, a Autora (Massa Insolvente de X - Tratamento de Superfícies, S.A.) diligenciou por nova venda dos activos supramencionados.
(facto provado enunciado sob a alínea M) na sentença recorrida)

29 - Da nova diligência de venda do Lote 2 resultou a receção de uma proposta no valor de € 2.298,94 (conforme documento junto sob o n.º 8 com a petição inicial, que é fls. 17 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto provado enunciado sob o número 7 na sentença recorrida)

30 - Da nova diligência de venda do Lote 4 resultou a receção de uma proposta no valor de € 1176,47 (conforme documento junto sob o n.º 9 com a petição inicial, que é fls. 18 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto provado enunciado sob o número 8 na sentença recorrida)

31 - Da nova diligência de venda do Lote 5 resultou a receção de uma proposta no valor de € 2.514,31 (conforme documento junto sob o n.º 10 com a petição inicial, que é fls. 19 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto provado enunciado sob o número 9 na sentença recorrida)

32 - Da nova diligência de venda do Lote 6 resultou a receção de uma proposta no valor de € 981,18 (conforme documento junto sob o n.º 11 com a petição inicial, que é fls. 20 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto provado enunciado sob o número 10 na sentença recorrida)

33 - Todas as nove melhores propostas apresentadas nos leilões eletrónicos n.º ...............19, n.º ...............19, n.º ...............19 e n.º ...............19, constantes nos autos, eram de valor superior às recolhidas no segundo leilão realizado pela Autora (Massa Insolvente de X - Tratamento de Superfícies, S.A.)
(facto provado enunciado sob o número 21 na sentença recorrida)

34 - A Autora (Massa Insolvente de X - Tratamento de Superfícies, S.A.) interpelou a Ré (Y Consulting, Limitada) para que procedesse ao pagamento de € 17.768,96 (dezassete mil, setecentos e sessenta e oito euros, e noventa e seis cêntimos), a título de alegados prejuízos causados à Massa Insolvente, por carta datada de 22 de Dezembro de 2020 (cuja cópia foi junta como documento n.º 12 com a petição inicial, que é fls. 21 e 22 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida), onde nomeadamente se lê:
«(…)
12. Posto isto, face à desistência culposa de V/Exas. Venho solicitar o pagamento do montante de Euros 17.768,96, através de transferência bancária para a conta da Massa Insolvente (…) ou através de cheque visado ou bancário (…).
13. Na ausência daquele pagamento irá o signatário encetar os mecanismos ao seu dispor, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 825.º do Código de Processo Civil (ex vi artigo 25.º da Portaria n.º 282/2013 de 29 de Agosto e do artigo 10.º do Despacho n.º 12624/2015, de 09 de Novembro da Câmara dos Solicitadores.
(…)»
(factos provados enunciados sob a alínea N) e sob o número 19 na sentença recorrida)

35 - A Ré (Y Consulting, Limitada) remeteu à Autora (Massa Insolvente de X - Tratamento de Superfícies, S.A.), que a recebeu em 04 de Junho de 2020, a carta cuja cópia é fls. 39 dos autos (que aqui se dá por integralmente reproduzida), onde nomeadamente se lê:
«(…)

No seguimento da comunicação acima identificada cumpre-me informar que:

a. Nunca a sociedade foi informada da aceitação das referidas propostas, nem notificada para o seu pagamento tendo sido comunicada a aceitação do desinteresse do processo.
b. É incompreensível, tendo em conta que considerou o 1º leilão sem efeito, que decorridos mais de 5 meses do acontecimento venha, novamente, questionar a sociedade sobre este assunto.
c. Informaram via mail de 23 de Dezembro de 2019 que o desinteresse tinha sido aceite e tomariam as medidas definidas no art.º 825 do CPC, que prevê a tomada de uma das medidas previstas no n. 1 do artigo 825 do CPC (não cumulativamente)
i. Apesar de existirem propostas de valores muito próximos das efectuadas pela Y não optaram pela adjudicação à proposta de valor imediatamente inferior, facto a que a Y é totalmente alheia e pelo qual não pode ser responsabilizada
ii. Optaram por proceder a nova venda o que implica o reconhecimento da determinação da inexistência do efeito do leilão anterior pelos valores e na forma que entenderam conveniente
d. Se algum direito e/ou responsabilidade ainda pudesse ser atribuída por tal leilão, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, então, deveria ter sido a sociedade notificada para exercer o direito de preferência pelo bem aquando da aceitação e adjudicação da venda dos bens em leilão posterior.

Resumindo:
1. Ao optarem pela aplicação da alínea b) do n. 1 do art. 825 do CPC ficou definitivamente prejudicada a possibilidade de aplicação da alínea c) do mesmo artigo pois foi dado sem qualquer efeito a validade do 1º leilão.
2. Não poderá esta empresa ser responsabilizada por qualquer prejuízo, no entanto, na mera hipótese académica de que pudesse vir a ser, apenas seria razoável fazê-lo pela diferença entre a proposta da Y e a proposta imediatamente a seguir na primeira venda, cuja diferença de valores seria muito mais reduzida.
(…)»
(facto provado enunciado sob a alínea P) na sentença recorrida)

36 - A Ré (Y Consulting, Limitada) não procedeu ao pagamento de qualquer quantia.
(facto provado enunciado sob a alínea O) na sentença recorrida)
*
3.2. Factos não provados

Na mesma decisão, o Tribunal de 1.ª Instância não elencou quaisquer factos não provados (o que não foi sindicado pelas partes).
*
3.3. Enunciações eliminadas

Mercê das razões já expostas supra (em «2.2.2. Questões excluídas do objecto do recurso», «2.2.2.1. Impugnação da matéria de facto»), excluem-se definitivamente da fundamentação de facto as seguintes enunciações (previamente aí integradas pelo Tribunal a quo, e que aqui conservam a sua identificação original, por letras do alfabeto e por algarismos):

B - Como decorre do disposto no art. 158.°, do CIRE, uma vez transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência e realizada a assembleia de apreciação do relatório, o administrador da insolvência procede à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente.

C - Como resulta do disposto no art. 164.° do mesmo diploma legal, a alienação dos bens é preferencialmente efetuada através de venda em leilão eletrónico.

J - A expressão «efectivamente».
A Ré (Y Consulting, Limitada) efectivamente apresentou nos leilões electrónicos – que encerraram em 19.12.2019, às 11 horas e 11h04 (o ...............19) - as seguintes propostas de aquisição:
- ...............19 - € 6.654,75;
- ...............19 - € 6.850,85;
- ...............19 - € 6.425,36;
- ...............19 - € 6.251,25.»

1 - A expressão «adjudicou».
No âmbito dos autos de insolvência pertinentes a X - Tratamento de Superfícies, S.A., no seguimento do leilão eletrónico com o n.° ...............19, decorrido na plataforma E-Leilões (https://www.e-leiloes.pt), que encerrou em 19 de Dezembro de 2019, foi adjudicado à Ré o Lote 2 composto por 10.000 ações do capital social de K - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., com valor nominal de € 1,00 cada, apreendidas sob a verba n.° 31 (parte) do Auto de Arrolamento, pelo preço de € 6.654,75 (conforme «CERTIDÃO DE ENCERRAMENTO DE LEILÃO», cuja cópia foi junta como documento n° 3 com a petição inicial, que é fls. 12, e que aqui se dá por integramente reproduzido).

2 - A expressão «adjudicou».
No seguimento do leilão eletrónico com o n.º ...............19, decorrido na Plataforma E-Leilões (https://www.e-leiloes.pt), que encerrou em 19 de Dezembro de 2019, foi adjudicado à Ré (Y Consulting, Limitada) o Lote 4 composto por 10.000 ações de capital social repartidas do seguinte modo: 1.600 ações do capital social de L - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., com valor nominal de €1,00 cada; 8.400 ações do capital social de K - Sociedade de Garantia Mútua S.A., com o valor nominal de €1,00 cada, apreendidas sob as verbas n.ºs 30 e 31 (parte) do Auto de Arrolamento pelo preço de € 6.850,85 (conforme «CERTIDÃO DE ENCERRAMENTO DE LEILÃO», cuja cópia foi junta como documento n° 4 com a petição inicial, que é fls. 13, e que aqui se dá por integramente reproduzido).

3 - A expressão «adjudicou».
No seguimento do leilão eletrónico com o n.º ...............19, decorrido na E- Leilões (https://www.e-leiloes.pt), que encerrou em 19 de Dezembro de 2019, foi adjudicado à Ré (Y Consulting, Limitada) o Lote 5 composto por 10.000 ações do capital social de K - Sociedade de Garantia Mútua S.A., com valor nominal de € 1,00 cada, apreendidas sob a verba n.º 31 (parte) do Auto de Arrolamento pelo preço de € 6.425,36 (conforme «CERTIDÃO DE ENCERRAMENTO DE LEILÃO», cuja cópia foi junta como documento n° 5 com a petição inicial, que é fls. 14, e que aqui se dá por integramente reproduzido).

4 - A expressão «adjudicou».
No seguimento do leilão eletrónico com o n.º ...............19, decorrido na plataforma E-Leilões (https://www.e-leiloes.pt), que encerrou em 19 de Dezembro de 2019, foi adjudicado à Ré (Y Consulting, Limitada) o Lote 6 composto por 8.000 ações do capital social de K - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., com valor nominal de € 1,00 cada, apreendidas sob a verba n.º 31 (parte) do Auto de Arrolamento pelo preço de € 6.251,25 (conforme «CERTIDÃO DE ENCERRAMENTO DE LEILÃO», cuja cópia foi junta como documento n° 6 com a petição inicial, que é fls. 15, e que aqui se dá por integramente reproduzido).

5 e 6 - A expressão «Aquelas propostas foram aceites pela Autora (Massa Insolvente de X - Tratamento de Superfícies, S.A.)».
Aquelas propostas foram aceites pela Autora (Massa Insolvente de X - Tratamento de Superfícies, S.A.), tendo a aceitação sido comunicada à Ré (Y Consulting, Limitada) imediatamente após o encerramento do leilão, pela própria plataforma.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Venda em leilão electrónico
4.1.1.1. Previsão e disciplina (em geral)

Lê-se no art. 164.º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e de Insolvência (6), que o «administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão eletrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente».
Logo, sendo o leilão electrónico a forma preferencial de venda em processo de insolvência, não é «tendencialmente obrigatória» (7).

Mais se lê, no art. 837.º, do CPC, que, excepto «nos casos referidos nos artigos 830º e 831º, a venda de bens imóveis e de bens móveis penhorados é feita preferencialmente em leilão electrónico, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça» (n.º 1) (8); e à «venda em leilão electrónico aplicam-se as regras relativas à venda em estabelecimento de leilão em tudo o que não estiver especialmente regulado na portaria referida no nº 1» (n.º 2).

Lê-se ainda, no art. 20.º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto (que regulamenta vários aspectos das acções executivas cíveis (9)), que entende-se por «leilão eletrónico» a «modalidade de venda de bens penhorados, que se processa em plataforma eletrónica acessível na Internet, concebida especificamente para permitir a licitação dos bens a vender em processo de execução, nos termos definidos na presente portaria e nas regras do sistema que venham a ser aprovadas pela entidade gestora da plataforma e homologadas pelo membro do Governo responsável pela área da justiça».

Por fim, lê-se no art. 17.º, n.º 1, al. c), do Despacho n.° 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça (10) (que definiu como entidade gestora da plataforma de leilão eletrónico a Câmara dos Solicitadores e homologou as regras do sistema aprovadas por ela), e no que ora nos interessa, que a «plataforma www.e-leiloes.pt pode ainda ser utilizada em processos distintos dos previstos no n.º 2 do artigo 1.º ou noutros âmbitos em que se justifique a utilização de uma plataforma de leilões eletrónicos, designadamente» processos «de insolvência».

Logo, a venda por leilão electrónico tem a sua disciplina jurídica repartida pelo art. 837.º, do CPC (incluindo a remissão que faz para o regime da venda em estabelecimento de leilão, no seu n.º 3), pela Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, e pelo Despacho n.º 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça; e aplicam-se, em primeiro lugar, as regras estabelecidas na Portaria n.º 282/13, de 29 de Agosto, e no Despacho n.º 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça, e só em tudo o que não estiver especialmente aí regulado se aplicando as regras relativas à venda em estabelecimento de leilão (11).
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De acordo com as regras gerais de acesso à plataforma electrónica, apenas o podem fazer os utilizadores registados e credenciados para o efeito (art. 21.º, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto (12)); e na «primeira licitação que o utente apresente na plataforma, surge o aviso constante do Anexo I, só podendo formular a proposta depois de escolher a opção “compreendi e quero licitar”, valendo esta declaração como aceitação das condições para o leilão em causa e para todos os leilões posteriores em que licite» (art. 7.º, n.º 15, do Despacho n.º 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça, com bold apócrifo).

É obrigatória a publicitação da venda em leilão eletrónico na plataforma electrónica, isto é, www.e-leiloes.pt (art. 6.º, do Despacho n.º 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça, que afasta as regras da publicidade da venda por propostas em carta fechada, previstas no art. 817.º, n.º 1, do CPC, já que a remissão feita no art. 837.º, n.º 2, do CPC, é apenas para os n.ºs 2 a 4 daquele preceito (13)). Logo, as outras formas de publicidade empreendidas pelo agente de execução (noutros sítios da Internet, na imprensa escrita, através de correio electrónico, ou através de outros meios que se entendam relevantes) são aqui meramente facultativas (e cumulativas), e não obrigatórias.
Essa publicidade tem menções obrigatórias, destacando-se a natureza do bem, a pendência de oposição à execução ou à penhora, a pendência de recurso, a existência de ónus que não devam caducar com a venda e de eventuais titulares de direitos de preferência manifestados no processo (art. 6.º, n.º 2, do Despacho n.° 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça).

Só podem ser aceites ofertas de valor igual ou superior ao valor base da licitação de cada bem a vender (14); e, de entre estas, é escolhida a proposta cuja oferta corresponda ao maior dos valores de qualquer das ofertas anteriormente inseridas no sistema para essa venda (art. 23.°, n.º 2, da Portaria n.º 282/13, de 29 de Agosto).

O encerramento do leilão é validado electronicamente pelo agente de execução que a ele presidiu, indicando o número da proposta de valor mais elevado e o respetivo valor (art. 8.º, n.º 8, do Despacho n.º 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça); e o resultado é disponibilizado em www.e-leiloes.pt (art. 24.º, da Portaria n.º 282/13, de 29 de Agosto).
Existindo, porém, preferentes, deverão os mesmos ser notificados da data em que finda o leilão eletrónico, para que possam exercer o seu direito (15).

Deverá então o agente de execução notificar o licitante da proposta mais elevada e superior ao mínimo de venda para depositar o preço oferecido, já que lhe cabe «dar cumprimento a toda a tramitação necessária para que a proposta se considere aceite e o bem seja adjudicado ao proponente, nos termos previstos para a venda por proposta em carta fechada» (art. 8.º, n.º 10, do Despacho n.º 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça).
Ora, por força dessa expressa remissão e nos termos do art. 824.º, n.º 2, do CPC, será o dito licitante «notificado para, no prazo de 15 dias, depositar numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, da secretaria, a totalidade (…) do preço em falta» (face à prévia inexistência de qualquer caução, não exigida por lei para a apresentação de proposta de compra em leilão electrónico, ao contrário do que sucede com a venda por proposta em carta fechada, conforme n.º 1, do art. 824.º, citado) (16).
O incumprimento da obrigação de pagamento do preço dá azo à aplicação do regime do art. 825.°, do CPC (arts. 837.°, n.º 3 e 834.°, n.° 4, ambos do CPC, e art. 25.° da Portaria n.º 282/13, de 29 de Agosto).

Após o pagamento do preço e a demonstração do cumprimento de eventuais obrigações fiscais, será proferida pelo agente de execução decisão de «adjudicação», isto é, «decisão tomada no âmbito do processo de execução pelo agente de execução, que decida a venda de um bem ou conjunto de bens integrados num lote, a um utente que apresentou a licitação mais elevada, depois de ter depositado o preço e demonstrado o cumprimento das obrigações fiscais» (art. 2.º, n.º 1, al. a), do Despacho n.° 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça); e emitido conforme título de transmissão.
Isto mesmo é reiterado pelo art. 26.º da Portaria n.º 282/13, de 29 de Agosto, onde se lê que compete «ao agente de execução a decisão de adjudicação dos bens» (n.º 1), sendo que os «direitos ou deveres legalmente previstos podem ser exercidos até ao momento da adjudicação» (n.º 2), aqui se incluindo o direito de eventuais preferentes.
Precisa-se, a propósito, que produzindo a venda em processo de execução os mesmos efeitos da venda realizada através de um negócio jurídico (isto é, as obrigações de entregar a coisa e de pagar o preço, e a transmissão da propriedade da coisa, conforme art. 879.º, als. a) a c), do CC), do Código Civil), contudo nela (e ao contrário do que sucede na venda negocial, em que a transferência da propriedade se dá por mero efeito do contrato) a transferência de propriedade apenas ocorre com a emissão do título de transmissão (que não será emitido, nem os bens entregues, antes de se mostrar integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão) (17).
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4.1.1.2. Proposta de compra - Aceitação - Desistência (em particular)

As ofertas, uma vez introduzidas no sistema, não podem ser retiradas (art. 23.º, n.º 3, da Portaria n.º 282/13, de 29 de Agosto, e art. 7.º, n.º 14, do Despacho n.° 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça) (18).
Recorda-se que isso mesmo foi aceite previamente pelo proponente, na sua declaração inicial de «compreendi e quero licitar», prévia a qualquer primeira licitação que haja efectuado (art. 7.º, n.º 15, do Despacho n.° 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça, já reproduzido supra). Com efeito, lê-se expressamente no Anexo I ao dito Despacho que fica «alertado de que não é possível anular uma licitação depois de esta ser concretizada. A licitação é definitiva e não pode ser revogada, anulada ou por qualquer forma alterada».
Compreende-se, por isso, a preocupação em advertir o proponente, no mesmo Anexo I (como «Aviso para a primeira licitação», e quando vai «licitar pela primeira vez no portal www.e-leiloes.pt»), que antes «de apresentar uma proposta/licitação é aconselhável que diligencie por conhecer previamente o bem e verifique a diversa documentação», devendo em «caso de dúvida», optar «sempre por consultar um solicitador ou advogado, os únicos profissionais legalmente habilitados para o auxiliar e defender os seus interesses»; e que as «informações quanto ao bem que vai licitar são da exclusiva responsabilidade do agente de execução titular do processo ou da entidade indicada como responsável pela colocação do bem em leilão», devendo em «caso de dúvida» contactar «o agente de execução ou a entidade responsável».

Relativamente à aceitação da proposta, lê-se no art. 10.º, do Despacho n.° 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça, que: cabe «ao utente consultar o estado e o resultado do leilão em que tenha apresentado proposta, inclusive nos casos de cancelamento, anulação do leilão nos termos previstos no n.º 2 do artigo 835.º do Código de Processo Civil, e aceitação de proposta, não estando o administrador da plataforma obrigado à sua notificação por qualquer outra via» (n.º 1); e o «envio de e-mail ou sms com alertas ou avisos referente a leilões em curso reveste natureza totalmente voluntária, não podendo ser alegada a falta de informação quando não sejam enviados» (n.º 2).

Logo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, sendo qualquer proposta de compra, uma vez validamente apresentada na plataforma electrónica, irrevogável, fica afastada a disciplina geral do art. 230.º, n.º 1 e n.º 2, do CC (segundo o qual «a proposta de contrato é irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida», sendo que, se «ao mesmo tempo que a proposta, ou antes dela, o destinatário receber a retratação do proponente ou tiver por outro meio conhecimento dela, fica a proposta sem efeito»).
Dir-se-á ainda que a aceitação da proposta de compra é feita pela própria plataforma, ao identificá-la como a de maior valor e superior ao preço mínimo fixado, em campo próprio do modelo oficial de «CERTIDÃO DE ENCERRAMENTO DE LEILÃO», no campo «C», identificado como «IDENTIFICAÇÃO DA MELHOR PROPOSTA» (no seguinte, «D», identificado como «10 MELHORES PROPOSTAS», se referindo as mesmas, por ordem decrescente de valor).
Só assim se compreende a expressa redacção da lei, quando afirma que cabe «ao utente consultar (…) o resultado do leilão em que tenha apresentado proposta, inclusive nos casos de (…) aceitação de proposta», o que pressupõe que esta (aceitação) ocorre na dita plataforma (meio onde o utente fica a conhecê-la); e só assim «não estando o administrador da plataforma obrigado à sua notificação por qualquer outra via», nomeadamente de que a sua proposta foi aceite.
No mesmo sentido depõe novamente o Anexo I, do Despacho n.° 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça (que o proponente conheceu como «Aviso para a primeira licitação», e aceitou previamente como condição de realização da mesma), onde se lê que, caso «a sua licitação seja superior ao valor mínimo e, com o encerramento do leilão, se verifique que é a licitação mais elevada, fica obrigado ao depósito do preço, com as consequências previstas no artigo 825.º do Código de Processo Civil, nomeadamente, por decisão do Juiz, “o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos”».
Visa-se, assim, «garantir a transparência do procedimento de leilão, que culmina com o acto de adjudicação do bem à melhor proposta, mediante o pagamento do preço, e a garantia da obtenção de fundos que assegurem o cumprimento do crédito (…) exequendo. A protecção dos referidos valores levou o legislador a instituir um regime - relativo ao leilão electrónico - em que os proponentes têm acesso directo e imediato aos actos e peças do mesmo, sem necessidade de qualquer intermediação. Nesta medida, o funcionário com competência para emitir as guias necessárias ao depósito do preço não tem competência dispositiva ou informativa sobre a tramitação do leilão, cujo regime e termos resultam acessíveis, através da respectiva plataforma, ao destinatário médio, colocado na posição do reclamante» (Ac. do TCAS, de 11.08.2021, Jorge Cortês, Processo n.º 87/21.2BEALM).

Contudo, e tal como desde logo resulta do Anexo I, ao Despacho n.° 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça, o facto de se «apresentar a proposta mais elevada» não implica necessariamente que o bem venha a ser adjudicado ao respectivo proponente, já que «existem várias circunstâncias que podem ditar» o contrário, «designadamente: a) Pagamento da dívida ou acordo de pagamento; b) Exercício por terceiro do direito de preferência ou de remissão; c) Reclamação procedente quanto à decisão da venda; d) Declaração de insolvência ou plano especial de revitalização (PER); e) Falecimento do executado» (19).
Compreende-se, por isso, que no art. 10.º, n.º 5, do Despacho n.° 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça, se leia que o utente da plataforma «é ainda alertado de que, apesar de ter apresentado a licitação mais alta, tal não implica que o bem lhe possa efetivamente vir a ser adjudicado, por força dos condicionalismos legais, nomeadamente processuais, que são alheios à plataforma www.e-leiloes.pt e que devem ser apreciados no âmbito do processo de execução que deu origem ao leilão eletrónico».
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4.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que, tendo sido determinada a venda, por leilão electrónico, de quatro lotes de acções, propriedade da insolvente X - Tratamento de Superfícies, S.A., a Ré (Y Consulting, Limitada), credenciada na respectiva plataforma, apresentou nela quatro propostas de aquisição; e as mesmas viriam a ser as de maior valor, face às demais apresentadas, e superiores ao preço mínimo anunciado.
Mais se verifica que, na devida e oficial «CERTIDÃO DE ENCERRAMENTO DE LEILÃO», isso mesmo foi devidamente certificado, pelo conforme preenchimento do seu campo «C», «IDENTIFICAÇÃO DA MELHOR PROPOSTA».
Por fim, verifica-se que a Ré tomou conhecimento dessa aceitação da sua proposta de compra pela plataforma; e que, no dia imediato, pretendeu desistir dela.

Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, considera-se que, afirmando expressamente a lei que a proposta de compra apresentada na plataforma electrónica www.e-leiloes.pt não pode ser retirada, sendo nomeadamente irrevogável, que é aceite a de maior valor, desde que superior ao mínimo anunciado como preço de venda, e que basta para este efeito a certificação dessa realidade pela dita plataforma (dispensando, por isso, qualquer comunicação ulterior, nomeadamente de quem promove a venda), ficou deste modo assegurada, a conclusão do processo tendente à posterior adjudicação à Ré (Y Consulting, Limitada) dos ditos lotes de acção, uma vez pago por ela o preço oferecido, seguindo-se a emissão final do devido título de transmissão (20).
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Dir-se-á ainda que, sendo irrelevante para este efeito a sua posterior comunicação, ao Administrador da Insolvência, de «que não poderei manter o meu interesse na concretização do negócio», sugerindo-lhe e agradecendo-lhe «que proceda à sua adjudicação a outro dos licitadores» (conforme referido supra), também não foi a legalmente irrelevante desistência respectiva aceite por este.
Com efeito, e de forma formal e expressa, o mesmo comunicou-lhe de seguida que «todas as questões ou dúvidas existentes deveriam ter sido esclarecidas antes de licitar», não aceitando assim a pertinência das motivações por ela apresentadas para radicar a dita desistência; e, de forma conforme, desde logo adiantando que «será esta desistência reportada no portal “e-leilões.pt”, assim como serão tomadas as medidas previstas no art.” 825° do Código do Processo Civil», isto é, as legalmente destinadas a salvaguardar os interesses da contraparte do proponente incumpridor (o que pressupõe a não aceitação, pura e simples, da desistência da Ré, isto é, a singela revogação de todos os actos conducentes à apresentação, por ela, de uma proposta de compra e à sua posterior, formal e válida aceitação).
Não pode, por isso, aceitar-se (como pretende a Ré), que um declaratário normal (21), colocado na sua posição, entendesse aquela comunicação do Administrador da Insolvência como anuência à sua pretensão, muito pelo contrário (isto é, afirmando-lhe o mesmo, clara e assertivamente, que a não aceitava, e por isso lhe brandindo o regime legal previsto para o seu anunciado incumprimento).
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Por fim, dir-se-á que, devendo o Administrador da Insolvência, em circunstâncias normais, notificar a Ré (Y Consulting, Limitada) para que procedesse ao depósito do preço oferecido e aceite (por nada obstar à posterior adjudicação à mesma dos quatro lotes de acções licitados, conforme ele próprio teria verificado, e à subsequente emissão dos pertinentes títulos de transmissão), certo é que no caso dos autos se mostrava inútil essa notificação, face à sua «declaração antecipada de não cumprir» (22).
Com efeito, tendo-lhe a Ré (Y Consulting, Limitada) comunicado, formal e assertivamente, «que não poderei manter o meu interesse na concretização do negócio», sugerindo-lhe e agradecendo-lhe «que proceda à sua adjudicação a outro dos licitadores», não faria sentido que a notificasse para o depósito do preço devido por uma concreta compra de que ela própria já desistira
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, considerando verificada nos autos a prática de todos os actos necessários e conducentes à posterior adjudicação à Ré (Y Consulting, Limitada) dos quatro lotes de acções por ela licitados, e à emissão dos necessários títulos de transmissão, uma vez depositado o respectivo preço; e que a mesma só não foi notificada para o pagamento deste, face à sua antecipada declaração de não cumprir, ínsita na pretendida desistência da proposta de compra apresentada.
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4.2. Falta de depósito do preço pelo proponente de aquisição
4.2.1. Consequências (art. 825.º do CPC)
Lê-se no art. 10.º, n.º 3, do Despacho n.º 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça, que, sem «prejuízo do disposto no artigo 3.º, o utente, no momento em que acede à plataforma, deve declarar que aceita as condições de utilização da mesma e que tem total conhecimento das obrigações que lhe podem ser imputadas caso não deposite o preço, nomeadamente as que resultam do artigo 825.º do CPC».
Mais se lê, no art. 25.º da Portaria n.º 282/13, de 29 de Agosto (com a epígrafe «Falta de pagamento do preço»), que à «falta de pagamento do preço no prazo legal é aplicável o disposto no artigo 825.º do Código de Processo Civil, devendo as condições de pagamento ser definidas nas regras do sistema» (que, como vimos, foram dispostas no art. 8.º, n.º 10, do Despacho n.º 12624/15, de 09 de Novembro, remetendo este para os «termos previstos para a venda por proposta em carta fechada»).

Por fim, lê-se no art. 825.º, do CPC (com a epígrafe «Falta de depósito»), no seu n.º 1, que, findo «o prazo referido no n.º 2 do artigo anterior, se o proponente ou preferente não tiver depositado o preço, o agente de execução, ouvidos os interessados na venda, pode: a) Determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou b) Determinar que a venda fique sem efeito e efetuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente ou preferente remisso a adquirir novamente os mesmos bens e perdendo o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou c) Liquidar a responsabilidade do proponente ou preferente remisso, devendo ser promovido perante o juiz o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos».

Dir-se-á, e antes de mais, que se estando perante uma venda em processo de insolvência, na modalidade de venda em leilão electrónico, com regulamentação própria (v.g. Portaria n.º 282/13, de 29 de Agosto, e Despacho n.º 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça), necessita o art. 825.º, n.º 1, do CPC, que ser devidamente adaptado já que: não há aqui a prestação de qualquer caução, que possa ser declarada perdida; e também não há aqui processo de execução em que o licitante relapso possa ser executado para pagamento do valor em falta e acréscimos, ou em que se possa requerer arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas.
Crê-se, assim, que no caso dos autos apenas se poderá liquidar a responsabilidade do proponente relapso, em sede própria (de que estes autos constituem exemplo próprio); e, depois de reconhecida e eventualmente não cumprida, executá-la coercivamente, novamente em sede própria.

Dir-se-á ainda que, mesmo que se entenda de outro modo, e tal como resulta da conjunção disjuntiva «ou», utilizada nas diversas alíneas do art. 825.º, n.º 1, do CPC, sempre ficaria à escolha da contraparte do proponente relapso a opção por uma das três soluções ali consagradas, desde que, no caso concreto, se mostrassem possíveis (23).
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4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, tendo a Ré (Y Consulting, Limitada) apresentado a proposta de compra de valor mais elevado em quatro leilões eletrónicos, e sendo a mesma superior ao valor mínimo ali fixado para o efeito, viu a mesma ser aceite pela respectiva plataforma; e, ficando assim obrigada a contribuir para a posterior conclusão de tal aquisição (nomeadamente, pagando o preço oferecido, uma vez notificada para o efeito), veio antes a desistir da mesma, quando a lei lhe interditava esse comportamento.
Mais se verifica que, não estando ao dispor do Administrador da Insolvência determinar que as vendas ficassem sem efeito, por aceitação em cada uma delas da segunda melhor proposta (já que o respectivo licitante também delas desistiu), podia livremente optar pela liquidação da sua responsabilidade, isto é, pelo prejuízo causado com aquela sua ilícita actuação (de que, de resto, fora antecipadamente advertida pela própria plataforma electrónica).
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Dir-se-á ainda, reiterando o entendimento já exposto antes, que não se considera que a Ré (Y Consulting, Limitada) se encontrasse simplesmente em mora quanto ao cumprimento da sua obrigação de depósito do preço oferecido, como ela própria defende subsidiariamente nos autos (sendo que nem mesmo tinha sido notificada para aquele efeito): ao anunciar antecipadamente a sua intenção de não proceder ao dito depósito, e ao actuar posteriormente em conformidade, certificou o seu incumprimento definitivo de uma tal obrigação.
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, considerando verificado nos autos o incumprimento definitivo da Ré (Y Consulting, Limitada), relativo à sua obrigação de depósito do preço que oferecera na licitação de quatro lotes de acções; e o direito que, mercê do mesmo, assistia ao Administrador da Insolvência de liquidar os prejuízos causados com aquela sua ilícita actuação (no caso, de desistência da compra).
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4.3. Responsabilidade do proponente de aquisição relapso

4.3.1. Cálculo da responsabilidade

Lê-se no art. 825.º, n.º 1, al. c), do CPC (já demonstrado como aplicável aos autos), e no que ora nos interessa, que, «se o proponente ou preferente não tiver depositado o preço», será liquidada «a responsabilidade do proponente ou preferente remisso, devendo ser promovido perante o juiz o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas».
Logo, o critério de determinação da medida da responsabilidade devida é-nos desde logo fornecido pela lei, quando refere «o valor em falta», isto é, o preço antes oferecido pela compra e depois não depositado, acrescido das custas e despesas, no caso, de maiores encargos suportados, nomeadamente com uma segunda venda.
Contudo, e vindo a mesma a ser realizada, necessariamente que se terá que subtrair ao montante do preço não depositado pelo proponente relapso o depois naquela obtido, por ser essa a medida do prejuízo efectivamente causado com aquela conduta.
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Dir-se-á ainda que, mesmo que se entendesse de outro modo, considerando estar aqui em causa uma mera responsabilidade pré-contratual, a indemnização que origina não tem necessariamente que se limitar ao interesse contratual negativo (aos danos que a parte sofreu por ter confiado na futura celebração de um contrato, que afinal não chegou a celebrar-se), como defende a Ré (Y Consulting, Limitada) nos autos.
Com efeito, pelo menos quando as negociações tenham atingido um elevado grau de desenvolvimento, com acordo sobre todas as questões relevantes, justificando assim confiança na celebração do negócio, já que nada obsta à sua formalização, quando esta afinal não venha a ocorrer, a indemnização deve corresponder ao interesse contratual positivo ou de cumprimento (falando-se aqui na violação de um dever de conclusão de contrato) (24).
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4.3.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que a Ré (Y Consulting, Limitada) ofereceu, nos quatro leilões em que participou, um total de € 26.182,21.
Mais se verifica que, vindo ilicitamente a desistir dessas vendas e tendo as mesmas que ser repetidas, se apurou então um valor global de € 6.970,90.
A diferença entre os dois valores foi, pois, de € 19.211,11, que correspondeu precisamente à indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo.
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, considerando que a liquidação da responsabilidade em que a Ré (Y Consulting, Limitada) incorreu foi de € 19.211,11; e que à mesma acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data em que foi interpelada para o seu pagamento, conforme correctamente decidido na sentença recorrida.
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Importa, pois, decidir pela improcedência total do recurso de apelação da Ré (Y Consulting, Limitada).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré (Y Consulting, Limitada), e, em consequência, em

· Confirmar integralmente a sentença recorrida.
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Custas da apelação pela Ré recorrente (art. 527.º, n.º 1, do CPC).
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Guimarães, 17 de Fevereiro de 2022.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.


1. Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem -, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
2. Precisa-se, a propósito, que apesar «da citada disposição legal não referisse direta e expressamente sobre» preposições de «matéria de facto que fossem vagas, genéricas ou conclusivas o certo é que na jurisprudência consolidou-se o entendimento de que tal disposição legal era de aplicar analogicamente a tais situações, sempre que a matéria em causa se integrasse no thema decidendu, por se reconduzirem à formulação de juízos de valor que se devem extrair de factos concretos, objeto de alegação e prova» (Ac. da RG, de 20.09.2018, Vera Sottomayor, Processo n.º 778/16.0T8BCL.G1).
3. Neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, Almedina, 1999, pgs. 147-148, onde se lê que terão de ser erradicadas da decisão sobre a matéria de facto «as alegações com conteúdo técnico-jurídico, de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem (v.g. renda, contrato, proprietário, residência permanente, etc.)». Ainda Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 312, onde se lê que a matéria de facto «não pode conter qualquer apreciação de direito», ou seja, «qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica». Na jurisprudência, entre muitos, Ac. da RG, de 20.09.2018, Vera Sottomayor, Processo n.º 778/16.0T8BCL.G1, onde se lê que, não tendo o «Código do Processo Civil de 2013» reproduzido o art. 646.º, n.º 4, do CPC de 1961, «no entanto é de considerar que se mantém tal entendimento, interpretando a contrario sensu o n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados. Ou seja, o tribunal só pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida “os factos” e não as conclusões ou juízos de valor a extrair dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, o que é uma operação intelectual bem distinta». «Importa ainda salientar que apesar de só os factos concretos poderem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão são ainda de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, desde que não integrem o conceito do próprio objeto do processo ou seja não constitua a sua verificação o conteúdo do objeto de disputa das partes. Por outro lado, são também de afastar as expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio».
4. Com efeito, e ao contrário do que sucede com o recurso relativo à decisão sobre a matéria de direito (previsto no art. 639.º, n.º 2 e n.º 3, do CPC), no recurso relativo à matéria de facto (previsto no art. 640.º, do CPC) não se admite despacho de aperfeiçoamento. «Esta solução é inteiramente compreensível e tem a sustentá-la a enorme pressão (geradora da correspondente responsabilidade) que durante décadas foi feita para que se modificasse o regime de impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliassem os poderes da Relação a esse respeito, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitiria corrigir. Além disso, pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção de prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas. Enfim, a comparação com o disposto no art. 639º não deixa margem para dúvidas quanto à intenção do legislador de reservar o convite ao aperfeiçoamento para os recursos da matéria de direito» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 128). Aliás, o entendimento da não admissibilidade de despacho de aperfeiçoamento face ao incumprimento, ou ao cumprimento deficiente, do ónus de impugnação da matéria de facto, já era generalizadamente aceite no âmbito do similar art. 690.º-A do anterior CPC, de 1961 (conforme Carlos Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Almedina, pág. 203).
5. A exigência de rigor, no cumprimento do ónus de impugnação, manifestou-se igualmente a propósito do art. 685º-B, n.º 1, al. a), do anterior CPC, de 1961, conforme Ac. da RC, de 11.07.2012, Henrique Antunes, Processo n.º 781/09, onde se lê que este «especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor», constituindo «simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso».
6. O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e de Insolvência - doravante CIRE - foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março.
7. Neste sentido: Ac. da RL, de 28.01.2020, Vera Antunes, Processo n.º 7688/16.9T8SNT-I.L1-1; ou Ac. da RG, de 23.09.2021, António Barroca Penha, Processo n.º 1218/12.9TJVNF-AJ.G1.
8. Logo, também no regime regra da venda executiva a lei optou, claramente, pela venda (por regra) mediante leilão electrónico, só em casos excepcionais (devidamente discriminados nos seus pressupostos), admitindo a venda mediante outras modalidades. Contudo, Rui Pinto, não deixa de precisar que, «se por um lado» a venda em leilão eletrónico, «passa a modalidade-regra da venda executiva, todavia, deixa-se ainda espaço decisório ao agente de execução, através do advérbio “preferencialmente”. Claramente, o agente apenas deixará de realizar esta venda quando fundamentadamente declare que as demais modalidades de venda aplicáveis, permitem a satisfação do interesse do credor mais rapidamente ou por outra razão atendível em face dos princípios que norteiam a penhora e a venda» (in A Ação Executiva, 2018, AAFDL Editora, Junho de 2018, pág. 871)».
9. Lê-se no preâmbulo da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, que, dada «a multiplicidade de diplomas regulamentares que regem aspetos da ação executiva, que proliferam na nossa ordem jurídica», optou-se «por condensar na presente portaria as disposições constantes de grande parte desses diplomas, regulamentando numa só portaria os aspetos essenciais do processo executivo»; e que, desse modo, se procurou «simplificar o quadro normativo atualmente existente, em linha com a simplificação e agilização que se pretende operar em matéria de ação executiva por via da aplicação do novo Código de Processo Civil, de forma a garantir aos destinatários das normas não apenas o seu conhecimento mas também a sua simples e rápida aplicação».
10. O Despacho n.º 12624/15, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça, foi publicado no DR, II Série, n.º 219, de 09 de Novembro de 2015. Homologou as regras do sistema da plataforma de leilão eletrónico tal como foram aprovadas pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, por deliberação do seu Conselho Geral de 19 de Setembro de 2015; e tal como tinha sido previsto pelo art. 20.º, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto.
11. Defendendo inexistir aqui qualquer violação do princípio da hierarquia das normas e dos actos legislativos, Ac. da RC, de 27.02.2018, Moreira do Carmo, Processo n.º 818/15.0T8CBR-C.C1, onde nomeadamente se lê que o «Despacho da M. Justiça 12.624/2015, em DR, II Série, de 9.11.2015, que regula vários aspectos da venda de bens em leilão electrónico, não viola o princípio da hierarquia das normas e actos legislativos, porquanto o NCPC, aprovado pela Lei 41/13, de 26.6, prevê tal modalidade de venda, remetendo os termos a definir para portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, que é a Portaria 282/2013, de 29.8, que por sua vez prevê que o dito leilão electrónico se processa em plataforma electrónica acessível na Internet, nos termos definidos na referida portaria e nas regras do sistema que venham a ser aprovadas pela entidade gestora da plataforma e homologadas pelo membro do Governo responsável pela área da justiça. O Despacho 12.624/2015, veio precisamente definir como entidade gestora da plataforma de leilão electrónico a Câmara dos Solicitadores e homologar as regras do sistema aprovadas por essa entidade». Estabeleceu-se, assim, uma cadeia legislativa formalmente hierarquizada, em que a Lei remete para um diploma hierarquicamente inferior, uma Portaria, e esta, por seu turno, para um Despacho ministerial, também hierarquicamente inferior, inexiste a apontada inconstitucionalidade». No mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Almedina, 2020 Reimpressão, pág.256.
12. Lê-se no art. 21.º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, que: a «entidade gestora da plataforma eletrónica, a qual é definida por despacho do membro do Governo responsável pela área da justiça, disponibiliza a todos os interessados, em sítio da Internet de acesso público definido nas regras do sistema, a consulta dos anúncios de venda de bens que decorra através de leilão eletrónico bem como as regras do sistema» (n.º 1); a plataforma electrónica «dispõe de um módulo de acesso restrito a utilizadores registados no sistema, no qual se processa a negociação dos bens a vender em leilão eletrónico, estando permanente e publicamente visível em cada leilão o preço base dos bens a vender, o valor da última oferta e o valor de venda efectuada dos bens leiloados» (n.º 2); só «podem efectuar ofertas de licitação no leilão eletrónico regulado na presente portaria utilizadores que se encontrem registados, após autenticação efectuada de acordo com as regras do sistema» (n.º 3); as «regras do sistema regulam o processo de registo referido no número anterior, devendo assegurar a completa, inequívoca e verdadeira identificação de cada uma das pessoas registadas como utilizadores da plataforma a que alude o artigo anterior» (n.º 4); e a «cada utilizador registado são fornecidas credenciais de acesso constituídas por um nome de utilizador e uma palavra-chave pessoais e intransmissíveis, que permitam a sua autenticação na plataforma referida no artigo anterior» (n.º 5).
13. Neste sentido: Ac. da RP, de 08.03.2019, Augusto de Carvalho, Processo n.º 439/14.4TBVCD.P1; ou Ac. da RE, de 14.03.2019, Francisco Xavier, Processo n.º 2708/12.9TBPTM-A.E1.
14. Neste sentido, Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, AAFDL Editora, Junho de 2018, pág. 872, onde expressamente se lê que só «podem ser aceites ofertas de valor igual ou superior ao valor base da licitação de cada bem a vender». Na jurisprudência: Ac. da RL, de 21.02.2019, Pedro Martins, Processo n.º 574/16.4T8ALM.L1-2; ou Ac. da RG, de 06.05.2021, Maria João Matos, Processo n.º 228/13.3TBCBC-D.G1, onde se lê que, na «venda em leilão electrónico não podem ser aceites ofertas de valor inferior ao valor mínimo de licitação de cada bem a vender, isto é, a 85% do valor base respectivo (art. 837.º do CPC, arts. 1.º, al. j), e 20.º, ambos da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, e arts. 2.º, al. q), e 23.º, ambos do Despacho n.º 12624/2015, de 09 de Novembro, da Ministra da Justiça); e, por isso, realizado «um leilão electrónico, em que o valor da maior licitação foi inferior ao mínimo anunciado para venda, não vale como aceitação tácita do executado a sua inércia face à notificação da dita licitação», ainda «que o agente de execução haja atribuído ao seu silêncio, decorrido o prazo de dez dias, esse significado (art. 218.º do CC)».
15. Neste sentido, Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, AAFDL, Junho de 2018, págs. 873 e 874.
16. No mesmo sentido, de que o proponente escolhido deverá ser notificado para proceder ao depósito do preço, Ac. da RL, de 02.12.2021, Eduardo Petersen Silva, Processo n.º 1642/16.8T8OER-D.L1-6. Contudo, em sentido contrário, considerando ser aqui aplicável, por remissão do art. 837.º, n.º 2, o regime da venda em estabelecimento de leilão, previsto no art. 834.º, n.º 4, ambos do CPC, Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, AAFDL, Junho de 2018, pág. 873, onde se lê que, por «força do artigo 834º nº 4, ex vi artigo 837º nº 3, o proponente vencedor deverá proceder ao pagamento por depósito do preço líquido em instituição de crédito, à ordem do agente de execução e apresentar no processo o respetivo conhecimento, nos cindo dias posteriores à realização da venda». Ainda António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Almedina, 2020 Reimpressão, pág. 257.
17. Neste sentido: Ac. do STA, de 24.07.2019, Ana Paula Lobo, Processo n.º 0599/18.5BELLE; Ac. da RE, de 11.03.2021, Manuel Bargado, Processo n.º 514/04.3TBORQ-C.E1; ou Ac. da RE, de 15.04.2021, José Manuel Barata, Processo n.º 930/19.6T8OLH-D.E1.
18. De forma conforme se lê nas FAQ’s (frequently asked question) da plataforma (disponíveis em https://www.e-leiloes.pt/faqs.aspx): à pergunta «Fiz uma licitação e afinal arrependi-me, posso desistir ?», esclarece-se «Não. As licitações não podem ser retiradas e deve ter em atenção que pode vir a ser responsabilizado pelos prejuízos a que der causa».
19. De forma conforme se lê nas FAQ’s da plataforma (disponíveis em https://www.e-leiloes.pt/faqs.aspx): à pergunta «A minha licitação foi a mais alta. Já posso considerar que o bem é meu ?», esclarece-se «Não. Após o encerramento do leilão, o resultado é remetido ao agente de execução titular do processo associado ao bem que foi vendido, cabendo a este agente de execução concretizar os demais trâmites processuais, nomeadamente, notificando as partes das propostas apresentadas e o apresentante da melhor proposta para o depósito do preço e demonstração do cumprimento das obrigações fiscais associadas à compra, quando a elas haja lugar. Só depois será emitido o título de transmissão».
20. Precisa-se, a propósito, que o exposto não equivale a considerar, desde logo, concluída a venda, já que (conforme referido supra), na «venda por leilão eletrónico, a adjudicação deve ser realizada nos termos previstos para a venda por propostas em carta fechada – emissão pelo AI de título de transmissão a favor do proponente adjudicatário –, por força do disposto no artigo 827.º/1 do CPC e artigo 8.º/10, in fine, do Despacho n.º 12624/2015, da Ministra da Justiça»; e, por isso, com «a aceitação da proposta o ato da venda não fica concluído», já que só «depois de integralmente pago o preço é que os bens são adjudicados e é efetuado o registo da venda» (Ac. da RE, de 15.04.2021, José Manuel Barata, Processo n.º 930/19.6T8OLH-D.E1).
21. Recorda-se que se lê, no art. 236.º, n.º 1, do CC, que a «declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele».
22. Precisa-se que a «doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender - orientação que perfilhamos - que o incumprimento definitivo surge também nos casos em que o devedor declara expressamente não pretender cumprir a prestação a que está adstrito ou adopta uma qualquer outra conduta manifestamente incompatível com o cumprimento»; e, assim, quando «estas situações ocorram, não se torna necessário que o credor fixe ao devedor um prazo suplementar para haver incumprimento definitivo: a declaração do devedor é suficiente, por exemplo, no caso em que, sem fundamento, resolve o contrato, ou afirma de forma inequívoca, que não realizará a sua prestação» (Ac. da RL, de 17.12.2019, Cristina Silva Maximiano, Processo 22550/18.2T8LSB- L1-7, com extensa citação de doutrina e jurisprudência conformes). Pondera-se, neste sentido, que não há «razão para manter o credor vinculado, até ao vencimento, a uma relação jurídica que, em virtude de declaração séria, certa e segura, ante diem, de não cumprir do devedor, perdeu a força originária e desapareceu como vínculo em cuja actualidade final o sujeito activo possa confiar para satisfação plena e integral do seu interesse, razão existencial da obrigação» (João Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 8.ª edição, Almedina, pág. 129).
23. Neste sentido, Ac. da RG, de 31.01.2019, Margarida Almeida Fernandes, Processo n.º 216/14.2TBVPA.G2, onde se lê que, nos «termos do art. 825º nº 1 do C.P.C. da falta de depósito do preço nesse prazo não decorre automaticamente que a venda fica sem efeito».
24. Neste sentido: Ac. do STJ, de 28.04.2009, Azevedo Ramos, Processo n.º 09A0457 (com indicação de doutrina e jurisprudência conformes); ou Ac. da RG, de 27.05.2015, Jaime Carlos Ferreira, Processo n.º 512/13.6TBCBR.C1.