Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA COIMBRA | ||
Descritores: | ABUSO SEXUAL MENORES ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA ATOS SEXUAIS COM ADOLESCENTE PENA ARTºS 172º E 173º DO CP | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/12/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
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Sumário: | 1. Se na atuação provada estão projetados diversos atos ilícitos de natureza sexual praticados em momentos diferentes sobre a mesma vítima, o arguido deve ser punido por tantos crimes quantos os atos ilícitos provados. 2. Não basta para integrar o crime de abuso sexual de menores dependentes, previsto no art. 172 do Código Penal, que entre o adulto e o menor exista alguma convivência, alguma ascendência ou autoridade, alguma submissão ou obediência. É necessário que o menor, mesmo que transitoriamente, esteja subordinado ao adulto como o estaria aos pais, a quem são, em primeira linha, confiadas a educação e assistência. 3. Não comete um crime de abuso sexual de menor dependente, mas 10 crimes de atos sexuais com adolescentes, previstos e punidos pelo art. 173 do Código Penal, o professor de uma escola pública que, por 10 vezes, pratica atos sexuais de relevo com uma aluna adolescente, abusando da inexperiência desta. | ||
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Decisão Texto Integral: | Juiz Desembargadora Relatora: Maria Teresa Coimbra. Juiz Desembargadora Adjunta: Cândida Martinho. Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. No processo comum com intervenção do tribunal coletivo que, com o nº 1443/17.6T9BRG, corre termos pelo juízo central criminal de Braga, foi decidido: 1-Condenar o arguido M. J., pela prática de 1 crime de abuso sexual de menor dependente, previsto e punido no art.º 172.º nº 1 do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGSRP, visando a plena consciencialização da gravidade e desvalor da sua conduta e a importância dos bens jurídicos com ela postos em causa, bem como a prevenção da reincidência, com o acompanhamento técnico que se mostre necessário, incluindo a frequência de programas de reabilitação para agentes deste tipo de ilícitos- art.º 54.º nº 4 do CP. 2-Condenar o arguido M. J. a pagar à ofendida L. S., representada pelos seus pais, M. S. e A. C., a quantia de 8.000,00€ acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação do pedido até integral pagamento. Condena-se ainda o arguido nas custas do processo (…). * Inconformado com a decisão recorreu o ministério público para este tribunal, concluindo o recurso do seguinte modo: A. 1. Discordando-se vivamente da medida da pena concreta aplicada, afigura-se-nos que o quantum de tal pena se apresenta não só desajustado e desproporcional por benevolente em demasia, como descurando os fins e limites das penas no quadro do binómio culpa-ilicitude dos factos, e o acautelar dos princípios da prevenção geral e especial. 2. Numa moldura penal abstracta que tem como limite mínimo 1 ano e como limite máximo 8 anos de prisão, a pena concreta de 3 anos de prisão, de forma alguma se apresenta como correcta, legal, ajustada e adequada, sendo demasiado leve, em função da gravidade dos factos praticados, não dando resposta cabal aos ditames e princípios da prevenção geral e especial. 3. O sentimento geral da sociedade de confiança e de expectativa de que não haja crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual só será alcançado com uma reacção punitiva séria e efectiva que não redunde num sentimento geral de impunidade “de facto”. 4. Os factos praticados são reveladores de um grau de ilicitude acentuado, atento o local da sua prática e o seu prolongar no tempo, sendo os concretos actos sexuais perpetrados pelo arguido, além de diversificados, bem intensos e vincados, revelando-se o arguido obstinado e persistente na satisfação dos seus instintos libidinosos, como perpassa claramente dos factos apurados nos autos. 5. O arguido – não obstante tenha confessado tardiamente os factos, sendo uma confissão de pouco relevo face à evidência da prova –, não manifestou um concreto e sincero arrependimento, relevando ao invés uma atitude de minimização e atribuição externa de responsabilidade, parcialmente legitimadora, a seu ver, da sua conduta. 6. Face à evidência duma culpa intensa do arguido, manifestada nos factos, e atentas as elevadas exigências de prevenção que em concreto se fazem sentir, impõe-se a aplicação de uma pena de prisão jamais inferior a 4 anos e 6 meses de prisão. 7. Tendo violado o disposto nos artigos 40.º e 71.º do C.P., deverá conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, determinar-se a revogação do acórdão na parte em que condena o arguido M. J. pela prática de um crime de abuso sexual de menor dependente na pena de 3 anos de prisão, devendo ser substituído por outro que aplique ao arguido uma pena não inferior a 4 anos e 6 meses de prisão. B. 1. A suspensão da execução da pena de prisão determinada pelo Tribunal a quo apresenta-se desajustada por demasiado branda e benevolente, não dando resposta cabal aos ditames e princípios da prevenção geral e especial, inexistindo fundamento para fazer um juízo de prognose favorável. 2. A gravidade do ilícito global perpetrado, a inclinação criminosa revelada nos factos de forma manifesta atento o seu prolongar no tempo, a manifesta falta de interiorização do desvalor da sua conduta e das consequências da mesma, revelada pela postura assumida pelo arguido, com um seu desresponsabilizar pela “incapacidade de colocar limites” num contexto de “clima afectivo” que foi por si criado, impedem necessária e inelutavelmente a formulação de um juízo de prognose favorável ao arguido. 3. O Tribunal a quo jamais poderia ter determinado a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, sendo o cumprimento efectivo da pena reclamado e justificado plenamente pelas elevadas exigências de prevenção que em concreto se fazem sentir e pela manifesta ausência de um qualquer juízo efectivo de probabilidade de o arguido não vir a cometer novos ilícitos. 4. A opção pela suspensão da execução da pena de prisão com a formulação de um juízo prognose favorável ao arguido no caso em si não só não tem uma base concreta real, fidedigna e fiável que a sustente como até vai contra os fins das penas, o grau da culpa e da ilicitude dos factos, os princípios da prevenção geral e especial e, em particular, a própria confiança e segurança da comunidade, cada vez mais perturbada e massacrada por uma criminalidade, em crescendo, atentatória da liberdade e da autodeterminação sexual, estupefacta e apalermada perante tanta benevolência do aparelho judicial. 5. Tendo violado o disposto no art. 50.º do C.P., deverá conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, determinar-se a revogação do acórdão na parte em que suspende a execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, determinando-se a condenação em pena efectiva de prisão – nunca inferior a 4 anos e 6 meses de prisão –, só se assim se evitando o instalar na comunidade de um sentimento geral de impunidade “de facto”. Vossas Excelências no entanto, melhor ajuizando, farão como sempre a devida justiça. * Também o assistente pai da menor e em representação desta, inconformado, interpôs recurso que concluiu do seguinte modo (transcrição): 1º - Vem o recurso interposto do Douto Acórdão de fls. 627 a 638, proferido pelo Tribunal Coletivo em 20 de Novembro de 2019 que condenou o arguido M. J. na pena de prisão de 3 anos suspensa na sua execução, e no pagamento de uma indemnização à ofendida no valor de €8.000,00. 2º - O Assistente não concorda nem se conforma com o Douto Acórdão proferido, pois, o qual deve ser revogado. 3º - Os factos dados como provados impunham condenar o arguido numa pena de prisão EFECTIVA nunca inferior a 5 anos, bem como a atribuição de uma indemnização à ofendida L. S. nunca inferior a cinquenta mil euros. 4º - Atendendo aos factos dados como provados, a aplicação de uma pena de prisão de 3 anos ao arguido, suspensa na sua execução em igual período, determina que o Douto Acórdão agora recorrido viole os artigos 40º e 71º do Código Penal. 5º - A finalidade das penas constituí em primeiro lugar, a protecção de bens jurídicos, protecção essa que é alcançada por punir a conduta do agente que praticou o crime e violou o bem jurídico em causa, e ao mesmo tempo passar a mensagem à sociedade que a prática do crime é punida, servindo quer como elemento dissuasor da prática de crimes futuros, bem como um elemento gerador de confiança e segurança da comunidade. 6º - Tendo em conta o bem jurídico violado em causa nos presentes autos, e a gravidade da culpa do arguido, dúvidas não podem restar que a aplicação de uma pena de prisão de 3 anos, SUSPENSA, é no mínimo benevolente. 7º - A culpa do arguido é GRAVISSIMA, pois como resulta da matéria de facto dado como provada, o arguido era professor de educação física, Director de turma e professor de xadrez da ofendida, que à data dos factos tinha 14 anos de idade. (factos provados nº 4, 5 e 6). 8º - E aproveitando-se dessa posição, bem como da fragilidade da menor (factos provados nºs 33, 34, 36) o arguido traçou um plano com vista a satisfazer os seus desejos sexuais. 9º - A nossa sociedade não pode confiar na justiça, e sentir-se segura, se não tiver a certeza que este tipo de crimes praticados pelos professores sobre os alunos é exemplarmente punido. 10º - Os actos sexuais praticados pelo o arguido são gravíssimos, conforme ficou provado nos factos nºs 20, 21 e 22 supra descritos. 11º - E que o arguido só não penetrou a menor porque esta recusou num primeiro momento, (facto provado nº 24) e porque o comportamento do arguido foi posteriormente descoberto. (factos provados nºs 29 e 30). 12º - A que acresce que este comportamento do arguido para com a menor teve a duração de 3 meses, com grande parte dos factos a ser praticados nas instalações da escola (factos provados nº 11, 12, 13, 15, 17 e 27). 13º - Não obstante a confissão dos factos, a verdade é que o arguido desvalorizou o seu comportamento, tentando passar ao longo do julgamento que a culpada desse comportamento era da menor, com 14 anos na altura dos factos. (facto provado nº 65). 14º - Esta sentença Não está à altura do bem jurídico violado, não cumpre minimamente as suas funções de prevenção geral e especial, e principalmente não pune o comportamento do arguido. 15º - E nem sequer se fale da irrisória quantia atribuída a título de indemnização, pois o Douto Tribunal a quo, nem sequer condicionou a suspensão da pena ao pagamento da indemnização à menor. 16º - Assim, o arguido pode nem sequer pagar, nem ter por onde pagar, a indemnização resultante da condenação. Resultando assim a sua condenação num VAZIO de consequências. 17º - A Douta Sentença agora recorrida tem que obrigatoriamente ser substituída por uma que condene o arguido em pena de prisão não inferior a 5 anos. 18º - Pena essa cuja execução NÃO PODE SER SUSPENSA. 19º - Atendendo ao tipo de crime, à culpa supra demonstrada do arguido, ao dolo, bem como a relação de professor-aluno que existe nos presentes autos, a suspensão da execução da pena transmite um SINAL CLARO de impunidade, causadora inclusive de alarme social. 20º - Sem falar das consequências devastadoras da actuação do arguido na pessoa da ofendida. 21º - Por isso, a pena de prisão aplicada ao arguido não pode ser suspensa, sob pena de violação dos artigos 40º, 70 e 71º do Código Penal. 22º - A Douta Sentença recorrida atribuiu a quantia de €8.000,00 a titulo de indemnização a pagar pelo arguido à menor L. S., mas atendendo as consequências arrasadoras que a conduta do arguido causou na ofendida, o aqui recorrente não pode concordar com esse montante, devendo o pedido de indemnização civil apresentando ser julgado totalmente procedente. 23º - A indemnização em causa deve compreender os danos não patrimoniais causados, e montante destes danos deve ser equitativamente fixado pelo Tribunal, tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, e o sofrimento, a dor e o desgosto causado na ofendida. 24º - Ora atendendo aos factos dados como provados, claro fica que a indemnização atribuída pelo Douto Tribunal a quo fica bastante aquém, e não leva em conta nenhum dos critérios supra mencionados. 25º - Assim, ficou provado que como consequência directa e necessária da actuação do arguido a menor L. S. tem dificuldades em dormir, chora compulsivamente e encontra-se a tomar medicação antidepressiva. (facto provado nº 32). 26º - Que nunca tinha tido relações intimas, nunca tinha tido namorado e que tinha problemas de autoestima (facto provado nº 36). 27º - Que este episodio abalou profundamente a sua vida social, deixando a menor L. S. desgostosa, envergonhada e humilhada (factos provados nºs 38, 39 e 40). 28º - E que a actuação do arguido agudizou a baixa autoestima da menor e causou-lhe forte trauma. (Facto provado nº 42.) 29º - Duvidas não podem restar que o comportamento do arguido causou um trauma que vai durar a vida inteira da ofendida L. S.. 30º - O Abuso causado na menor L. S., tendo o arguido plena consciência que a sua idade e inocência não lhe permitia auto determinar-se sexualmente, comprometeu de forma seria o seu normal e regular desenvolvimento sexual e psíquico, resultou em danos IRREVERSIVEIS. 31º - Pela compensação de todos os danos sofridos pela menor L. S. deve ser-lhe atribuída uma indemnização nunca inferior a cinquenta mil euros. Pelo que a pena ajustada, e mais legalmente correcta face a tudo o exposto e num enquadramento típico-legal do artigo 172º nº 1 do Codigo Penal, atendendo a especial censurabilidade e perversidade, e tendo e atenção todo o cincunstancionalismo que rodeou a pratica do crime, será uma pena nunca inferior a 5 anos de prisão. Deve também o pedido de indemnização civil ser julgado totalmente procedente, e em consequência ser o arguido condenado a indemnizara a menor L. S., em quantia nunca inferior a cinquenta mil euros. Nestes Termos, e esperando e confiando no Douto suprimento de V. Exas., deverá ser dado provimento ao recurso, assim se fazendo a mas recta e sã justiça. * Respondeu ao recurso do assistente o ministério público junto da 1ª instância, manifestando concordância parcial com o teor do recurso e sublinhando a posição já anteriormente assumida no recurso por si interposto. * Neste tribunal o ministério público emitiu parecer que concluiu do seguinte modo: “O recurso do assistente deverá ser rejeitado por falta de interesse em agir; não possuímos interesse em contraditar o recurso interposto pelo demandante civil; já o recurso do Ministério Público deverá ser julgado parcialmente procedente, agravando-se, por um lado, a pena aplicada ao arguido, pela autoria de 1 crime de abuso sexual de menor dependente de 3 anos para 4 anos e 6 meses de prisão, tendo em vista o disposto no art.º 71.º e 40.º do CP e mantendo-se, por outro, a já decretada suspensão da execução da pena de prisão por o arguido condenado ser ainda credor de um juízo de esperança de conformação da sua vida com o direito, assumindo a sua reprovável conduta um esporádico acontecer, não se opondo a tal desígnio, em concreto, as necessidades de reprovação e prevenção do citado crime. * Foi cumprido o disposto nos artigos 417º, nº 2 e 424º, nº 3 do Código de Processo Penal.* Após os vistos prosseguiram os autos para conferência.II. Cumpre apreciar e decidir tendo em conta que os poderes de cognição deste tribunal da relação estão delimitados pelas conclusões do recurso, - sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – e que, analisando-as, é a este tribunal pedido que se pronuncie sobre: - Se a medida da pena deve ser agravada e cumprida de forma efetiva; -Se o montante arbitrado a título de indemnização civil deve ser corrigido. É a seguinte a matéria de facto fixada e respetiva motivação (transcrição): 1. FACTOS PROVADOS DA PRONÚNCIA e da ACUSAÇÃO PÚBLICA, para a qual aquela remete: 1. O arguido M. J. nasceu em -/01/1968. 2. O arguido é licenciado em Desporto e Educação Física e, desde o mês de abril de 2005, até 12/09/2017 – altura em que, no âmbito destes autos, foi presente a primeiro interrogatório judicial de arguido detido –, exerceu a profissão de professor de Educação Física na Escola EB 2 3, de ..., em …. 3. Para além do exercício da função de docente, desde o ano letivo de 2014/2015, o arguido desempenhou o cargo de Diretor de Turma, na Escola EB 2 3, de ..., em …. 4. O arguido desempenhou ainda, desde data não concretamente apurada, até 12/09/2017, as funções de orientador nas aulas de xadrez, na referida escola, as quais tinham lugar às segundas, quintas e sextas-feiras, da parte da tarde, na sala dos professores, que é contígua ao pavilhão gimnodesportivo. 5. L. S. nasceu em -/05/2002, sendo filha M. S. e A. C.. 6. No ano letivo de 2016/2017, L. S. frequentou o 9.º ano de escolaridade, na Escola EB 2 3, de ..., em .., tendo sido integrada na Turma A, sendo seu Diretor de Turma o arguido M. J., que também era seu professor da disciplina de Educação Física. 7. Em novembro do ano de 2016, a menor L. S. passou a frequentar, todas as terças e sextas-feiras, da parte da tarde, entre as 14H15 e as 15H00, as aulas de xadrez, na escola, sendo o arguido o seu orientador em tal atividade. 8. No decurso do mês de janeiro do ano de 2017, a menor L. S., juntamente com alguns colegas de turma, decidiram organizar uma festa de aniversário ao arguido, a qual teve lugar no dia 20/01/2017, da parte da tarde, no interior do pavilhão gimnodesportivo da escola. 9. Por essa mesma altura, ocorreu um evento de natureza desportiva, uma corrida, que teve lugar em Guimarães, no fim da qual, o arguido se aproximou da menor L. S., rindo-se, brincando com esta e abraçando-a. 10. Desde então, começou também a contactar diariamente a menor L. S., através do messenger do facebook, o que fez exacerbar nesta sentimentos mais afetuosos pelo arguido. 11. Numa sexta-feira, não concretamente determinada, do mês de fevereiro de 2017, durante uma aula de xadrez que teve com o arguido, na sequência de “jogo de verdade ou consequência” que haviam feito e que a menor havia perdido, o arguido disse-lhe que teria de cumprir a consequência. 12. Em ato contínuo, o arguido aproximou-se da menor e beijou-a na boca. 13. Desde então, em todas as sextas-feiras seguintes, durante as aulas de xadrez, o arguido, encontrando-se sozinho com a menor L. S., beijava-a na boca e apalpava-a, passando as suas mãos, inclusivamente, sobre a zona da sua vagina e das mamas, por cima e por debaixo da roupa que vestia. 15. Em data próxima e posterior ao dia 5/04/2017, coincidente com o início das férias escolares da Páscoa, que ocorreram entre os dias 5/04/2017 e 18/04/2017, o arguido enviou uma mensagem à menor, através do messenger do facebook, convidando-a a encontrarem-se, nesse próprio dia, a fim de praticarem atletismo. 16. Como a menor referiu que nesse dia não podia, combinaram então encontrar-se no dia 11/04/2017, terça-feira, nas proximidades do banco …, junto à rotunda …, em …. 17. No dia agendado, 11/04/2017, a menor L. S. saiu de casa, pelas 14H00, apanhou um autocarro e encontrou-se com o arguido, no local combinado, pelas 14H45. 18. Daquele sítio seguiram, no automóvel utilizado pelo arguido, de marca Opel, até a um espaço comercial, denominado X, sito na Rua ..., n.ºs …, em …, Braga. 19. Uma vez nesse local, o arguido convidou a menor a entrar numa sala arrendada, com cerca de 6 metros quadrados, que o arguido explorava, juntamente com outros parceiros negociais, para a comercialização de produtos da .... 20. De seguida, o arguido estendeu um cobertor, que trouxe consigo, no chão, e pediu à menor que se despisse, ao que esta acedeu, tendo também o arguido tirado as suas roupas. 21. Completamente desnudados, deitaram-se, de seguida, no chão, por cima do referido cobertor, virados um para outro, e começaram a beijar-se mutuamente na boca. 22. Nessas circunstâncias, o arguido apalpou o corpo da menor, incluindo a zona das mamas, da vagina e dos glúteos. 23. Por solicitação do arguido, a menor L. S. segurou no pénis deste, com as mãos, metendo-o depois à boca; por sua vez, o arguido colocou-se por cima da menor e lambeu-lhe a vagina e as mamas, assim praticando ambos sexo oral. 24. Nesse encontro, o arguido propôs à menor que mantivessem relações sexuais de cópula, dizendo-lhe concretamente que “gostava de a penetrar”, o que a menor recusou prontamente, e o arguido aceitou. 25. O arguido e a menor mantiveram-se dentro do referido espaço comercial, praticando os referidos atos de natureza sexual, até por volta das 16H30 desse dia. 26. Posteriormente, o arguido transportou a menor até perto da igreja de …, onde esta, de seguida, apanhou um autocarro, em direção a casa. 27. Após este dia, o arguido voltou a encontrar-se com a menor, na escola, durante as aulas de xadrez, às sextas-feiras, pelo menos, por mais três ocasiões, tendo o último encontro ocorrido no dia 05/05/2017. 28. Nesses encontros, o arguido voltou a beijou sempre a menor na boca e a apalpou-lhe o corpo, nomeadamente a zona das mamas e da vagina, por cima e por debaixo da roupa. 29. Por essa ocasião, em data não concretamente apurada, o arguido e a menor combinaram um outro encontro, a sós, para o dia 27/05/2017, na casa dos padrinhos da menor, que estão emigrados. 30. Depois de ter tomado conhecimento de que a relação de ambos havia sido tornada pública, no dia -/05/2017, o arguido contactou telefonicamente a menor L. S., a fim de se encontrarem, no dia seguinte, em …, pelas 10H30. 31. Nesse encontro, o arguido rogou à menor para que não contasse a ninguém que tinha mantido com ela encontros de natureza sexual, de modo a, assim, eximir-se à ação da justiça e manter o seu posto de trabalho, como professor. 32. Mercê de todo o sucedido, a menor L. S. manifesta dificuldades em dormir e apresenta episódios de choro compulsivo, encontrando-se a tomar medicação antidepressiva. 33. Em todas as ações que prosseguiu, o arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de satisfazer os seus desejos sexuais, à custa da inexperiência da menor L. S., pese embora estivesse ciente da idade real desta, manifestando total indiferença pelas consequências perniciosas da sua atuação no crescimento e desenvolvimento psicológico e sexual da mesma. 34. O arguido sabia que os comportamentos sexuais por si praticados eram atentatórios do direito da menor ao livre desenvolvimento da personalidade na sua vertente sexual, aproveitando-se, em toda a sua atuação, da proximidade que lhe advinha da sua condição de seu professor, Diretor de Turma e orientador de xadrez, aulas que esta frequentava, muitas vezes, sozinha, na companhia deste. 35. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei. DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL Para além dos factos supra elencados, resultaram, ainda, provados do pedido de indemnização civil, os seguintes factos: 36. A menor L. S. é uma jovem reservada, com problemas de autoestima, facto de que o arguido tinha conhecimento. 37. Nunca tinha tido namorado, nem mantido relações intimas até ao sucedido com o arguido. 38. O relacionamento havido entre o arguido e a L. S. foi descoberto pelos colegas da escola da menor, em virtude de terem visto as mensagens trocadas entre ambos no telemóvel da menor, o que denunciaram á directora, o que tudo abalou fortemente a sua vida social, começando a ser apontada e comentada pelos abusos sexuais de que foi vitima. 39. O que a deixou apreensiva, desgostosa, envergonhada e humilhada. 40. Mercê do sucedido, a L. S. sente-se profundamente perturbada, magoada, desconsiderada e desgostosa. 41. Começou a manifestar dificuldades em dormir, a apresentar episódios de choro compulsivo, associados a episódios de ansiedade. 42. A actuação do arguido agudizou a baixa autoestima da menor e causou-lhe forte trauma. 43. Em consequência da conduta do arguido e do passou a ter acompanhamento psicológico e psiquiátrico e tomar medicação antidepressiva, que mantém e de que continua a necessitar 44.Em consequência da conduta do arguido, a menor experimentou profundos sentimentos de vergonha e humilhação, estando o seu pensamento ainda hoje dominado pelos sobreditos acontecimentos, que a traumatizaram, e continuam a causar-lhe sofrimento emocional. 45. A conduta do arguido afectou o saudável crescimento e personalidade da menor, prejudicou de a sua saúde física e mental. DA DISCUSSÃO DA CAUSA: 46. O arguido não tem antecedentes criminais. 47. M. J., é o mais velho de três irmãos, originário de uma família de modesta condição social, descrita como funcionalmente organizada, afetuosa e equilibrada, com preocupação na transmissão aos descendentes de um modelo educativo conforme os valores socialmente aceites. 48. Simultaneamente ao seu percurso escolar e, posteriormente, ao exercício da sua atividade profissional, o arguido iniciou e manteve a prática de futebol iniciada aos 12 anos de idade no Clube …, com deslocação diária aos treinos no referido clube, rotina que manteve até aos 32 anos de idade em vários clubes da 2ª divisão, e que, por motivos de horários e colocações de docência, se viu forçado a desistir da prática desta atividade desportiva. 49. Após a conclusão do ensino secundário em …, M. J. licenciou-se na Universidade do … em Desporto e Educação Física. O seu percurso profissional, exclusivamente exercido como docente de educação física em várias escolas, foi iniciado após o estágio académico e em 2002 integrou os quadros da escola EB 2,3 de ..., …, onde exerceu funções desde então. 50. O arguido enquanto adolescente revelou um adequado comportamento e uma boa capacidade de adaptação e ajustado relacionamento interpessoal nos diversos contextos, escolares, desportivos e meio social. Perante as figuras de autoridade assumia uma postura de humildade e de respeito, e, perante os colegas de escola e clubes desportivos, atitudes de solidariedade e espírito de grupo. 51. Ao nível familiar o arguido constituiu agregado próprio em 1994, é pai de uma filha, sendo dinâmica familiar harmoniosa. 52. Ao longo da sua trajetória de vida familiar, adoptou rotinas orientadas em função do trabalho, do apoio nas tarefas domésticas e convívio privilegiado com o agregado constituído e família alargada, pela proximidade relacional que os caraterizou ao longo da sua vida. 53. A organização e participação em eventos relacionados com torneios de futebol ou atividades escolares que dinamizava na escola (desporto escolar e xadrez) ocupavam muito do seu tempo livre e aos fins-de-semana participava com os alunos em competições a nível regional, distrital e nacional. 54. No período a que se reportam os factos constantes na acusação, M. J. integrava o agregado familiar, cônjuge – docente do 1º ciclo, e filha, 22 anos, estudante universitária no …, residentes em apartamento próprio, com boas condições de habitabilidade e localizado na periferia da cidade , situação que se mantém. 55. À data dos factos a sustentabilidade da família era assegurada pelos salários do casal no total de cerca de 2.800,00€ nos quais alicerçavam as despesas do agregado, nomeadamente a amortização do empréstimo bancário relativo à compra do imóvel (380,00€) e cerca de 250,00€ relativos ao pagamento de bens e serviços básicos (água, luz, gás, TV e condomínio). Acresce ainda a amortização de um outro empréstimo pessoal no montante mensal de 900,00€. 56. No âmbito de processo disciplinar que lhe foi movido pelo Ministério da Educação, por virtude dos factos dos autos, foi aplicada ao arguido a pena de demissão, decisão de que o arguido recorreu para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, e que se encontra pendente. 57. Tal facto motivou alteração relevante na sua situação patrimonial e do seu agregado. 58. Para colmatar a perda do seu salário, M. J. ocupa o seu quotidiano como vendedor da ... auferindo cerca de 350,00€, relativos às comissões de vendas efetuadas, e actualmente iniciou actividade como assistente de desporto num ginásio. 59. A família mantém disponibilidade para continuar a constituir-se como retaguarda e facultar-lhe todo o apoio. 60. M. J. projeta uma imagem social e pessoal positiva. 61. A existência dos presentes autos passa despercebida na localidade de residência do arguido e apenas um conjunto restrito de amigos, colegas de trabalho e os seus familiares diretos, conhecem a presente situação jurídico-penal e os factos que estão na origem do processo, perante a qual se manifestam surpreendidos. 62. M. J. mostra-se preocupado pelas consequências do processo em que se encontra implicado, pelo sofrimento causado à filha e cônjuge, consequências na interação social e familiar, e impacto na economia doméstica decorrente da sua demissão da escola onde lecionava e inerente perda de salário. 63. O arguido ao longo do seu percurso laboral revelou nível de desempenho profissional ajustado ao exercício das suas funções. 64. O arguido evidencia traços de personalidade com conduta genericamente orientada para comportamento socialmente ajustados, apresentando um plano emocional elevado autocontrolo, revelando, no entanto, um nível significativo de stress emocional. 65. O arguido revela acerca da natureza dos factos de que está acusado uma atitude de minimização e, em alguma medida, atribuição externa de responsabilidade, legitimadora parcialmente de comportamentos com os descritos nos autos. revelando fraca interiorização da responsabilidade e do desvalor dos seus actos FACTOS NÃO PROVADOS: Inexistem factos não provados da acusação. Do pedido de indemnização civil, com relevância para a decisão da causa, não se provaram outros factos, para além dos referidos supra. Da contestação quer à acusação, quer ao pedido de indemnização civil, não ficaram provados quaisquer outros factos MOTIVAÇÃO O tribunal baseou a sua convicção na valoração global e crítica da prova produzida. Refira-se, antes de mais, que o arguido, na segunda sessão da audiência de julgamento, admitiu integralmente os factos constantes da acusação e que se deram como provados. A comprovação de tais factos, das circunstâncias em que veio a ser conhecido o relacionamento estabelecido entre o arguido e a menor, dos danos para esta resultantes, resultam, ainda, de forma abundante dos seguintes elementos de prova: Declarações para memória futura prestadas pela menor L. S., que, em si mesmas e ainda valoradas e conjugadas com os demais elementos de prova, se revelaram credíveis, prestadas de forma convincente, que se revelou autêntica e correspondente a experiências efectivamente vividas, descrevendo forma coerente e com espontaneidade o desenvolvimento da sua relação com o arguido, os sentimentos que em relação a ele foi desenvolvendo, os actos por estes praticados e suas circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreram, a forma como o relacionamento em causa veio a terminar, por ter sido descoberto por seus colegas de escola que acederam às mensagens do seu telemóvel, e o contacto efectuado pelo arguido após essa circunstância. No seu relato não se vislumbra efabulação ou dose exarcebada de subjectivismo, ou qualquer sentimento de vingança relativamente ao arguido, por quem, aliás, veio a desenvolver sentimentos amorosos, conforme referiu e que são patentes na carta de fls 40., cujo teor confirmou. Referiu, ainda, de forma convincente e credível, o sofrimento e perturbação que toda esta situação lhe causou. Os depoimentos das testemunhas L. G., 17 anos, estudante, que referiu ter tomado conhecimento do relacionamento entre o arguido e a L. S., bem como do conteúdo das mensagens trocadas, por colegas desta, numa altura em que já não frequentava a escola de ..., confirmando que o assunto foi comentado não só naquele escola, como na escola que a depoente frequentava B. F., 16 anos estudante, que foi colega de turna da menor L. S. entre o 5º e o 9º ano na Escola de .... Referiu, após terem tido acesso às mensagens trocadas, a depoente, juntamente com mais quatro colegas da escola denunciaram a situação à Directora da Escola. Confirmou ter o assunto sido comentado por alunos da escola, sendo que alguns de forma jocosa. Referiu a perturbação e tristeza que esta situação provocava na L. S., com quem falou sobre o assunto após aquela denúncia. D. T., psicóloga, que nessa qualidade prestava serviços na escola EB 2 3 de …, tendo acompanhado a menor L. S. no 7º e 9º ano de escolaridade. Esclareceu que, na sequência de denúncia efectuada por alunos junto da Directora da Escola, a pedido desta falou com a L. S., que prestou o seu assentimento. Relatou que a menor foi gradualmente expondo a natureza do seu envolvimento com o arguido e os actos por este praticados, testemunhou a forte perturbação da menor, quer naquele momento, quer posteriormente, posto que a acompanhou ate final do ano lectivo, referindo, designadamente, a circunstância de a menor recorrer frequentemente às urgências por dores de estômago e vótimos, por razões psicológicas, as perturbações de sono que sofreu, a vergonha e humilhação que toda a situação para a menor acarretou e afectação no seu desenvolvimento pessoal. Esclareceu ainda que já tinha acompanhado a menor no 7º ano – por razões ligadas com défice de atenção e baixa autoestima – e que no 9º ano já tinha sido pedida o acompanhamento psicológico da menor pelo conselho de turma, mediante formulário preenchido pelo arguido, director de turma. A. C., mãe da menor L. S., que relatou, de forma convincente , o transtorno e perturbação evidenciados pela menor, que lhe relatou o sucedido com o arguido, após ter sido conhecido na escola o teor das mensagens trocadas, referindo que a menor passou a apresentar alterações comportamentais, a ter dificuldades em dormir, tinha crises de choro associada a episódios de ansiedade, dores de estomago e vómitos, o que provocou várias idas ao hospital e determinou que passasse a ser acompanhada por psiquiatria e psicologia, tomando antidepressivos e medicação para dormir. Esclareceu ainda que, não obstante a menor ter passado para o 10º ano, no 10º ano mudou de escola e reprovou. Continua a apresentar alterações comportamentais, revela-se muito triste, não convive, preferindo estar sozinha e só quer estar deitada e continua a necessitar de acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Confirmou, ainda, ter encontrado uma carta escrita pela menor ao arguido e que não chegou a ser enviada e que entregou nos autos. Interessaram de igual modo as declarações prestadas pelo pai da menor, M. S., coincidentes com as da mãe da menor. Foram ainda relevantes: fotogramas das mensagens telefónicas trocadas entre o arguido e a menor, a fls. 24 e 29 e contidas no CD de fls. 23: assento de nascimento de fls. 148 e 149. Registo biográfico do arguido de fls 38, horários escolares de fls. 53 e 54, carta escrita pela menor L. S., a fls. 40, relatório policial, contendo imagens dos locais indicados pela vitima, a fls. 41 a 46, relatório de exame ao local do gabinete sito no X, Rua ..., Loja …, em Braga, efectuado com a presença do arguido, que a tanto deu o seu consentimento. Refira-se a este respeito que a questão suscitada pelo arguido na contestação apresentada quanto à nulidade deste elemento de prova é manifestamente improcedente, posto que não resulta do auto, nem ficou apurado, que o arguido tenha sido detido para esse efeito, sendo certo que se trata de elemento de prova que não assumiu relevo particular no apuramento dos factos. * O depoimento de A. V., que também foi aluna do arguido, não teve relevância para o apuramento dos factos dos autos. * Quanto às condições pessoais do arguido, seu percurso pessoal e profissional e características psicológicas e a sua postura face aos factos, interessaram para além da audição deste em audiência de julgamento, o teor do relatório social junto aos autos e o teor do relatório de avaliação psicológica, junto a fls. 569 e seg. * O arguido, como se disse, na segunda sessão de julgamento, admitiu integralmente os factos constantes da acusação, o que assumiu alguma relevância para a decoberta da verdade, embora de grau não muito elevado, atento os demais elementos de prova recolhidos, designadamente as declarações para memória futura prestadas pela menor e todos os elementos objectivos e depoimentos testemunhais que as corroboram. Declarou-se o arguido arrependido e ciente que a sua conduta foi errada. Todavia, afigurou-se que tal atitude não revelava uma plena consciência da gravidade da sua conduta e do desvalor dos seus actos, posto que de algum modo imputava a responsabilidade do acontecido à clima afectivo em que se envolveu, e ao qual, como referiu “não foi capaz de colocar limites”, tendo agido “de forma irreflectida”. Por tal motivo, e ainda porque a testemunha J. L., psicólogo clínico e psicoterapeuta, que subscreveu o relatório de fls , esclareceu não lhe ter sido relatado pelo arguido grande parte dos factos constantes da acusação e que o arguido admitiu em audiência, tendo-lhe sido apenas relatado a existência de mensagens entre o arguido e a menor, o que retira força probatória ao conteúdo de tal relatório, entendeu-se ordenar a realização da perícia psicológica, requerida, aliás, pelo arguido e no qual o mesmo manteve interesse em audiência. O resultado da perícia psicológica, que consta de fls. 569 a 576 dos autos, confirmou a convicção que resultou das declarações prestadas pelo arguido, nele se concluindo “o arguido revela, acerca da natureza dos factos de que está acusado, uma atitude de minimização, desculpabilização e atribuição externa de responsabilidade, sustentada em distorções cognitivas, procurando projectar uma imagem de alguma fragilidade e eventual vitimização, favoráveis a um fraca interiorização da responsabilidade e à legitimação parcial de comportamentos como os descritos nos autos”. Foram também ponderados, quanto ao passado profissional do arguido, os depoimentos de T. C. e E. C., docentes de educação física e colega do arguido na mesma Escola EB 2 3 de ... durante 8 anos, que referiram nada conhecer até então em desabono do carácter do arguido, sendo um profissional de educação física empenhado e activo. * Apreciação do recursoOs recorrentes, como já se disse, insurgem-se, essencialmente, contra a medida da pena e a sua suspensão. Antes, porém, de nos debruçarmos sobre a concreta medida da pena impõe-se uma reflexão sobre a qualificação jurídica dos factos pelos quais o arguido foi condenado, uma vez que este tribunal não está impedido de proceder à requalificação jurídica dos factos dada a liberdade de conformação no que respeita ao dizer do direito (cfr. Ac. STJ de 13/07/2011 in www.dgsi.pt), desde que cumprido o disposto no art.º 424.º nº 3 do CPP, o que, oportunamente, ocorreu. Não obstante o arguido ter sido punido por um único crime, na atuação provada estão projetados diversos atos ilícitos praticados em momentos e locais diferentes sobre a mesma vítima. Como é dito no citado acórdão do STJ “a distinção entre unidade e pluralidade de crimes é decisiva na determinação das consequências jurídicas do facto, para efeito de punição do agente. A regra é que, sendo vários os preceitos violados, ou sendo o mesmo preceito objeto de plúrimas violações, haja uma pluralidade de crimes. Esta pluralidade só fica afastada no caso de concurso aparente ou nas formas de unificação de condutas, seja como crime continuado, como um único crime ou como crime de trato sucessivo”. O arguido chegou a julgamento pronunciado pela “prática de um crime de abuso de menor dependente, de trato sucessivo, p.p. art.º 172.º, nº 1 do CP ex vi art.º 171.º nºs 1 e 2 do mesmo Código”. Do dispositivo do acórdão condenatório foi eliminada a expressão “trato sucessivo”, mas no acórdão é dito que “muito embora a conduta do arguido se tenha prolongado no tempo e se tenha reiterado, a matéria de facto provada, permite inferir que à conduta do arguido presidiu uma medida resolutiva que abarcou os vários atos sexuais de relevo que praticou com a menor vítima. (…) No caso em apreço, não se apurou em concreto o número de vezes que a conduta do arguido preencheu cada um dos ilícitos em causa, sendo certo que se trata de atos de natureza homogénea, ocorridos no contexto da mesma situação relacional e existindo entre eles conexão temporal, sendo de concluir que praticou um único crime prolongado no tempo, previsto e punível pelo art.º 172.º nº 1 do CP. Ocorre que, como dissemos no Ac. de 13/07/2020, proferido no processo 53/17.2 JABRG.G1, publicado in www.dgsi.pt, os crimes de trato sucessivo não estão previstos na lei. A lei prevê o crime continuado (art.º 30 nº 2 do CP), prevê também os crimes permanentes, os crimes habituais (art.º 119.º do CP), mas a designação “trato sucessivo” não está na lei. Resultou da dificuldade com que os tribunais com frequência se deparam em determinar um concreto número de crimes ocorridos num período de tempo determinado. Começou por ser aplicada tal designação ao tráfico de droga, rapidamente chegou aos crimes de natureza sexual, havendo quem considere que foi o acórdão do STJ de 02/10/2003 in CJ STJ, Tomo 3, 194, o momento a partir do qual a expressão trato sucessivo passou a ser aplicada no âmbito dos crimes sexuais (cfr. Cristina Almeida e Sousa in Inconstitucionalidade da jurisprudência do “Trato Sucessivo” nos crimes sexuais- Revista Julgar on line/Outubro/2019,12). Como aí se diz “o crime de trato sucessivo corresponde a um tipo agravado de culpa alicerçado na constatação de que é na persistência do propósito criminoso, revelado e intensificado em cada momento temporal e em cada conduta típica, de forma crescente, à medida em que as condutas se vão repetindo, que vai também aumentando, quer o grau da ilicitude, quer a censurabilidade daquele conjunto de factos típicos”. A expressão foi merecendo variadas críticas, quer por ser “importada” do direito das coisas, quer por poder estar ferida de inconstitucionalidade por violação dos princípios da legalidade criminal, da tipicidade, da igualdade e da proporcionalidade, até que, nos tempos mais recentes, o Supremo Tribunal de Justiça vem, reiteradamente, afirmando a necessidade de abandonar o conceito de trato sucessivo, quando estão em causa crimes de natureza sexual. E assim é porque é incontroverso que mesmo as situações de violência sexual reiterada e prolongada no tempo traduzem “comportamentos diferentes que requerem do seu autor a criação de situações favoráveis de secretismo e condicionamento da vontade da vítima, aptos à concretização do resultado proibido, a que tendencialmente estarão associados processos volitivos autónomos entre si e não uma única vontade, de cuja análise global transparecem diferentes sentidos técnico-jurídicos da ilicitude que exige o seu enquadramento jurídico como concurso real de infrações” (ob. cit, 26). Acresce que a estrutura objetiva típica de um crime é fixada pelo legislador e não deve estar à mercê de cada processo casuisticamente considerado. Portanto, para que a noção de crime de trato sucessivo passasse para os crimes sexuais foi necessário considerar que quem pratica atos sexuais de relevo, ilícita e reiteradamente, decidiu fazê-lo uma vez, sendo os plúrimos atos realizados, sucessiva e reiteradamente no tempo, integrantes de um único crime. Ocorre que a lei (art.º 171.º nº 1 do CP) pune a prática de cada ato sexual de relevo de per se, isto é, cada ato é punível individualmente, não resultando do texto da lei que a conduta ilícita abranja unitariamente uma multiplicidade de atos. Ocorre ainda que, a noção de trato sucessivo contraditória e involuntariamente acaba por se aproximar do crime continuado, não obstante não existir uma diminuição considerável de culpa e o nº 3 do art.º 30 introduzido no Código Penal, pela lei 40/2010 de 3/9, o não permitir. Portanto, deverá considerar-se que sempre que o crime é praticado em momentos diferentes estamos na presença de mais um crime, tanto assim que a sua prática, já o vimos, pressupõe a criação pelo agente de circunstâncias que o permitam e que em cada ato individualmente perpetrado a vítima é renovadamente lesada- (Cfr. Helena Moniz in Crime de Trato Sucessivo (?)- Revista Julgar on line, Abril, 2018, 22). Finalmente, perante a dificuldade em ultrapassar a incerteza do número de crimes quando pelo tempo já decorrido, pela frequência muitas vezes irregular da sua prática, ou pela incapacidade da vítima de se lembrar de cada uma das situações, não seja possível quantificá-los rigorosamente, impõe-se identificar, tanto o quanto possível, com exatidão os atos, e punir aqueles que não ofereçam dúvidas. Assim, não podendo manter-se a punição por um único crime há que identificar o número de vezes em ocorreram os atos sexuais em apreço. Resulta da matéria de facto provada, que a partir de uma sexta feira, não concretamente determinada de fevereiro de 2017 (e que, na dúvida, se deverá considerar ter sido a última do mês, 24/02) em que, como consequência de um jogo, o arguido beijou na boca a menor, “todas as sextas feiras seguintes, durante as aulas de xadrez, o arguido encontrando-se sozinho com a menor, L. S., beijava-a na boca e apalpava-a, passando as suas mãos, inclusivamente, sobre a zona da sua vagina e das mamas, por cima e por debaixo da roupa que vestia (ponto 13). Não havendo qualquer dúvida de que tal atuação constitui a prática de atos sexuais de relevo, é possível quantificar terem ocorrido, até ao dia 05/04/2017 por 6 vezes. Também no dia 11/04/2017, descreve a acusação (pontos 17 a 25) um encontro entre o arguido e a menor, em que, numa sala arrendada de um espaço comercial, ambos desnudados praticaram sexo oral, entre outros atos de natureza sexual, referindo a acusação que outros encontros se sucederam na escola, durante as aulas de xadrez, às sextas feiras, em mais 3 ocasiões (pontos 27 e 28). Não obstante terem ambos combinado um novo encontro na casa dos padrinhos da menor que estavam emigrados, tal já não sucedeu uma vez que a relação dos dois foi tornada publica. Temos, portanto, dez situações a que deverão corresponder outros tantos crimes. Aqui chegados há uma outra questão no que respeita à qualificação jurídica dos factos que se impõe analisar. A conduta do arguido foi subsumida ao tipo de ilícito previsto no artigo 172.º nº 1 do Código Penal com a epígrafe “Abuso sexual de menores dependentes”. Aqui se diz que “quem praticar ou levar a praticar ato descrito nos nºs 1 e 2 do artigo anterior, relativamente a menor entre 14 e 18 anos que lhe tenha sido confiado para educação ou assistência, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos”. A questão que primeiramente se põe é a de saber se entre o arguido e a menor ocorre uma relação de dependência que leve à subsunção dos factos ao tipo legal em apreço. Na doutrina e na jurisprudência não há unanimidade de entendimento, como adiante se verá. Mas antes convém atentar na circunstância, esta incontroversa, de que para a lei, é a idade de 14 anos que serve de fronteira entre a infância e a adolescência. Até aos 14 anos a lei presume que “qualquer conduta sexual que envolve menores” irá lesar o desenvolvimento da sua personalidade”, sendo que “abaixo desta idade o menor não tem capacidade para decidir de forma livre, consciente e esclarecida, sendo irrelevante o consentimento ou acordo eventualmente manifestado”. (Cfr. O crime de abuso sexual de menores dependentes- uma análise crítica- Universidade Católica, 29). A partir dos 14 anos, entende a lei, que o menor já vai adquirindo capacidade e maturidade para formar a sua vontade no domínio sexual, havendo contudo situações em que essa formação da vontade é condicionada por fatores externos, v.g. a situação de dependência a que alude o art.º 172.º do CP. Assim, antes de mais, impõe-se saber do que é que se fala quando se fala numa relação de dependência do menor para com o adulto com quem teve relacionamento sexual. E se há situações em que essa relação de dependência é óbvia, evidente, pela natureza das circunstâncias e pela existência de uma incontroversa e estreita ligação entre o menor e o adulto, outras há em que se encontram numa zona de incerteza e dúvida sobre se integram a expressão “confiado para educação ou assistência”. No comentário Conimbricense (1999), a professora Maria João Antunes, - art.º 173.º § 6, 556 - entende que se encontram em situação de dependência os menores entre os 14 e os 18 anos que tenham sido confiados ao agente para educação ou assistência em três situações: - Por força da lei (v.g. aos pais no exercício do poder paternal arts.º 1871, 1901 e 1911.º do Código Civil); -Por força de decisão judicial (v.g. pai, mãe, terceira pessoa, adotante, tutor- arts.º 1903, 1907, 1915, 1986 e 1987 do Código Civil); -Por força de uma situação de facto (v.g. a um terceiro, familiar ou não, na ausência dos pais art.ºs 1907.º do Código Civil). Exclui a insigne professora desta realidade de dependência pessoal, os professores, porque embora tenham “uma participação efetiva na educação do menor, não estão propriamente encarregados da educação do menor em termos globais e de forma individualizada”. Com a referida professora concordam Maria do Carmo Silva Dias e Conceição Cunha (cfr. Comentário Código Penal, Paulo Pinto Albuquerque, 3ª edição, UC, 690). Diferente entendimento é defendido pelo referido autor, Paulo Pinto de Albuquerque, ao incluir na relação de dependência pessoal os pais, tutores, familiares, professores, educadores, médicos, enfermeiros, sacerdotes, assistentes sociais e todas as pessoas a quem o menor possa ser entregue para educação ou assistência médica ou social, desde que não haja internamento do menor, porque neste caso, aplicar-se-ia o art.º 166.º do Código Penal (cfr. ob. cit, 690). A divergência doutrinária tem eco em decisões jurisprudenciais (cfr. Ac. STJ de 13/11/2002 in CJ, STJ, 2002, 3, 224 e Acórdão STJ de 16/06/2010 processo 703/08.1JDLSB.L1.S1 in www.dgsi.pt), pelo que o mais avisado parece dever procurar-se na realidade concreta de cada situação se existe, ou não, a relação de dependência exigida pela lei, sem esquecer que tal relação tem de ser pautada por uma abrangência na vida do menor e no âmbito da sua educação ou assistência, semelhante ou, pelo menos, que tenha como referência a situação matricial entre pais e filhos. Isto é, a relação de dependência exigida pela lei, não se basta com alguma ascendência ou autoridade, com alguma convivência, com alguma noção de submissão ou obediência. Exige mais: exige que o menor, mesmo que transitoriamente, esteja subordinado ao agente como o estaria aos pais a quem são, em primeira linha, confiadas a educação ou assistência. Ora, assim sendo, o relacionamento com um professor, com um explicador, com um médico, com um enfermeiro…, mesmo que frequente e próximo, quando encarado sob o ponto de vista do desempenho da atividade de cada um destes profissionais, não basta para que se possa dizer que mostra estabelecida a relação de dependência exigida pela lei. Fica aquém da realidade que a lei procura acautelar. Aqui chegados, forçoso é concluir que a situação em apreço não deva subsumir-se ao crime previsto no artigo 172º do Código Penal, mas antes enquadrar-se no crime previsto no artigo 173º do mesmo código, isto é, ao crime de atos sexuais com adolescentes. Dispõe o artigo 173º que: 1. Quem, sendo maior, praticar ato sexual de relevo com menor entre 14 e 16 anos, ou levar a que ele seja praticado por este com outrem abusando da sua inexperiência, é punido com pena de prisão até 2 anos. 2- Se o ato sexual de relevo consistir em cópula, coito oral, coito anal ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos. 3- (...) Trata-se de um tipo de crime que pune a prática consensual do ato sexual de relevo com menor de idade compreendida entre os 14 e os 16 anos, com abuso da sua inexperiência. Como ensina Figueiredo Dias in Comentário Conimbricense ao Código Penal, I, 566 ( a propósito do anterior art. 174 do CP) Modalidade típica da ação é - como desde sempre sucedeu no nosso direito codificado, expressa ou implicitamente, e como não foi alterado pela redação de 1998, apesar de esta ter substituído, na epigrafe do preceito, o elemento carregadamente normativo "estupro" pelo mais acentuadamente descritivo "actos sexuais com adolescentes"- a sedução. Seduzir sexualmente significa, neste contexto, explorar a (ou aproveitar-se da) inexperiência sexual da vítima e consequentemente a menor força de resistência que por isso tem diante da cópula ou do coito. É isto que, na sua singeleza, o tipo pretende traduzir através da expressão abusando da inexperiência da vitima, assim pondo correctamente fim a mais de um século de especulação doutrinal e jurisprudencial à roda da excitação genésica que, conduzindo à cópula (agora também ao coito) - ou mesmo, no fim do processo de relacionamento, determinando-a -, se queria fazer valer como "sedução" . O preceito coloca a tónica no abuso da inexperiência da vítima, exigindo que exista nexo de causalidade entre o abuso da inexperiência e a conduta típica. De facto, não obstante a lei entender que a partir dos 14 anos o menor já começa a manifestar autonomia de vontade no domínio sexual, o certo é que a maturidade, está ainda em construção e a experiência, globalmente considerada, só com o avançar da idade se vai sedimentando. O abuso da inexperiência consiste, então, "na exploração pelo agente da falta de experiência de vida do adolescente e, nomeadamente, da falta do conhecimento básico sobre a vida sexual" (cfr. P.P. Albuquerque, CP Comentado, 693). E, embora haja quem defenda (Maria do Carmo Silva Dias) que na sociedade de informação do início do século XXI, só muito excecionalmente, em meios muito fechados, se pode configurar a inexperiência do adolescente, não se afigura menos verdade afirmar que por mais vasta que seja a informação, a experiência de vida- não apenas sexual-é necessariamente curta, porque curta foi ainda a vida de um adolescente: é curta a capacidade de lidar com situações desconhecidas; é curta a capacidade de pensar pela sua própria cabeça; é curto o discernimento para perceber sentimentos tantas vezes contraditórios. Só com o amadurecimento trazido pelos anos, o adolescente se vai afastando da infância, que aos 14 anos está ainda muito próxima e presente. Não se concorda, portanto, com o que afirma a referida autora (Maria do Carmo Silva Dias in ob cit Crimes …, 231) quando diz que o adolescente, além de ser fisiologicamente um adulto, também o é intelectualmente, porque efetivamente, em regra, não o é: não o é ao nível do conhecimento dos sentimentos, nem da capacidade de decisão, nem da estabilidade emocional, nem, muitas vezes, do sentido de responsabilidade. Deixou há pouco tempo de ser criança, mas a vida ainda não lhe deu a experiência que pensa que tem, que sente que tem. Seguramente pode afirmar-se que, em regra, entre os 14 e os 16 anos o adolescente ainda não possui o discernimento pleno e necessário para saber avaliar o sentido e o alcance de um relacionamento sexual ( art. 38 nº 3 do C.P.). É, portanto, a atividade sexual prematura de um adolescente que a lei tende a proteger dada a vantagem em que haja um adequado desenvolvimento sexual em relação a cada fase específica do crescimento da pessoa. É por isso que o abuso da inexperiência de que fala o art.º 173.º não deve ser só entendido como abuso de inexperiência sexual. Até porque os atos sexuais praticados ou sofridos por um adolescente têm uma dimensão na sua vida que não se fica apenas pela vivência sexual. É o abuso da vulnerabilidade, da fragilidade, da incapacidade de reação a aferir em cada caso concreto. E assim, contrariamente ao que por vezes se pensa e ao que os adolescentes gostam de demonstrar, a vivência deles é escassa, porque escassa é também a experiência de vida. E é o tanto mais nitidamente quanto maior for a diferença de domínio, a assimetria, o desequilíbrio de poder entre os parceiros a aferir por fatores como a diferença de idades, a diferença de força física e psíquica, a inserção familiar do adolescente, o local da prática dos factos. Na situação em causa nos autos o arguido tinha, à data, 48 anos. Exercia há anos as funções de professor de educação física e de xadrez. Pai de uma jovem, casado com uma professora, vendedor de produtos de dietética, tinha a seu cargo as responsabilidades normais de uma vida. Quer pela idade, quer pela experiência pessoal, familiar, profissional, social, o arguido sim, tinha experiência de vida. Mas a L. S. não a tinha. Com 14 anos foi surpreendida com o arrebatamento do primeiro ou de um dos primeiros amores. Vivia sentimentos que não conhecia, com uma intensidade que a deixaram confusa e que não conseguia calar. Veja-se o que escreveu na carta de folhas 40: “Estou apaixonada por si...”, “Você é tudo o que sempre sonhei...”; “Nunca vou esquecer dos dois melhores dias da minha vida consigo, o primeiro foi quando você me beijou pela primeira vez, eu já estava à espera daquele dia à tanto tempo (…) e outro melhor dia foi quando foi ter consigo nesse dia eu estava um pouco nervosa e ansiosa ao mesmo tempo, mas adorei esse momento que passamos nunca o vou esquecer (…) desde aí a minha vida mudou para melhor, tornei-me uma pessoa melhor, mais divertida, simpática e acima de tudo fofinha…” Não sei porquê que a vida é tão difícil porque o mundo não é mais fácil e que eu posso dizer a todo o mundo que gosto de si, que o amo como nunca amei ninguém (…). Adoro-te muito. bj. ♥ É evidente que quem está neste estado de encantamento não resiste, por exemplo, à sedução de um “bom dia princesa linda” (fl. 77), entre muitas outras mensagens. E o arguido sabia-o, até porque há muito tempo que trabalhava com jovens. Mas a menor não sabia, porque queria acreditar que o sentimento que vivia não terminaria e tinha até pensado entregar-se toda numa casa que ela própria arranjaria. Tal não chegou a acontecer porque os colegas descobriram e fizeram-na descer ao inferno: entraram na intimidade do seu telemóvel, e transmitiram-na entre eles e aos professores, momento a partir do qual ninguém soube respeitar o sofrimento em que passou a viver. Entenderam que deviam fazer justiça pelos seus próprios critérios (folha 83 “Vais continuar a mentir e a dizer que não? Eu vou a tua casa hoje, eu e mais alguém e falamos com os teus pais à tua frente” - “(…) eu não vou negar nem afirmar para quê queres saber” -” eu vou tratar disto tudo com diretora” - “prepara-te que hoje vou a tua casa. Não falo mais nada cnt. - “(…) deixa eu tratar disto eu sei ( o que) estou a fazer-) indiferentes ao sofrimento dela ao ponto de ela se ver obrigada a dizer aos colegas (…) “mas que fique bem claro eu não perdi a virgindade” (fls. 82). Houve, pois, muitos comportamentos errados em todo este processo, mas é o do arguido que tem de ser analisado. E este, efetivamente, merece censura. O arguido que era professor da menor e tinha idade para ser seu pai, não se coibiu de seduzi-la, de abusar dos seus inocentes sentimentos, da sua inexperiência de vida e praticou com ela, por dez vezes, atos sexuais de relevo como, indubitavelmente, são todos os que se provaram, desde o primeiro beijo na boca, até ao último encontro em que só não ocorreu penetração vaginal. Praticou, pois, o arguido nove crimes de atos sexuais com adolescente p.p. art.º 173.º nº 1 do CP e um crime de atos sexuais com adolescente p.p. art.º 173.º nº 2 do CP. Enquadrada que está, juridicamente, a situação vejamos agora as questões trazidas nos recursos interpostos: a medida da pena e o valor da indemnização. Começando pela medida da pena há preliminarmente que fazer a diferença entre os atos integrantes do nº 1 do artigo 173º e o ato integrante do nº 2 do artigo 173º do CP. Os primeiros são puníveis com pena de prisão até 2 anos; o segundo com pena de prisão até 3 anos. Na aplicação de qualquer pena, ( Cfr. Anabela Miranda Rodrigues in “Medida da Pena de Prisão - desafios na era da inteligência artificial – RLJ, ano 149, 258 e ss) os tribunais estão sujeitos a uma tríplice imposição politico-criminal: o direito penal é um direito de proteção de bens jurídicos; a culpa é o limite da pena e a finalidade da aplicação da pena é a socialização (artigo 40º do CP). É neste quadro que a decisão racional do juiz se tem de mover. O artigo 71º, do CP fixa exemplificativamente os fatores a ter em conta na graduação da pena, v.g. o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das consequências, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. Nos critérios gerais da referida norma encontram-se, portanto, os princípios regulativos da medida da pena, a culpa e a prevenção. Como ensina Maria João Antunes (in Consequências Jurídicas do Crime Coimbra 2010-2011, 28) "na determinação da medida da pena, o requisito legal de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção satisfaz a necessidade comunitária de punir o crime e, consequentemente, de realizar as finalidades da pena, o requisito legal de que seja considerada a culpa do agente satisfaz a exigência de que a vertente pessoal do crime, decorrente do respeito pela dignidade da pessoa do agente da prática do crime, limita as exigências de prevenção". Quando se fala em prevenção, fala-se de prevenção geral e de prevenção especial; quando se fala em culpa, fala-se da culpa que releva quer ao nível do princípio da culpa, quer ao nível do conceito do crime. São várias as teorias usadas para esclarecer o modo como se relacionam entre si culpa e prevenção e, dentro desta, como se relacionam prevenção geral e especial. Interessa-nos a teoria da moldura da prevenção segundo a qual a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, face ao caso concreto, num sentido prospetivo de tutela das expetativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da norma infringida. Com este critério obtém-se a medida ótima da tutela dos bens jurídicos e das expetativas da comunidade e o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena, sem pôr irremediavelmente em causa a sua função de tutela do ordenamento jurídico. É, pois, a prevenção geral positiva (e não a culpa) que fornece a moldura dentro da qual vão atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que, em última instância, vão determinar a medida da pena, constituído a culpa o seu limite máximo. Os recorrentes não identificaram concretamente quais as circunstâncias que o tribunal não teve em conta - e deveria ter tido - na fixação da medida da pena. Contudo, ambos entendem que a pena é demasiado branda por ser intensa a culpa e bem assim o grau de ilicitude por terem sido os factos praticados por um professor, alguns em instalações da escola e durante os tempos da aula, sendo exigentes as razões de prevenção geral e não descuráveis, não obstante a inexistência de antecedentes criminais, as de prevenção especial. Por isto entendem que a pena concreta não deveria ser inferior a 4 anos e 6 meses (o ministério público) e a 5 anos (o assistente). (Aqui impõe-se um parentesis para dizer que ressalvado o muito respeito pela opinião do Exmo PGA expressa nesta Relação uma vez que, quer o assistente quer o ministério público interpuseram recurso da medida da pena fixada pelo tribunal de primeira instância com argumentos idênticos e em sintonia de objetivos entende-se não ser de rejeitar o recurso do assistente ao abrigo do AFJ 8/99 in DRI de 10.08.99). É na fixação da pena concreta que fica materializado, concretizado, resumido, o acontecimento em apreciação. Nela ficam projetados os diversos fatores relevantes e a sua ponderação. Assim, no caso concreto há que ponderar a circunstância de o arguido ser professor da vítima (circunstância que agora pode ser ponderada dada a nova qualificação jurídica), o facto de alguns atos terem ocorrido em recinto escolar, os sentimentos – realçando-se o egoísmo no proceder do arguido - determinantes na prática do crime, a gravidade das consequências, mas sem esquecer que o sofrimento da menor só verdadeiramente se iniciou a partir do momento em que na escola se soube o que estava a viver, e não durante a prática dos crimes, o período de tempo durante o qual os factos se prolongaram, a integração laboral e social do arguido, a ausência de antecedentes criminais e a confissão dos factos. Os primeiros fatores ajudam a graduar a ilicitude, a determinar o grau de culpa e as necessidades de prevenção geral. Os dois últimos relevam essencialmente em termos de prevenção especial. O acórdão recorrido, embora de forma breve, deteve-se na ponderação dos referidos factores, tendo chegado à pena única dos 3 anos de prisão. Para chegar a esta medida concreta valorizou de forma especial a ausência de antecedentes criminais, o passado profissional, a inserção familiar e social, a situação pessoal e percurso de vida. Foi ainda ponderada favoravelmente a circunstância de ter admitido integralmente os factos imputados na acusação/pronúncia, muito embora não tenha revelado plena consciência da gravidade dos seus atos e desvalor da sua conduta, o que milita nesta parte em seu desfavor. As considerações feitas são parcas na análise das repercussões que os factos terão no futuro da ofendida, isto é, na gravidade das consequências, aliás, já evidentes no sentido da vergonha, humilhação (a que não são alheias, e não é demais repeti-lo, as condutas de terceiros que tiveram conhecimento da situação e não lidaram com ela da forma discreta e silenciosa como se impunha) baixa auto estima, perturbação de sono e quadro depressivo a necessitar de acompanhamento psicológico e psiquiátrico. É que se é verdade que grande parte deste mal estar se ficou a dever ao barulho feito em torno da questão (contrariamente ao que foi afirmado pelo tribunal) também é verdade – aqui já reconhecendo razão ao acórdão recorrido – que se não tivesse sido descoberta a situação poderia ter assumido contornos mais graves. Assim sendo, só é possível fixar a pena concreta do ato que foi o beijo na boca na sequência de jogo, na primeira parte da moldura penal em 6 (seis) meses de prisão, já os restantes atos que ocorreram às sextas feiras deverão ser punidos com 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão e o acontecido em 11/04/2017, deverá ser punido com 2 (dois) anos de prisão. A pena única deverá ser fixada, tendo em conta que a moldura penal oscila entre 2 anos e 12 anos e 6 meses de prisão e que a vítima foi sempre a mesma e os factos se prolongaram por 3 meses apenas, em 4 (quatro) anos e 6 ( seis) meses de prisão. Vejamos agora se pode esta pena ser suspensa. Os recorrentes entendem que não. O tribunal recorrido foi de entendimento diverso, o mesmo acontecendo com o ministério público nesta relação. De acordo com o artigo 50º do Código Penal o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Equacionar a aplicação do instituto da suspensão da pena impõe sempre que se faça uma reflexão sobre o fim das penas e sobre o que se pretende com a aplicação da concreta pena, ultrapassados que estão os conceitos de retribuição – Kant – (o mal da pena equilibrante do mal do crime), de reposição da ordem jurídica violada – Hegel – ou até da intimidação da potenciais delinquentes (Feuerbach, Beccaria), já que ao longo do tempo foi se deslocando para o próprio delinquente a reação ao crime por ele cometido e surgindo os conceitos de prevenção geral e especial positiva e negativa. É neste caminho que nos encontramos hoje, com a convicção de que, como lembra Figueiredo Dias (in A Reforma do Direito Penal Português, Princípios e Orientação Fundamentais, Coimbra, 1972, 31): “É um facto, como nota algures Aldous Huxley que nós pensamos hoje de uma maneira mais subtil e variada que os antigos se bem que dentro de anos a nossa subtileza possa parecer sem dúvida, aos olhos da posteridade, uma tosca barbárie. Se ao homem de oitocentos repugnava já a pena corporal, cruel e infamante, que era ainda então a regra, como não compreender que ao homem de hoje repugne em igual medida que ao delinquente se fruste o bem inestimável da sua liberdade física, quando outras formas haja de o direito penal cumprir a sua função? E se a isto acrescentarmos que, depois da crença do século XIX no valor da ressocialização da prisão, já hoje mal haverá quem duvide de que ela acaba por constituir as mais das vezes um factor criminógeno, teremos as razões por que, se a prisão continua a ser a forma-regra de efetivar a pena é só por se não ter ainda descoberto o modo de integralmente a substituir”. É neste contexto que, como se diz no acórdão do STJ de 27.11.2003 o instituto de suspensão da pena se insere num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos arguidos, pelo que, embora funcionem como penas de substituição, não podem e devem constituir autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequadas respostas a problemas específicos. Todavia esta medida só deve ser decretada quando o Tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida, da conduta anterior e posterior ao facto punível e das circunstâncias do mesmo, ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade. A decisão de suspensão da execução da pena deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao arguido ou seja a esperança de que este sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. O Tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que a esperança não é seguramente certeza, pelo que se tem sérias dúvidas sobre a capacidade de o arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa (Cfr. Leal Henriques e Simas Santos, parafraseando Yescheck, in Código Penal – anot artigo 50º, 3ª edição). Para decidir sobre a suspensão da pena o tribunal começará, pois, por um juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente, decidindo depois em conformidade com o que resultar dessa previsão. O arguido chegou quase aos 50 anos de vida sem antecedentes criminais. Foi afastado da atividade docente ( fls. 359), circunstância que constitui, por si mesma, uma séria sanção. O relacionamento mantido com a ofendida não obstante revelar uma vontade egoísta de satisfazer os impulsos sexuais, acabou por respeitar - o que se percebe que para a ofendida era importante - a manutenção da sua virgindade física. A ofendida viveu verdadeiramente apaixonada pelo arguido o relacionamento. É certo que foi facilmente seduzida, mas certamente nunca ignorou que o arguido era casado, nem ignorava também a idade dele e, mesmo assim, sentia-se “a pessoa mais feliz do mundo”. Os crimes sexuais no nosso direito deixaram de ser vistos como crimes contra a moral e passaram a ser vistos como crimes contra o bem jurídico pessoal e de autodeterminação sexual. É a vontade do adolescente na esfera da sexualidade que a lei pretende salvaguardar. Não cabem aqui considerações morais, nem desejos de vingança. Assim sendo, não se afigura necessário que o arguido cumpra efetivamente a sua pena para que a sociedade entenda que foi feita justiça. Mas é importante garantir que à menor L. S. sejam dadas as condições básicas para que possa desenvolver livremente, também sob o ponto de vista sexual, a sua personalidade. O céu em que pensava estar viver transformou-se num inferno. E é deste inferno que, com a ajuda médica se necessário e com o avançar da idade, ela vai ter de sair. Por esta razão entende-se que é possível e adequado suspender a pena ao arguido, mas com a condição de indemnizar a menor num valor que lhe permita fazer face não só a despesas terapêuticas que venham a ser entendidas necessárias ao seu desenvolvimento e amadurecimento também na esfera do relacionamento interpessoal, mas ainda que permitam à menor a fruição de circunstâncias de vida que lhe agradem – e que o dinheiro tem a possibilidade de satisfazer – e lhe permitam virar a página da sua vida afetiva, definitivamente, fazendo-a esquecer a vulnerabilidade e a ingenuidade com que viveu a experiência sexual deformada em que se viu envolvida. O valor da indemnização pedido pelo assistente foi de 50.000€. O valor atribuído pelo tribunal a quo foi fixado em 8.000€. Na fixação do montante da indemnização o tribunal não pode deixar de ter em conta o que impõe o nº 3 do artigo 496º do Código Civil (ex vi artigo 129º do CP), isto é a formulação de um juízo de equidade que tenha em conta a culpa do lesante, a sua situação económica e do lesado, as demais circunstâncias do caso e os padrões geralmente aceites pela jurisprudência (artigo 494º do Código Civil). Só assim se respeitarão as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida de que falam os Professores Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil anot, pág. 435. De entre os itens atrás referidos o de mais difícil preenchimento é o que se refere às demais circunstâncias do caso, que na situação em apreço há-de aferir-se pela gravidade das consequências do crime no futuro desenvolvimento da menor, também na esfera sexual. Provou-se que a menor L. S. sofreu vergonha, humilhação, passou a necessitar de acompanhamento psicológico, a tomar medicação antidepressiva não devendo esquecer-se que foi a falta de sensibilidade generalizada por parte de quem rodeava a Sara que incrementou tal sofrimento. Tratando-se da primeira experiência de cariz sexual vivida, necessariamente ficará inolvidável e não pelas melhores razões para o resto da vida. O arguido deixou de exercer a sua profissão de professor como se retira de fls 359, tendo agora uma atividade comercial de venda de produtos de dietética e como assistente de desporto num ginásio. A ofendida é estudante sem rendimentos próprios. O valor peticionado pela assistente, porque equivale ao valor vida, não é opção pelo exagero que evidencia. Já o valor atribuído pelo tribunal a quo configura-se módico, embora não insignificante, correspondendo a cerca de um ano de remunerações equivalentes ao salário mínimo nacional. No entanto, como sobre os factos já passaram mais de 3 anos e as sequelas ainda existem na vida da menor, atendendo aos parâmetros atrás referidos, o valor da indemnização deverá ser elevado para 12.000€ (doze mil euros), o que se traduz num aumento de 50% relativamente ao montante fixado em 1ª instância, o que é significativo. Mas o seu pagamento deverá ser condição (artigo 51º, alínea a) do CP) de suspensão da pena de 4 (quatro) anos e 6 ( seis) meses de prisão imposta ao arguido e deverá ocorrer até ao final do período de suspensão, à razão de pelo menos 3000€ (três mil euros) por ano. A situação profissional do arguido permite-o. Continua integrado num agregado familiar que dispõe de rendimentos razoáveis. Continua a ter rendimentos que lhe advêm da atividade profissional que exerce, tem capacidade e saúde intelectual e física para auferir rendimentos de qualquer atividade que entenda exercer, pelo que é razoável a sua imposição. A condição imposta configura-se mais adequada que a sujeição a regime de prova, nos termos fixados pelo tribunal de primeira instância. Efetivamente tendo o arguido deixado as atividades letivas, tornaram-se irrepetíveis na sua vida, de forma radical, as circunstâncias em que praticou o crime, pelo que a prevenção da reincidência que o regime de prova visava acautelar, perdeu grande parte da sua pertinência. Por outro lado, a visibilidade que o caso teve e as consequências pessoais e financeiras na vida do arguido dispensam a frequência de cursos destinados à reorientação da vida, porque a gravidade de que se revestem determinam necessariamente a mudança de vida com eles pretendida. * III. DECISÃO. Em face do exposto e na parcial procedência dos recursos interpostos, decidem os juízes da secção penal do tribunal da Relação de Guimarães: - Proceder à alteração da qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido recorrente M. J. e condená-lo como autor de 9 (nove) crimes de atos sexuais com adolescente, p.p. artigo 173º, nº 1 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses pelo primeiro desses crimes e de 1 (um) ano e 3 (três) meses pelos 8 (oito) restantes, e como autor material de 1 (um) crime de atos sexuais com adolescente, p.p. artigo 173º, nº 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão. Em cúmulo jurídico é o recorrente condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 6 ( seis ) meses de prisão, a qual se suspende por igual período, com a condição de o arguido pagar à menor L. S. a quantia arbitrada a título de indemnização civil, no prazo de 4 (quatro) anos, à razão de, pelo menos, 3000€ por ano. -Fixar em 12.000 euros o montante devido pelo arguido à menor L. S. a título de indemnização por danos não patrimoniais, a que acrescem juros à taxa legal desde a notificação do pedido até integral pagamento. Sem custas. Notifique. Guimarães, 12.10.2020 Maria Teresa Coimbra Cândida Martinho |