Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA AMÁLIA SANTOS | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL SOLICITADOR DANO DA PERDA DE CHANCE PROVA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/02/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I – Não se verifica a nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão, se nela foi seguido um raciocínio lógico e coerente, com a descrição dos factos e subsunção dos mesmos às normas legais vigentes, interpretadas segundo o entendimento do julgador (embora com elas discordando o recorrente). II- O “dano da perda de chance”, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade (segundo o Ac. de Uniformização de Jurisprudência nº2/2022 de 26/01/2022). III – Caberia assim à A efetuar a prova de que a sua seleção no concurso público a que se submeteu teria fortes e sérias probabilidades de êxito, não fora a rejeição da sua candidatura, por razões de ordem formal, imputáveis ao réu – o que não logrou fazer. | ||
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Decisão Texto Integral: | Relatora: Maria Amália Santos 1ª Adjunta: Fernanda Proença 2º Adjunto: José Manuel Flores * EMP01...-Produção de Conteúdos Multimédia, Unipessoal, Lda., com sede na Praça ...- ..., intentou a presente ação declarativa com processo comum contra AA, solicitador, com a cédula profissional nº ...08 e escritório na Rua ...- ... – ..., pedindo que o Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 75.098,00, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento. Para tal alegou em síntese que: a) Contratou os serviços do Réu, no âmbito da sua profissão de solicitador, para que procedesse à entrega/submissão de proposta ao concurso público melhor identificado no artigo 2º da Petição Inicial; b) No momento da submissão da proposta na plataforma ..., o Réu terá, por lapso, carregado um documento errado que nada tinha que ver com a Autora ou com o concurso em causa (artigo 8º da Petição Inicial); c) A Autora terá solicitado a correção desta falha, mas já para além do prazo de apresentação das propostas, o que não foi aceite pelo júri do concurso, tendo, em consequência, excluído a proposta da Autora (artigos 10º e 11º da Petição Inicial). d) O Réu agiu com negligência grosseira por não ter verificado os documentos que instruíam a proposta (artigo 13º da Petição Inicial); e) Se o Réu tivesse enviados os documentos que instruíam a proposta corretamente, a Autora seria a vencedora do concurso “até porque era a proposta de valor mais baixo, reunindo todos os pressupostos para vir a ser aceite e adjudicada” (cfr. artigo 15º da Petição Inicial); f) A Autora conclui que tal falha do Réu determinou a sua exclusão do concurso público e lhe causou um prejuízo financeiro igual ao valor da sua proposta, de €75.098,50 que deverá ser indemnizado pelo Réu. * Regularmente citado, o Réu apresentou Contestação, alegando no essencial o seguinte:a) os legais representantes da Autora foram ao escritório do Réu no último dia da submissão da candidatura, 30.05.2018 às 12h, pedindo-lhe somente que submetesse a documentação necessária, e preenchesse o formulário de candidatura na plataforma; b) o Réu informou a Autora que não dominava o assunto e que nunca tinha submetido candidatura similar, pelo que declinou a solicitação; c) os legais representantes da Autora insistiram e ofereceram o seu apoio e know how para o efeito, ao que o Réu acabou por aceder; d) imediatamente após o lapso na submissão do documento, os sócios da Autora saíram do escritório do Réu dizendo que não haveria qualquer incidente com o sucedido, sendo que dariam notícias caso fosse necessário; o que apenas aconteceu em 19.06.2019, data em que a Autora informou o Réu que tinha sido excluída do concurso por culpa sua e que por tal o Réu teria de pagar o valor contratual do mesmo, no montante de €75.098,50; e) o Réu assume o erro, mas não aceita qualquer dano para a Autora, uma vez que nada garante que a Autora não fosse excluída de qualquer modo; f) ademais, o concurso foi encerrado por exclusão de todas as propostas apresentadas, tendo sido aberto um novo concurso igual, ao qual a Autora também concorreu e perdeu, tendo ficado em terceiro lugar, por não ter apresentado a melhor proposta. * Tramitados regularmente os autos foi então proferida seguinte decisão:“Pelo exposto: A) Julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência: a) Condeno o Réu (…) a pagar à Autora (…) a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos em consequência da actuação ilícita do Réu, acrescida de juros de mora à taxa legal contados da data da citação até efectivo e integral pagamento; c) Absolvo o Réu do demais contra si peticionado pela Autora; B) Declaro que não há fundamento para a condenação da Autora e do Réu por litigância de má fé. Custas pela Autora e pelo Réu na proporção, respetivamente, de 2/3 e 1/3 (cfr. artigos 527.º, n.º 1, e 607.º, n.º 6, do C.P.C.)” * Não se conformando com a decisão proferida, dela veio o Réu interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:“a) Em suma discordamos inelutavelmente da interpretação dada pelo aresto do qual se recorre, nomeadamente, entendemos que o mesmo enferma de um erro no julgamento em face da contradição existente entre a fundamentação de Direito e a decisão proferida, geradora da sua nulidade, além de que foi erroneamente interpretado o direito à possibilidade de indemnização pela “perda de chance”, dado sermos da opinião que tal figura não é geradora de responsabilidade civil e, mesmo que assim não se entenda, é de nosso parecer que, no caso em concreto, estamos perante uma probabilidade nula ou inócua de que o facto praticado pelo Réu foi causa do dano e por tal não há lugar a qualquer indemnização, como faremos por demonstrar. b) De seguida e analisando a fundamentação de direito da sentença no que à perda de chance diz respeito, constatamos, para nosso espanto, que é a própria sentença a considerar que não existe qualquer garantia ou probabilidade séria de a Autora vir a obter provimento no concurso público em apreço. c)Diremos, em consonância com a fundamentação da sentença recorrida, que nada nos assegura que a Autora iria obter vencimento no concurso público, dado que não foi realizada uma qualquer avaliação substantiva da sua proposta que demonstrasse a efetiva inexistência de um outro vício que impedisse o vencimento do concurso, tendo em conta que as propostas não foram sequer analisadas pelo júri, como consta no relatório final do mesmo, junto com o doc. n.º ... da petição inicial, além de que considera impossível estabelecer o grau de probabilidade da amplitude do êxito da Autora. d) Aferimos ainda, que a fundamentação da sentença considera que não se verifica in casu uma alta probabilidade de vencimento do concurso que se converte em razoável certeza, dando assim lugar à reparação integral do dano final, pelo facto de não se ter provado o nexo causal entre o facto e o dano. e) A final, afirmamos inelutavelmente que em face da fundamentação de Direito supra transcrita em sede de alegações, nomeadamente pela implícita consideração de que inexiste uma alta probabilidade convertível em elevada certeza de que a Autora teria vencimento no concurso, teria o Réu de ser absolvido do peticionado pela Autora, persistindo pelo de mais uma contradição insanável entre a fundamentação de Direito e a sentença proferida. f) Não pode por isso o tribunal considerar assim com uma certeza, sequer próxima daquela que é necessária, para assegurar a prova positiva dos factos, conforme configurado pelo tribunal. g) Nesta senda, a preceito com o disposto com o artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, deve a sentença recorrida ser considerada nula pelo facto de os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão. h) Constatamos então que a decisão recorrida fundamenta o direito a indemnização da Autora com base na doutrina da “perda de chance”. A este respeito entendemos, em consonância com o entendimento maioritário na nossa doutrina e jurisprudência, não persistir na nossa base jurídico-positiva um qualquer imperativo legal que suporte a indemnização da perda de chances, a mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória. i) Afirmamos de igual modo a contrario sensu com a matéria constante na fundamentação de direito na sentença supra transcrita, que a nossa jurisprudência de tribunais superiores considera maioritariamente que a simples “perda de chance” per se irreleva para efeitos indemnizatórios, mais se alega, que o dano indemnizável é traçado pela comparação ou confronto entre a situação existente e a situação atual hipotética (cf. arts. 562.ºe 566.º, n.º 2, do CC), sendo que, pela sua própria idiossincrasia, a expectativa ou a chance não se encontrarão refletidas na situação atual hipotética, como estádio de um processo em desenvolvimento, estas estão condenadas a consolidar-se e a transmutar-se no direito, ou, mais amplamente, na situação jurídica definitiva, ou, em alternativa, a desfazerem-se ou perderem-se irremediavelmente. j) Prosseguindo, de afirmar que também a generalidade da nossa doutrina tem adotado uma posição de princípio desfavorável ao ressarcimento da perda de chance em face da sua natureza extremamente fluida, no que respeita à respetiva demonstração, fluidez incompatível com o carácter de certeza exigível ao dano. k) Ora, em face do supra dito, devia ter sido outro o entendimento dado na decisão recorrida, atenta a carência de acolhimento da “perda de chance”, no nosso ordenamento jurídico vigente, o que inviabiliza a pretensão da Autora de ser indemnizada por conta da omissão do Réu. l) Não descurando o que supra foi alegado, sempre se dirá que a ser aceite a possibilidade de indemnização pela “perda de chance”, será imperativamente necessário que seja feita prova de todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, com destaque especial para a certeza do dano que se invoca e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano, ou seja, o comportamento/omissão em apreço, tem que ser causa adequada e direta de perda da oportunidade de obtenção de um benefício. m) Além do implícito nexo de causalidade, deve exigir-se que as probabilidades de obtenção de uma vantagem, ou de obviar um prejuízo, sejam sérias, reais e consideráveis, pois, se assim não for, deve considerar-se não existir dano, não havendo, por conseguinte qualquer arbitramento indemnizatório. n) Em nosso entender não se demonstra inequivocamente, de modo credível e verossímil, uma efetiva “perda de chance” no caso em concreto, nem se estabelece um qualquer nexo de causalidade entre a omissão do Réu e o prejuízo que diz ter sofrido. Assim sendo, as alegadas vantagens que não foram obtidas são irreais e inexistentes, até porque houve a procedência de um novo concurso público, do qual a Autora foi liminarmente excluída. o) Para que a “perda de chance” possa fundamentar uma pretensão indemnizatória, é ainda necessária a demonstração de uma elevada probabilidade de vir a ser procedente ou bem-sucedida a atuação que o Réu estava obrigado a levar a cabo, o que no caso não sucede, tal como, aliás, é expressamente reconhecido na sentença ora sob impugnação. p) Fazendo a devida subsunção ao caso em concreto, diremos que, na eventualidade de a proposta da Autora ter sido submetida com os documentos exigidos, em momento algum se depreende com a necessária certeza e segurança jurídicas, que, à semelhança das suas concorrentes, o por si propugnado não fosse ser considerado ambíguo e desfasado do âmbito do concurso público em apreço, sendo, por tal, excluída a sua candidatura, independentemente da omissão do Réu. q) Independentemente de os documentos anexos à proposta da Autora serem os corretos, nunca saberíamos se a sua candidatura seria elegível, dado que estaria sempre dependente da análise substantiva a realizar pelo júri do concurso, que no caso foi inexistente e este aspeto não foi de todo demonstrado nos autos. r) Em face dos critérios materiais de repartição do ónus da prova, que remonta à “teoria das normas” de Leo Rosenberg, caberia à Autora ter, p. ex., juntado prova pericial que, subsumindo os critérios do procedimento concursal a toda a documentação – a que foi junta e a que deveria tê-lo sido –, fizesse crer ao Tribunal que havia uma forte probabilidade, quase roçando a certeza, de que, se tudo tivesse sido submetido, era de grande hipótese que a proposta tivesse sido selecionada como a vencedora pelo júri. s) Tal assim não ocorreu, nem sequer foi junta qualquer prova testemunhal de pessoas com experiência na área e que pudessem fazer uma avaliação adequada e profissional da dita proposta. Simplesmente há uma opinião do Tribunal, que não passa disso mesmo, a qual constituiu alicerce seguro da obrigação de indemnizar. t) Na verdade, a Mm.ª Juíza a quo considerou que a proposta teria hipótese de vencer o concurso apenas e tão-só com base na sua convicção íntima. Tal é uma clara violação do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que este standard probatório exige que se parta de elementos seguros e externos de prova a partir dos quais o julgador forme a sua convicção, o que, como se transcreveu, não consta em nenhuma passagem da sentença sob recurso ao ser admitido o efetuado raciocinio tão claramente despropositado e desconforme à Lei, estarão a abrir as portas ao completo arbítrio. u) É o mesmo que dizer à comunidade que se pode até mesmo recorrer, com completa má-fé, aos serviços de outrem e, apercebendo-se ou não de um erro que este comete, por manifesta negligência, os contraentes estão autorizados pelo ordenamento jurídico a aproveitarem-se desse erro, não o revelando ou mesmo explorando-o, pois que, mesmo sendo titulares, como no caso – o que não se sabe nem foi dado por provado pelo Tribunal a quo – de uma proposta concursal fraca e, por isso, votada ao insucesso, acabariam por receber algum dinheiro, por via de uma indemnização, desde que um terceiro atuasse negligentemente. v) Mais, a seguir o entendimento da sentença, o que se diz à comunidade é que procure o profissional menos qualificado de todos que atua no mercado para, ainda que apresentando uma candidatura sem qualquer mérito, o que é do conhecimento dos proponentes, estes, aproveitando-se da conhecida incúria desse profissional, virem a ser ressarcidos em virtude de uma situação em que, à partida, bem sabem que o profissional não está em condições de corresponder. x) Nos presentes autos, esta não foi uma hipótese posta de parte pelo Tribunal, mas até aceite, ainda que implicitamente, e este órgão de soberania aceita-a como normal, o que, de todo pode acontecer, sob pena de a perda da chance bem poder ser aproveitada como um instituto que instila à mais capciosa má-fé. z) É, assim, um resultado possível, não apenas em abstrato, mas que também em concreto acabou por constar das premissas de que parte a Mm.ª Juíza a quo, que, a ser aceite, faria triunfar o ilícito sobre o lícito, resultado que não pode ser admitido por qualquer ordenamento jurídico típico de um Estado de Direito. aa) Acresce ainda, que tendo em conta o desfecho final do concurso público em escrutínio, em que nenhuma das candidaturas foi aceite, foi aberto um novo Concurso Público, pela mesma entidade e a incidir no mesmo objeto. bb) Por tal, a Autora, de modo a obstar ao dano alegado e a fazer face a um eventual prejuízo que em muito abala a sua subsistência financeira, como por si insinuado, tinha somente de concorrer ao novo concurso, supra identificado. cc) Este vital facto da abertura do novo concurso público com o anúncio de procedimento n.º 6535/2018, publicado em Diário da República no dia 8 de agosto de 2018, demonstra que a Autora, numa segunda leva, munida da devida documentação, viu a sua candidatura ser improcedente por questões substanciais e não foi eleita como vencedora do novo concurso público. dd) Assim sendo, não subsiste sequer um real dano/prejuízo que por ora vem reivindicar, por conta da sua exclusão natural do procedimento concursal, nem se afere com elevada probabilidade que iria ter provimento no concurso cujo dano veio reclamar. ee) Digamo-lo de forma mais direta e em resumo do que vem de ser alegado: em primeiro lugar, a construção e a aceitação de um instituto jurídico pela doutrina e pela jurisprudência, como sucede na perda da chance – todos estão de acordo que o mesmo não está expressamente previsto no Código Civil ou em qualquer outro diploma do ordenamento jurídico – tem de ter na letra da lei o mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso, como sucede com qualquer processo hermenêutico, por via do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil. ff) Pela linear razão de como sabido, apenas a lei escrita e prévia é fonte de Direito (ao menos imediata). Ainda que se entenda que das disposições do Código Civil se pode retirar a possibilidade de admitir a perda da chance – o que só por si é muito problemático –, mandam os pressupostos da interpretação jurídica e até, se nos é permitido, do mais puro bom senso, que, em relação a uma figura de previsão expressa na lei duvidosa, se deva ser, ao menos – se não mais –, igualmente exigente que na consolidada responsabilidade civil a que chamaremos de “clássica”. gg) Um dos pressupostos dessa responsabilidade jurídica é a ligação que se estabelece entre o facto e o dano, no caso, entre a conduta negligente do Réu e o que a Autora afirma como danos – que, como dito, se contesta e não foram devidamente apurados e fundamentados na decisão de que se recorre. hh) Ligação essa de natureza não somente fáctica, como resulta da teoria da equivalência das condições ou das condições equivalentes, mas também normativa. Ora, o que se verifica da leitura da sentença, em especial da parte que foi transcrita, é que a Mm.ª Juíza partiu de uma conceção de equivalência das condições que, há muito, se encontra de todo abandonada pela jurisprudência e pela doutrina. ii) Esta teoria defende que haveria imputação do resultado à conduta sempre que, se houvesse um processo de supressão mental, se o agente não tivesse atuado ou deixado de atuar nas hipóteses de omissão, o resultado não se produziria. Ora, desde cedo se levantaram vozes críticas quanto a esta construção, pois que a mesma, como se costuma referir, no limite, faria com que Adão e Eva – para quem neles crê – fossem os responsáveis por tudo o que acontece, pois que o raciocínio se encontra enviesado por um regressum ad infinitum, o que, no caso dos autos, tornaria os progenitores do Réu igualmente responsáveis pelo suposto dano, uma vez que sem eles o Réu não estaria neste mundo. jj) Será de aplicar a teoria da adequação ou da causalidade adequada, com expressa previsão no Código Civil, a qual exige que a imputação de um resultado a uma conduta apenas ocorra se e na medida em que se apure, dentro das exigências probatórias típicas do Direito e do Processo Civis, que se o agente tivesse atuado, no caso, sem qualquer negligência, seria provável que a Autora ganhasse o concurso, usando para tal os conhecimentos gerais e os do concreto agente. kk) Estes últimos, no caso vertente, são inexistentes, pois que o Autor nada mais sabia que aquilo que se achava publicado em sede do procedimento concursal. No que nutre ao senso comum, é de meridiana clareza que nunca se pode afirmar que haja uma probabilidade muito séria ou ao menos séria de um concorrente ganhar, em especial quando existe um elemento adjuvante de prova a que já se fez referência e que aqui assume grande relevo – não obstante a sombra das trevas a que o Tribunal recorrido o votou, passando por ele, se nos é permitido “como vinha vindimada” –, qual seja o de que, em uma segunda oportunidade, quando o primeiro concurso não concluiu por nenhum vencedor, a candidatura da Autora foi preterida e outra foi a vencedora. ll) Atente-se que aí a memória descritiva foi junta e o júri não se pronunciou por qualquer documento em falta. Ora, em face disto, podemos sim retirar que, mesmo sem a intervenção do Réu, a Autora, no mesmíssimo concurso, com os mesmíssimos critérios, não venceu, então é muito provável que também não pudesse ter vencido no primeiro concurso em que houve – como nunca se negou – uma conduta negligente do Réu. mm) Aliás, uma vez mais, a Mm.ª Juíza a quo contraria-se quando reconhece a inexistência de base jurídica expressa para a perda da chance e, com isso, diz que o Tribunal tem de ser, por isso mesmo, mais exigente em matéria probatória, porém, sucedeu exatamente o oposto, pois que se contentou com a convicção única e simplesmente criada no seu espírito, como se explicou, de que havia fortes possibilidades de a Autora vender o concurso. nn) Em plena honestidade observada de um prisma intelectual, não se consegue provar com o mínimo de certeza que a teoria da adequação sempre exige que a Autora teria vencido ou não o concurso, pelo que inexiste a imputação objetiva da ação ao resultado, o que, pela falta de um dos elementos típicos da responsabilidade civil, sempre deveria ter feito naufragar a pretensão da Autora. oo) Por outro lado, ainda que se aceite que não tem de haver imputação objetiva entre o facto e o dano e que a perda da chance não levanta quaisquer dúvidas em sede de legalidade, com assento constitucional, sempre haverá de dizer que, de novo, a Mm.ª Juíza a quo se equivoca e contradiz ao dizer que se deve ser particularmente exigente no standard probatório desta figura, por corresponder, ao fim e ao cabo, a uma repartição dos custos das ações humanas entre Autor e Réu sem qualquer substrato no mundo do Direito, para depois não ser nada exigente e até, com todo o respeito, algo displicente, pois afirma que o standard de prova com que se satisfaz é o de que –digamo-lo em linguagem chã, mas verdadeira – se não se provou que a Autora ganharia o concurso, ao menos com o mínimo de probabilidade, também não se provou o contrário, ou seja, que não lhe seria adjudicado o objeto do dito concurso. pp) Parece-nos que, só por si, tal facto obsta à efetivação da “perda de chance”, dado que a Autora, apesar de concorrer efetivamente ao novo concurso, o qual incidia no mesmo objeto, acabou por ver a sua proposta excluída por questões de substância e não formais. qq) Em término, é de nosso perentório parecer, que no caso, não se verifica uma qualquer perda de oportunidade super-especifica, super-qualificada ou perfeita, igual ou acima do limiar da certeza da causalidade que determine clarividentemente a afirmação do nexo causal entre a omissão e o dano final. rr) Tal é nitidamente aferível pelo facto de todas as propostas do concurso público n.º .../2018, denominado “Produção e Difusão de Elementos Multimédia para a Divulgação e Promoção das ...”, promovido pela Comunidade Intermunicipal ... (...), através da plataforma ... disponibilizada para o efeito, não terem sido sequer analisadas pelo júri do mesmo, conforme consta do relatório preliminar, junto com a p.i., sob o doc. .... ss) Afirmamos, em suma, que não se consegue na presente situação estabelecer um indubitável nexo de causalidade entre o facto e o dano nem se demonstra de modo algum a demonstração de uma elevada probabilidade de vir a ser procedente ou bem-sucedida a atuação que o Réu estava obrigado a levar a cabo, o que no caso não sucede. tt) Por fim, por mera cautela de patrocínio, discordamos em absoluto do modo como a Mm.ª Juíza a quo calculou a percentagem de 50%. uu) Antes de mais, a mesma não se nos afigura suficientemente densificada no texto da sentença e, lido e relido esse trecho, por certo por incapacidade do recorrente, não há nenhum critério seguro que o Tribunal tenha oferecido para concluir por esta percentagem que, assim, é fundada no puro arbítrio. vv) Logo aqui, na exigência de um certo setor doutrinal, da fixação de uma percentagem sobre um facto cuja probabilidade de ocorrência nem sequer o Tribunal ficou como o devia ter feito – como acima aludimos – se vê a tremenda fluidez de toda a teoria da perda da chance, uma vez que é muito difícil, para não dizer impossível, a fixação dessa mesma percentagem. xx) O Tribunal refere que se atém a critérios de equidade e que a mesma é fator de decisão, nos termos do Código Civil, apenas e tão-só nas hipóteses expressamente previstas na lei, devido à sua enorme dificuldade de fixação e de controlo em sede de recurso, direito constitucionalmente assegurado. zz) Ora, se a perda da chance nem sequer está prevista no Código Civil de modo expresso, foi então empregue a equidade sem fundamento legal, em prejuízo do princípio da legalidade. aaa) Mesmo que o estivesse, por todo o circunstancialismo já exposto, em especial pela perda pela Autora do concurso que pela segunda vez foi aberto e, repare-se, por motivos de fundo, de conteúdo e não de pura forma, como aconteceu nos autos, nunca por nunca poderia essa percentagem ser fixada em metade da certeza absoluta que é o que indubitavelmente significa 50%! bbb) Estamos perante uma verdadeira distorção jurídica, com todo o respeito que é devido, e que, ainda que não colha o que antes dissemos, deve ser revisto e diminuído muito consideravelmente. Nestes termos e nos melhores de Direito, que Vossas Exas. muito doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso, revogando a decisão, absolvendo o Réu do peticionado, V. Exas. farão, como sempre, inteira e sã justiça”. * A recorrida veio apresentar Resposta ao recurso, na qual pugna pela manutenção da decisão recorrida.* Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir no presente recurso de Apelação (por ordem lógica de conhecimento) são as seguintes:I- A de saber a decisão é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão; e II – Se ocorreu erro de julgamento na atribuição da indemnização à A pela “perda de chance”, devendo a ação se julgada improcedente. * Foram dados como provados na 1ª Instância o seguintes factos:“1. A Autora dedica-se à produção de conteúdos multimédia, operando em todo o .... 2. O Réu é Solicitador inscrito na Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução com a Cédula Profissional n.º ... e o domicílio profissional na Rua ..., ... .... 3. A Autora recorreu aos serviços do Réu solicitando-lhe que procedesse à entrega/submissão de uma proposta sua ao concurso público n.º .../2018 denominado “Produção e Difusão de Elementos Multimédia para a Divulgação e Promoção das ...”, promovido pela Comunidade Intermunicipal ... (...), através da plataforma ... disponibilizada para o efeito. 4. O referido concurso público foi divulgado em 21 de Maio de 2018 através do anúncio de procedimento n.º 3518/2018, publicado no Diário da República n.º 97 da II Série Parte L – Concursos Públicos, sendo o prazo de apresentação das propostas até às 17h30m do 9.º dia a contar da data da publicação do anúncio, terminando assim no dia 30 de Maio de 2018. 5. O objecto do contrato a celebrar consistia na prestação dos serviços para cobertura jornalística e televisiva de eventos e sua difusão, incluindo a difusão de spots promocionais e/ou institucionais, nas áreas geográficas abrangidas pela ..., nomeadamente nos municípios de Alfândega ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e .... 6. A concretização da prestação de serviços incluía, na parte técnica de produção e difusão de elementos multimédia, a cobertura de eventos, produção, divulgação e difusão de reportagens de índole social, cultural, promocional e/ou turística da área geográfica da ..., num total de 682 elementos multimédia e 8.000 spots promocionais e/ou institucionais, com a duração de 30 ± 5 segundos, indicando a distribuição temporal, a quantidade de inserções e o horário de transmissão. 7. O prazo de execução da prestação de serviços era de 390 dias. 8. Sendo o preço base do procedimento de € 75.100,00, acrescido de IVA. 9. A Autora já havia preparado e organizado todos os documentos previstos no programa de concurso e necessários à instrução da sua proposta no valor de € 75.098,50. 10. Neste contexto, o Réu preencheu e submeteu a proposta da Autora na plataforma ... às 15h 44m 49s do dia 30 de Maio de 2018. 11. Sucede que, ao invés de todos esses documentos, o Réu anexou à proposta da Autora documentos atinentes a um processo de injunção no qual estava a trabalhar nesse momento, tendo-a submetido desacompanha de alguns documentos obrigatórios, nomeadamente a «memória descritiva». 12. Porque tal falha tivesse sido logo detectada, a Autora solicitou a sua correcção, enviando os documentos próprios e certos. 13. Por ter sido apresentado além daquele prazo, este pedido de correcção foi rejeitado pela entidade adjudicante ..., tendo o júri do procedimento proposto a exclusão da concorrente Autora com fundamento na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º do Código dos Contratos Públicos, o que veio efectivamente a acontecer. 14. Pelo serviço que prestou à Autora o Réu cobrou a quantia de € 150,00, a qual lhe foi paga. 15. Apesar de nunca ter actuado com a intenção de prejudicar a Autora e lesar os seus interesses, o Réu não verificou, como podia e devia, antes de os submeter, se os documentos que instruíam a proposta eram os correctos. 16. As outras duas propostas apresentadas pelos concorrentes EMP02..., Unipessoal, L.da e EMP03..., L.da foram também excluídas do concurso, com os fundamentos constantes do relatório preliminar que se encontra junto a fls. 59-62, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 17. Quando teve conhecimento do teor do relatório preliminar a Autora logo se convenceu de que a sua proposta seria a vencedora do concurso, se tivessem sido enviados os documentos correctos, sendo até a de valor mais baixo, por estar convicta de que reunia todos os pressupostos para vir a ser aceite e adjudicada pela .... 18. A Autora deu conhecimento ao Réu de que foi excluída do concurso devido ao erro na submissão dos documentos, manifestando o seu desagrado. 19. A Autora reuniu no escritório do Réu e solicitou-lhe que accionasse o respectivo seguro de responsabilidade civil profissional, ao que aquele se recusou. 20. Não obstante, continuou a desenvolver todos os esforços no sentido de resolver a situação, enviando-lhe todas as informações sobre o desfecho do concurso público e insistindo para que accionasse o seguro. 21. Apesar de reconhecer o seu erro e de ter conhecimento do motivo pelo qual a Autora foi excluída do concurso, o Réu nunca acedeu ao seu pedido. 22. A Autora procurou os serviços do Réu na sua qualidade profissional de solicitador para efeitos de submissão da sua proposta ao concurso público. 23. No serviço que prestou à Autora, de submissão da proposta ao concurso público, o Réu actuou de forma desatenta, ao não verificar e confirmar os documentos que estava a submeter na plataforma .... 24. Tal falha determinou a exclusão da Autora do referido concurso público. 25. Se a sua proposta fosse vencedora, além do correspondente encaixe financeiro, a Autora teria a possibilidade de crescer e projectar-se no mercado regional da difusão multimédia e audiovisual, com a aquisição e modernização de equipamentos e de recursos humanos, e de se incrementar financeiramente com a adjudicação e realização da promoção das ... ao nível de contratos de publicidade que daí poderiam advir junto dos 9 municípios abrangidos. 26. Por isso foi solicitado ao Réu, por várias vezes, que participasse à sua seguradora, perante a reclamação do dano que a Autora fez, o que o mesmo nunca acedeu fazer. 27. O Réu, no âmbito da sua actividade profissional, tem seguro de responsabilidade civil profissional. 28. O Réu, recebeu no seu escritório, no dia 30.05.2018, a então gerente da Autora, BB, a qual pretendia que fosse realizada somente a submissão da documentação ao aludido concurso e o preenchimento do formulário On-Line disponibilizado na plataforma de Contratação Pública Eletrónica .... 29. O Réu acautelou a gerente da Autora dizendo-lhe que não dominava o assunto e que nunca havia submetido uma candidatura similar. 30. A Autora recorreu aos serviços do Réu por não possuir sistema de digitalização scanner nem sistema de autenticação de chave móvel digital do Cartão de Cidadão, necessário para a validação da candidatura. 31. Porque a gerente da Autora lhe tivesse dito que o procedimento era simples, do seu inteiro conhecimento, por já haver submetido outras candidaturas, e estaria ali para lhe dar orientações no preenchimento e submissão, o Réu acedeu à sua solicitação. 32. No dia 19.06.2018, os sócios da Autora dirigiram-se ao escritório do Réu já com a informação de que haviam sido excluídos do concurso por lapso seu. 33. Porque pretendessem ser ressarcidos pelo valor correspondente ao valor do concurso, os sócios da Autora pediram ao Réu para accionar o seu seguro profissional de responsabilidade civil. 34. O Réu, apesar de assumir o erro, não accionou o seu seguro por entender que dele não adveio qualquer prejuízo para a Autora. 35. A proposta da EMP02..., Unipessoal, L.da foi excluída porque o “júri verificou […] a falta da declaração com indicação do preço contratual, elaborada de acordo com o Anexo II ao Programa de Concurso”. 36. A proposta apresentada pela EMP04..., L.da foi excluída porque “analisada a Memória Descritiva apresentada pelo concorrente verifica-se que a mesma é genérica e não responde de forma clara ao estipulado” e devido à “impossibilidade de avaliar determinados aspectos da proposta, concretamente a difusão dos elementos multimédia, visto que o concorrente não apresenta dados sobre o público, sua localização e audiências”. 37. Por anúncio de procedimento n.º 6535/2018 de 08.08.2018, publicado no Diário da República n.º 152 da II Série – Parte L – Concursos Públicos, foi aberto um novo Concurso Público, promovido pela ..., tendo por objecto a “Produção e Difusão de Elementos Multimédia para a Divulgação e Promoção das ...” e como preço base do procedimento o valor total de € 75.100,00, acrescido de IVA, composto pelos preços base de cada lote, “Lote ... – ...” e “Lote ... – ...”, respectivamente, no valor de € 44.046,92 e € 31.053,08. 38. A Autora, apesar de ter concorrido, não foi eleita como vencedora do novo Concurso Público com os fundamentos constantes do relatório final que se encontra junto a fls. 102-119 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 39. O modo de execução e as especificações técnicas de um e outro dos concursos são diferentes (condições de adjudicação, memória descritiva, preço base, critério de adjudicação, caderno de encargos, etc.). 40. O teor dos cadernos de encargos de fls. 21-30 e 305-309v e dos programas de concurso de 36-51 e 296-304v que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 41. Entre a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e a Companhia de Seguros EMP05...) Ltd. foi celebrado um contrato de seguro de grupo do ramo de responsabilidade civil, titulado pela Apólice n.º ...25. 42. Através do referido contrato de seguro a EMP05...) Ltd. assumiu a responsabilidade de pagar os eventuais prejuízos causados a terceiros no exercício da actividade profissional por solicitadores e agentes de execução inscritos na Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, com um limite de € 100.000,00 por sinistro. 43. Através desse contrato foi, ainda, acordada a franquia de € 2.000,00 por sinistro. B. Factos não provados Nenhum dos restantes factos alegados com relevância para a decisão da causa resultou provado, nomeadamente que: - o Réu causou à Autora um prejuízo financeiro igual ao valor da sua proposta, de € 75.098,50; - os representantes da Autora actuaram ardilosamente e induziram o Réu em erro, dizendo-lhe que iam realizar a candidatura ao Concurso Público n.º 3518/2018 por mero descargo de consciência; - e que era sua intenção impugnar o Concurso; - o Concurso Público n.º 3518/2018 foi deliberadamente omitido pela Autora”. * I- Da invocada nulidade da decisão por contradição entre os fundamentos e a decisão:Alega o recorrente que a sentença proferida padece do vício da nulidade, por se verificar uma contradição entre os fundamentos e a decisão. Efetivamente, o vício da nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão, encontra-se previsto no 1º segmento da al c) do nº1 do art.º 615º do CPC, onde se refere que “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”, decorrendo de tal normativo, que essa nulidade ocorre quando os fundamentos de facto e/ou de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão. Trata-se de um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas - de facto e/ou de direito -, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso daquele que seguiu. * Mas não anotamos qualquer contradição na sentença proferida, capaz de levar à sua nulidade.Efetivamente, a sra. juíza a quo estruturou muito bem a sentença, descrevendo os factos provados e não provados, e fez o que considerou ser o enquadramento jurídico correto dos factos, seguindo um raciocínio lógico e coerente até à decisão final. Como se disse, do que se trata, na questão da nulidade da sentença, é apenas de um vício estrutural da mesma, por contradição entre as suas premissas e a conclusão, como se de um silogismo jurídico se tratasse. Ora, analisada a decisão proferida, não vemos nela qualquer vício desse tipo, mostrando-se a sentença, como se disse, bem estruturada, e seguindo um raciocínio lógico e coerente, independentemente da sua assertividade em termos de fundamentação jurídica. Tal questão, a existir, prende-se já com a própria decisão em si, com a matéria fática ou jurídica nela abordada, cuja reapreciação em sede de recurso poderá levar à sua revogação – mas não à sua nulidade. Conclui-se do exposto que não se verifica a pretendida nulidade da decisão. * II- Da questão da ressarcibilidade do denominado “dano da perda de chance”:Na sentença recorrida, após se ter subsumido a relação jurídica firmada pelas partes à responsabilidade civil contratual – questão que não é posta em causa por nenhuma das partes -, considerou-se que houve da parte do réu violação culposa (a título de negligência) dos seus deveres profissionais, o que leva a que o mesmo tenha de ser responsável pelos prejuízos causados à A, dado que se mostram verificados todos os pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo daquele, previstos no art.º 762º do CC: o facto ilícito e culposo (negligente), e o dano (o dano da perda de chance). O Réu violou efetivamente, com culpa (embora negligente), o contrato que celebrou com a Autora, não satisfazendo cabalmente a prestação a que estava vinculado, ao não submeter na plataforma on line, com os demais, um dos documentos obrigatórios ao concurso, o que importa o não cumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação a seu cargo, tornando-o responsável pelo prejuízo causado ao credor, nos termos das disposições combinadas dos artigos 798.º e 799.º, n.º 1, ambos do Código Civil. E é precisamente neste âmbito - do que sejam os prejuízos causados ao credor, ou o dano verificado -, que se situa, em nosso entender, a problemática do dano da perda de chance. E a questão que se impõe resolver agora, prende-se precisamente com a problemática da ressarcibilidade do “dano da perda de chance”, e do modo como a mesma foi decidida na sentença recorrida. Ora, como resulta daquela decisão – apoiada na matéria de facto provada -, não há possibilidade de saber ao certo se a Autora ganharia ou não o concurso público (se não fosse a falha do Réu), tratando-se, portanto, de uma matéria insuscetível de ser provada. De facto, porque a candidatura da Autora foi rejeitada por falta de documentos obrigatórios, nunca alcançaríamos saber se a mesma seria a vencedora do concurso, mesmo conhecendo as razões da rejeição das propostas das outras duas empresas concorrentes, pois que teria sempre de ser feita uma avaliação substantiva da proposta por parte do júri do concurso. E perante esta constatação, a pergunta que se impõe é a de saber se a A sofreu prejuízos ressarcíveis – danos – e em caso afirmativo, como devem eles ser quantificados. A doutrina e a jurisprudência (muito abundante) dão-nos conta da divergência de posições e teses (algumas delas diametralmente opostas) sobre a ressarcibilidade do dano da perda de chance e até mesmo da sua própria admissibilidade no quadro normativo em vigor. Ora, para pôr termo a esta divergência jurisprudencial, o Supremo Tribunal de Justiça veio proferir Acórdão Uniformizador de Jurisprudência – o AUJ 2/2022, de 26.1.2022 (disponível em www.dgsi.ot), no qual se fixou jurisprudência no seguinte sentido: “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”. Embora num campo de atuação algo diferente do nosso (reportado aos casos mais frequentes de perda de chance processual), cremos que a jurisprudência do Acórdão Uniformizador tem também aplicação ao caso dos autos, em tese geral. Colocava-se a questão naquele Acórdão Uniformizador de saber se numa ação de responsabilidade civil por perda de chance processual, era ou não suficiente fazer prova da violação (que se presume culposa) dos deveres contratuais a que o mandatário forense estava adstrito, para que o autor tivesse direito a ser indemnizado pelo dano da perda de chance. A resposta foi negativa, como é evidente, concluindo-se que o lesado tem de fazer a prova de que o dano alegado (da perda de chance), para fundar a obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo-lhe o ónus da prova de tal consistência e seriedade. Já o acórdão do STJ de 30.11.2017 (disponível em www.dgsi.pt), considerava ser "razoável aceitar que a perda de chance se pode traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e portanto qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado", sendo que - o que é muito importante para o caso que nos ocupa -, "o ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (artigo 342.º, n.º 1, do CC)". Ou seja, tem o A que fazer a prova da probabilidade consistente e séria de sucesso do resultado que pretendia alcançar, que no nosso caso seria o ganho do concurso público a que a A se candidatou. O que se tem entendido no Supremo, é que é de admitir à partida o dano da «perda de chance» como um dano autónomo ressarcível, mas o mesmo deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança (e não segundo critérios matemáticos), fixando-se o quantum indemnizatório atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida, sendo precisamente o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização. Claro que, como se disse, a questão não tem sido pacífica – nem na doutrina, nem na jurisprudência -, tendo sido defendido na jurisprudência que o nosso ordenamento jurídico não admite sequer este dano autónomo (porque o mesmo não se enquadra em nenhum dos danos certos previstos na lei), consistindo o mesmo numa mera expectativa do seu titular. Combatendo essa tese, defende-se que o dano que se indemniza não é o dano final – a vantagem perdida -, mas o dano "avançado", constituído pela perda de chance, que é um dano certo, embora distinto daquele, pois que a chance foi irremediavelmente afastada por causa do ato do lesante. Donde, inexiste violação das regras gerais da responsabilidade civil que vigoram no nosso ordenamento jurídico – nomeadamente as regras que consagram a diferença patrimonial na esfera jurídica do lesado -, pois que a indemnização fixada a título de dano de perda de chance deve refletir essa diferença, cuja expressão é dada pela repercussão do grau de probabilidade no montante da indemnização a atribuir ao lesado. Daí que se defenda que a reparação da perda de uma chance deve ser medida em relação à chance perdida, não podendo a mesma ser igual à vantagem que se procurava. Consequentemente, a indemnização não pode ser nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final, devendo corresponder apenas ao valor da chance perdida. Por aqui já se vê que, a esta luz, nunca a A poderia almejar alcançar a indemnização peticionada, equivalente à perda da prestação do contrato frustrado. Como determinar então o valor desse dano, como quantifica-lo? Esta é, cremos, a tarefa mais difícil da determinação do dano de perda de chance, pois que, nunca será seguro apurar algo que não aconteceu. Por isso se defende com assertividade, que se deve proceder a uma tarefa de dupla avaliação, isto é, em primeiro lugar, realizar a avaliação do dano final, para, em seguida, ser fixado o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, em regra, traduzido num valor percentual. Uma vez obtidos tais valores, aplica-se o valor percentual - que representa o grau de probabilidade de êxito -, ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado de tal operação o valor da indemnização a atribuir pela perda da chance. * Consabidamente, no âmbito da responsabilidade contratual, é ao lesado que incumbe a demonstração dos pressupostos do dever de indemnizar a cargo do lesante - o vínculo contratual, o facto ilícito, o dano (ou prejuízos causados), e o nexo causal (presumindo-se a culpa do autor da lesão – art.º 799.º n.º 1 do CC).Ora, numa ação de responsabilidade por perda de chance, além da prova do contrato celebrado (no caso, o contrato de prestação de serviços), da violação, presumidamente culposa, dos deveres contratuais a que o prestador dos serviços está adstrito, é ainda necessária a prova dos prejuízos sofridos pelo demandante – o dano causado – que neste caso se assume, como se disse, como a prova de uma probabilidade consistente e séria de sucesso dos serviços a prestar -, cabendo essa prova, segundo as regras gerais, ao autor, que se arroga com direito à indemnização. Ou seja, para ser indemnizável, o dano da perda de chance tem que ser consistente e sério – cabendo essa prova ao lesado demandante. Como tem sido defendido no Supremo, “a doutrina da perda de chance ou da perda de oportunidade, propugna, em tese geral, a concessão de uma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final, mas, simplesmente, que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar a um prejuízo, foram reais, sérias e consideráveis, permitindo indemnizar as vítimas nos casos em que se consegue demonstrar que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente, mas em que, de qualquer modo, há a constatação de que as probabilidades de que a vítima dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes se qualificando como sérias e reais”. Necessário é então que se proceda, para o cálculo do dano (e para a sua própria existência), ao chamado “juízo dentro do juízo”, para se aferir, ou dar como verificada a probabilidade (ou o grau de probabilidade) de sucesso da atuação que deveria ser levada a cabo (e não foi) pelo contraente faltoso. * Fazendo aplicação das considerações gerais expostas ao caso dos autos, só podemos concluir, face à matéria de facto provada, que não foi feita a prova “da perda de chance” reclamada pela A.Como se disse, era necessário que a A. lograsse provar “o dano da perda de chance” (e não o dano final), o que demandaria que ela provasse que as probabilidade de ganhar o concurso público a que se habilitou eram sérias e reais, muito superiores às probabilidades de o perder. Efetivamente, no que respeita à alegada “perda de chance” correspondente à perda de oportunidade da alegada “vantagem patrimonial”, este dano só seria indemnizável se a Autora tivesse demonstrado o alto grau de probabilidade de obtenção da vantagem, isto é, que com fortes e sérias probabilidades ganharia o concurso (probabilidade muito superiores às de não o conseguir). E tal só seria possível alcançar, fazendo-se uma análise prévia e ideal dessa probabilidade - o chamado “juízo dentro do juízo” (“trial within a trial”) -, sendo esse “julgamento” essencial para a determinação da existência de “chance” na vitória do concurso, passando-se depois para a fixação do quantum indemnizatório correspondente. Dito de outro modo, não basta à Autora alegar que a atuação negligente do Réu foi a causa da sua exclusão do concurso público, devendo demonstrar a elevada probabilidade de o ganhar, caso os documentos tivessem sido submetidos corretamente pelo Réu. Na verdade, o entendimento geral do Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria tem sido o de que a pretensão indemnizatória com fundamento na perda de chance deve sempre ter por base um juízo de prognose póstuma, do qual resulte uma muito alta, séria e segura probabilidade de que, se não tivesse existido qualquer “falha” por parte do demandado, a parte teria obtido ganho de causa (Ac. STJ, de 01-07-2014, www.dgsi.pt). Ora, perante a matéria de facto provada, não vemos que essa prova tenha sido efetuada. Efetivamente, temos apenas como demonstrado que o Réu recebeu no seu escritório, no dia 30 de Maio de 2018, pelas12h00, os representantes legais da Autora, os quais pretendiam que fosse realizada a submissão da documentação ao aludido concurso, e o preenchimento do formulário On-Line disponibilizado na plataforma de Contratação Pública Eletrónica “...”. O Réu preencheu e submeteu a aludida proposta, mas desacompanhada de alguns documentos obrigatórios, nomeadamente a «memória descritiva», o que determinou a exclusão da Autora do referido concurso público. Ficou ainda provado que as outras duas propostas apresentadas pelos concorrentes EMP02..., Unipessoal, Lda. e EMP03..., Lda. foram também excluídas do concurso, com os fundamentos constantes do relatório preliminar que se encontra junto a fls. 59-62. E que quando teve conhecimento do teor daquele relatório preliminar, a Autora logo se convenceu de que a sua proposta seria a vencedora do concurso, se tivessem sido enviados os documentos corretos, sendo até a de valor mais baixo, por estar convicta de que reunia todos os pressupostos para vir a ser aceite e adjudicada pela .... Ora, como é evidente, o simples convencimento da A, de que iria ser ela a ganhar o concurso público a que se candidatou, não era suficiente para a prova do alegado dano da perda de chance. Assim como o não era o facto de o valor por si apresentado ser o mais baixo relativamente às três candidaturas apresentadas. Haveria a A de demonstrar, através de factos concretos e convincentes, que as probabilidades de ganhar o concurso público a que se habilitou eram sérias e reais, muito superiores às probabilidades de o perder, nomeadamente que reunia todos os requisitos substanciais para ganhar aquele concurso caso a sua candidatura não tivesse sido liminarmente rejeitada por razões de ordem formal. E não o fez, quedando-se pela afirmação de que era seu convencimento que tal iria acontecer, dado que era ela que apresentava o valor mais baixo de todas as concorrentes. Ora, nada ficou a constar dos autos, como seria de esperar, que esse fator – o do valor da proposta –, fosse o único requisito de admissibilidade e êxito da candidata. Aliás, a probabilidade de tal ser real é pouca, dado que foi aberto um novo Concurso Público, em virtude de não ter sido selecionada nenhuma candidata no concurso anterior, promovido pela mesma entidade (...), tendo o mesmo objeto do anterior - a “Produção e Difusão de Elementos Multimédia para a Divulgação e Promoção das ...” - e o mesmo preço base (de € 75.100,00), ao qual a A concorreu, mas não foi eleita como vencedora. Mesmo considerando que o modo de execução e as especificações técnicas de um e outro dos concursos são diferentes (condições de adjudicação, memória descritiva, preço base, critério de adjudicação, caderno de encargos, etc.), no essencial, afiguram-se-nos semelhantes em termos de entidade, objeto, e valor. Em suma, da matéria de facto provada resulta apenas a convicção da A quanto à vitória do concurso – de que iria ser a sua proposta a vencedora do concurso, baseada apenas no facto de serem três candidatas e terem sido duas excluídas, sendo ela a apresentar ao concurso o valor mais baixo. Ora, apenas com base nesses dois fatores, não podemos considerar que haja uma forte probabilidade de êxito na adjudicação do serviço à A. Ademais, analisado o relatório preliminar constante do documento n.º ... (junto com a petição), aferimos que duas das três propostas, onde se inclui a da Autora, foram excluídas por razões meramente formais, de omissões na candidatura e falta de junção de documentos anexos à mesma (não tendo sido as duas candidatas excluídas por razões substanciais, como defende a A). Efetivamente, no que se refere à proposta da EMP02..., Unipessoal, Lda. (que viria a ganhar o segundo concurso, em agosto desse ano), o relatório preliminar junto com a P.I. refere que o “júri verificou os documentos entregues pelo concorrente, constatando-se a falta da “Declaração com indicação do preço contratual, elaborada de acordo com o Anexo II ao Programa de Concurso”. Donde, foi uma falta meramente formal que efetivamente determinou a exclusão da proposta desta concorrente. Quanto à proposta apresentada pela EMP04..., Lda., apesar de a mesma ter sido entregue dentro do prazo indicado e apresentar todos os documentos solicitados, consta do relatório preliminar que “analisada a Memória Descritiva (…) verifica-se que a mesma é genérica e não responde de forma clara ao estipulado”, além de que, verifica-se “a impossibilidade de avaliar determinados aspetos da proposta, concretamente a difusão dos elementos multimédia, visto que o concorrente não apresenta dados sobre o público, sua localização e audiências…” A conclusão a extrair de tudo quanto afirmamos é a de que a A não logrou provar que, na eventualidade da sua proposta ter sido submetida com os documentos devidos, ela teria fortes e sérias probabilidades de ganhar aquele concurso. Caberia assim à A a alegação e prova da probabilidade séria e consistente da ocorrência do dano – de perda de chance –, o que demandaria a alegação e prova de que se não fosse a atuação ilícita e culposa do Réu, a sua candidatura teria sido aceite e submetida a escrutínio, e que teria sido ela a escolhida no concurso. Como se disse, e em conclusão, a A não fez prova de uma credível e verossímil perda de chance de modo a ter direito a ser indemnizada pelos alegados prejuízos sofridos. * Procede assim o recurso, com a revogação da sentença recorrida.* III - DECISÃOPelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, com a revogação da sentença recorrida. Custas pela Recorrido (art.º 527º nº 1 e 2 do CPC). * Sumário do acórdão (artigo 663º n º7 do CPC)I – Não se verifica a nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão, se nela foi seguido um raciocínio lógico e coerente, com a descrição dos factos e subsunção dos mesmos às normas legais vigentes, interpretadas segundo o entendimento do julgador (embora com elas discordando o recorrente). II- O “dano da perda de chance”, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade (segundo o Ac. de Uniformização de Jurisprudência nº2/2022 de 26/01/2022). III – Caberia assim à A efetuar a prova de que a sua seleção no concurso público a que se submeteu teria fortes e sérias probabilidades de êxito, não fora a rejeição da sua candidatura, por razões de ordem formal, imputáveis ao réu – o que não logrou fazer. * Guimarães, 2 de maio de 2024 |