Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ISILDA PINHO | ||
Descritores: | CRIME DE FALSIDADE DE TESTEMUNHO CRIME DE FAVORECIMENTO PESSOAL CONCURSO REAL | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 07/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
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Sumário: | O facto de a conduta do arguido que integra a prática do crime de falsidade de testemunho ter ocorrido com a finalidade de realizar uma acção de favorecimento pessoal de terceiro, tal realidade não é bastante para afirmar uma relação de concurso aparente, de consunção, entre os crimes de falsidade de testemunho e de favorecimento pessoal e, consequentemente, afastar a relação de concurso real, designadamente quando se está perante uma situação em que as ações que integram cada um dos referidos crimes são materialmente e temporalmente distintas e diferenciadas no plano das resoluções do agente. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordaram, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO I.1 No âmbito do processo comum singular n.º 93/21.... que corre termos pelo Juízo Local Criminal de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, em 07 de fevereiro de 2024, foi proferida sentença condenatória, com o seguinte dispositivo [transcrição]: “(…) Pelo exposto, julga-se procedente a acusação e, em consequência: - condena-se o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 8,00 € (oito euros), o que perfaz o montante de 1.600,00 € (mil e seiscentos euros); - condena-se o arguido AA, pela prática, em co-autoria material e na forma tentada, de um crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário, p. e p. pelos artigos 367.º, n.ºs 1 e 4, 368.º e 386.º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 8,00 € (oito euros), o que perfaz o montante de 2.400,00 € (dois mil e quatrocentos euros); - condena-se o arguido BB, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, o que perfaz o montante de 1.600,00 € (mil e seiscentos euros); - condena-se o arguido BB, pela prática, em co-autoria material e na forma tentada, de um crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 367.º, n.ºs 1 e 4, 368.º e 386.º, n.º1, al. a), todos do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 8,00 € (oito euros), o que perfaz o montante de 2.400,00 € (dois mil e quatrocentos euros); - condena-se o arguido CC, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 7,50 € (sete euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o montante de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros). (…) ”. [sublinhado e negrito nossos]. I.2 Recurso da decisão Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso os arguidos AA e BB para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraíram as seguintes conclusões [transcrição]: Arguido AA: “(…) I- O arguido AA foi condenado pelo tribunal a quo, cada um deles, pela prática, em autoria material e consumada, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.º, nº.s 1 e 3 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €8,00 (oito euros), o que perfaz o montante de €1.600,00 (mil e seiscentos euros) e, ainda, pela prática, em co- autoria material e na forma tentada, de um crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário, p. e p. pelos artigos 367.º, n.ºs 1 e 4, 368.º e 386.º, nº1, alínea a) todos do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de €8,00 (oito euros), o que perfaz o montante de €2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros). Mais condenou o arguido em custas criminais, em 3 UC a taxa de justiça individual devida (artigo 513.º do Código de Processo Penal). II- Com o devido respeito, que é merecido, o arguido não se conforma com a sentença proferida, merecendo a mesma censura, pelo que o recurso versará sobre a matéria de facto e de direito. III- Em questão prévia, na sentença proferida pelo tribunal a quo, aqui objeto de recurso, começou a Meritíssima Juiz por se pronunciar relativamente à nulidade de despacho proferido em acta de 6 de dezembro de 2023, nulidade esta que havia sido invocada em audiência de julgamento. IV- Na sentença a quo, a Meritíssima Juiz decidiu-se pelo indeferimento da nulidade arguida em sede de audiência de julgamento, limitando-se a referir que o indeferimento da leitura de declarações de testemunha prestadas em sede de inquérito por falta de acordo de todos os intervenientes processuais não se enquadra no artigo 120.º, nº 2, alínea d) do CPP, pois não configura a omissão de uma diligência essencial para a descoberta da verdade, referindo ainda que as declarações constam de certidão junta aos autos, passiveis de serem apreciadas para a formação da convicção do Tribunal. V- Com o devido respeito, entendemos que a decisão carece totalmente de fundamentação, não sendo indicados os motivos de facto e de direito que a fundamentam, já que a Meritíssima Juiz não explica as razões de facto e de direito em que se baseou para indeferir a nulidade invocada, muito menos porque motivo entende que a situação em apreço não se subsume ao artigo 120.º, nº2, alínea d) do CPP, conforme gravação efetuada com inicio às 11h06 e termo às 11h10m. VI- Assim, da referida decisão não se infere qual o raciocínio realizado pela Meritíssima Juiz para proferir a decisão em causa, o que impede a formulação de um juízo consciente sobre a aceitação da decisão ou o recurso da mesma. VII- Para além de o Recorrente entende que a decisão acerca da nulidade invocada padece de falta de fundamentação, também a sentença proferida padece do mesmo vício. VIII- Salvo o devido respeito, a motivação da matéria de facto provada e não provada não se encontra devidamente fundamentada, já que no entender do Recorrente não se faz a devida indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, originando que a decisão recorrida padeça de nulidade por violação do n.º 2, do artigo 374.º, 379.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. IX- A decisão recorrida limita-se a dizer que da prova produzida em julgamento não restaram dúvidas de que as coisas se passaram tal como consta da acusação e como resulta das certidões do processo n.º 74/18.... ou seja, de que os arguidos prestaram as declarações em causa nos autos sabendo que as mesmas não correspondiam à verdade porque presenciaram os factos pelos quais o militar DD veio a ser condenado e que os subscritores do Auto de Noticia omitiram a denúncia que lhes foi comunicada no local pela testemunha EE, tendo inscrito no auto que não verificaram qualquer ilícito. X- Assim, com o devido respeito, a decisão recorrida é nula por violação do n.º 2 do artigo 374.º e 379.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP). XI- Acresce que, o Arguido/Recorrente considera que foram incorretamente dados como provados os factos números 7) 10 )12) 13) 14) da matéria de facto provada, em virtude de não ter havido produção de prova suficiente em audiência de discussão e julgamento para os considerar como provados, conforme supra transcritos. XII- Desde logo, da conjugação dos depoimentos prestados, nomeadamente do Arguido/Recorrente, das declarações dos demais arguidos e da testemunha EE e dos documentos juntos aos autos, nomeadamente a certidão junta em sede de audiência de julgamento no dia 07 de junho de 2023, a folhas..., entendemos que não se podia dar como provada toda a factualidade supra descrita e consequentemente não poderia ter o tribunal a quo proferido a decisão que proferiu, tendo havido erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410.º, nº 2, alínea c) do CPP. XIII- O arguido aquando da sua inquirição no âmbito do processo 74/18...., na qualidade de testemunha prestou depoimento, tendo as suas declarações sido mantidas idênticas ás prestadas em sede de julgamento nestes autos. XIV- O arguido AA contou a sua versão dos factos, tendo logo no início das suas declarações referido que não presenciou a agressão ocorrida, que fazia parte da patrulha de ... e que se encontrava de serviço e que por esse motivo foi ao local pois foi solicitada a presença da patrulha para uma situação de possível suicídio, admitiu que recebeu um telefonema do guarda DD a solicitar informações sobre a ocorrência e que referiu aí se tratar de uma ocorrência em casa da mãe dele, e como não sabia a localização exata da habitação, encontraram-se num local para seguirem juntos para o local da ocorrência, tendo sido este o contexto em que o Guarda DD compareceu no local, conforme resulta dos respetivos depoimentos nas passagens devidamente transcritas e assinaladas na motivação do presente recurso. O arguido AA referiu que esteve dentro da casa com a senhora e do que se recordava também estavam dentro de casa os arguidos CC e BB e foi ao sair do interior da casa para o exterior, que o Sr. AA foi ter com o arguido AA a dizer que tinha sido agredido pelo camara DD e que tinha chamado para o 112 e que queria apresentar queixa. O arguido AA referiu sempre que o senhor AA se tinha queixado mas que o mesmo não presenciou as referidas agressões. E nesse sentido aconselhou o Sr. AA para que o mesmo se deslocasse com a patrulha para no posto apresentar a respetiva queixa crime. O arguido AA também referiu em todos os seus depoimentos que não viu qualquer ferimento no Sr. AA e que o Sr. AA não compareceu no posto, para apresentar a queixa de imediato, como havia combinado com os arguidos AA e BB e por esse motivo fez-se chamadas do posto para o numero de telemóvel do Sr. AA, para saber o motivo de tal. XV- Por sua vez, o arguido BB declarou que não viu o Sr. AA a falar com o militar DD, pois entrou na casa da mãe do militar DD para falar com a senhora, uma vez que foi a mesma quem solicitou a presença da patrulha, e que lá dentro estava o arguido AA e o arguido CC e a mãe do militar DD e ainda outro senhor. Tendo referido que o Sr. AA se queixou de ter sido agredido pelo guarda DD e que o mesmo só se queixou quando a patrulha de ... (à qual pertencia o guarda DD) já tinha abandonado o local e no exterior da habitação. O arguido negou ter ouvido gritos e de ter visto marcas das ofensas. O arguido BB disse ainda que não fizeram constar do auto de noticia o relato das ofensas, uma vez que não as presenciou e que tinham acordado com o Sr. AA que este iria em seguida, atrás do carro da patrulha, para o posto para apresentar a respetiva queixa. Mais referiu que como não apareceu o Sr. AA, que ligaram do posto e julgava que a chamada tinha sido atendida, conforme resulta dos respetivos depoimentos nas passagens devidamente transcritas e assinaladas na motivação do presente recurso. XVI- Acresce ao supra exposto, que as declarações prestadas pelos arguidos são conformes com as declarações prestadas pelo Sr. EE em sede de inquérito em Auto de Inquirição no processo 74/18.... e cuja certidão se encontra junta aos autos, a folhas.... que são as primeiras que prestou acerca dos factos e como tal aquelas onde os acontecimentos ainda estavam muito vivos, muito presentes, atendendo a que eram muito recentes. Declarações que se encontram supra reproduzidas. As declarações prestadas por esta testemunha na Audiência de Discussão e Julgamento, são claramente divergentes das que havia prestadas em sede de inquérito no outro processo, pois este Senhor AA nunca disse, por exemplo que os três miliares e a mãe presenciaram a agressão. XVII- E nestes autos a testemunha vem confirmar que a posição em que se encontrava a sua carrinha (com as portas traseiras para o portão) e a posição em que se encontra a testemunha e o Militar DD (parte traseira da carrinha) não permitira que os restantes militares o pudessem ver, até porque estariam no interior da casa, e isso decorre do seu depoimento. XVIII- Não merece censura a atuação do arguido/recorrente, no que respeita à redação/subscrição do auto de notícia, uma vez que decorreu do depoimento da testemunha FF que a pouca formação dos militares da GNR e a pouca experiência dos militares à data dos factos se reflete na redação dos autos e que a expressão “não se verificou qualquer ilícito” não significa necessariamente que quisessem beneficiar/prejudicar quem quer que fosse. XIX- Face à prova produzida em julgamento, o Tribunal a quo não poderia ter concluído como o fez, nomeadamente não poderia concluir que os arguidos, e em especifico a aqui Arguido/Recorrente prestou as declarações, no âmbito do Processo 74/18.... e nos presentes autos, sabendo que as mesmas não correspondiam à verdade. Da mesma forma, o Tribunal a quo não deveria ter concluído que o arguido presenciou os factos pelos quais o militar DD foi condenado, pois tal não aconteceu. Para além disso, o Tribunal a quo não podia ter concluído que o arguido AA omitiu a denuncia dos factos com a intenção de favorecer o militar DD. XX- Na verdade, entende a defesa dos arguidos AA, que o Tribunal a quo errou na apreciação da prova, pois sem qualquer suporte probatório considerou que o arguido faltou à verdade no depoimento que prestou como testemunha no processo 74/18...., sem que o mesmo fosse sustentado por qualquer prova nos autos de que o depoimento prestado em audiência de julgamento é falso. XXI- O erro notório na apreciação da prova, enunciado na aliena c) do artigo 410, nº2 do CPP, consiste no vicio de raciocínio que não passa despercebido ao comum dos observadores, o qual, pela simples leitura da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta que, ao dar um determinado facto como provado, ou não provado, o tribunal violou as regras da experiencia, baseou-se em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, ou então desrespeitou critérios legalmente fixados para a valoração da prova. XXII- Acresce que, de acordo com Paulo Pinto de Albuquerque, "o crime de falsidade de testemunho consome o crime de favorecimento pessoal", Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, pp. 861, pelo que salvo o devido respeito, a ser assim, os Arguidos deveriam ter sido acusados somente pelo crime de falsidade de testemunho. XXIII- Em relação ao crime de falsidade de testemunho, não se encontram preenchidos os tipos objectivo e subjectivo do ilícito, pois o Arguido/Recorrente nunca prestou qualquer depoimento falso. Na verdade, os depoimentos prestados pelo Arguido no âmbito do processo 74/18.... são coincidentes entre a fase de inquérito e de julgamento. o Ministério Público através da extração de certidões do processo mencionado decidiu fazer uma "caça às bruxas" e perseguir os militares acreditando que estes "mentiram" nas declarações que haviam prestado sem qualquer prova de tal. XXIV- Também não se encontram preenchidos os tipos objetivos e subjetivos do crime de favorecimento pessoal praticado por funcionários, uma vez que o arguido ao aconselhar o cidadão EE a apresentar a queixa crime pelos factos que lhes relatou, nomeadamente que havia sido agredido pelo militar DD fez na convicção de que o Sr. EE iria ter com ele ao posto da GNR no imediato, tendo inclusivamente sido realizada uma chamada telefónica do posto para dar seguimento à mesma, convicto também de que estava a desempenhar as suas funções de forma correta, a servir o cidadão e a justiça. Conduta diferente seria se o arguido AA tivesse coagido o Sr. EE a não apresentar a queixa ou se o tivesse impedido de a fazer mesmo a solicitação deste, ou recusado de a receber, o que não foi o caso dos autos. Pelo que, o arguido AA não teve qualquer intenção de favorecer o militar DD nem de evitar que o mesmo fosse sujeito a qualquer processo penal. XXV- Face ao exposto, e atendendo à prova produzida nos autos, nomeadamente as declarações do arguido AA, a Meritíssima Juiz a quo deveria ter proferida uma decisão diferente da proferida, absolvendo o arguido do crime de falsidade de testemunho previsto e punido pelo artigo 360.º, n.º 1 e 3 do Código Penal e pelo crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário na forma tentada previsto e punido pelo artigo 367.º, n.º 1 e 4, 368.º, 386.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal. XXVI- Em suma, no caso em apreço, da valoração que o tribunal a quo fez dos elementos probatórios considerados na sentença objeto de recurso e da sua fundamentação, resulta que o tribunal a quo formulou um juízo que não assenta em critérios lógicos e racionais, padecendo de forma notória a sua decisão do vicio de erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410.º, nº2 do CPP. XXVII- Ao supra exposto, acresce que, em sede de audiência de julgamento no dia 7 de junho de 2023, o tribunal a quo admitiu a junção aos autos de certidão das declarações prestadas pela testemunha EE no processo 74/18...., o qual não constava da acusação dos autos. A sua junção foi requerida para ser valorada como prova documental, para corroboração dos depoimentos prestados pelos arguidos em sede de audiência de julgamento nos presentes autos. Sucede, que para surpresa dos arguidos, após o termino dos trabalhos e após vários agendamentos para leitura de sentença, o tribunal a quo decide reabrir a audiência de julgamento e fazer nova sessão de audiência de julgamento com produção de nova prova, a inquirição da testemunha EE. Durante o seu depoimento, e por a defesa dos arguidos acharem fundamental para garantir o direito de defesa dos mesmos e a descoberta da verdade material e essencial à boa decisão da causa foi feito requerimento pela Ilustre Mandatária do Arguido AA, para que o teor do documento junto e admitido em sede de audiência de julgamento fosse lido à testemunha EE, o qual mereceu a oposição do Ministério Público, motivo pelo qual o tribunal a quo não permitiu. Tendo e imediato sido arguida nulidade com base no disposto no artigo 120.º, nº2, alínea d) do CPP pelo Ilustre Mandatário do arguido CC de que o tribunal apenas veio decidir em sede de sentença. XXVIII- Ora, entende o arguido que tal leitura era essencial para a sua defesa e descoberta da verdade material nos presentes autos e ao decidir pela não permissão da leitura de documento junto aos autos violou o tribunal a quo o ao direito a um processo equitativo e a violação do principio da legalidade e das garantias de defesa do processo criminal consagradas nos artigos 20.º, nº 4, 29.ºe 32.º, nºs 1 e 5 e 203.º da CRP assim como violou os artigos 355.º e 356.º do CPP, o que configura uma nulidade insanável nos termos 120, n.º 2, alínea d) do CPP. XXIX- O tribunal a quo violou ainda o princípio do contraditório que é garantia do processo penal bem como a regra da imediação que é instrumento fundamental da realização das garantias de defesa, princípios estes jurídico-constitucionais do processo penal. XXX- O tribunal a quo fez a apreciação da prova segundo as regras da experiencia e a livre convicção do julgador. XXXI- Com o devido respeito, entende a defesa do arguido que o tribunal a quo ao julgar os factos provados e não provados com base na apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador ignorou e desprezou o princípio da inocência consagrado no artigo 32.º, nº2 e no dever da fundamentação consagrado no artigo 205.º ambos da CRP. XXXII- Entende a defesa do arguido que a fundamentação da sentença do tribunal a quo não esclarece totalmente e especificamente quais os factos concretos que através de cada um dos meios de prova por si valorados foram julgados provados. A sentença do tribunal a quo não indica os meios probatórios em que se baseou, não efetua um exame critico das mesmas e não menciona as razoes de credibilidade que lhes mereceram, não expondo as razoes lógicas, de ciência e de experiencia comum que tornem o processo decisório percetível em relação aos arguidos em conjunto, muito menos em relação a cada um deles em concreto. XXXIII- Caso assim não se entenda, sem prescindir, caso se mantenham as penas aplicadas ao Arguido /Recorrente AA, não se pode o mesmo conformar com a decisão condenatória ora proferida no referente à sua condenação, quanto a medida da pena aplicada, por entender que a aplicação desta pena é manifestamente desproporcional, exagerada e desajustada. XXXIV- De facto, entende o Recorrente que na sentença recorrida não se fez a mais correta apreciação das circunstâncias que deverão ser atendidas na escolha e na determinação da medida concreta da pena, designadamente, não se fez a aplicação mais adequada dos artigos 70.º, 71.º, e 40.º do Código Penal. XXXV- Com efeito, o artigo 40.º do Código Penal estabelece a proteção de bens jurídicos e a reinserção do agente na sociedade como as finalidades da aplicação de uma pena. XXXVI- O arguido não tem antecedentes criminais, quanto a este tipo de ilícito penal. XXXVII- O arguido entende que as punições que lhe foram impostas pecam por excesso, quer no que respeita ao respetivo quantitativo, quer quanto ao seu montante diário. XXXVIII- É verdade que o arguido tem de pagar criminalmente pelos seus atos, e que a pena deve cumprir as necessidades de prevenção geral e especial, porém a determinação do “quantum” da pena viola os princípios da proporcionalidade e da adequação face às circunstâncias concretas do caso, e, consequentemente a violação dos art.s 40.º e 71.º C.P. XXXIX- A delimitação daquela moldura, ou seja, a produção concreta da pena e, função da culpa far-se-á tendo em atenção todas as circunstancias que, não fazendo parte do crime, depuseram a favor do arguido ou contra ele, designadamente as elencadas no nº2 do art. 71.º,nº1 do CP. XL- A considerar que o arguido praticou os factos de que foi condenado, as circunstâncias concretas que levaram a prática dos factos imputados ao arguido consubstanciam um diminuto grau de ilicitude. XLI- Depõem, também a favor do arguido o facto de se encontrar totalmente inserido socialmente. XLII- A situação económica – financeira do arguido também deve ser tomada em consideração. XLIII- Porém, e se nada se apurou quanto à situação económica do arguido porque o tribunal a quo não diligenciou pela obtenção do relatório social dos arguidos (artigo 370.º do Código de Processo Penal), no qual se fariam constar as condições socioeconómicas do mesmo, bem como os seus encargos pessoais. E ainda que esse relatório social não seja obrigatório, é peça essencial para a operação da determinação da medida da pena. XLIV- O arguido prestou declarações quanto as suas respetivas condições pessoais e económicas na primeira sessão de julgamento ocorrida em 07 de junho de 2023 e a leitura de sentença apenas ocorreu no dia 07 de fevereiro de 2024. XLV- Face ao longo decurso de tempo, as condições económicas do arguido sofreram alterações. XLVI- O arguido tem o 12.º ano de escolaridade e são militares da G.N.R. XLVII- O arguido AA aufere cerca de €1.200,00 (mil e duzentos euros), contraiu um crédito em dezembro de 2023, para aquisição de habitação própria e permanente juntamente com a sua companheira, pagando uma prestação mensal de €750,00 (setecentos e cinquenta euros) e a sua companheira é gestora de obras auferindo o salário de cerca de €1.000,00 (mil euros). XLVIII- A multa é uma pena de natureza criminal, assumindo assim um caráter pessoal e não podendo ser suportada por terceiros (Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português, anot.3, p. 118 e 119). XLIX- Sendo então de determinar um quantitativo diário (para a multa) que apesar de consubstanciar um sacrifício real para o arguido tem de deixar, no entanto, “asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respetivo agregado familiar”(ac. STJ de 2 de Outubro de 1997;CJ, Ac.s do STJ, V, tomo 3,183). L- Pelo que, ponderados todos estes fatores e tendo em conta as considerações de prevenção geral e especial, a pena que consideramos mais justa, proporcional e adequada é pena de multa inferior aquela em que o arguido foi condenado. Nestes termos e nos melhores de direito, Deve conceder-se integral provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão impugnada, substituindo-a por outra, em que: A) Se declare a nulidade do despacho proferido em acta de 6 de dezembro de 2023, por falta de fundamentação; B) Seja declarada nula a decisão recorrida, por violação do n.º 2 do artigo 374.º e 379.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP). C) Seja o arguido/recorrente absolvido da prática dos crimes em que foi condenado, por não ter sido produzida prova que sustente a prática dos crimes em causa; D) Subsidiariamente ao pedido vertido em C), que o arguido/recorrente seja condenado em pena adequada e proporcional às suas condições económicas, o que não sucedeu uma vez que nem foi solicitada a elaboração do relatório social, como deveria ter sido fazendo, assim, V.ª Ex.ª a habitual e necessária JUSTIÇA (…)”. Arguido BB: “(…) I. Os arguidos AA e BB foram condenados pelo tribunal a quo, cada um deles, pela prática, em autoria material e consumada, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.º, nº.s 1 e 3 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €8,00 (oito euros), o que perfaz o montante de €1.600,00 (mil e seiscentos euros) e, ainda, pela prática, em co- autoria material e na forma tentada, de um crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário, p. e p. pelos artigos 367.º, n.ºs 1 e 4, 368.º e 386.º, nº1, alínea a) todos do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de €8,00 (oito euros), o que perfaz o montante de €2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros). Mais condenou os arguidos em custas criminais, em 3 UC a taxa de justiça individual devida (artigo 513.º do Código de Processo Penal). II. Com o devido respeito, que é merecido, o arguido não se conforma com a sentença proferida, merecendo a mesma censura, pelo que o recurso versará sobre a matéria de facto e de direito. III. Em questão prévia, na sentença proferida pelo tribunal a quo, aqui objeto de recurso, começou a Meritíssima Juiz por se pronunciar relativamente à nulidade de despacho proferido em ata de 6 de dezembro de 2023, nulidade esta que havia sido invocada em audiência de julgamento. IV. Na sentença a quo, a Meritíssima Juiz decidiu-se pelo indeferimento da nulidade arguida em sede de audiência de julgamento, limitando-se a referir que o indeferimento da leitura de declarações de testemunha prestadas em sede de inquérito por falta de acordo de todos os intervenientes processuais não se enquadra no artigo 120.º, nº 2, alínea d) do CPP, pois não configura a omissão de uma diligência essencial para a descoberta da verdade, referindo ainda que as declarações constam de certidão junta aos autos, passiveis de serem apreciadas para a formação da convicção do Tribunal. V. Com o devido respeito, entendemos que a decisão carece totalmente de fundamentação, não sendo indicados os motivos de facto e de direito que a fundamentam, já que a Meritíssima Juiz não explica as razões de facto e de direito em que se baseou para indeferir a nulidade invocada, muito menos porque motivo entende que a situação em apreço não se subsume ao artigo 120.º, nº2, alínea d) do CPP, conforme gravação efetuada com inicio às 11h06 e termo às 11h10m. VI. Assim, da referida decisão não se infere qual o raciocínio realizado pela Meritíssima Juiz para proferir a decisão em causa, o que impede a formulação de um juízo consciente sobre a aceitação da decisão ou o recurso da mesma. VII. Para além de o Recorrente entender que a decisão acerca da nulidade invocada padecer de falta de fundamentação, também a sentença proferida padece do mesmo vício. VIII. Salvo o devido respeito, a motivação da matéria de facto provada e não provada não se encontra devidamente fundamentada, já que no entender do Recorrente não se faz a devida indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, originando que a decisão recorrida padeça de nulidade por violação do n.º 2, do artigo 374.º, 379.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. IX. A decisão recorrida limita-se a dizer que da prova produzida em julgamento não restaram dúvidas de que as coisas se passaram tal como consta da acusação e como resulta das certidões do processo n.º 74/18.... ou seja, de que os arguidos prestaram as declarações em causa nos autos sabendo que as mesmas não correspondiam à verdade porque presenciaram os factos pelos quais o militar DD veio a ser condenado e que os subscritores do Auto de Noticia omitiram a denúncia que lhes foi comunicada no local pela testemunha EE, tendo inscrito no auto que não verificaram qualquer ilícito. X. Assim, com o devido respeito, a decisão recorrida é nula por violação do n.º 2 do artigo 374.º e 379.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP). XI. Acresce que, o Arguido/Recorrente considera que foram incorretamente dados como provados os factos números 7) 10 )12) 13) 14) da matéria de facto provada, em virtude de não ter havido produção de prova suficiente em audiência de discussão e julgamento para os considerar como provados, conforme supra transcritos. XII. Desde logo, da conjugação dos depoimentos prestados, nomeadamente do Arguido/Recorrente e da testemunha EE e dos documentos juntos aos autos, nomeadamente a certidão junta em sede de audiência de julgamento no dia 07 de junho de 2023, a folhas..., entendemos que não se podia dar como provada toda a factualidade supra descrita e consequentemente não poderia ter o tribunal a quo proferido a decisão que proferiu, tendo havido erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410.º, nº 2, alínea c) do CPP. XIII. O arguido, aquando das suas inquirições no âmbito do processo 74/18...., na qualidade de testemunha prestou depoimento, tendo as suas declarações sido mantidas idênticas ás prestadas em sede de julgamento nestes autos. XIV. O arguido contou a sua versão dos factos, tendo logo no início das suas declarações referido que não presenciou a agressão ocorrida, que fazia parte da patrulha de ... e que se encontrava de serviço e que por esse motivo foi ao local pois foi solicitada a presença da patrulha para uma situação de possível suicídio, admitiu que o camarada AA recebeu um telefonema do guarda DD a solicitar informações sobre a ocorrência e que referiu aí se tratar de uma ocorrência em casa da mãe dele, e como aquele não sabia a localização exata da habitação, encontraram-se num local para seguirem juntos para o local da ocorrência, tendo sido este o contexto em que o Guarda DD compareceu no local, conforme resulta dos respetivos depoimentos nas passagens devidamente transcritas e assinaladas na motivação do presente recurso. O arguido/recorrente BB declarou que não viu o Sr. AA a falar com o militar DD, pois entrou na casa da mãe do militar DD para falar com a senhora, uma vez que foi a mesma quem solicitou a presença da patrulha, e que lá dentro estava o arguido AA e o arguido CC e a mãe do militar DD e ainda outro senhor. Tendo referido que o Sr. AA se queixou de ter sido agredido pelo guarda DD e que o mesmo só se queixou quando a patrulha de ... (à qual pertencia o guarda DD) já tinha abandonado o local e no exterior da habitação. O arguido negou ter ouvido gritos e de ter visto marcas das ofensas. O arguido BB disse ainda que não fizeram constar do auto de notícia o relato das ofensas, uma vez que não as presenciou e que tinham acordado com o Sr. AA que este iria em seguida, atrás do carro da patrulha, para o posto para apresentar a respetiva queixa. Mais referiu que como não apareceu o Sr. AA, que ligaram do posto e julgava que a chamada tinha sido atendida, conforme resulta dos respectivos depoimentos nas passagens devidamente transcritas e assinaladas na motivação do presente recurso. XV. Por sua vez, o arguido AA referiu que esteve dentro da casa com a senhora e do que se recordava também estavam dentro de casa os arguidos CC e BB e foi ao sair do interior da casa para o exterior, que o Sr. AA foi ter com o arguido AA a dizer que tinha sido agredido pelo camara DD e que tinha chamado para o 112 e que queria apresentar queixa. O arguido AA referiu sempre que o senhor AA se tinha queixado, mas que o mesmo não presenciou as referidas agressões. E nesse sentido aconselhou o Sr. AA para que o mesmo se deslocasse com a patrulha para no posto apresentar a respetiva queixa crime. O arguido AA também referiu em todos os seus depoimentos que não viu qualquer ferimento no Sr. AA e que o Sr. AA não compareceu no posto, para apresentar a queixa de imediato, como havia combinado com os arguidos AA e BB e por esse motivo fez-se chamadas do posto para o número de telemóvel do Sr. AA, para saber o motivo de tal. XVI. Acresce ao supra exposto, que as declarações prestadas pelos arguidos são conformes com as declarações prestadas pelo Sr. EE em sede de inquérito em Auto de Inquirição no processo 74/18.... e cuja certidão se encontra junta aos autos, a folhas.... que são as primeiras que prestou acerca dos factos e, como tal, aquelas onde os acontecimentos ainda estavam muito vivos, muito presentes, atendendo a que eram muito recentes. Declarações que se encontram supra transcritas. As declarações prestadas por esta testemunha na Audiência de Discussão e Julgamento, são claramente divergentes das que havia prestadas em sede de inquérito no outro processo, pois este Senhor nunca disse, por exemplo, que os três miliares e a mãe presenciaram a agressão!!! XVII. E nestes autos a testemunha vem confirmar que a posição em que se encontrava a sua carrinha (com as portas traseiras para o portão) e a posição em que se encontra a testemunha e o Militar DD (parte traseira da carrinha) não permitira que os restantes militares o pudessem ver, até porque estariam no interior da casa, e isso decorre do seu depoimento. XVIII. Não merece censura a atuação do arguido/recorrente, no que respeita à redação/subscrição do auto de notícia, uma vez que decorreu do depoimento da testemunha FF que a pouca formação dos militares da GNR e a pouca experiência dos militares à data dos factos se reflete na redação dos autos e que a expressão “não se verificou qualquer ilícito” não significa necessariamente que quisessem beneficiar/prejudicar quem quer que fosse. XIX. Face à prova produzida em julgamento, o Tribunal a quo não poderia ter concluído como o fez, nomeadamente não poderia concluir que o arguido prestara as declarações, no âmbito do Processo 74/18.... e nos presentes autos, sabendo que as mesmas não correspondiam à verdade. Da mesma forma, o Tribunal a quo não deveria ter concluído que o arguido presenciou os factos pelos quais o militar DD foi condenado, pois tal não aconteceu. Para além disso, o Tribunal a quo não podia ter concluído que o arguido BB omitira a denuncia dos factos com a intenção de favorecer o militar DD. XX. Na verdade, entende o recorrente que o Tribunal a quo errou na apreciação da prova, pois sem qualquer suporte probatório considerou que o arguido faltara à verdade no depoimento que prestara como testemunha no processo 74/18...., sem que o mesmo fosse sustentado por qualquer prova nos autos de que o depoimento prestado em audiência de julgamento é falso. XXI. O erro notório na apreciação da prova, enunciado na aliena c) do artigo 410, nº2 do CPP, consiste no vicio de raciocínio que não passa despercebido ao comum dos observadores, o qual, pela simples leitura da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta que, ao dar um determinado facto como provado, ou não provado, o tribunal violou as regras da experiencia, baseou-se em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, ou então desrespeitou critérios legalmente fixados para a valoração da prova. XXII. Acresce que, de acordo com Paulo Pinto de Albuquerque, "o crime de falsidade de testemunho consome o crime de favorecimento pessoal", Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, pp. 861, pelo que salvo o devido respeito, a ser assim, os Arguidos deveriam ter sido acusados somente pelo crime de falsidade de testemunho. XXIII. Em relação ao crime de falsidade de testemunho, não se encontram preenchidos os tipos objetivo e subjetivo do ilícito, pois o Arguido/Recorrente nunca prestou qualquer depoimento falso. Na verdade, os depoimentos prestados pelo Arguido no âmbito do processo 74/18.... são coincidentes entre a fase de inquérito e de julgamento. XXIV. Também não se encontram preenchidos os tipos objetivos e subjetivos do crime de favorecimento pessoal praticado por funcionários, uma vez que o arguido ao aconselhar o cidadão EE a apresentar a queixa crime pelos factos que lhes relatou, nomeadamente que havia sido agredido pelo militar DD fê-lo na convicção de que o Sr. EE iria ter ao posto da GNR no imediato, tendo inclusivamente sido realizada uma chamada telefónica do posto para dar seguimento à mesma, convictos também de que estavam a desempenhar as suas funções de forma correta, a servir o cidadão e a justiça. Conduta diferente seria se os arguidos AA e BB tivessem coagido o Sr. EE a não apresentar a queixa ou se o tivessem impedido de a fazer mesmo a solicitação deste, ou recusado de a receber, o que não foi o caso dos autos. Pelo que, os arguidos AA e BB não tiveram qualquer intenção de favorecer o militar DD nem de evitar que o mesmo fosse sujeito a qualquer processo penal. XXV. Face ao exposto, e atendendo à prova produzida nos autos, nomeadamente as declarações do arguido BB, a Meritíssima Juiz a quo deveria ter proferida uma decisão diferente da proferida, absolvendo o arguido do crime de falsidade de testemunho previsto e punido pelo artigo 360.º, n.º 1 e 3 do Código Penal e pelo crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário na forma tentada previsto e punido pelo artigo 367.º, n.º 1 e 4, 368.º, 386.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal. XXVI. Em suma, no caso em apreço, da valoração que o tribunal a quo fez dos elementos probatórios considerados na sentença objeto de recurso e da sua fundamentação, resulta que o tribunal a quo formulou um juízo que não assenta em critérios lógicos e racionais, padecendo de forma notória a sua decisão do vicio de erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410.º, nº2 do CPP. XXVII. Ao supra exposto, acresce que, em sede de audiência de julgamento no dia 7 de junho de 2023, o tribunal a quo admitiu a junção aos autos de certidão das declarações prestadas pela testemunha EE no processo 74/18...., o qual não constava da acusação dos autos. A sua junção foi requerida para ser valorada como prova documental, para corroboração dos depoimentos prestados pelos arguidos em sede de audiência de julgamento nos presentes autos. Sucede, que para surpresa dos arguidos, após o termino dos trabalhos e após vários agendamentos para leitura de sentença, o tribunal a quo decide reabrir a audiência de julgamento e fazer nova sessão de audiência de julgamento com produção de nova prova, a inquirição da testemunha EE. Durante o seu depoimento, e por a defesa dos arguidos acharem fundamental para garantir o direito de defesa dos mesmos e a descoberta da verdade material e essencial à boa decisão da causa foi feito requerimento pela Ilustre Mandatária do Arguido AA, para que o teor do documento junto e admitido em sede de audiência de julgamento fosse lido à testemunha EE, o qual mereceu a oposição do Ministério Público, motivo pelo qual o tribunal a quo não permitiu. Tendo e imediato sido arguida nulidade com base no disposto no artigo 120.º, nº2, alínea d) do CPP de que o tribunal apenas veio decidir em sede de sentença. XXVIII. Ora, entende o arguido que tal leitura era essencial para a sua defesa e descoberta da verdade material nos presentes autos e ao decidir pela não permissão da leitura de documento junto aos autos violou o tribunal a quo o ao direito a um processo equitativo e a violação do principio da legalidade e das garantias de defesa do processo criminal consagradas nos artigos 20.º, nº 4, 29.º e 32.º, n.ºs 1 e 5 e 203.º da CRP assim como violou os artigos 355.º e 356.º do CPP, o que configura uma nulidade insanável nos termos 120, n.º 2, alínea d) do CPP. XXIX. O tribunal a quo violou ainda o princípio do contraditório que é garantia do processo penal bem como a regra da imediação que é instrumento fundamental da realização das garantias de defesa, princípios estes jurídico-constitucionais do processo penal. XXX. Entende o recorrente que, o tribunal a quo ao julgar os factos provados e não provados com base na apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador ignorou e desprezou o princípio da inocência consagrado no artigo 32.º, nº2 e no dever da fundamentação consagrado no artigo 205.º ambos da CRP. XXXI. Entende o recorrente que a fundamentação da sentença do tribunal a quo não esclarece totalmente e especificamente quais os factos concretos que através de cada um dos meios de prova por si valorados foram julgados provados. A sentença do tribunal a quo não indica os meios probatórios em que se baseou, não efetua um exame critico das mesmas e não menciona as razoes de credibilidade que lhes mereceram, não expondo as razoes lógicas, de ciência e de experiencia comum que tornem o processo decisório percetível em relação aos arguidos em conjunto, muito menos em relação a cada um deles em concreto. XXXII. Caso assim não se entenda, sem prescindir, caso se mantenham as penas aplicadas ao arguido/Recorrente BB, o mesmo não se pode conformar com a decisão condenatória ora proferida no referente à sua condenação, quanto à medida da pena aplicada, por entender que a aplicação desta pena é manifestamente desproporcional, exagerada e desajustada. XXXIII. De facto, entende o Recorrente que na sentença recorrida não se fez a mais correta apreciação das circunstâncias que deverão ser atendidas na escolha e na determinação da medida concreta da pena, designadamente, não se fez a aplicação mais adequada dos artigos 70.º, 71.º, e 40.º do Código Penal. XXXIV. Com efeito, o artigo 40.º do Código Penal estabelece a proteção de bens jurídicos e a reinserção do agente na sociedade como as finalidades da punição de uma pena. XXXV. O arguido não tem antecedentes criminais, quanto a este tipo de ilícito penal. XXXVI. O arguido entende que as punições que lhe foram impostas pecam por excesso, quer no que respeita ao respetivo quantitativo, quer quanto ao seu montante diário. XXXVII. A determinação do “quantum” da pena viola os princípios da proporcionalidade e da adequação face às circunstâncias concretas do caso, e, consequentemente a violação dos art.s 40.º e 71.º C.P. XXXVIII. A delimitação daquela moldura, ou seja, a produção concreta da pena e, função da culpa far-se-á tendo em atenção todas as circunstancias que, não fazendo parte do crime, depuseram a favor do arguido ou contra ele, designadamente as elencadas no nº2 do art. 71.º,nº1 do CP. XXXIX. A considerar que o arguido praticou os factos de que foram acusados, as circunstâncias concretas que levaram a prática dos factos imputados ao arguido consubstanciam um diminuto grau de ilicitude. XL. Depõem, também a favor do arguido o facto de se encontrar totalmente inserido socialmente. XLI. A situação económica – financeira do arguido também deve ser tomada em consideração. XLII. Porém, e se nada se apurou quanto à situação económica do arguido foi porque o tribunal a quo não diligenciou pela obtenção do relatório social do mesmo (artigo 370.º do Código de Processo Penal), no qual se fariam constar as condições socioeconómicas, bem como os seus encargos pessoais. E ainda que esse relatório social não seja obrigatório, é peça essencial para a operação da determinação da medida da pena. XLIII. O arguido tem o 12.º ano de escolaridade e é militar da G.N.R. XLIV. O arguido/recorrente BB aufere cerca de €1.200,00 (mil e duzentos euros) mensais e reside com os pais, em casa arrendada, pela qual pagam cerca de €300,00 (trezentos euros) mensais de renda. XLV. A multa é uma pena de natureza criminal, assumindo assim um caráter pessoal e não podendo ser suportada por terceiros (Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português, anot.3, p. 118 e 119). XLVI. Sendo então de determinar um quantitativo diário (para a multa) que apesar de consubstanciar um sacrifício real para o arguido tem de deixar, no entanto, “asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respetivo agregado familiar” (ac. STJ de 2 de Outubro de 1997;CJ, Ac.s do STJ, V, tomo 3,183). XLVII. Pelo que, ponderados todos estes fatores e tendo em conta as considerações de prevenção geral e especial, a pena que consideramos mais justa, proporcional e adequada é pena de multa inferior aquela em que o arguido foi condenado. Nestes termos e nos melhores de direito, Deve conceder-se integral provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão impugnada, substituindo-a por outra, em que: A) Se declare a nulidade do despacho proferido em acta de 6 de dezembro de 2023, por falta de fundamentação; B) Seja declarada nula a decisão recorrida, por violação do n.º 2 do artigo 374.º e 379.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP). C) Seja o arguido/recorrente absolvido da prática dos crimes em que foi condenado, por não ter sido produzida prova que sustente a prática dos crimes em causa; D) Subsidiariamente ao pedido vertido em C), que o arguido/recorrente seja condenado em pena adequada e proporcional às suas condições económicas, o que não sucedeu uma vez que nem foi solicitada a elaboração do relatório social, como deveria ter sido. fazendo, assim, V.ª Ex.ª a habitual e necessária JUSTIÇA” I.3 Resposta ao recurso Efetuada a legal notificação, a Ex.mª Sr.ª Procuradora da República junto da 1.ª instância respondeu ao recurso interposto pelos referidos arguidos, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]: “(…) 1. O Tribunal limitou-se a aplicar a lei e uma vez que as declarações da testemunha foram prestadas perante OPC e o Ministério Público não concordou com a leitura das mesmas em sede de audiência de discussão e julgamento, por força da lei, a leitura não era admissível (artigo 356.º, n.º 2, al. a) e n.º 5 do CPP). 2. O despacho da Mma. Juiz a indeferir a leitura das declarações da testemunha proferidas noutro momento processual não configura qualquer nulidade. 3. Uma vez que, não há qualquer nulidade e o tribunal limitou-se a aplicar a lei, tal despacho não padece de qualquer vício por falta de fundamentação. 4. A motivação da matéria de facto provada e não provada encontra-se devidamente fundamentada, já que o Tribunal indicou os meios de prova em que se baseou e fez exame crítico da prova, designadamente das certidões (prova documental), das declarações da testemunha e dos arguidos. 5. Como tal a sentença não padece de qualquer vício, designadamente de nulidade por violação do n.º 2, do artigo 374.º, 379.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. 6. Considerando a prova documental (incluindo o CD com a prova produzida no processo n.º 74/18....), testemunhal e as declarações dos arguidos, bem andou o Tribunal em dar como provados os factos 7) 10 )12) 13) 14) da matéria de facto provada. 7. Conjugada toda a prova não surgiram dúvidas que os arguidos no âmbito do processo n.º 74/18.... faltaram com a verdade aos factos relatados. 8. Mesmo que os arguidos não tivessem assistido aos factos, do relato da testemunha EE no mesmo momento foram informados dos mesmos e atentas as suas funções imponha-se uma diferente conduta. 9. O crime de falsidade de testemunho não consome o crime de favorecimento pessoal, porque estão em causa bens jurídicos diferentes. 10. Na anotação ao artigo 360.º do Código Penal, o Prof. Paulo Pinto Albuquerque concluiu que: “há concurso efetivo (ideal) entre o crime de falsidade de testemunha e os crimes de (…) favorecimento pessoal” (página 936 Comentário do Código Penal – 2.ª edição). 11. Os elementos objetivos e subjetivos dos crimes de falsidade de testemunha e de favorecimento pessoal estão devidamente preenchidos. 12. O pedido de relatório social ao abrigo do artigo 370.º do CPP é facultativa e justifica-se perante o silêncio do arguido. 13. Uma vez que os arguidos prestarem declarações acerca da sua situação económica não de imponha realizar relatório social. 14. Atendendo à situação económica dos arguidos bem andou o Tribunal em ficar uma taxa diária de 8 euros. 15. Com efeito, o quantitativo diário de 5 euros ou próximo destina-se àquelas pessoas que vivem no limiar da pobreza e com baixos rendimentos, o que não sucede no caso concreto. Pelo exposto, mantendo a decisão recorrida e negando provimento ao recurso, farão V. Exas, como habitualmente, JUSTIÇA. (…)”. I.4 Parecer do Ministério Público Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância a Exma. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos. I.5. Resposta Pese embora tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao sobredito parecer. I.6. Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal. Cumpre, agora, apreciar e decidir: II- FUNDAMENTAÇÃO II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso: Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ[1]], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal[2]. Assim, face às conclusões extraídas por cada um dos recorrentes da motivação do respetivo recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir são as seguintes: ® Nulidade, por falta de fundamentação, do despacho que indeferiu a nulidade arguida pelos recorrentes em sede de audiência de julgamento; ® Nulidade da sentença, por falta de fundamentação, nos termos do n.º 2 do artigo 374.º e do artigo 379.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal; ® Nulidade, nos termos do artigo 120, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal, por não ter sido permitida a leitura do documento junto aos autos a 07-06-2023; ® Impugnação da matéria de facto [Erro notório na apreciação da prova, no que concerne aos pontos 7, 10, 12, 13 e 14 da factualidade provada/erro de julgamento]; ® Violação do princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 32.º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa; ® Enquadramento jurídico-penal [Preenchimento dos elementos dos tipos criminais pelos quais os arguidos/recorrentes foram condenados/Consunção ou concurso real entre o crime de falsidade de testemunho e o crime de favorecimento pessoal]; ® Medida da pena [sua proporcionalidade e vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - artigo 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal - por não ter sido solicitado o relatório social]. II.2- Da decisão recorrida [transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objeto de recurso]: “ (…) Foi invocada a nulidade de despacho proferido em acta de 6 de Dezembro de 2023. Tendo sido requerida a leitura de declarações de testemunha prestadas em sede de inquérito (ainda que em inquérito diferentedo que deu origem aos presentes autos), a mesma foi indeferida com base na falta de acordo de todos os intervenientes processuais, por oposição expressa do Ministério Público em sede de audiência, ao abrigo do disposto no artigo 356.º, n.º 5, a contrario, do Código de ProcessoPenal. Não vemos como o desacordo quanto ao fundamento do indeferimento possa ser enquadrado no invocado artigo 120.º, n.º 2, al. d) do Código de Processo Penal, pois não configura a omissão de uma diligência essencial para a descoberta da verdade(note-se que as referidas declarações constam de certidão junta aos autos, passíveis de serem apreciadas para formação da convicção do Tribunal). Por conseguinte, indefere-se a arguição de nulidade. * Mantêm-se a validade e a regularidade da instância, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.* II –FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOMATÉRIA DE FACTO PROVADA 1) No âmbito do inquérito n.º 74/18...., DD, militar da GNR, à data, a prestar funções no Posto da GNR ... e GG, mãe daquele, foram acusados pela prática, em 03.04.2018, quanto ao primeiro, de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelos artigos 145.º, n.º1, al. a) e n.º2, conjugado com o artigo 132.º, n.ºs 1 e 2, al. m) e 386.º, n.º1, al. d) todos do Código Penal, um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º1, 155.º, n.º 1, al. d) e 386.º, n.º1, al. d), todos do Código Penal e de um crime de abuso de poder, p. e p. pelos artigos 382 e 386.º, n.º 1, al. d), do Código Penal e, quanto à última, de dois crimes de difamação, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º1 e de dois crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º1, ambos do Código Penal, contra os aí assistentes EE e HH. 2) No dia 9 de Outubro de 2019, no decurso da audiência de julgamento que teve lugar no sobredito processo, já a correr os seus termos no Juízo Local Criminal de ..., foram os arguidos inquiridos na qualidade de testemunhas, depois de terem sido advertidos pela Mm.ª Juiz que presidia a tal diligência de que deveriam responder com verdade às perguntas que lhe iriam ser feitas, sob pena de, não o fazendo, virem a incorrer em responsabilidade criminal e ainda de terem prestado juramento legal. 3) Neste âmbito, quando questionados pela Senhora Juiz, pela Senhora Magistrada do Ministério Público e pelos Senhores Advogados que intervieram em tal audiência de julgamento, sobre se alguma vez viram o referido DD a agredir fisicamente o citado EE, a ter com o mesmo conduta ameaçadora ou ainda se aquele EE apresentava lesões físicas visíveis, os arguidos, em tudo negaram, aliás, conforme assim tinham procedido na fase de inquérito. Concretamente, 4) Pelo arguido AA foi dito: “Eu estava de patrulha de ocorrências aqui em ... e recebemos a indicação que haveria uma possível tentativa de suicídio na localidade de ..., eu desloquei-me ao local… com o meu camarada BB. Entretanto, recebi uma chamada aqui do camarada DD a ver se sabia o que é que se passava e, por coincidência, era eu que estava serviço e eu, como não sabia o local exacto, ele informou-me que estava de serviço também de patrulha e que estava lá perto e eu pedi-lhe ajuda para me localizar onde é que era a casa e foi o que aconteceu. (…) A perguntar se eu sabia o que é que se passava, uma vez que ele sabia que eu que estava ao serviço em ... e que a mãe dele reside na minha área de, na minha zona de acção. (…) Que, disse-lhe que tinha a indicação que seria uma tentativa de suicídio e que me estava a deslocar para lá. E o DD disse que ia ter comigo para, para me dizer onde é que era a casa ao certo, que eu não sabia. Depois, depois chegamos ao local, verificamos que não, que era um mal-entendido, que não havia tentativa de suicídio, tinha sido uma questão relacionada com um possível furto de televisões, que também depois se veio a verificar que não houve, que a televisão, lembro-me que ela apareceu lá num canto num quarto. (…) Eu acho, tenho quase a certeza, na altura o que foi indicado foi uma possível tentativa de suicídio. (…) Estivemos lá a conversar, eu fui ajudar a senhora a procurar as televisões nas divisões da casa e depois acabámos por encontrar e chegámos à conclusão de que teria sido um mal-entendido. (…) Assim de momento não me recordo, eu sei que estava lá dentro, penso que estava lá dentro com o camarada BB e o CC. (…) Eu penso que o camarada CC também estava comigo, agora o DD eu não me recordo ao certo. (…) Quando regressámos vimos o senhor, não me recordo do nome… AA, veio ter comigo a dizer que tinha sido agredido, e por o camarada DD, e que tinha ligado para o 112 e queria auxílio e queria apresentar queixa, eu sempre, sempre lhe disse que não presenciei, o senhor pode vir apresentar a queixa se quiser. (…) Estava exaltado, estava, ele até na altura até, até estava exaltado demais, que já estava a querer, a dar-me ordens, a querer mandar no meu trabalho. (…) Não, que queria a minha identificação, e você tem que fazer isto, você tem que fazer aquilo, e já chamei bombeiros e não está aqui ninguém, etc., e manteve esse discurso durante cerca de trinta minutos, até que eu lhe disse, olhe o senhor se quer apresentar queixa, eu vou agora para o posto, o senhor vem atrás de mim e ou eu ou o meu colega de atendimento recebemos a queixa, e ele disse que sim que vinha, mas, entretanto, nunca mais compareceu no posto. Aspecto não e o tempo que esteve a falar comigo, cerca de trinta minutos, sem poder precisar, nunca o ouvi a queixar-se de nenhuma dor, não, não havia hematomas, sangue… Que eu tivesse visto [hematomas] na altura não.(…) Não vi [agressão nenhuma]. (…) Não [viu nada, ouviu gritos, ouviu berros]. (…) O senhor AA disse que a senhora GG que estava maluca, que ele não tinha roubado televisão nenhuma e depois também referiu que tinha sido agredido pelo, pelo DD. (…) Foi após falar coma senhora GG, ela disse que era mentira, que não se tinha tentado suicidar nunca, que aquilo tinha sido era por causa que ela estava exaltada, estava nervosa. (…) Foi [a casa da pessoa ver se afinal o bem tinha sido ou não furtado] porque o senhor AA disse que as televisões estavam todas em casa e que ele não tinha furtado nada. (…) O senhor AA ficou cá fora, acho que ele estava com um funcionário dele, penso que era funcionário e terá ficado também o camarada DD cá fora. (…) Viemos os três embora. (…) Sim, para a parte da frente da casa. E aí é que chegamos foi quando o senhor AA estava a dizer que tinha sido agredido. Perante isto eu informei o senhor AA de que ele podia apresentar queixa, e ele acho que tinha já ligado para o 112 várias vezes, entretanto acho que a patrulha de ... foi embora, e eu fiquei com o senhor AA, o meu camarada BB e o funcionário do senhor AA. (…) Ficámos a aguardar que chegasse a ambulância, porque o senhor AA acho que ligou “N” vezes e que ainda não tinha chegado ali a ambulância (…). Sim, fui eu que fiz o auto. (…) Foi a patrulha de ... [os primeiros a sair]. Fiquei eu com o senhor AA. O senhor AA e o funcionário também. (…) Cerca de vinte, trinta minutos. Ele estava-se aqueixar constantemente que, que não aparecia lá o INEM, uma ambulância. E que queria apresentar queixa contra o camarada DD. (…) Eu disse-lhe que não vi nada realmente, mas que o melhor era vir… (…) Foi o tempo em que eu estive dentro da habitação à procura da televisão [que não esteve com o colega DD]. Dez, quinze minutos. (…) Poderá ter acontecido [no período em que está dentro de casa]. (…) Estava a chover, estava. (…) Não, a mim não se queixou, não falou nunca do telemóvel. (…). Eu lembro-me que estive com o senhor AA muito tempo com ele cá fora … cerca de vinte minutos. (…) Não estava a chover intensamente. (…) Ele estava exaltado, mas como já referi, não verifiquei nenhum, nenhum hematoma, nenhum sintoma de que ele realmente tivesse sido agredido.” 5) Pelo arguido BB foi referido: “Nós fomos chamados ao, foi comunicado pelo atendimento que, de uma tentativa de suicídio, foi a informação que nos transmitiram, na, nessa residência, na residência dessa senhora, nós deslocámo-nos para o local, não sabíamos, não sabíamos muito bem onde é que ficava essa morada e no decurso do deslocamento para, para a morada, o colega DD, pronto, entrou em contacto com o AA, que estava comigo de serviço, acho que, eu julgo que eles já se conheciam, e sabia que estava a prestar serviço na ..., e nós até, e o AA até comentou que nós estávamos a deslocar para uma ocorrência e ficámos a saber que a ocorrência era com a mãe do colega DD. E como nós até nem estávamos, não estávamos a situar-nos muito bem relativamente ao local da ocorrência e depois a patrulha de ... acabou por se deslocar ao local, pronto e acabámos por chegar ao local juntos, as duas patrulhas. Lá chegados estava a senhora em questão, um bocado, um bocado exaltada, dizia que estava a ser, que estava a ser enganada por o tal senhor, já não me recordo do nome concretamente, estava, a senhora estava exaltada porque tinha, faltava-lhe uma televisão do interior da residência, estava um bocado exaltada, nós tentámos, tentámos acalmar a senhora, falámos com ela, foi, depois estivemos lá à procura da televisão, que entretanto apareceu e entretanto a senhora acalmou, falámos com a senhora, tirámos os seus dados para elaborar o, para elaborar o respectivo expediente. À saída tirámos então as, a identificação do senhor e foi então que o senhor disse, nos disse que tinha sido agredido, que nós tínhamos, que nós tínhamos presenciado, que não fizemos nada, estava todo exaltado porque tinha sido agredido pela patrulha de ..., queria a identificação dos militares, essa informação foi-lhe dada, foi-lhe dito que se tinha, foi-lhe informado os seus direitos, se tinha sido agredido a acusação dependia de queixa, e que foi, basicamente foi, foi isso. (…) Não, eu não olhei que ele tivesse alguma marca de ter sido agredido. (…) Porque quando o senhor me disse que tinha sido agredido a patrulha de ... já não estava lá, para ele apontar a dizer quem foi. (…) Quando o senhor, quando eu tomei conhecimento das palavras do senhora patrulha de ... já não estava no local, quando o senhor me disse a mim que tinha sido agredido, porque nós… (…) Não, não, não, na altura, depois da patrulha de ... ter-se ausentado do local, eu e o AA, a patrulha da ..., ainda estivemos lá mais, mais tempo, nós não nos ausentámos todos ao mesmo tempo do, do local. (…) A patrulha de, depois da televisão ter aparecido, a patrulha de ... ausentou-se, voltou a deslocar-se para a sua, a sua área, penso eu, e ficámos… A patrulha de ... abandonou o local e voltou para a sua, para a sua área de acção. (…) O senhor que se queixa da, da, da agressão? (…) O senhor, o senhor esteve sempre fora, desde que nós entrámos na residência ele nunca esteve dentro da… Não esteve sempre, estou a dizer no momento em que se despediu de nós (referindo-se ao aí arguido DD) para se ir embora. (…) Sim, quando se despediram estavam os dois, e foram, foram à vida deles, nós continuamos lá na ocorrência…Dentro da casa. (…) Ainda não, porque nós nessa altura recolhemos a identificação da senhora, estivemos ainda falar com ela, depois de já termos tudo com a senhora é que saímos para o exterior e o senhor já estava até fora do, da propriedade, já estava fora do, dentro da propriedade da senhora, estava no exterior e nós quando saímos foi quando o senhor comunicou, comunicou que tinha sido agredido e a identificação do, da patrulha que tinha estado no local, naquele local, também, junto connosco. Que eu tenha verificado não. [À pergunta “o assistente EE apresentava sinal de agressão?”] Que ele tinha visível eu não vi, não vi que ele tivesse alguma marca de agressão, nenhuma… Estava, estava um bocado nervoso, tremia.(…) O senhor pediu, o senhor pediu a identificação dos outros colegas de ... e o AA começou a identificar, fornecemos a identificação. (…) O guarda AA como já, como conhecia, sabia o nome e o posto deles e eu consegui (…) Não, eu acho que ele [DD] nem sabia que o AA estava de serviço, ele ligou-lhe, ele sabe, ele sabia que o AA prestava serviço para a ..., julgo eu e ligou a questionar até se ele estava de serviço, e confirmou, e confirmou-se essa situação, foi quando nós soubemos que se tratava de uma ocorrência com a mãe do, com um familiar (…) Não me recordo se solicitou, mas penso que não, se tivesse solicitado na altura nós… [À pergunta “a partir do local onde se encontravam, o aí assistente EE solicitou auxílio médico?”] Acho que não, não me lembro, acho que não. [À pergunta “o assistente contactou o INEM?”] (…) Não, não notei nada, quando nós saímos de dentro da residência ele estava a falar normalmente.” 6) E o arguido CC afirmou: “É assim, eu estava de patrulha, o DD disse-me que precisava de ir à casa da mãe porque estariam uns indivíduos a furtar umas televisões, nós deslocamo-nos então para a casa da mãe dele, ele pelo caminho ligou a um colega da ..., salvo erro o AA, para perguntar se sabia de alguma coisa, por coincidência até era o elemento que estava de patrulha, combinamos ir lá as duas patrulhas, chegamos a um ponto que nos encontramos mesmo e chegamos à residência da senhora GG, não é? Chegamos (…) à residência. No pátio da residência encontrava-se uma carrinha de reparação de electrodomésticos, com um senhor, nós paramos junto dele, perguntamos o que é que se passava, ele, pronto, explicamos a situação, que tínhamos conhecimento que tinham faltado uns televisores, o senhor abriu a carrinha, encontrava-se com as televisões lá dentro, tivemos ali cerca de um minuto, a mãe do colega encontrava-se debaixo do pátio da casa, mas isto a cerca de trinta metros da carrinha, a chamar-nos insistentemente para nós irmos lá, para ver o sítio onde é que estavam as televisões, eu desloquei-me lá com os meus colegas da ..., estivemos ali cerca de um minuto a falar com ela, ela pedia insistentemente para ir ver as televisões, o sítio onde estava, onde estavam, onde estavam, nós acedemos ao pedido dela, entramos, eu e os colegas da ..., no piso inferior, depois subimos ao superior, eu inclusive sozinho subi ao sótão, estive lá dois ou três minutos à procura da televisão, mas também não estava lá, quando desci tive conhecimento, já não sei por intermédio de quem, que a televisão já tinha aparecido num outro quatro, noutro quarto que supostamente não devia estar, pronto, descemos, ao ir embora já o senhor pediu a identificação da patrulha, eu disse-lhe que era a patrulha 1624 do posto de ... e pronto e depois ausentamo-nos do local. Penso que foi o DD. [À pergunta “quem foi a primeira pessoa que se dirigiu ao aí assistente?”] É assim, nós perdemos ali um minuto… Até o senhor abrir a carrinha e mostrar realmente de facto o (…) É pá, qualquer coisa, perguntou o que é que se passava, explicou a situação, o senhor acedeu e abriu a carrinha, assim as palavras exactas em si não, não… Não, não recordo de ter sido assim. [À pergunta “houve utilização por parte de DD ameaçadoras, intimidatórias?”] Não. [À pergunta “viu DD a fazer o gesto, a pôr no coldre, a mostrar a pistola?”] Processo: 93/21.... Nesse dia, chovia torrencialmente e ela chamava-nos para ir ver o sítio, que ia-nos mostrar o sítio e que faltava lá uma televisão nesse quarto. É assim, eu recordo-me só da patrulha e do DD, mais a patrulha da ..., a senhora e outro senhor, outro senhor que era os das reparações. Não, penso que depois fomos em direcção ao carro-patrulha, eu e ele não sei, não, não consigo… Foi o senhor das reparações. [À pergunta “houve alguém que pediu a identificação da patrulha de ...?”] É assim, hoje em dia qualquer pessoa pede a identificação. [À pergunta “porque é que o assistente EE lhe pediu a identificação da patrulha de ...?”] Não, queria a mim, minha. Disse, a mim não me disse nada, se calhar ficou descontente com alguma coisa, que não gostou, ser interpelado ou… Não, não. [À pergunta “presenciou alguma agressão do senhor DD para com esse senhor?”] Não. [À pergunta “o senhor vê a face do senhor, se ele tinha algum sinal físico, visível, de agressão na face?”] Não. [À pergunta “o senhor não se dirigiu para si a dizer que tinha sido agredido pelo senhor DD?”] Foi uma situação que, pá, se calhar não dei o devido valor à situação em si, tenho muitas situações dessas de, são certos pormenores que me falham. Que eu presenciasse ou que eu tivesse conhecimento, não. [À pergunta “Olhe, muito bem, mas, mas o senhor II nunca se queixou de agressão, nem nada?”]” 7) No dia 03.04.2018 e na sequência da deslocação ao local em questão da patrulha da GNR ... que integravam, o arguido AA elaborou e assinou o auto de notícia com o n.º de registo ...53, igualmente confirmado e subscrito pelo arguido BB, no qual sonegaram que o referido EE havia, nas circunstâncias descritas e perante os mesmos, relatado que tinha sido fisicamente agredido por DD, militar da GNR de ..., tendo, ao invés, aí concluído: “Após esta patrulha ouvir as duas versões dos factos, não tendo sido verificado qualquer ilícito, foram os intervenientes informados do direito de queixa e dos prazos legais.” 8) Por sentença proferida, em 14.07.2020, nos aludidos autos n.º 74/18.... e transitada em julgado em 26.04.2021, foi, entre o mais, DD condenado pela prática, em concurso efectivo de infracções, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, de um crime de coacção agravado e de um crime de abuso de poder, na pena única de 1 ano e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período subordinada aos deveres de pagar dentro do prazo de um ano, a indemnização devida ao lesado, comprovando o pagamento nos autos, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea e dar ao lesado satisfação moral adequada, e na pena de multa de 180 dias de multa, à taxa diária de 7,00. 9) Por ter sido dado como provado, além do mais, que: “11. No local o arguido abordou o queixoso AA e disse-lhe, em tom elevado, “abre a carrinha para eu ver o material que levaste” ao que o queixoso lhe pediu que falasse noutro tom sendo que, em acto contínuo, o arguido colocou a mão sobre a arma que trazia à cintura e disse” tem duas maneiras de resolver isto, ou a bem ou a mal”; o assistente acabou por abrir a carrinha; 12. O assistente EE, com receio de que algo lhe pudesse suceder, usou o seu telemóvel e ligou para o 112 a solicitar ajuda, sendo que, nessa altura, o arguido, apercebendo-se do telefonema, encostou o seu peito ao queixoso e desferiu-lhe um murro na face esquerda, altura em que o telemóvel caiu ao chão e o arguido deu-lhe um pontapé, lançando-o para longe, evitando que o queixoso continuasse a conversa; 13. O assistente EE pediu a identificação do arguido ao que este respondeu que, enquanto colocava a mão no peito sobre a insígnia da GNR “eu não preciso de identificação, esta farda já me identifica” mais dizendo que “tanto resolvo as coisas com a farda como sem a farda”; 14. Os assistentes foram identificados no local pela patrulha da GNR ... e, após, abandonaram o mesmo; 15. Como consequência directa e necessária da descrita conduta em 12) sofreu o EE, além de dores físicas, traumatismo na hemiface esquerda, lesões essas que lhe determinaram, também de forma directa e necessária, 3 dias para a cura, com afectação parcial da capacidade de trabalho geral e capacidade de trabalho profissional, durante 3 dias; (…) 71. A forma irada como o arguido declarou de forma audível o descrito em 11), fazendo crer que iria usar a sua arma, fez com que o primeiro assistente temesse o pior, achando mesmo que poderia morrer naquele dia; 72. Ao contrário do que seria de esperar, nenhum dos três militares da GNR presentes no local aquando o descrito em 10) a 20), fez o que quer que fosse, limitando-se a assistir; 73. O primeiro assistente pediu a identificação dos militares da GNR, tendo-lhe sido negada; 74. A resposta concertada de cada um dos militares presentes naquele local e hora foi “A nossa identificação é a nossa farda!”; 75. O arguido pegou nas duas televisões avariadas que os assistentes tinham levado da casa da arguida, a seu pedido, para arranjar, e levou-as para dentro de casa; 76. Regressando momentos mais tarde e levando o resto dos aparelhos eléctricos, que ainda estavam dentro da carrinha da sociedade, usada pelos assistentes; 77. O primeiro assistente permaneceu quieto, aterrado, com medo de qualquer reacção do arguido, temendo pela sua vida; 78. Dada a passividade dos demais militares da GNR presentes no local; 79. O arguido voltou de dentro da casa da arguida e dirigindo-se aos assistentes, em tom alterado, disse: “Tirem já a carrinha do que é nosso!”; 80. Tendo o primeiro assistente retirado a carrinha para o exterior do logradouro destinado ao parque das viaturas da habitação da arguida; 81. De seguida, o arguido e o militar da GNR que chegara consigo, introduziram-se no seu carro patrulha e abandonaram o local, o mesmo fazendo o carro patrulha da GNR ...; 82. O primeiro assistente padeceu de muitas dores, derivadas do murro que o arguido lhe desferiu na face esquerda; 83. Bem como dores intensas na cabeça do lado esquerdo, tremores e suores frios; 84. Tendo declarado ao segundo assistente a sua sintomatologia e pedido que este o transportasse ao hospital; 85. O segundo assistente conduziu a carrinha da sociedade e iniciou a deslocação até ao Centro de Saúde ..., tendo que parar três vezes no percurso, para o primeiro assistente vomitar; 86. Chegados ao Centro de Saúde ..., foi o primeiro assistente avaliado por médico; 87. Encaminhando o primeiro assistente para a urgência de ..., onde foi submetido a vários exames, para despiste de traumatismo craniano; 88. O primeiro assistente teve alta, tendo-lhe sido fornecida literatura de alerta de traumatismo craniano, bem como episódio de urgência e resultado de electrocardiograma a que foi submetido; (…)” 10) Ao actuarem da forma acima descrita, os arguidos agiram sempre de comum acordo e em conjugação de esforços e intuitos. 11) Os arguidos sabiam que, na qualidade de testemunhas e depois de terem prestado juramento e de terem sido advertidos das respectivas consequências penais caso faltassem à verdade, prestavam, perante o tribunal, depoimentos que não correspondiam à verdade. 12) Além de que sabiam os arguidos AA e BB que, ao omitirem no auto de notícia referido em 7. factos com relevância criminal que lhes haviam sido denunciados e que até configuravam a prática de crime de natureza pública, iludiam a actividade probatória, conforme era sua intenção. 13) Agiram, pois, todos os arguidos com a intenção de, desse modo, influenciar a decisão que viesse a ser proferida, procurando obstar a que se fizesse prova dos factos constantes da acusação proferida no acima identificado processo e, por força disso, a que o citado DD, seu colega militar, viesse a ser condenado e alvo de uma pena e, por conseguinte, frustrar a realização da justiça, o que, pese embora tais esforços, não veio a acontecer. 14) Actuaram sempre os arguidos de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 15) Os arguidos não têm condenações registadas. 16) Estão devidamente inseridos do ponto de visto laboral, social e familiar. 17) Todos os arguidos têm o 12º ano de escolaridade e são militares da GNR. 18) O arguido AA aufere cerca de 1.200,00 € mensais e reside com a namorada, em casa arrendada, pela qual pagam 250,00 € de renda mensal. 19) O arguido BB aufere cerca de 1.200,00 € mensais e reside com os pais, em casa arrendada, pela qual pagam cerca de 300,00 € de renda. 20) O arguido CC aufere cerca de 1.300,00 € mensais e reside com a companheira, em casa arrendada, pela qual pagam450,00 € de renda mensal. Pagam prestação com a amortização de um crédito para construção de uma habitação no montante de cerca de 430,00 €mensais. * MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA Inexiste. * MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADAA convicção do tribunal no que respeita aos factos provados e não provados, estribou-se na análise crítica e ponderada do conjunto da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º do C.P.Penal). Em concreto, foram valorados os depoimentos prestados, em conjugação com os documentos juntos aos autos, designadamente: certidões de fls. 1 a 45, 50 a 54, 185 a 214, 258 a 262, 322 a 334; transcrições de fls. 60 a 85, 86 a 106 e 137 a 145 e CD apenso por linha. Os arguidos negaram a prática dos factos, mantendo versões semelhantes às que apresentaram no julgamento anterior. O arguido AA fazia parte da patrulha de .... Admitiu ter recebido um telefonema do militar DD, no seu telemóvel pessoal, a indagar se estava de serviço e se era ele que ia a casa da mãe. Admitiu ainda terem combinado encontrar-se e seguirem juntos para a habitação. Asseverou que ele e os arguidos BB e CC entraram na habitação para procurar a televisão enquanto o militar DD ficou no exterior. Apesar da televisão ter aparecido, não foi capaz de dizer onde estava. Admitiu ainda que o Sr. AA se queixou de ter sido agredido pelo militar DD(murro na face), mas negou ter presenciado a agressão. Negou ainda que o Sr. AA se queixasse de dor ou apresentasse marcas de agressão. Mais negou ter ouvido gritos. Declarou que o informou de que podia ir ao Posto apresentar queixa e que combinaram que acompanharia o veículo, mas o Sr. AA não apareceu. Não conseguiu explicar porque razão não fez referência no auto a essa denúncia. Negou ter tido intenção de beneficiar ou prejudicar alguém. O arguido BB começou por corroborar as declarações do arguido anterior. Não soube dizer quem encontrou a televisão. Negou ter visto o Sr. AA a falar com o militar DD. Admitiu que o Sr. AA se queixou de ter sido agredido, mas apenas depois da patrulha de ... ter abandonado o local e já fora do logradouro. Negou ter ouvido gritos ou que o Sr. AA apresentasse marcas. Afirmou que lhe disseram que fosse ao Posto atrás deles. Como não apareceu, ligaram-lhe (não foi ele). Julga que o Sr. AA atendeu. Também o arguido CC negou ter presenciado a agressão e ter prestado falsas declarações. Afirmou que entrou na habitação para procurar a televisão e que o militar DD entrou a seguir. Foi o único a ter ido ao sótão, mas não viu as televisões, apenas os locais onde deveriam estar. Admitiu que alguém disse que a televisão tinha aparecido. Mais negou que o Sr. AA lhe tenha dito ter sido agredido. A testemunha EE mostrou-se ainda afectado pelo sucedido. Descreveu o dia como difícil, um dos mais marcantes da sua vida. As suas declarações afiguraram-se sinceras e imparciais (nada tem a ganhar com os presentes autos) e as diferenças detectadas entre o depoimento que prestou agora e o que prestou no processo anterior mostram-se consentâneas com o decurso do tempo e com a vontade, compreensível, em tentar esquecer o trauma vivido. A testemunha não teve dúvidas em afirmar que se sentiu-se intimidado quando o militar DD lhe disse que ou abria a carrinha a bem ou a mal, que ficou estupefacto com o murro que lhe foi desferido pelo militar DD e ainda que os outros 3 militares e a mãe presenciaram a agressão, a ponto de se ter voltado de imediato para os mesmos perguntando se não o ajudavam, se não faziam nada. Assim, do cotejo da prova produzida em julgamento não restaram dúvidas de que as coisas se passaram tal como constava da acusação e como resultava das certidões do processo n.º 78/18....: ou seja, que os arguidos prestaram as referidas declarações, que reiteraram nos presentes autos, sabendo que as mesmas não correspondiam à verdade, porquanto presenciaram os factos por que o seu colega e militar DD veio a ser condenado. Igualmente não restaram dúvidas de que os subscritores do auto de notícia (fls. 259–frente e verso) omitiram, não só o que observaram, mas também a denúncia que, no local dos factos, lhes foi expressamente comunicada pela testemunha EE (o que não fizeram quanto aos demais crimes denunciados). Mas fizeram mais, inscreveram expressamente no auto que não verificaram qualquer ilícito, o que sabiam não corresponder à verdade. No que concerne à factualidade referente à intenção e representação inerentes à conduta dos arguidos, foi ponderada a matéria consignada por provada, conjugada com critérios de razoabilidade e com regras de experiência comum, daí se extraindo, sem margem para dúvida, a intenção que presidiu à sua realização e exteriorização, bem como a representação dos resultados da mesma por parte dos arguidos. Todos os arguidos sabem que, pelas funções que exercem, estão obrigados a reportar todos os crimes de que tenham conhecimento, tanto em exercício de funções como fora delas(sendo que no caso todos estavam em exercício de funções), pelo que ao agir como agiram–em ambas as situações -outra não pode ter sido a sua intenção que não a de beneficiar o colega militar, procurando evitar que o mesmo fosse criminalmente perseguido e punido. E nem se diga, a respeito do auto de notícia, que aguardavam a apresentação de queixa, não só porque os crimes praticados pelo colega assumiam natureza pública, como porque, em caso de dúvida, sempre poderiam recorrer a colegas mais experientes, superiores hierárquicos ou até ao Magistrado do Ministério Público competente. As testemunhas arroladas pelos arguidos comprovaram a sua inserção social: -A testemunha JJ trabalhou com o arguido AA por 6 anos, garantindo que o mesmo sempre teve um comportamento exemplar e que foi prejudicado a nível profissional por conta dos autos, tendo a promoção congelada. -A testemunha KK trabalhou com o arguido BB de 2016 a 2018, descrevendo-o como responsável, obediente, disponível. -A testemunha FF foi Comandante do arguido BB em finais de 2018. Manifestou preocupação e opinião de que os militares têm formação insuficiente. -A testemunha LL trabalha com o arguido BB, considerando-o um dos melhores estagiários que teve em 2015, com elevado sentido de profissionalismo. -A testemunha MM conhece o arguido CC desde 2016, considerando que o mesmo demonstra comportamento exemplar com a população e os colegas. Acrescentou que o mesmo beneficia de apoio da família e dos colegas. Quanto à situação pessoal e económica dos arguidos foram levadas em conta as suas afirmações, plausíveis e que não foram infirmadas por qualquer outro elemento probatório. Foram ainda tomados em consideração os certificados do registo criminal. * III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL Importa agora proceder ao enquadramento jurídico dos factos que se deram como provados, tendo em atenção a qualificação dos mesmos levada a cabo na acusação. Vêm todos os arguidos acusados de ter praticado, em co-autoria material, um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal Dispõe o artigo 360º, n.º 1 do Código Penal, que “quem, como testemunha […] prestar depoimento […] falso é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias.” Ainda de acordo com o n.º 3 do mesmo dispositivo a pena é de prisão até 5 anos ou de multa até 600 dias se o agente tiver sido previamente ajuramentado e advertido das sanções penais em que incorria faltando à verdade. A incriminação transcrita insere-se no Capítulo III, dedicado aos crimes contra a realização da justiça, do Titulo V do Código Penal, sobre as condutas delituosas praticadas “Contra o Estado”. Assim, no que concerne o bem jurídico protegido observar-se-á que, com a incriminação em causa, o que o legislador pretendeu acautelar, é o valor máximo da realização da justiça, devendo este considerar-se como fundamento do Estado de direito democrático – o bem jurídico tutelado é, pois, a realização da justiça enquanto função do Estado (na expressão usada por Medina Seiça, em anotação ao artigo 360º do Código Penal, in Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, Coimbra Editora, Tomo III, p. 460). Do ponto de vista da sua estrutura e funcionamento, consiste o delito em análise, por um lado, num crime de perigo abstracto, não sendo necessário ao preenchimento do tipo de ilícito que, em concreto, se verifique algum prejuízo decorrente da falsidade para o efectivo esclarecimento da verdade que suporta a decisão a proferir, e por outro lado, num crime de mera actividade, esgotando-se a actividade delituosa na efectivação da conduta proibida, isto é, na falsidade do testemunho. O cerne do crime em apreço reside, por conseguinte, na prestação de testemunho falso, compreendendo-se esta através da existência de um dever processual de verdade e de completude que impõe à testemunha que responda com verdade. Dir-se-á, ainda, que entendemos ser de sufragar a concepção objectiva de falsidade, aferindo-se esta pela sua conformidade com o acontecimento da vida real a que se reporta (não se esquecendo, todavia, as dificuldades que podem surgir na fixação dos factos realmente ocorridos). Para que se verifique o tipo de crime agravado do n.º 3 necessário é, ainda, que o agente tenha prestado juramento e tenha sido advertido das consequências criminais da conduta infractora. Relativamente aos elementos subjectivos do delito, exige-se para a sua verificação que o agente tenha consciência da falsidade da sua declaração, de parte dela ou do seu silêncio, quando este possa ser considerado para estes efeitos, devendo ainda representar a competência da autoridade perante a qual está a prestar declarações. Trata-se, pois, de um crime doloso, admitindo-se o seu cometimento na modalidade do dolo eventual. Conforme se depreende da matéria de facto dada como provada, não resulta qualquer dúvida de que os arguidos prestaram declarações que não correspondiam à verdade por eles conhecida e presenciada, pelo que prestaram testemunhos falsos, depois de ajuramentados e advertidos das consequências criminais da conduta infractora. Desta forma, considerando preenchidos os elementos subjectivo e objectivo do tipo legal em causa e inexistindo quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, conclui-se terem os arguidos cometido o crime de falsidade de testemunho por que vinham acusados. Os arguidos vêm acusados de ter praticado os factos em co-autoria. Nos termos do artigo 26.º do Código Penal: “É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.” Sucede que este tipo de crime é usualmente considerado como crime de mão-própria, por se entender que o tipo só se realiza mediante uma execução pessoal do autor, o que se nos afigura ser um entendimento adequado à realidade (com efeito, ainda que possa ter existido uma concertação prévia da versão a apresentar, cada agente presta o respectivo testemunho individualmente, sem interferência directa dos demais). * Vêm ainda os arguidos AA e BB, acusados de ter praticado, em co-autoria material, um crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário, p. e p. pelos artigos 367.º, n.º 1, 368.º e 386.º, n.º 1, al. d), todos do Código Penal. Nos termos do artigo 367.º “Favorecimento pessoal” do Código Penal: “1 - Quem, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir actividade probatória ou preventiva de autoridade competente, com intenção ou com consciência de evitar que outra pessoa, que praticou um crime, seja submetida a pena ou medida de segurança, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. 2 - Na mesma pena incorre quem prestar auxílio a outra pessoa com a intenção ou com a consciência de, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir execução de pena ou de medida de segurança que lhe tenha sido aplicada. 3 - A pena a que o agente venha a ser condenado, nos termos dos números anteriores, não pode ser superior à prevista na lei para o facto cometido pela pessoa em benefício da qual se actuou. 4 - A tentativa é punível. 5 - Não é punível: a) O agente que, com o facto, procurar ao mesmo tempo evitar que contra si seja aplicada ou executada pena ou medida de segurança; b) O cônjuge, os adoptantes ou adoptados, os parentes ou afins até ao 2.º grau ou a pessoa, de outro ou do mesmo sexo, que viva em situação análoga à dos cônjuges com aquela em benefício da qual se actuou.” Ainda de acordo com o artigo 368.º (Favorecimento pessoal praticado por funcionário) do Código de Processo Penal: “Quando o favorecimento previsto no artigo anterior for praticado por funcionário que intervenha ou tenha competência para intervir no processo, ou por quem tenha competência para ordenar a execução de pena ou de medida de segurança, ou seja incumbido de a executar, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos.” O conceito de funcionário consta do artigo 386.º do Código Penal, abrangendo, o seu n.º 1: “a) O empregado público civil e o militar; b) Quem desempenhe cargo público em virtude de vínculo especial; c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional; d) Os juízes do Tribunal Constitucional, os juízes do Tribunal de Contas, os magistrados judiciais, os magistrados do Ministério Público, o Procurador-Geral da República, o Provedor de Justiça, os membros do Conselho Superior da Magistratura, os membros do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e os membros do Conselho Superior do Ministério Público; e) O árbitro, o jurado, o perito, o técnico que auxilie o tribunal em inspecção judicial, o tradutor, o intérprete e o mediador; f) O notário; g) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, desempenhar ou participar no desempenho de função pública administrativa ou exercer funções de autoridade em pessoa colectiva de utilidade pública, incluindo as instituições particulares de solidariedade social; e h) Quem desempenhe ou participe no desempenho de funções públicas em associação pública.” O bem jurídico protegido é a realização da pretensão da justiça, decorrente, em primeiro lugar, da prática de um crime, postergando os obstáculos que possam impedir no todo ou em parte a resposta punitiva do Estado, ou ainda, decorrente de uma decisão judicial condenatória, proibindo as condutas impeditivas da execução da pena ou da medida de segurança aplicadas. Apesar de se tratar de um crime de resultado e não de um crime de mera actividade, mostrando-se necessário que a ajuda do agente impeça, frustre ou iluda actividade probatória ou preventiva de autoridade competente, agindo aquele com a intenção ou com a consciência de evitar que outra pessoa que cometeu um crime seja submetida a pena ou medida de segurança, assim impedindo a realização da pretensão da justiça penal, haverá consumação do crime de favorecimento pessoal sempre que, por causa da ajuda prestada: a imposição da pena ou da medida de segurança não tem lugar; a sanção criminal é aplicada, mas é-o em medida ou espécie menos grave da que seria correcta; houve lugar à aplicação de sanção criminal, mas de modo extemporâneo, por ter ocorrido um sensível atraso na investigação ou na aplicação daquela sanção. No caso dos autos, o auto de notícia (fls. 259 – frente e verso) omitiu as condutas delituosas presenciadas pelos respectivos subscritores, mas também a denúncia que, no local dos factos, lhes foi expressamente comunicada pela testemunha EE (o que não fizeram quanto aos demais crimes denunciados), além de ainda constar do mesmo que não verificaram qualquer ilícito, o que sabiam não corresponder à verdade. Os arguidos agiram dessa forma para procurar frustrar a prossecução criminal contra o colega militar, o que teriam conseguido não fora a posterior denúncia por parte do ofendido. Nos termos do artigo 242.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, a denúncia é obrigatória para as entidades policiais quanto a todos os crimes de que tomarem conhecimento. Os arguidos são militares da Guarda Nacional República, integrando o conceito de empregado militar [al. a) do n.º 1 do artigo 386.º citado – e não d) como constava da acusação], e tinham competência para lavrar o auto respectivo e assim intervir no processo, pelo que se mostra preenchida a qualificativa do artigo 368.º. Ora, de acordo com o artigo 22.º (Tentativa) do Código Penal: “1 - Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se 2 - São actos de execução: a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores.” No crime em apreço a tentativa é punível, de acordo com o n.º 4 do artigo 367.º citado. Desta forma, considerando preenchidos os elementos subjectivo e objectivo do tipo legal em causa e inexistindo quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, conclui-se terem os arguidos AA e BB cometido o crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário por que vinham acusados, ainda que na forma tentada. Os arguidos vêm acusados de ter praticado os factos em co-autoria. Considerando que praticaram os factos em conjunto (um lavrando o auto e o outro assinando na qualidade de testemunha), temos por correcto o entendimento vertido na acusação de que o fizeram em co-autoria. * Cumpre agora proceder à determinação da medida concreta das penas. As finalidades de aplicação de uma pena assentam na tutela de bens jurídicos, visando repor a confiança dos cidadãos na validade e vigência da norma violada (prevenção geral positiva ou de reintegração) e na reintegração do agente na sociedade (prevenção especial positiva) - (cfr. artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal). No caso em apreço, o crime de falsidade de testemunho é punível, em abstracto, com pena de prisão de 1 mês a 5 anos (artigos 41º, n.º 1 e 360.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal) ou com pena de multa de 10 a 600 dias (artigos 47.º, n.º 1 e 360.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal) e o crime de favorecimento pessoal, na forma tentada, é punível com pena de 1 mês a 3 anos e 4 meses de prisão (artigos 41º, n.º 1, 23.º, n.º 2, 73.º, n.º 1, al. a), 367.º, n.ºs 1 e 4 e 368.º do Código Penal). Atendendo a que o crime de falsidade de testemunho admite, em alternativa, pena principal de prisão ou de multa, importa, em primeiro lugar, proceder à escolha do tipo de pena principal a aplicar aos arguidos. Resulta do teor do artigo 70.º do Código Penal, que o Tribunal dará preferência à pena não privativa da liberdade, a não ser que razões ligadas à necessidade de protecção de bens jurídicos ou de ressocialização do arguido o desaconselhem. Quanto às necessidades de prevenção geral, teremos em consideração a natureza e a elevada relevância dos bens jurídicos protegidos pelos tipos legais de crime e, bem assim, as concretas consequências resultantes da sua prática. No que diz respeito à prevenção especial, atenderemos à inexistência de antecedentes criminais e à inserção laboral, social e familiar dos arguidos. Assim, entende-se que não sobrelevam exigências de prevenção geral que apenas se satisfaçam com uma pena de prisão, que seria manifestamente desproporcional e desajustada. Pelo que a pena de multa se mostra suficiente para a satisfação das finalidades da punição. Para fixar a concreta medida das penas, importa considerar os factos provados e as seguintes circunstâncias: o grau elevado de ilicitude dos factos, considerando o contexto em que os factos foram praticados; o dolo directo com que os arguidos actuaram; as consequências da respectiva prática (moderadas dado que a conduta dos arguidos não impediu a prossecução criminal nem a prova dos factos); as necessidades de prevenção especial moderadas face à inexistência de antecedentes criminais e à inserção laboral, social e familiar dos arguidos. Ponderadas todas as circunstâncias atrás descritas, entende-se fixar uma pena de 200 dias de multa para o crime de falsidade de testemunho e 10 meses de prisão para o crime de favorecimento pessoal. * Considerando, que uma pena privativa da liberdade surge como última ratio da política criminal e aplicada uma pena de 10 meses de prisão, impõe-se a apreciação da verificação dos pressupostos de aplicação de uma pena de substituição. A lei não estabelece critério de preferência da escolha da pena de substituição. Poderá, contudo, ser considerada a ordem seguinte: multa, suspensão da execução da pena, prestação de trabalho a favor da comunidade, regime de permanência na habitação (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20.04.2009, proferido no processo n.º 817395 , disponível in www.dgsi.pt). Assim, estando em causa a aplicação de pena de prisão não superior a um ano, cumpre aferir se a substituição por pena de multa cumpre as finalidades da prevenção. Nos termos do artigo 45.º do Código Penal: “1 - A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º 2 - Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 49.º” Considerando a inexistência de antecedentes criminais, afigura-se que a simples censura do facto e a ameaça de prisão, através da substituição da pena de prisão por pena de multa, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. A medida concreta dessa pena que há-de ser fixada dentro da moldura penal abstracta de 10 (dez) a 360 (trezentos e sessenta) dias (artigo 47º, nº 1 do Código Penal). Considerando-se tudo o supra exposto, afigura-se-nos adequado e necessário aplicar aos arguidos, em substituição da pena de prisão de 10 meses de prisão, a pena de 300 dias de multa (a cumular materialmente com a pena de multa aplicada pelo crime de falsidade de testemunho, atenta a diversa natureza das penas). * Cada dia de multa aplicada corresponderá, segundo o artigo 47º, n.º 2 do Código Penal, a uma quantia fixada, entre € 5,00 e € 500,00, de acordo com a situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais. Em face dos factos julgados provados relativos às condições económicas e de vida dos arguidos, entende-se adequado fixar uma taxa diária no montante de 8,00 € para os arguidos AA e BB e 7,50 € para o arguido CC. (…)”. II.2- Apreciação do recurso Das invocadas nulidades: Da nulidade por falta de fundamentação do despacho de indeferimento da arguição de nulidade: Na sessão da audiência de julgamento datada de 06-12-2023, no decurso do depoimento da testemunha EE, pelo recorrente AA, através da sua ilustre mandatária, foi requerida a leitura das declarações prestadas pela referida testemunha, durante o inquérito, no âmbito do Processo comum-singular n.º 74/18...., do qual foi extraída a certidão que deu origem aos presentes autos. Concedida a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público para se pronunciar quanto ao requerido, pela mesma foi deduzida oposição à leitura das declarações. Sobre tal requerimento incidiu despacho da Mm.ª Juíza a quo, no âmbito do qual, foi indeferida a requerida leitura, ao abrigo do disposto no artigo 356.º, n.º 5 do Código de Processo Penal. Na sequência de tal despacho de indeferimento, de imediato pelo arguido CC [arguido não recorrente], através do seu ilustre mandatário, foi arguida a nulidade do despacho, ao abrigo do disposto no art.º 120, nº 2, al. d), in fine, do Código de Processo Penal, posição que foi subscrita pelo ilustre mandatário do arguido/recorrente BB. A Mm.ª Juíza a quo relegou a tomada de decisão sobre a arguida nulidade para momento posterior, o que veio a fazer na sentença, ora recorrida, nos seguintes termos [transcrição]: “(…) Foi invocada a nulidade de despacho proferido em acta de 6 de Dezembro de 2023. Tendo sido requerida a leitura de declarações de testemunha prestadas em sede de inquérito (ainda que em inquérito diferente do que deu origem aos presentes autos), a mesma foi indeferida com base na falta de acordo de todos os intervenientes processuais, por oposição expressa do Ministério Público em sede de audiência, ao abrigo do disposto no artigo 356.º, n.º 5, a contrario, do Código de Processo Penal. Não vemos como o desacordo quanto ao fundamento do indeferimento possa ser enquadrado no invocado artigo 120.º, n.º 2, al. d) do Código de Processo Penal, pois não configura a omissão de uma diligência essencial para a descoberta da verdade (note-se que as referidas declarações constam de certidão junta aos autos, passíveis de serem apreciadas para formação da convicção do Tribunal). Por conseguinte, indefere-se a arguição de nulidade. (…)”. Entendem os recorrentes que tal decisão encontra-se ferida de nulidade, por falta de fundamentação, uma vez que, na sua ótica, não foram indicados os motivos de facto e de direito que a fundamentam, já que a Meritíssima Juiz não explica as razões de facto e de direito em que se baseou para indeferir a nulidade invocada, muito menos porque motivo entende que a situação em apreço não se subsume ao artigo 120.º, nº2, alínea d) do Código de Processo Penal, não permitindo tal decisão inferir qual o raciocínio realizado pela Meritíssima Juiz para proferir a decisão em causa, assim impedindo a formulação de um juízo consciente sobre a aceitação da decisão ou o recurso da mesma. Concluem, assim, os recorrentes, pugnando para que seja declarada a nulidade do despacho proferido em ata de 06 de dezembro de 2023, por falta de fundamentação. Vejamos: Sob a epígrafe actos decisórios, dispõe o artigo 97.º do Código de Processo Penal, no que ora releva, o seguinte: “1 - Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de: a) Sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo; b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termo ao processo fora do caso previsto na alínea anterior. (…) 5 - Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.” [sublinhado e negrito nossos]. Por sua vez, sob a epígrafe nulidade da sentença dispõe o artigo 379.º do Código de Processo Penal o seguinte: “1 - É nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º (…); b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º; c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. 2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º (…)”. Por sua vez, o artigo 374.º, do Código de Processo Penal, sob a epígrafe requisitos da sentença, rege no seu n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 o seguinte: “(…) 2. Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. 3 - A sentença termina pelo dispositivo que contém: (…) b) A decisão condenatória ou absolutória; (…)”. E dos artigos 205.º, n.º 1 e 32.º, ambos da Constituição da República Portuguesa decorre, no que aqui releva, respetivamente o seguinte: Artigo 205.º (Decisões dos tribunais) “1. As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. (…)”. Artigo 32.º (Garantias de processo criminal) “1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. (…)”. Da conjugação de tais preceitos legais decorre que os apontados artigos 379.º, n.º 1, al. a), 374.º, n.º 2 e 97.º, n.º 5, todos do Código de Processo Penal, traduzem a consagração legal da imposição constante do artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, que, como vimos, estabelece que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são, sempre, fundamentadas [nos termos definidos por lei]. Ora, analisada a decisão recorrida na parte respeitante à apreciação da arguida nulidade do despacho proferido em ata de audiência de julgamento, de 06 de dezembro de 2023, constata-se que, ao contrário do argumentado pelos arguidos/recorrentes, a mesma encontra-se devidamente fundamentada. Na verdade, a Mm.ª Juíza a quo indicou e explicou os motivos de facto e de direito que sustentaram o indeferimento da nulidade invocada, a saber: Motivo de facto: a leitura das declarações da testemunha prestadas em sede de inquérito (ainda que em inquérito diferente do que deu origem aos presentes autos), foi indeferida com base na falta de acordo de todos os intervenientes processuais, por oposição expressa do Ministério Público em sede de audiência, não vendo como o desacordo quanto ao fundamento do indeferimento possa ser enquadrado no invocado artigo 120.º, n.º 2, al. d) do Código de Processo Penal, por não configurar a omissão de uma diligência essencial para a descoberta da verdade. Motivo de direito: tendo tal indeferimento ocorrido ao abrigo do disposto no artigo 356.º, n.º 5, a contrario, do Código de Processo Penal, ou seja, por falta de acordo de todos os intervenientes processuais, a situação em causa não integraria a disposição ínsita no artigo 120.º, n.º 2, al. d) do Código de Processo Penal, que, como é sabido, reporta-se à insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade. E, ao contrário do argumentado pelos recorrentes, a Mm.ª Juíza a quo também explicou o motivo pelo qual entendia que a situação em apreço não se subsume ao artigo 120.º, nº2, alínea d) do Código de Processo Penal [Não vemos como o desacordo quanto ao fundamento do indeferimento possa ser enquadrado no invocado artigo 120.º, n.º 2, al. d) do Código de Processo Penal, pois não configura a omissão de uma diligência essencial para a descoberta da verdade (note-se que as referidas declarações constam de certidão junta aos autos, passíveis de serem apreciadas para formação da convicção do Tribunal)] [sublinhado e negrito nossos]. Ou seja, ao contrário do alegado pelos recorrentes, a decisão recorrida, na parte ora analisada, encontra-se devidamente fundamentada, nada os impedindo de inferir o raciocínio realizado pela Meritíssima Juiz para proferir a decisão em causa, e assim formular um juízo consciente sobre a aceitação da decisão ou o recurso da mesma. Os arguidos/recorrentes podem não concordar com a decisão ali vertida, com os fundamentos avançados em seu sustento, entenderem, até, que não são suficientes para levar à conclusão a que chegou a Mm.ª Juíza a quo, mas daí se extrapolar para a falta de fundamentação vai um passo. Não se encontra, portanto, a decisão recorrida ferida da alegada nulidade por falta de fundamentação, na parte respeitante à apreciação da arguida nulidade reportada ao despacho proferido em ata de 06 de dezembro de 2023, o que dita a improcedência do segmento recursivo em análise. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação: Invocam, ainda, os arguidos/recorrentes que a sentença recorrida encontra-se ferida de nulidade, por falta de fundamentação, nulidade que pretendem ver declarada, por, na sua ótica, terem sido violados o n.º 2, do artigo 374.º e o n.º 1 do artigo 379.º, ambos do Código de Processo Penal. Alegam, para o efeito, em síntese, que a motivação da matéria de facto provada e não provada não se encontra devidamente fundamentada, pois não faz a devida indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, limitando-se a dizer que da prova produzida em julgamento não restaram dúvidas de que as coisas se passaram tal como consta da acusação e como resulta das certidões do processo n.º 74/18.... ou seja, de que os arguidos prestaram as declarações em causa nos autos sabendo que as mesmas não correspondiam à verdade porque presenciaram os factos pelos quais o militar DD veio a ser condenado e que os subscritores do Auto de Noticia omitiram a denúncia que lhes foi comunicada no local pela testemunha EE, tendo inscrito no auto que não verificaram qualquer ilícito. Ora, desde já se adianta que não lhes assiste qualquer razão. Começamos por atentar que pese embora os recorrentes tenham sido genéricos ao chamar a colação o n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, pois não especificam em qual das alíneas do n.º 1 do citado preceito legal é que fundamentam a invocada nulidade, a verdade é que também chamam à liça o n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal e invocam a nulidade da sentença por falta de fundamentação, o que pressupõe, portanto, a análise da alínea a) do n.º1 do artigo 379.º e n.º2 do artigo 374.º, ambos do Código de Processo Penal. E, de facto, da alínea a), do n.º 1, do artigo 379.º, do Código de Processo Penal decorre que a sentença é nula quando não contiver as menções referidas no n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, o qual, como vimos, dispõe que ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Como já o dissemos supra, tal preceito traduz a consagração legal da imposição constante do artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são, sempre, fundamentadas [nos termos definidos por lei]. A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projeção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão, pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor, e motivos que determinaram a decisão; em outra perspetiva (intraprocessual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos - para reapreciar uma decisão, o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo. [3] Porém, como se escreveu neste aresto, «O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que, em tal exame crítico, estejam exteriorizadas as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. O que não se exige, na fundamentação da decisão fáctica (quer na enunciação das provas produzidas, quer no exame crítico das mesmas), é uma qualquer operação épica, em que o juiz tenha de expor, um a um, passo por passo, com inteiro detalhe, todo o seu percurso lógico dedutivo. Não se exige, pois, que o juiz explane todas as possibilidades teóricas de conceptualizar a forma como se desenvolveu a dinâmica dos factos em determinada situação, e, muito menos, que o juiz equacione todas as possibilidades (muitas delas até desrazoáveis, e, mesmo, absurdas) suscitadas, ao sabor das suas conveniências, pelos diferentes sujeitos processuais. Também não se exige ao juiz que, de forma exaustiva e meramente descritiva, referencie e analise todas as declarações e todos os depoimentos, e, depois disso, vá ainda, facto a facto, pormenor a pormenor, circunstância a circunstância, explicar onde foi retirar a prova de cada um deles. Exige-se, isso sim (mas é coisa diferente), a enunciação, especificada, dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, a referência à credibilidade que os mesmos mereceram ao tribunal, e o exame do seu valor e relevância probatórios, permitindo-se, assim, no contexto ambiental, de espaço e de tempo dos factos delitivos em apreço, compreender os motivos e a construção do percurso lógico da decisão segundo as aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência comum.» [sublinhado e negrito nosso]. Na verdade, a motivação da decisão de facto, seja qual for o conteúdo que se lhe dê, não pode ser um substituto do princípio da oralidade e da imediação no que tange à atividade de produção da prova, transformando-a em documentação da oralidade da audiência, nem se propõe refletir nela exaustivamente todos os fatores probatórios, argumentos, intuições, etc., que fundamentam a convicção ou resultado probatório[4]. De modo que, desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respetivo conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão. In casu, analisada a decisão recorrida, constata-se que o tribunal a quo, após enumerar os factos provados e pronunciar-se pela inexistência de factos não provados, passou a expor a motivação da decisão de facto, elencando as provas que serviram para formar a respetiva convicção, quer as de natureza documental, quer testemunhal, quer mesmo as declarações prestadas pelos próprios arguidos, revelando em que medida contribuíram para a formação da sua convicção. Da fundamentação da matéria de facto da decisão recorrida transparece não só a indicação de todos os elementos de prova que alicerçaram a convicção do julgador, mas também o exame crítico das mesmas, ainda que conciso, tendo o tribunal a quo explicado, através dos elementos probatórios, o entendimento a que chegou quanto à factualidade que deu como provada. E não se diga que na motivação da decisão de facto o tribunal a quo se limitou a dizer que da prova produzida em julgamento não restaram dúvidas de que as coisas se passaram tal como consta da acusação e como resulta das certidões do processo n.º 74/18.... ou seja, de que os arguidos prestaram as declarações em causa nos autos sabendo que as mesmas não correspondiam à verdade porque presenciaram os factos pelos quais o militar DD veio a ser condenado e que os subscritores do Auto de Noticia omitiram a denúncia que lhes foi comunicada no local pela testemunha EE, tendo inscrito no auto que não verificaram qualquer ilícito. Na verdade, basta atentar na motivação da decisão da matéria de facto para se constatar que o tribunal a quo foi além dessa conclusão ali vertida. Como é consabido, o artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal não exige que se autonomize e se escalpelize a razão de decidir sobre cada facto, nem exige que em relação a cada meio de prova se descreva a dinâmica da sua produção em audiência, sob pena de se transformar o ato de decidir numa tarefa impossível de alcançar. In casu, o tribunal a quo elencou a prova que considerou pertinente para o apuramento dos factos provados e articulou todos esses elementos de prova, analisando-os, ainda que sucintamente, de forma concatenada, explicando, de uma forma lógica e racional, o processo seguido para o apuramento dos factos que considerou provados, explicação essa que, analisada à luz das regras da experiência comum, permite claramente compreender e sindicar o processo trilhado na formação da sua convicção. Aliás, alegam os recorrentes que a sentença recorrida não faz o exame crítico das provas, nomeadamente no que tange aos factos não provados, mas, na verdade, não foi considerado não provado qualquer facto. Assim sendo, face aos considerandos acabados de expor, impõe-se concluir que inexiste qualquer violação dos preceitos legais invocados pelos recorrentes, e, consequentemente, a arguida nulidade da sentença recorrida, por falta de fundamentação, terá de improceder. Da nulidade invocada ao abrigo do artigo 120.º, n.º2, al. d) do Código de Processo Penal: Por fim, invocam os arguidos/recorrentes a existência da nulidade ínsita no artigo 120.º, nº2, alínea d), do Código de Processo Penal. Alegam, em suma, que por entenderem que a leitura das declarações prestadas, no âmbito do inquérito do processo 74/18...., da apontada testemunha EE, era essencial para a sua defesa e descoberta da verdade material nos presentes autos e ao decidir pela não permissão da leitura de documento junto aos autos violou o tribunal a quo o princípio do contraditório, a regra da imediação, o direito a um processo equitativo e a violação do principio da legalidade e das garantias de defesa do processo criminal consagradas nos artigos 20.º, nº 4, 29.ºe 32.º, nºs 1 e 5 e 203.º da Constituição da República Portuguesa, assim como violou os artigos 355.º e 356.º do Código de Processo Penal, o que configura uma nulidade insanável nos termos 120, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Penal. Porém, sem razão. Na verdade, não se verifica a apontada nulidade e mesmo que existisse está não seria insanável, como o defendem os recorrentes. Vejamos porquê: Quanto à nulidade invocada pelos recorrentes, ora em apreciação, rege o artigo 120.º, do Código de Processo Penal que, sob a epígrafe nulidades dependentes de arguição, prevê no seu n.º 2, al. d) o seguinte: “(…) 2 - Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais: (…) d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade. (…)”. [sublinhado nosso]. Ora, o segmento da “omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade” reporta-se à nulidade derivada da omissão de atos processuais, de diligências que possam reputar-se essenciais para a descoberta da verdade na fase de julgamento, corolário da estrutura acusatória do processo penal [artigo 32º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa], bem como dos princípios do contraditório e da oficialidade. Secundando as palavras de Paulo Pinto de Albuquerque[5] “verifica-se esta nulidade quando se omite a prática de atos processuais probatórios que a lei classifica como prova “essencial”, “indispensável”, “absolutamente indispensável” e “estritamente indispensável” na fase de julgamento (…)”, essencialidade essa que, diga-se, nem sequer se encontra demonstrada pelos recorrentes. Como facilmente se conclui, a omissão da “diligência” que os arguidos/recorrentes defendem que deveria ter sido levada a cabo aquando da inquirição da testemunha EE [a saber: a leitura das declarações que havia prestado em inquérito no âmbito do processo do qual foi extraída certidão que deu origem aos presentes] jamais importaria a ocorrência da nulidade invocada, pois não se trata de diligência que pudesse reputar-se de essencial para a descoberta da verdade, que, tal como o refere o tribunal a quo, aquando da apreciação da apontada nulidade, tratam-se de declarações que constam da certidão junta aos autos, passíveis de serem apreciadas para a formação da convicção do tribunal, como, de facto, o foram [veja-se a motivação da matéria de facto, na qual se refere que “A convicção do tribunal (…), estribou se na análise crítica e ponderada do conjunto da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º do C.P. Penal). Em concreto, foram valorados os depoimentos prestados, em conjugação com os documentos juntos aos autos, designadamente: certidões de fls. 1 a 45, 50 a 54, 185 a 214, 258 a 262, 322 a 334 (…)”] Aliás, nem sequer configura qualquer diligência que a lei considere obrigatória para a tomada de decisão sobre o objeto do processo, e, sem questionar o acerto do seu indeferimento ao abrigo do apontado artigo 356.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, pois que dessa decisão os arguidos não recorreram, nunca tal indeferimento constituiria uma restrição aos direitos de defesa dos arguidos, como se entendeu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1052/96, de 10-10-1996[6], invocado pela Ex.ma Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer. Também não se descortina de que forma possa ter sido violado o princípio do contraditório, o direito a um processo equitativo e a violação do principio da legalidade e das garantias de defesa do processo criminal consagradas nos artigos 20.º, nº 4, 29.ºe 32.º, nºs 1 e 5 e 203.º da Constituição da República Portuguesa, pela não leitura do apontado “documento” à testemunha, quando tal documento foi junto aos autos pela própria defesa e pese embora a leitura que o tribunal a quo fez do mesmo não tenha sido do seu agrado, o certo é que o teve em atenção, enquanto prova documental, tal como a defesa o pretendia que fosse aquando da sua junção. Veja-se que, tal como os próprios recorrentes alegam, em sede de audiência de julgamento, no dia 7 de junho de 2023, o tribunal a quo admitiu a junção aos autos de certidão das declarações prestadas pela testemunha EE no processo 74/18..... E são os próprios que também alegam que tal documento não constava da acusação dos autos e apenas foi solicitada a sua junção para ser valorada como prova documental, para corroboração dos depoimentos prestados pelos arguidos em sede de audiência de julgamento nos presentes autos e como prova documental foi valorado, tal como pretendido pelos recorrentes. É verdade que após o termino dos trabalhos, após ter sido agendada a leitura da sentença, o tribunal a quo decidiu reabrir a audiência de julgamento e fazer nova sessão de audiência de julgamento com produção de nova prova, a saber: a inquirição da testemunha EE, durante cuja inquirição foi solicitada a leitura das referidas declarações, o que veio a ser indeferido, por não ter sido obtido o acordo do Ministério Público. Porém, como é bom de ver, tal indeferimento não contende com qualquer direito dos arguidos, tendo sido assim decidido ao abrigo do artigo 356.º, n.º 5, a contrario, do Código de Processo Penal, decisão essa com a qual, aliás, os arguidos concordaram, pois que da mesma não recorreram, tendo antes optado por arguir a existência da nulidade por falta de diligência de prova. Na verdade, a leitura de tal documento à testemunha nem sequer é imposta pelas garantias de defesa dos arguidos/recorrentes e não viola as garantias de defesa dos arguidos a circunstância de a lei processual outorgar ao juiz, no exercício de um poder de direção e controlo do processo, a faculdade de indeferir diligências de prova requeridas pelos arguidos, quando, segundo a sua apreciação - esta passível de reexame, por via de recurso - não se lhe afigurarem necessárias à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa, como já assim o decidiu o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º171/2005, de 31 de Março de 2005, publicado no Diário da República , II Série, n.º 88,de 6 de Maio de 2005, chamado a pronunciar-se sobre a impugnação do n.º 4 do artigo 340.º do Código de Processo Penal, por alegada violação das garantias de defesa do arguido. Em boa verdade, o que os recorrentes pretendem é fazer valer a sua discordância relativamente a um despacho sobre o qual não reagiram atempadamente, mediante recurso, tendo, antes, optado por invocar a existência de uma nulidade que já viram indeferida e sobre cuja decisão já reagiram invocando a falta de fundamentação, nos termos aqui já supra apreciados. Cumpre, por fim, dizer que não se esquece que o tribunal deve, oficiosamente ou a requerimento das partes, ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigurar necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, competindo-lhe coligir os elementos necessários a alicerçar a decisão a tomar, independentemente da contribuição dada quer pela acusação quer pela defesa. No entanto, tal princípio sofre as limitações impostas pelos princípios da necessidade [só são admissíveis os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para a descoberta da verdade], da legalidade [só são admissíveis os meios de prova não proibidos por lei] e da adequação [não são admissíveis os meios de prova notoriamente irrelevantes, inadequados ou dilatórios] e, no caso, como vimos, a diligência requerida não se afigurava necessária, nem essencial, à boa decisão da causa. Improcedem, portanto, os recursos também quanto à esta arguida nulidade. Da impugnação da matéria de facto [erro notório na apreciação da prova/erro de julgamento] /da invocada violação do princípio da presunção de inocência do arguido: Alegam os arguidos/recorrentes que os factos vertidos em 7., 10., 12., 13. e 14. da factualidade provada foram incorretamente julgados e, como tal, devem ser considerados não provados, tendo, na sua ótica, o tribunal a quo incorrido em erro notório na apreciação da prova [artigo 410.º, n.º 2, c) do Código de Processo Penal], em virtude de não ter havido produção de prova suficiente em audiência de discussão e julgamento para os considerar como provados. Para tanto, apontam, em suma: ® Indevida desvalorização das declarações prestadas em audiência de julgamento pelos arguidos, designadamente pelos arguidos/recorrentes; ® Indevida valorização do depoimento prestado pela testemunha EE, sobretudo tendo em conta a certidão junta em sede de audiência de julgamento no dia 07 de junho de 2023. A factualidade colocada em causa é a seguinte: “(…) 7) No dia 03.04.2018 e na sequência da deslocação ao local em questão da patrulha da GNR ... que integravam, o arguido AA elaborou e assinou o auto de notícia com o n.º de registo ...53, igualmente confirmado e subscrito pelo arguido BB, no qual sonegaram que o referido EE havia, nas circunstâncias descritas e perante os mesmos, relatado que tinha sido fisicamente agredido por DD, militar da GNR de ..., tendo, ao invés, aí concluído: “Após esta patrulha ouvir as duas versões dos factos, não tendo sido verificado qualquer ilícito, foram os intervenientes informados do direito de queixa e dos prazos legais.” (…) 10) Ao actuarem da forma acima descrita, os arguidos agiram sempre de comum acordo e em conjugação de esforços e intuitos. (…) 12) Além de que sabiam os arguidos AA e BB que, ao omitirem no auto de notícia referido em 7. factos com relevância criminal que lhes haviam sido denunciados e que até configuravam a prática de crime de natureza pública, iludiam a actividade probatória, conforme era sua intenção. 13) Agiram, pois, todos os arguidos com a intenção de, desse modo, influenciar a decisão que viesse a ser proferida, procurando obstar a que se fizesse prova dos factos constantes da acusação proferida no acima identificado processo e, por força disso, a que o citado DD, seu colega militar, viesse a ser condenado e alvo de uma pena e, por conseguinte, frustrar a realização da justiça, o que, pese embora tais esforços, não veio a acontecer. 14) Actuaram sempre os arguidos de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. (…)”. [sublinhado e negrito nossos]. E, quanto à motivação da matéria de facto, pode ler-se na sentença recorrida, no que aqui releva, o seguinte [transcrição]: “(…) A convicção do tribunal no que respeita aos factos provados (…), estribou-se na análise crítica e ponderada do conjunto da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º do C.P.Penal). Em concreto, foram valorados os depoimentos prestados, em conjugação com os documentos juntos aos autos, designadamente: certidões de fls. 1 a 45, 50 a 54, 185 a 214, 258 a 262, 322 a 334; transcrições de fls. 60 a 85, 86 a 106 e 137 a 145 e CD apenso por linha. Os arguidos negaram a prática dos factos, mantendo versões semelhantes às que apresentaram no julgamento anterior. O arguido AA fazia parte da patrulha de .... Admitiu ter recebido um telefonema do militar DD, no seu telemóvel pessoal, a indagar se estava de serviço e se era ele que ia a casa da mãe. Admitiu ainda terem combinado encontrar-se e seguirem juntos para a habitação. Asseverou que ele e os arguidos BB e CC entraram na habitação para procurar a televisão enquanto o militar DD ficou no exterior. Apesar da televisão ter aparecido, não foi capaz de dizer onde estava. Admitiu ainda que o Sr. AA se queixou de ter sido agredido pelo militar DD (murro na face), mas negou ter presenciado a agressão. Negou ainda que o Sr. AA se queixasse de dor ou apresentasse marcas de agressão. Mais negou ter ouvido gritos. Declarou que o informou de que podia ir ao Posto apresentar queixa e que combinaram que acompanharia o veículo, mas o Sr. AA não apareceu. Não conseguiu explicar porque razão não fez referência no auto a essa denúncia. Negou ter tido intenção de beneficiar ou prejudicar alguém. O arguido BB começou por corroborar as declarações do arguido anterior. Não soube dizer quem encontrou a televisão. Negou ter visto o Sr. AA a falar com o militar DD. Admitiu que o Sr. AA se queixou de ter sido agredido, mas apenas depois da patrulha de ... ter abandonado o local e já fora do logradouro. Negou ter ouvido gritos ou que o Sr. AA apresentasse marcas. Afirmou que lhe disseram que fosse ao Posto atrás deles. Como não apareceu, ligaram-lhe (não foi ele). Julga que o Sr. AA atendeu. Também o arguido CC negou ter presenciado a agressão e ter prestado falsas declarações. Afirmou que entrou na habitação para procurar a televisão e que o militar DD entrou a seguir. Foi o único a ter ido ao sótão, mas não viu as televisões, apenas os locais onde deveriam estar. Admitiu que alguém disse que a televisão tinha aparecido. Mais negou que o Sr. AA lhe tenha dito ter sido agredido. A testemunha EE mostrou-se ainda afectado pelo sucedido. Descreveu o dia como difícil, um dos mais marcantes da sua vida. As suas declarações afiguraram-se sinceras e imparciais (nada tem a ganhar com os presentes autos) e as diferenças detectadas entre o depoimento que prestou agora e o que prestou no processo anterior mostram-se consentâneas com o decurso do tempo e com a vontade, compreensível, em tentar esquecer o trauma vivido. A testemunha não teve dúvidas em afirmar que se sentiu-se intimidado quando o militar DD lhe disse que ou abria a carrinha a bem ou a mal, que ficou estupefacto com o murro que lhe foi desferido pelo militar DD e ainda que os outros 3 militares e a mãe presenciaram a agressão, a ponto de se ter voltado de imediato para os mesmos perguntando se não o ajudavam, se não faziam nada. Assim, do cotejo da prova produzida em julgamento não restaram dúvidas de que as coisas se passaram tal como constava da acusação e como resultava das certidões do processo n.º 78/18....: ou seja, que os arguidos prestaram as referidas declarações, que reiteraram nos presentes autos, sabendo que as mesmas não correspondiam à verdade, porquanto presenciaram os factos por que o seu colega e militar DD veio a ser condenado. Igualmente não restaram dúvidas de que os subscritores do auto de notícia (fls. 259–frente e verso) omitiram, não só o que observaram, mas também a denúncia que, no local dos factos, lhes foi expressamente comunicada pela testemunha EE (o que não fizeram quanto aos demais crimes denunciados). Mas fizeram mais, inscreveram expressamente no auto que não verificaram qualquer ilícito, o que sabiam não corresponder à verdade. No que concerne à factualidade referente à intenção e representação inerentes à conduta dos arguidos, foi ponderada a matéria consignada por provada, conjugada com critérios de razoabilidade e com regras de experiência comum, daí se extraindo, sem margem para dúvida, a intenção que presidiu à sua realização e exteriorização, bem como a representação dos resultados da mesma por parte dos arguidos. Todos os arguidos sabem que, pelas funções que exercem, estão obrigados a reportar todos os crimes de que tenham conhecimento, tanto em exercício de funções como fora delas(sendo que no caso todos estavam em exercício de funções), pelo que ao agir como agiram–em ambas as situações -outra não pode ter sido a sua intenção que não a de beneficiar o colega militar, procurando evitar que o mesmo fosse criminalmente perseguido e punido. E nem se diga, a respeito do auto de notícia, que aguardavam a apresentação de queixa, não só porque os crimes praticados pelo colega assumiam natureza pública, como porque, em caso de dúvida, sempre poderiam recorrer a colegas mais experientes, superiores hierárquicos ou até ao Magistrado do Ministério Público competente. (…)”. [sublinhado e negrito nossos]. Ora, como vem sendo unanimemente defendido na jurisprudência, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: através do âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal ou mediante a impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do referido diploma legal. No primeiro caso estamos perante a arguição dos vícios formais, também designados de vícios decisórios, que se encontram previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, que, conforme decorre do referido precito legal, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não se estendendo, pois, a outros elementos, nomeadamente que resultem do processo, mas que não façam parte daquela decisão, sendo, portanto, inadmissível o recurso a elementos àquela estranhos para o fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[7]. Tratam-se, portanto, de vícios intrínsecos da sentença que visam o erro na construção do silogismo judiciário. No segundo caso estamos perante um erro do julgamento [designadamente na apreciação da prova] cuja apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência de julgamento, sempre tendo presente os limites fornecidos pelo recorrente em obediência ao ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal. In casu: Os arguidos/recorrentes vêm invocar que a sentença proferida pelo tribunal a quo padece do vício do erro notório na apreciação da prova, ínsito no artigo 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal. Mas, na verdade, analisadas quer as conclusões quer a motivação do recurso, constata-se que os recorrentes confundem o erro de julgamento com o apontado vício de erro notório na apreciação da prova. Com efeito: Impugnam a mencionada factualidade provada, mas não se cingem ao texto da decisão recorrida, tendo antes chamando à colação, designadamente, as suas próprias declarações, o depoimento da testemunha EE e a certidão junta em sede de audiência de julgamento no dia 07-06-2023 e contestaram a forma como o tribunal a quo apreciou a referida prova, que, na sua ótica, se afigura errada, ou seja, impugnam a matéria de facto com base no erro de julgamento, a que alude o artigo 412.º do Código de Processo Penal. Na verdade, conforme decorre do artigo 410.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe, “Fundamentos do recurso”: “1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida. 2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. 3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.” Da análise de tal preceito legal decorre, portanto, que a decisão sobre a matéria de facto é suscetível de ser posta em causa por via da invocação dos apontados vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mas conforme se referiu supra, tais vícios devem resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum. E, como é sabido, o invocado vício previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis. Trata-se de um erro de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido[8]. “Com a invocação do vício de erro notório questiona-se, não o conteúdo da prova em si, nomeadamente do que foi dito no depoimento ou nas declarações prestadas, cujo teor se aceita, mas a utilização que foi dada à referida prova, no sentido de a mesma suportar a demonstração de um determinado facto, na medida em que o tribunal valorizou a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados ou então quando da decisão se extrai de modo óbvio que optou por decidir, na dúvida, contra o arguido”[9]. Resumindo, “o erro notório traduz-se, basicamente, em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando determinado facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo”.[10] Assim sendo, só nos resta concluir pela inexistência do invocado vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, pois do texto da decisão recorrida não resulta que o tribunal a quo tenha violado as regras da experiência ou que tenha efetuado uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, e, muito menos, que tenha violado qualquer regra sobre prova vinculada ou da legis artis. Na verdade, estamos perante o simples facto de a versão dos recorrentes sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal a quo, mas esta discordância não conduz ao referido vício[11]. Improcede, portanto, a pretendida alteração da matéria de facto à luz do invocado vício decisório. Analisemos, então, agora, a impugnação da matéria de facto à luz do artigo 412.º do Código de Processo Penal. No domínio da impugnação ampla da matéria de facto visa-se uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente aos concretos «pontos de facto» que o recorrente considera incorretamente julgados, através da avaliação (ou reavaliação) das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida[12]. Não se poderá, no entanto, esquecer que o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio jurídico com vista a colmatar erros do julgamento na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, sendo, portanto, manifestamente errado pensar que basta ao recorrente formular discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para o tribunal de recurso fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova. Tem sido este o sentido defendido quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, designadamente: Assim refere Germano Marques da Silva[13] que “o poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância”. No mesmo sentido se pronuncia Damião Cunha[14], ao afirmar que os recursos são entendidos como juízos de censura crítica e não como «novos julgamentos». “O recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros[15]. Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objeto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir determinados erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do Código de Processo Penal: “3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.” A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados. A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo [cfr. artigo 430.º do Código de Processo Penal]. Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens [das gravações] em que se funda a impugnação [não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos], pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes [n.º 4 e 6 do artigo 412.º do Código de Processo Penal][16]. Como realçou o STJ, no acórdão de 12-06-2008, a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que se debruçando sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações: - a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam; - a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o «contacto» com as provas ao que consta das gravações; - a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção se for caso disso; - a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b), do nº 3, do citado artigo 412.º do Código de Processo Penal] [sublinhado nosso]. Em suma, para dar cumprimento às exigências legais da impugnação ampla tem o recorrente de especificar, nas conclusões, quais os pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, quais as provas [específicas] que impõem decisão diversa da recorrida, demonstrando-o, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as [se na acta da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados] ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos [quando na ata da audiência de julgamento se faz essa referência - o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens]. “Importa, portanto, não só proceder à individualização das passagens que alicerçam a impugnação, mas também relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova susceptível de impor essa decisão diversa com o facto individualizado que se considera incorrectamente julgado, o que se mostra essencial, pois, julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e só sendo admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida – face à exigência da alínea b), do n.º 3, do artigo 412.º, do C.P.P., a saber: indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida -, a demonstração desta imposição compete também ao recorrente [sublinhado nosso]. [17] In casu, analisadas as conclusões do recurso facilmente se constata que os recorrentes não cumpriram o ónus de impugnação especificada, em obediência ao disposto nos n.ºs 3 e 4 do citado artigo 412.º do Código de Processo Penal, não satisfazendo as conclusões apresentadas a exigência da tríplice especificação legalmente imposta, nos casos de impugnação ampla. E, por outro lado, uma leitura atenta da motivação, torna evidente que também esta não consente tal especificação. Na verdade, os recorrentes indicam os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados e, na motivação, mas já não nas conclusões, até transcrevem passagens das declarações e testemunhos em que fundamentam a sua impugnação, porém já não demonstram de que forma tais declarações/depoimentos impõem decisão diversa da recorrida, e não o fazem, nem nas conclusões, nem na motivação do recurso. É óbvio que o circunstancialismo que rodeia tal forma de impugnação da factualidade não provada fixada pelo tribunal a quo inviabiliza a sua reapreciação pela via da impugnação ampla que, de todo, não obedece à imposição legal expressamente prevista para o efeito. E não cumpria convidar os recorrentes a aperfeiçoar as conclusões do recurso, pois dizendo-se que as conclusões resumem as razões do pedido, nada pode ser resumido que não se contenha no arrazoado da motivação, de que as conclusões constituem uma síntese essencial. Neste sentido, vem sendo a tomada de posição constante do Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, de que o não cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto, tanto na motivação como nas conclusões desta, não justifica o convite ao aperfeiçoamento, uma vez que só se pode corrigir o que está deficientemente cumprido e não o que se tem por incumprido. [18] Na verdade, não podemos deixar de recordar que o texto da motivação do recurso – reservado aos respetivos fundamentos – é imodificável e, como tal, insuscetível de ser aperfeiçoado, o que bem se compreende, pois, o contrário, equivaleria, no fundo, à concessão de um novo prazo para recorrer, pelo que não cabia a este Tribunal fazer qualquer convite ao aperfeiçoamento, pois estamos perante uma deficiência da estrutura da própria motivação, equivalente a uma falta de motivação na plenitude dos seus fundamentos, que coloca até em crise a delimitação do âmbito do recurso e esse procedimento equivaleria, na verdade, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso[19]. Em suma, o artigo 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, impõe o dever de convite ao aperfeiçoamento tão só quando “a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º”. Se o recorrente não faz, como no presente caso, nem nas conclusões, nem no texto da motivação, as especificações ordenadas pelos números 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, nos seus precisos termos, não há lugar ao convite à correção das conclusões, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do referido convite. De qualquer forma, conforme decorre da fundamentação da matéria de facto da sentença recursiva, nos termos explicitados pelo tribunal recorrido, foram apresentadas duas versões: a dos arguidos que negaram a prática dos factos e a da testemunha EE que afirmou factualidade conducente à imputada prática criminal. Lida a sentença recorrida, constata-se que a Mm.ª Juíza a quo através de um processo lógico da formação da sua convicção decidiu que a versão que lhe merecia credibilidade era a da mencionada testemunha e explicou porque assim o considerou e pese embora tenha detetado diferenças entre o depoimento que prestou agora e o que prestou no processo anterior, entendeu que essas diferenças se mostravam “consentâneas com o decurso do tempo e com a vontade, compreensível, em tentar esquecer o trauma vivido”. Ora, como se escreveu no acórdão do TRC de 19.02.2009[20] “Na tarefa de valoração da prova e de reconstituição dos factos, tendo em vista alcançar a verdade – não a verdade absoluta e ontológica, mas uma verdade histórico-prática e processualmente válida –, o julgador não está sujeito a uma “contabilidade das provas”. (…). A função do julgador não é a de encontrar o máximo denominador comum entre os depoimentos prestados, não lhe é imposto ter de aceitar ou recusar cada um deles na globalidade, cumprindo-lhe antes a missão de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece ou não crédito e em que termos”, devendo, com vista a valorar, ou não, um dado meio de prova, designadamente um depoimento, o julgador aferir da credibilidade dos factos relatados pela testemunha/depoente, para o que deverá socorrer-se de raciocínios lógicos e dedutivos, pautados nas regras decorrentes da experiência comum. E, diga-se, foi isso o que fez a Mm.ª Juíza a quo. Com efeito, como resulta claramente da motivação da matéria de facto supra transcrita, o tribunal a quo deu como provados os factos aqui controvertidos, explicando, de forma razoável, clara, lógica, racional e plausível, porque assim o fez, in casu, explicou porque considerou os factos em apreço como provados e, designadamente, porque razão, quanto aos mesmos, deu credibilidade ao depoimento da testemunha EE. A análise crítica das declarações prestadas quer pelos arguidos, quer do depoimento da indicada testemunha, efetuada pelo julgador e o respetivo grau de credibilidade ou de descrédito atribuído aos mesmos mostra-se irrepreensivelmente conferido, de acordo com a perceção própria permitida pelo imediatismo que acompanhou a produção daqueles meios de prova. Nenhum dos elementos de prova concretamente aludidos pelos recorrentes revela que a decisão do Tribunal a quo se mostre desajustada ou incoerente face à prova produzida no julgamento e, neste sentido, nenhuma dessas provas impõe decisão diversa da que foi tomada pelo Tribunal recorrido. No caso dos autos, o que os recorrentes fazem é discordar da avaliação probatória que o tribunal recorrido fez da apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, pretendendo substituir a convicção do tribunal pela sua. Ou seja, o que realmente resulta, desde logo, das conclusões do recurso, é a divergência entre a convicção pessoal dos arguidos/recorrentes sobre a prova produzida em audiência e aquela que o Tribunal a quo firmou sobre os factos, o que se prende com a apreciação da prova em conexão com o princípio da livre apreciação da mesma, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, do qual decorre que, salvo no caso de prova vinculada, o tribunal aprecia a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção. Rege, pois, o princípio da livre apreciação da prova, significando este princípio, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminados de valor a atribuir à prova [salvo exceções legalmente previstas, como sucede com a prova pericial] e, por outro lado, que o tribunal aprecia toda a prova produzida e examinada com base exclusivamente na livre convicção da prova e na sua convicção pessoal. Sempre sem esquecer que a liberdade conferida ao julgador na apreciação da prova não visa criar um poder arbitrário e incontrolável, o que sempre se impõe é que explique e fundamente a sua decisão, pois só assim é possível saber se fez a apreciação da prova de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada. A apreciação da prova não pode deixar de ser “... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais - , mas em todo o caso , também ela (deve ser) uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros.”[21] O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando reflexo, nomeadamente, no artigo 355.º do Código de Processo Penal, sendo na audiência de julgamento que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na receção direta de prova e se assegura o princípio do contraditório, garantido constitucionalmente no artigo 32.º, n.º5 da Constituição da República Portuguesa. A convicção do Tribunal a quo é formada da conjugação dialética de dados objetivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.[22] Uma vez, porém, que o princípio da livre apreciação da prova tanto vincula o tribunal de 1.ª instância como o tribunal de recurso, e que a reforma do Código de Processo Penal de 1998 deixou inequívoco que se quis assegurar um recurso efetivo da matéria de facto, o Tribunal da Relação, na reapreciação da matéria de facto nos termos do art.412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, deve proceder a uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão tomada pelo Tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, avaliando se as provas indicadas por este impõem decisão diversa da recorrida. Porém, se o Tribunal a quo, que beneficiou plenamente da imediação e da oralidade da prova, explicou racionalmente a opção tomada, e o Tribunal da Relação entender que da reapreciação da prova não se impõe decisão diversa, nos termos do art.127.º do Código de Processo Penal, deve manter a decisão recorrida. Ou seja, como é jurisprudência corrente dos nossos Tribunais Superiores, o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum. Se a decisão sobre a matéria de facto do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção[23]. Dos ensinamentos da doutrina e da jurisprudência, podemos concluir que a valoração das provas, reportada à credibilidade dos depoimentos que é eminentemente subjetiva, depende, essencial e substancialmente, da imediação, princípio que, pressupondo a oralidade, domina a recolha das provas de índole testemunhal, permite, num quadro de emissão e receção de sinais de comunicação - que não apenas de palavras, mas também de gestos ou outras formas de ação/reação, como o próprio silêncio - potenciar a adequada apreciação dos depoimentos[24], sendo as declarações indissociáveis da atitude e postura de quem as presta, dos seus olhares, trejeitos, hesitações, pausas e demais reações comportamentais às diversas perguntas e questões abordadas, isoladas ou entre si combinadas, bem como a regras de experiência e senso comuns à luz da normalidade dos comportamentos humanos. Tal não significa que a apreciação, eminentemente subjetiva, conducente a conferir maior ou menor credibilidade de um depoimento, é insindicável, pois ao julgador é imposto o dever de explicitar as razões da sua convicção pessoal, na fundamentação da decisão, isto é, que revele não só os motivos por que certo depoimento mereceu maior credibilidade do que outro, mas também que explicite o raciocínio lógico que utilizou na apreciação global e lógica de toda a prova no cumprimento do dispõe o nº 2 do artigo 374º, do Código de Processo Penal, e, no presente caso, a Mm.ª Juíza a quo fê-lo. E se os critérios subjetivos expressos pelo julgador se apresentarem com o mínimo de consistência para a formulação do juízo sobre a credibilidade ou descrédito das declarações/dos depoimentos apreciados e, com base no seu teor, alicerçar uma convicção sobre a verdade dos factos, para além da dúvida razoável [no caso, essa dúvida não existe], tal juízo há de sempre sobrepor-se às convicções pessoais dos restantes sujeitos processuais, como corolário do princípio da livre apreciação da prova ou da liberdade do julgamento. Não interessa, assim, neste recurso, o que os juízes desta Relação decidiriam se tivessem efetuado o julgamento em primeira instância. Também não está em causa o modo como decidiria a recorrente se fosse o Juiz a quo. Na verdade, como se referiu, o recurso em matéria de facto não tem por finalidade a realização de um segundo julgamento, mas tão só a apreciação da decisão proferida na 1ª instância, apreciação essa limitada ao exame [controlo] dos elementos probatórios valorados pelo tribunal recorrido e feita à luz das regras da lógica e da experiência, mas sempre sem colidir com os fundamentos da decisão que só a imediação e a oralidade permitem atingir - imediação e oralidade que não estão presentes no julgamento do recurso, porque aos juízes do tribunal superior apenas são facultados registos [em suporte magnético]. Por isso ao tribunal superior cumpre verificar a existência/inexistência da prova e controlar a legalidade da respetiva produção, nomeadamente, no que respeita à observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório e publicidade, verificando, outrossim, a adequação lógica da decisão relativamente às provas existentes. E só em caso de inexistência/existência de provas, para se decidir num determinado sentido, ou de violação das normas de direito probatório [nelas se incluindo as regras da experiência e/ou da lógica] cometida na respetiva valoração feita na decisão da primeira instância, esta pode ser modificada, nos termos do artigo 431.º do Código de Processo Penal. Assim, o que esta instância pode e deve fazer em tal matéria, em sede de recurso [precisamente porque o seu propósito é, essencialmente, o de remédio jurídico], é verificar, controlar, se o tribunal a quo, ao formar a sua convicção, fez um bom uso do princípio de livre apreciação da prova, aferindo da legalidade do caminho que prosseguiu para chegar à matéria fáctica dada como provada e não provada, verificar, ponto por ponto, se os concretos erros de julgamento indicados pelo recorrente, de facto, existem e, na afirmativa, proceder à sua correção. In casu, os recorrentes não concordam com a análise que a Mm.ª Juíza a quo fez da prova produzida em audiência de julgamento, insurgindo-se contra o facto de não ter sido dado crédito às suas declarações e ter acreditado na testemunha EE. Porém, o Tribunal a quo, imbuído da imediação, explicitou, de forma lógica e ponderada, as razões da sua convicção, explicou a formulação do juízo que formou sobre a credibilidade ou falta de credibilidade das declarações/depoimentos apreciados e as razões de não ter ficado com dúvidas, nem diga-se, se impunha que as tivesse, que o levassem a ter de convocar o princípio in dubio pro reo. O Tribunal a quo deixou claro que a decisão sobre a matéria de facto, designadamente nos pontos impugnados pelos arguidos/recorrentes, assentou na ponderação da prova produzida à luz das regras da experiência comum, designadamente nas declarações dos arguidos, no depoimento da testemunha supra indicada e na ali apontada prova documental, explicou as razões pelas quais lhes deu ou não credibilidade e em que medida o fez. Perante tal análise da prova, expressa e claramente indicada pelo Tribunal recorrido, não se apreende qualquer outra conclusão, se não aquela a que o Tribunal a quo chegou, em ter de considerar tais factos como provados. Em suma, não se vê que a decisão recorrida tenha de algum modo desrespeitado os princípios que regem a livre apreciação da prova, não merecendo, por isso, qualquer censura por parte deste Tribunal de recurso. E não se diga que o tribunal deveria ter atendido às declarações dos arguidos recorrentes porque se mantiveram idênticas ao depoimento que prestaram, na qualidade de testemunha, no âmbito do processo 74/18...., designadamente que não presenciaram a agressão ocorrida, bastando para tanto atentar na motivação da matéria de facto da decisão recorrida para se constatar que o tribunal a quo teve tal realidade em atenção e, como os recorrentes bem sabem, não é por se manter a mesma versão dos factos desde o seu início que os mesmos se tenham de ter por verdadeiros. Não se argumente que o facto de não terem feito constar o ilícito em questão no auto de notícia se ficou a dever à inexperiência dos arguidos/recorrentes, que se encontravam no início das suas carreiras, ou à deficiente formação ministrada à Guarda Nacional Republicana, sendo perfeitamente aceitável, do ponto de vista dos critérios da razoabilidade e da experiência comum, que o militar numa situação em que não presenciou qualquer ilícito, não o fizesse constar do auto de notícia. Na verdade não se descortina de que forma é que o vertido no referido auto de notícia se reporte a uma questão de inexperiência ou de deficiente formação, e mesmo que se traga à colação o depoimento da testemunha FF, Comandante do Posto ..., que acompanhou o estágio do arguido/recorrente BB, o certo é que o mesmo nunca seria suscetível de afastar a conclusão a que chegou o tribunal a quo, pois, como os próprios arguidos/recorrentes o referem, o que decorre do depoimento desta testemunha é apenas a sua “opinião” e, como é sabido, uma opinião não pode servir para formar a convicção do tribunal. E não se diga, também, que nunca agiram com intenção de beneficiar o guarda DD, porque se assim fosse não iriam afirmar que EE lhes tinha dito que foi agredido por aquele, mas antes teriam omitido tal informação, tanto que exercem as suas funções de forma exemplar e imparcial, cumprindo todos os Regulamentos e Códigos de conduta a que estão adstritos, que são eles os prejudicados, pois acabaram por ser condenados pelo tribunal a quo, irão enfrentar processos disciplinares e têm a sua progressão na carreira suspensa. Na verdade, como bem refere o tribunal a quo “todos os arguidos sabem que, pelas funções que exercem, estão obrigados a reportar todos os crimes de que tenham conhecimento, tanto em exercício de funções como fora delas (sendo que no caso todos estavam em exercício de funções), pelo que ao agir como agiram em ambas as situações outra não pode ter sido a sua intenção que não a de beneficiar o colega militar, procurando evitar que o mesmo fosse criminalmente perseguido e punido. E nem se diga, a respeito do auto de notícia, que aguardavam a apresentação de queixa não só porque os crimes praticados pelo colega assumiam natureza pública como porque em caso de dúvida, sempre poderiam recorrer a colegas mais experientes, superiores hierárquicos ou até ao Magistrado do Ministério Público competente.”. Acresce que lidas e relidas as declarações prestadas pela testemunha EE em sede de inquérito, no âmbito do referido processo 74/18...., cuja certidão se encontra junta aos presentes autos, ora trazidas à colação pelos arguidos/recorrentes, não descortinamos de que forma se possa afirmar que corroboram as declarações destes e muito menos que corroboram a alegação de que nunca presenciaram qualquer agressão, mas antes demonstram que presenciaram o ocorrido, pois só assim faz sentido que logo que foi agredido se tenha dirigido aos restantes militares pedindo que identificassem o militar que o havia agredido e que não houve reação por parte de nenhum deles, demonstrando, aliás, já a intenção dos arguidos em ocultar o ocorrido, ao não identificaram o militar DD que havia agredido EE, pese embora a sua solicitação nesse sentido. Demonstram, ainda, que quem os aconselhou a passar no posto para apresentar queixa nem foram os arguidos, mas sim o comandante do Posto ..., Cabo NN. E não se tente retirar qualquer consequência do facto de EE nesse depoimento prestado em inquérito não ter referido que tinha ferimentos visíveis e que os mostrou aos arguidos, pois o facto de na data não o ter referido, não significa que tal factualidade não fosse verídica, podendo resultar do simples facto de tal não lhe ter sido perguntado. Diga-se, aliás, que os arguidos/recorrentes tentam descredibilizar o depoimento prestado em julgamento pela testemunha EE argumentando ser muito distinto do que havia prestado em sede de inquérito no apontado processo 74/18...., e chegam ao ponto de lhes imputar uma atuação suscetível de integrar o crime de falsidade de depoimento, previsto e punido pelo artigo 360.º, n.ºs 1 a 3 do Código Penal, mas, na verdade, não apontam qualquer distinção, limitando-se a transcrever o depoimento que ali prestou e trazer à colação segmentos do depoimento prestado em audiência de julgamento e a fazer a sua própria leitura dos mesmos. De qualquer forma, lemos as declarações que prestou naquele inquérito e ouvimos a gravação do depoimento que a testemunha prestou em audiência de julgamento no âmbito dos presentes autos, e dessa análise o que podemos extrair é o acerto com que o tribunal a quo apreciou tal depoimento e julgou os factos objeto de julgamento. Na verdade, foi patente a preocupação da testemunha EE em tentar ser preciso e claro no seu depoimento e foi ainda possível percecionar que se tratou de um depoimento emotivo e ainda incrédulo com tudo o que se tinha passado. A testemunha não teve dúvidas em afirmar que os três militares (ora arguidos) assistiram a tudo o que se passou, que, designadamente, presenciaram as agressões que lhe foram infligidas pelo militar DD e nada fizeram, e tal segurança revelou-se patente ao longo de todo o depoimento e perante todas as instâncias, diga-se persistentes e repetitivas, a que foi sujeito, sendo exemplo disso os seguintes trechos: “A imagem que tenho e que continuo a dizer, pedi ajuda e até hoje não ma deram (…) Naquela situação quando fui agredido tenho sempre aquela ideia e fiquei e esta imagem que tenho até hoje, e tento apagar, estava a Dona GG e eles ali impávidos a olhar para mim, levei um murro e ninguém fez nada, nem se interessou por identificar”. “Estão ali os três e a D. GG, quando pedi ajuda estavam todos a olhar para mim, levei um murro, caiu ao chão [referindo-se ao telemóvel] (…), ninguém ajuda? ninguém identifica este Sr.? e estão a olhar para mim. É que estavam ali não estavam noutro lado”. “No momento em que levei o murro, quando pedi ajuda, estavam a olhar para mim” [referindo-se aos três militares aqui arguidos]. Não se diga que o tribunal a quo considerou que os arguidos/recorrentes faltaram à verdade no depoimento que prestaram como testemunha no processo 74/18...., sem que o mesmo fosse sustentado por qualquer prova nos autos de que o depoimento prestado em audiência de julgamento é falso, pois basta atentar que a factualidade provada não foi sustentada nas declarações dos arguidos, mas sim no depoimento da referida testemunha EE e na prova documental indicada, a qual, aliás, não foi questionada pelos arguidos/recorrentes. De facto, assiste razão aos arguidos/recorrentes quando referem que a testemunha EE enverga a posição de ofendido nos apontados autos 74/18...., onde o militar DD foi condenado, sendo, por isso, sujeito processual interessado no desfecho dos mesmos. Porém, aqueles autos e os presentes constituem realidades distintas, têm ofendidos distintos e, de facto, tal como o refere o tribunal a quo, a testemunha EE “nada tem a ganhar com os presentes autos”, tanto mais que apontada justiça que reclamava naquele processo já há muito que lhe havia sido concedida, desde precisamente 26-04-2021, data em que a sentença condenatória ali proferida transitou em julgado, muito antes, portanto, de aqui ter prestado o ora questionado depoimento, ocorrido na sessão de audiência de julgamento datada de 06-12-2023. Só uma breve nota para realçar que os arguidos/recorrentes alegam que o tribunal a quo não poderia ter concluído, como o fez, que os arguidos presenciaram os factos pelos quais o militar DD foi condenado, pois tal não aconteceu, no entanto a tal factualidade reporta-se a alínea 3) da matéria de facto provada e esta não foi impugnada pelos arguidos recorrentes, nem nas conclusões, nem na motivação recursiva. Os arguidos/recorrentes limitam-se a transcrever segmentos das respetivas declarações e dos depoimentos de apenas parte das testemunhas que chamam à colação [note-se que chamam à colação o depoimento das testemunhas JJ, KK, LL e MM mas não indicam um único segmento dos respetivos depoimentos como o impõe o artigo 412.º do Código de Processo Penal], e fazem a sua própria leitura dos mesmos, que contrapõem à do julgador, sendo certo que, como bem sabem, o facto de lhe serem reconhecidos comportamentos exemplares com a população e com os colegas, não permite concluir que não tenham cometido os factos pelos quais foram condenados, tendo, aliás, o tribunal a quo tido esses depoimentos em atenção, ao ter considerado como provado que “16) Estão devidamente inseridos do ponto de visto laboral, social e familiar”. Para concluir, sempre se dirá que, como é sabido, a produção de prova testemunhal presencial é uma verdadeira mais-valia para o Tribunal e tão importante quanto o discurso das testemunhas e dos sujeitos processuais, é a sua postura corporal, são as suas expressões, as suas reações e dessa imediação o tribunal a quo retirou, designadamente, do depoimento da testemunha EE, aqui questionado, que o mesmo “(…) mostrou-se ainda afectado pelo sucedido. Descreveu o dia como difícil, um dos mais marcantes da sua vida. As suas declarações afiguraram-se sinceras e imparciais (nada tem a ganhar com os presentes autos) e as diferenças detectadas entre o depoimento que prestou agora e o que prestou no processo anterior mostram-se consentâneas com o decurso do tempo e com a vontade, compreensível, em tentar esquecer o trauma vivido. A testemunha não teve dúvidas em afirmar (…) que os outros 3 militares e a mãe presenciaram a agressão, a ponto de se ter voltado de imediato para os mesmos perguntando se não o ajudavam, se não faziam nada. Aqui chegados, cumpre relembrar, que o legislador teve o cuidado de indicar os meios de prova a ter em conta em sede recursiva pelo Tribunal ad quem e essas meios de provas são aquelas que “impõem” e não os que “permitiriam” decisão diversa da tomada pelo tribunal a quo, e, impendia sobre os recorrentes o ónus de demonstrar que aqueles meios de prova de que o tribunal a quo se serviu não apontam de forma alguma no sentido vertido na factualidade provada. Porém, os arguidos/recorrentes assim não o fizeram. O mesmo será dizer que, in casu, as provas apresentadas pelos arguidos/recorrentes não impõem decisão diversa daquela a que chegou o tribunal a quo, traduzindo apenas uma mera leitura diferente daquela, leitura essa efetuada pelos olhos dos arguidos/recorrentes, que não demonstraram que os meios de prova de que se socorreu o tribunal a quo não apontam de forma alguma no sentido vertido na factualidade provada e, como tal, pese embora o seu esforço argumentativo, este mostra-se insuscetível de permitir a alteração da factualidade que foi considerada como provada pelo tribunal a quo, que, como tal, deverá permanecer imodificável. E não se pode esquecer que o tribunal a quo teve perante si os arguidos/recorrentes e as testemunhas, viu-os, olhou-os, apercebeu-se de pormenores, atitudes, postura, que só a imediação permite alcançar, não se descortinando, da analise da motivação da sentença recorrida na parte atinente à factualidade provada, qualquer razão aos arguidos/recorrentes ao invocar a violação do princípio de presunção de inocência do arguido e, consequentemente, do in dubio pro reo. Com efeito, como corolário do princípio da presunção de inocência que decorre do invocado artigo 32.º,n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, tal princípio obriga a que, instalando-se e permanecendo a dúvida acerca de factos referentes ao objeto do processo, essa dúvida seja sempre desfeita em benefício do arguido relativamente ao ponto ou pontos duvidosos, podendo mesmo conduzir à absolvição[25]. Na prática, traduz-se numa imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Porém, a dúvida relevante de que cuidamos, não é a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas antes e apenas a dúvida que este não logrou ultrapassar.[26] E, lida a sentença recorrida, constata-se que quanto à factualidade que considerou provada o tribunal a quo não teve qualquer dúvida em assim decidir, nem, aliás, se impunha que a tivesse, e, como tal, não tinha a obrigação de chamar à colação o apontado princípio in dubio pro reo. Como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça [27] “«a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade»: «no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador - juiz pode, de algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível». Donde que «não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável (…). Pois que «nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais». Enfim, «a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal» (ibidem).” [sublinhado nosso]. Não foram, portanto, violadas as apontadas disposições legais/constitucionais, designadamente a consagração constitucional da presunção de inocência do arguido e do princípio in dubio pro reo. Improcede, portanto, também, o presente segmento recursivo, permanecendo intocada a matéria de facto impugnada e, consequentemente, improcede a requerida absolvição pela falta de prova capaz de sustentar a prática dos crimes em causa. Do enquadramento jurídico-penal dos factos [alegada inexistência dos elementos dos tipos criminais e relação de consunção entre os mesmos]: Os arguidos/recorrentes encontram-se condenados: ® pela prática, na forma consumada, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal; ® pela prática, na forma tentada, de um crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário, p. e p. pelos artigos 367.º, n.ºs 1 e 4, 368.º e 386.º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal. Importa, portanto, trazer à colação tais preceitos legais, na parte que ora releva: Artigo 360.º, do Código Penal Falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução 1 - Quem, como testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete, perante tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento, relatório, informação ou tradução, prestar depoimento, apresentar relatório, der informações ou fizer traduções falsos, é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias. (…) 3 - Se o facto referido no n.º 1 for praticado depois de o agente ter prestado juramento e ter sido advertido das consequências penais a que se expõe, a pena é de prisão até 5 anos ou de multa até 600 dias.”. Artigo 367.º do Código Penal Favorecimento pessoal “1 - Quem, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir actividade probatória ou preventiva de autoridade competente, com intenção ou com consciência de evitar que outra pessoa, que praticou um crime, seja submetida a pena ou medida de segurança, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. (…) 4 - A tentativa é punível. (…)”. Artigo 368.ºdo Código Penal Favorecimento pessoal praticado por funcionário “Quando o favorecimento previsto no artigo anterior for praticado por funcionário que intervenha ou tenha competência para intervir no processo, ou por quem tenha competência para ordenar a execução de pena ou de medida de segurança, ou seja incumbido de a executar, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos.” Artigo 386.º do Código Penal Conceito de funcionário “1 - Para efeito da lei penal, a expressão funcionário abrange: a) O empregado público civil e o militar; Tal como o defendem os recorrentes: O crime de falsidade de testemunho tutela o bem jurídico realização da justiça, enquanto função do Estado. O seu tipo base, descrito no artigo 360.º, n.º 1 do Código Penal, tem como elementos constitutivos típicos os seguintes: Quanto ao tipo objetivo: - Que o agente, investido na qualidade processual de testemunha, preste depoimento falso; - Perante tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento. Quanto ao tipo subjetivo: - O dolo, como conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade, em qualquer das modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal, não se exigindo um qualquer elemento subjetivo específico, uma intenção de atentar contra a justiça, de beneficiar ou prejudicar uma das partes, apenas o dolo genérico sob qualquer das suas modalidades, nos termos atrás referidos. Trata-se de um crime de perigo abstracto, pois não é necessário que a declaração falsa influencie, de forma efetiva, o esclarecimento da verdade, nem que, em concreto, tenha criado esse risco. É também um crime de mera atividade pois, para além da conduta típica traduzida na prestação de declaração falsa, não se exige a verificação de qualquer outro resultado. Isto para além de consistir num crime de mão-própria, que só pode ser praticado por determinadas pessoas investidas de certa qualidade (no caso, a de testemunha). A falsidade da declaração a que se reporta o artigo 360.º, n.º 1 do Código Penal corresponde à desconformidade entre a declaração emitida pelo agente e a realidade, e, in casu, quer se defenda a corrente que a realidade a atender é a histórica, quer se defenda a corrente que a realidade a atender é a apreendida pelo agente, o facto é que os arguidos/recorrentes, em audiência de julgamento ocorrida no âmbito do processo do qual foi extraída a certidão que deu origem aos presentes autos, na qualidade de testemunhas, relataram uma realidade diferente daquela que haviam experienciado e que veio a ser dada como provada o que tanto basta para que o seu testemunho deva ser qualificado como falso, dado que violou o seu dever de ser fiel à verdade e do mesmo passo podia comprometer o desiderato de uma efetiva realização da justiça naquele caso concreto.[28] No que respeita ao crime de favorecimento pessoal o bem jurídico protegido é a realização da pretensão da justiça decorrente, em primeiro lugar, da prática de um crime e que posterga todas as ações que impeçam, no todo ou em parte, a prolação de uma resposta punitiva materialmente sustentada e, em segundo lugar, decorrente de uma decisão judicial e que proíbe as condutas impeditivas da execução das consequências jurídicas nela determinadas.[29] Comporta duas modalidades distintas: um crime de resultado que consiste em impedir, frustrar ou iludir, total ou parcialmente, atividade probatória ou preventiva, pertencendo ao tipo subjetivo que tal realização seja efetuada com intenção ou com consciência de evitar que outra pessoa, que praticou o crime, seja submetida a pena ou medida de segurança; e, a segunda modalidade traduz-se num crime de mera actividade, consumado com a simples prestação de auxílio, cujo tipo subjectivo se traduz na intenção ou consciência de, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir execução de pena ou de medida de segurança que lhe tenha sido aplicada.[30] O tipo subjetivo deste crime só admite o dolo direto e o dolo necessário, em face da exigência típica da “intenção” ou “consciência” de que está a beneficiar a pessoa que pratica o crime. In casu, os arguidos/recorrentes pugnam pela sua absolvição quanto a ambos os crimes pelos quais foram condenados [relembre-se crime de falsidade de testemunho e crime de favorecimento pessoal], argumentando, para o efeito, a inexistência de prova da factualidade que os integra e que, de qualquer forma, sempre existiria uma relação de consunção, em que o crime de falsidade de testemunho consome o crime de favorecimento pessoal. Porém, tal pretensão não pode proceder. Na verdade, a mesma pressupunha o êxito da alteração da matéria de facto e, como vimos supra, a mesma terá de manter-se intocada. E, tal como bem o refere a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer “… face à inalterabilidade da matéria de facto, a qualificação jurídica dos factos provados encontra-se correta e detalhadamente fundamentada na sentença recorrida, da qual decorre que a apurada conduta dos arguidos/recorrentes preenche os elementos constitutivos (a nível objetivo e subjetivo) dos crimes de falsidade de testemunho, do artigo 360.º, n.ºs 1 e 3 e de favorecimento pessoal praticado por funcionário, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 367.º, n.ºs 1 e 4, 368.º e 386.º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal. Com efeito, resulta da factualidade provada que os recorrentes, no dia 9 de outubro de 2019, no decurso da audiência de julgamento, no âmbito do processo comum singular n.º 74/18...., foram inquiridos como testemunhas e prestaram depoimentos que não correspondiam à verdade, relativos a factos por eles conhecidos e presenciados, depois de ajuramentados e advertidos das consequências criminais da sua conduta. Por outro lado, resulta, também, da factualidade provada que no dia 3 de abril de 2018 e na sequência da deslocação ao local em questão da patrulha da GNR ... que integravam, o arguido AA elaborou e assinou o auto de notícia com o número de registo ...53, igualmente confirmado e subscrito pelo arguido BB, no qual sonegaram que EE havia perante os mesmos relatado que tinha sido fisicamente agredido por DD, militar da GNR de ..., tendo, ao invés, aí concluído o seguinte: “Após esta patrulha ouvir as duas versões dos factos, não tendo sido verificado qualquer ilícito, foram os intervenientes informados do direito de queixa e dos prazos legais .” Mais resultou provado que os arguidos AA e BB, ao omitirem no auto de notícia referido factos com relevância criminal que lhes haviam sido denunciados e que até configuravam a prática de crime de natureza pública, iludiam a atividade probatória, conforme era sua intenção e que agiram com a intenção de, desse modo, influenciar a decisão que viesse a ser proferida, procurando obstar a que se fizesse prova dos factos constantes da acusação proferida no processo onde era arguido o militar da GNR DD e, por força disso, a que este seu colega viesse a ser condenado e alvo de uma pena..”. [sublinhado e negrito nossos]. E a pretensão de ver reconhecida uma relação de consunção entre os crimes de falsidade de testemunho e de favorecimento pessoal, também não pode subsistir. Expliquemos porquê: Como acabamos de o dizer, os factos provados subsumem-se às tipologias do crime de falsidade de testemunho e do crime de favorecimento pessoal. E não esquecemos que os factos que consubstanciam o crime de falsidade de testemunho foram praticados com a finalidade de realizar uma acção de favorecimento pessoal de terceiro [evitar a condenação do militar DD pela prática dos crimes perpetrados sobre a vítima, aqui testemunha, EE]. Porém, tal realidade não é bastante para afirmar uma relação de concurso aparente, de consunção, entre os crimes de falsidade de testemunho e de favorecimento pessoal e, consequentemente, afastar a relação de concurso real, tida em conta na decisão do tribunal a quo. Na verdade, as ações de falsidade de testemunho e de favorecimento pessoal são materialmente e temporalmente distintas e diferenciadas no plano das resoluções dos recorrentes. Veja-se que o crime de favorecimento pessoal ocorreu a 03-04-2018, ou seja, aquando da elaboração e assinatura do auto de notícia e o crime de falsidade de testemunho ocorreu a 09-10-2019, altura em que os arguidos/recorrentes prestaram o seu depoimento, na qualidade de testemunhas, na audiência de julgamento, no âmbito do processo n.º 74/18..... Ora, para o concurso efetivo, verdadeiro ou puro de crimes, estatui o artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal, que o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente, o que nos leva a concluir pela verificação de um concurso real heterógeneo de crimes. Relembre-se que no concurso legal, aparente ou impuro a conduta do agente só formalmente preenche vários tipos de crime pois que, por via da interpretação, conclui-se que o conteúdo da conduta é exclusiva e totalmente abrangido por um só dos tipos violados, pelo que os outros devem recuar, não sendo aplicados. Aqui, não há rigorosamente concurso de crimes mas concurso ou convergência de normas jurídicas, em que a aplicação de uma exclui a aplicação das outras, tratando-se portanto de um problema de determinação da norma aplicável[31]. Porém, não é isso que ocorre no caso concreto, bastando, para tanto, atentar que aquando da elaboração do auto de notícia, no qual já se omitiram os referidos factos com relevância criminal, com vista a beneficiar terceiro [ato que configura o apontado crime de favorecimento pessoal], ainda nem sequer era sabido que os arguidos/recorrentes iriam ser chamados a depor como testemunhas e muito menos que iriam cometer o crime de falsidade de testemunho, como veio a ocorrer, já para não falar que uma coisa é omitir determinada realidade no auto de notícia e outra é prestar depoimento falso em audiência de julgamento, ainda que em ambas as situações o intuito que se pretenda alcançar seja o mesmo [o favorecimento de determinada pessoa], tanto mais quando estamos perante atos dispersos no tempo, mediados entre si por uma dilação de mais de ano e meio. Na verdade, se se defendesse que o crime de falsidade de testemunho dos autos consome o crime de favorecimento pessoal, quando a factualidade ocorre em momentos tão díspares, seria criar um incentivo à criminalidade e à impunidade, sendo certo que nada impedia que os arguidos/recorrentes tivessem arrepiado caminho da criminalidade, deixado de lado os seus intentos. Bastava-lhes que, chegados à audiência de julgamento, falassem a verdade, pese embora o que haviam vertido no auto de notícia não correspondesse à realidade. Uma última nota para dizer que os arguidos/recorrentes pugnam pelo reconhecimento de uma relação de consunção entre os referidos crimes, mas nem sequer explicam a razão desse seu entendimento, limitando-se a invocar uma posição doutrinal nesse sentido, que, como é sabido, não é suficiente para conduzir a propugnada absolvição. Assim sendo, aqui chegados e atentas as razões acabadas de expor, só nos resta concluir pela improcedência dos recursos também quanto a esta concreta questão. Da medida da pena: Pugnam os arguidos/recorrentes pela redução da medida das penas e respetivo quantitativo diário, por entenderem que as penas que lhe foram aplicadas são manifestamente desproporcionais, exageradas e desajustadas, não tendo, na sua ótica, o tribunal a quo feito uma correta apreciação das circunstâncias que deveria ser atendidas, em obediência ao disposto nos artigos 70.º, 71.º e 40.º do Código Penal. Argumentam, em suma, para o efeito, que as circunstâncias concretas que levaram a prática dos factos consubstanciam um diminuto grau de ilicitude; não têm antecedentes criminais; encontram-se totalmente inseridos na sociedade e que a sua situação económico-financeira tem de ser tomada em consideração, sendo certo que nada se tendo apurado quanto à mesma, pois que o tribunal a quo não diligenciou pela obtenção do relatório social, a sentença enferma, nesta parte, do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410.º, n.º2, al. a) do Código de Processo Penal, tanto mais que pese embora tenham prestado declarações sobre a mesma, fizeram-no na primeira sessão de julgamento ocorrida em 07 de junho de 2023 e a leitura de sentença apenas ocorreu no dia 07 de fevereiro de 2024, tendo ao longo do referido período de tempo a sua situação económica se alterado. Concluem, assim, os arguidos/recorrentes que a pena mais justa, proporcional e adequada é a pena de multa inferior aquela em que foram condenados, pugnando, consequentemente, pela sua condenação em pena adequada e proporcional às suas condições económicas, o que, na sua ótica, não sucedeu uma vez que nem foi solicitada a elaboração do relatório social, como deveria ter sido. Vejamos: Cada um dos arguidos/recorrentes foi condenado: - pela prática, na forma consumada, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 8,00 € (oito euros), o que perfaz o montante de 1.600,00 € (mil e seiscentos euros); - pela prática, na forma tentada, de um crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário, p. e p. pelos artigos 367.º, n.ºs 1 e 4, 368.º e 386.º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 8,00 € (oito euros), o que perfaz o montante de 2.400,00 € (dois mil e quatrocentos euros). E aos crimes pelos quais foram condenados correspondem as seguintes molduras penais: Ao crime de falsidade de testemunho a pena de prisão de 1 mês a 5 anos [artigos 41º, n.º 1 e 360.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal] ou multa de 10 a 600 dias [artigos 47.º, n.º 1 e 360.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal]. Ao crime de favorecimento pessoal, na forma tentada, a pena de 1 mês a 3 anos e 4 meses de prisão [artigos 41º, n.º 1, 23.º, n.º 2, 73.º, n.º 1, al. a), 367.º, n.ºs 1 e 4 e 368.º do Código Penal]. No que respeita à apreciação das penas fixadas pela 1.ª instância, cumpre atentar, seguindo o paralelismo da jurisprudência quanto à intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, no seguinte: “A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”. A censura que o tribunal de recurso pode opinar sobre a decisão respeitante à determinação da sanção, incide sobre todos os elementos fornecidos pelo tribunal que, não tendo sido considerados para a questão da culpabilidade, são relevantes para a determinação da sanção, bem como sobre todos os elementos que considerou “adquiridos” (e porque considerou adquiridos uns e outros não) e ainda sobre a forma, fundamentada, porque valorou esses factores na decisão final. É função do recurso - nos casos, o de Revista -, antes de tudo, analisar criticamente, os “parâmetros” da determinação de sanções. [32] “Os poderes cognitivos do STJ, como se sabe, abrangem no tocante a esta matéria, entre outras, a avaliação dos factores que devam considerar-se relevantes para a determinação da pena: a questão do limite ou de moldura da culpa, a actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e também o quantum da pena, ao menos quando se encontrarem violadas regras de experiência ou quando a quantificação operada se revelar de todo desproporcionada”[33]. Perante tais considerandos, forçoso será concluir que o Tribunal de 2ª Instância apenas deverá intervir alterando o quantum da pena concreta quanto ocorrer manifesta desproporcionalidade na sua fixação ou os critérios de determinação da pena concreta imponham a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso. Ou seja, mostrando-se respeitados os princípios basilares e as normas legais aplicáveis no que respeita à fixação do quantum da pena e respeitando esta o limite da culpa, não deverá o Tribunal de 2ª Instância intervir, alterando a pena fixada na decisão recorrida, pela simples razão de que, nesse caso, aquela decisão não padece de qualquer vício que cumpra reparar. Porque se refere às finalidades das penas, importa ter em conta o disposto no artigo 40.º, nº 1 do Código Penal do qual decorre que “a aplicação de penas (…) visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, decorrendo, por sua vez, do seu n.º 2 que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. Por sua vez, do artigo 71.º, n.º 1, do citado diploma legal, decorre que a determinação da pena concreta, dentro da moldura penal cominada nos respetivos preceitos legais, far-se-á “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” geral e especial, determinando o n.º2 do mesmo preceito legal que, para o efeito, se atenda a todas as circunstâncias que deponham contra ou a favor do agente, desde que não façam parte do tipo legal de crime (para que não se viole o princípio “ne bis in idem”, uma vez que tais circunstâncias já foram tomadas em consideração pela própria lei para a determinação da moldura penal abstrata), “considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”. Decorre, por fim, do n.º 3 do citado preceito legal, que “na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”. Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-09-2005[34], “na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”. A culpa traduz-se num juízo de reprovação da conduta do agente, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal. Com efeito, o facto punível não se esgota na desconformidade da conduta do agente perante o ordenamento jurídico-penal, com a ação ilícita-típica, sendo, ainda, necessário que a conduta do agente seja culposa, isto é, que o facto por si praticado possa ser pessoalmente censurado, traduzindo-se, assim, numa atitude pessoal e juridicamente desaprovada, pela qual o agente terá de responder. Por seu lado, as exigências de prevenção têm a ver com a proteção dos bens jurídicos [prevenção geral] e a reintegração do agente na sociedade [prevenção especial], as quais nos termos do disposto no artigo 40º, n.º 1 do Código Penal constituem as finalidades da aplicação das penas e das medidas de segurança, conforme já referimos supra. “A medida da pena há de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e ser definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização, não podendo ultrapassar em caso algum a medida da culpa. É o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – proteção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exata, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto ótimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (ótima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a proteção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”.[35] Em suma, o limite mínimo da pena deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral que no caso se façam sentir, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva, ao passo que o limite máximo não deve exceder a medida da culpa do agente revelada no facto, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do mesmo; e, dentro desses limites mínimo e máximo, a pena deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível, sendo, pois, as razões de prevenção especial que servem para encontrar o quantum de pena a aplicar.”[36] Assim sendo, atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração positiva das normas e valores) a função de fornecer uma moldura de prevenção cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos - dentro do que é considerado pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente. Conclui-se, portanto, que estaremos perante uma pena justa e proporcional quando esta satisfizer as exigências de prevenção geral e especial, atentando-se no caso concreto, e não exceder a medida da culpa do agente. Analisando o caso concreto, à luz dos considerandos acabados de expor, constata-se que os arguidos/recorrentes foram condenados numa pena de 200 (duzentos) dias de multa, pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, cuja moldura penal abstrata prevista para a pena de multa se situa entre 10 e 600 dias e na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 (trezentos) dias de multa, pela prática de um crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário, p. e p. pelos artigos 367.º, n.ºs 1 e 4, 368.º e 386.º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal, na forma tentada, cuja moldura penal abstrata se situa entre 1 mês a 3 anos e 4 meses de prisão. Tendo em conta as considerações supra efetuadas sobre o quadro legal e os princípios gerais que disciplinam a pena a aplicar, verifica-se que, in casu, pese embora as necessidades de prevenção especial não sejam elevadas, atendendo à ausência de antecedentes criminais e a sua inserção social, familiar e profissional dos arguidos/recorrentes, o que aliás foi tido em conta pelo tribunal a quo, já o grau de ilicitude do facto é elevado, considerando o contexto em que os factos ocorreram, sem se descurar que acabaram por não surtir o efeito pretendido; ao que acresce um grau de culpa acentuado, traduzido no grau mais elevado da mesma - dolo direto -, a par das necessidades de prevenção geral que são elevadíssimas, atenta a relevância dos bens jurídicos protegidos, demandando, por isso, forte punição. Pelos considerandos supra expendidos, não vemos, assim, qualquer fundamento para a redução das penas aplicadas aos arguidos/recorrentes, já situadas em cerca de 1/3 e ¼ da moldura penal respetiva, desconhecendo-se, aliás, que medida proporcional está na mente dos arguidos/recorrentes, pois não a indicam. Ponderadas todas as aludidas circunstâncias e vistas as molduras penais abstratas das penas aplicáveis aos crimes em apreço, entendemos que só as penas concretas aplicadas pelo tribunal de 1ª instância conseguirão satisfazer as sentidas necessidades de afirmação dos bens jurídicos violados, bem como a de procurar que os arguidos não voltem a delinquir, não existindo, portanto, qualquer razão para as reduzir, até porque as penas se encontram fixadas dentro dos parâmetros condenatórios seguidos nos nossos tribunais superiores, em situações semelhantes à dos autos. Não se vislumbra, portanto, qualquer distorção na determinação da medida da pena levada a cabo pelo tribunal recorrido que importe reparar. E quanto à taxa diária cumpre atentar no seguinte: É verdade que o tribunal a quo não solicitou a elaboração do relatório social dos arguidos/recorrentes e em regra geral, a ausência na matéria de facto provada das condições pessoais e sociais do arguido, por não elaboração do respetivo relatório social, quando este se revele indispensável para assegurar a boa decisão da causa, constitui fundamento do vício de insuficiência para a decisão daquela factualidade, conforme previsto no artigo 410º, nº2, alínea a), do Código de Processo Penal. Porém, não é isso o que ocorre nos autos, e, como tal, não existe qualquer vício decisório, designadamente o invocado, ainda que en passant, pelos arguidos/recorrentes, pois da factualidade provada consta matéria de facto atinente às condições pessoais, sociais e económicas dos arguidos/recorrentes, matéria de facto que, aliás, não foi impugnada pelos mesmos, pelo que não podem agora trazer à liça, em sustento da sua pretensão de redução da pena que lhes foi aplicada, factualidade que, então, não foi alegada e provada em julgamento. A matéria de facto provada tem-se, portanto, por definitivamente assente nos exatos termos em que o foi pela 1ª instância e é apenas esta factualidade provada a que podemos atender para decidir a questão em análise. Partindo desta realidade, vejamos então se o quantitativo diário da pena de multa fixado pelo tribunal a quo, correspondente à taxa diária de €8,00, se encontra, ou não, fixado em conformidade com a lei. Como é sabido, no nosso ordenamento jurídico a pena de multa está legalmente conformada de forma a que permita a plena realização, em cada caso concreto, das finalidades das penas, em particular da de prevenção geral positiva limitada pela culpa[37]. Assim sendo, a pena de multa tem de representar, simultaneamente, uma censura do facto e uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma penal violada, devendo o quantitativo diário da pena de multa ser graduado "...em atenção às determinantes legais, atendendo a que a finalidade da lei é eliminar ou pelo menos esbater as diferenças de sacrifício que o seu pagamento implica entre os réus possuidores de diferentes meios de a solver".[38] Olhando as circunstâncias de cada caso concreto, a pena de multa deve, portanto, ser fixada no sentido de garantir a validade e vigência da norma violada perante a comunidade. Assim, ao aplicar-se uma pena de multa, para que se mantenha a validade e vigência da norma violada e se satisfaçam as finalidades das penas, tanto de prevenção geral, como de prevenção especial, é necessário que do cumprimento desta pena resulte um efetivo sacrifício para o condenado e não um mero encargo mensal como se de qualquer despesa se tratasse, sob pena de, como refere Figueiredo Dias[39] “acontecer que a pena de multa deixe de ser uma alternativa à prisão para passar a ser uma alternativa à absolvição, ou seja, passar a configurar uma forma disfarçada de absolvição”. Nessa sequência, deve “o montante diário da multa (…) ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar” [40] Como refere Nieves Sanz Mulas[41], “A determinação do quantitativo a pagar em cada caso… é um aspeto essencial, já que da sua correta determinação depende ser a multa, ou não, uma boa alternativa às penas curtas privativas da liberdade.”. É essa, aliás, a posição que vem sendo tomada pelo nosso Supremo Tribunal de Justiça, de que é exemplo o citado acórdão datado de 02/10/1997, onde se decidiu que “como a multa é uma pena, o montante diário da mesma deve ser fixado em termos de tal sanção representar um sacrifício real para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade de impunidade”. [42] “… o único limite inultrapassável é constituído, em nome da preservação da dignidade da pessoa, pelo asseguramento ao condenado do nível existencial mínimo adequado às suas condições sócio económicas; tanto mais que o condenado tem sempre a possibilidade (em todo o caso político-criminalmente indesejável, e na verdade indesejada pela ordem jurídica) de não pagar a multa, sofrendo, todavia, nesse caso, os efeitos ou as sanções subsidiariamente cominados”[43] . Ou seja, é em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais que deve ser fixada em concreto o montante diário de modo a que a pena de multa a aplicar (…) nem seja de cumprimento impossível, nem se traduza numa quase absolvição.[44] Ora, conforme decorre do artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal “cada dia de multa corresponde a uma quantia entre (euro) 5 e (euro) 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.”. E, conforme decorre da sentença recorrida, o tribunal a quo fixou o quantitativo diário em €8,00, ou seja, apenas €3,00 acima do mínimo legal previsto no artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal, que é de €5,00 e muito aquém do seu limite máximo que é de €500,00. Relativamente à situação económica e financeira dos arguidos e seus encargos pessoais, julgou-se provado na sentença recorrida, que: Quanto ao arguido AA: “18) O arguido AA aufere cerca de 1.200,00 € mensais e reside com a namorada, em casa arrendada, pela qual pagam 250,00 € de renda mensal. Quanto ao arguido BB: 19) O arguido BB aufere cerca de 1.200,00 € mensais e reside com os pais, em casa arrendada, pela qual pagam cerca de 300,00 € de renda. E, como é sabido, tem vindo a ser entendido pela nossa jurisprudência, posição que sufragamos, que o limite mínimo está reservado para situações de pobreza extrema, o que no caso não acontece, face à situação económica dos arguidos demonstrada. Além disso, para acautelar as situações de maior dificuldade consagrou a lei a possibilidade do alargamento do prazo para o seu pagamento ou o seu pagamento em prestações [artigo 47.º, n.º 3, do Código Penal]. Assim sendo, tendo em consideração a situação económica e financeira de cada um dos arguidos/recorrentes e os seus encargos pessoais, nos termos em que resulta retratado na sentença recorrida, que a despesa fixa mensal que lhes é conhecida reporta-se à renda da casa e que auferem um vencimento mensal superior ao salário mínimo nacional, mais do que suficiente para suportar sem dificuldades as despesas pessoais a seu cargo, entendemos que também o quantitativo diário fixado pelo tribunal a quo não padece de qualquer exagero. Improcedem, portanto, também, quanto a esta questão os presentes recursos. III- DISPOSITIVO Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da Secção Penal deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto por cada um dos arguidos AA e BB e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida. Custas pelos arguidos/recorrentes, fixando-se a taxa de justiça individualmente devida em 4 UCS [artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III]. Notifique. Guimarães, 11 de julho de 2024 [Elaborado e revisto pela relatora - artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal] Os Juízes Desembargadores Isilda Maria Correia de Pinho [Relatora] Paulo Correia Serafim [1.º Adjunto] Carlos da Cunha Coutinho [2.º Adjunto] [1] Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt. [2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 7/95, de 28 de dezembro, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95. [3] Cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 19-12-2019, Processo nº 10/18.1GBFTR.E1, acessível em www.dgsi.pt. [4] Cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30-06-1999, Processo nº 99P285, acessível em www.dgsi.pt. [5] In Comentário do Código de Processo Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pág. 314. [6] In BMJ, n.º 460, página 259 e TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 1052/1996. [7] Cfr. Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pág. 279; Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed. Pág. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed., págs. 77 e ss.. [8] Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., pág. 74. [9] Acórdão do TRC de 24-04-2018, P. n.º 1086/17.4T9FIG.C1, in www.dgsi.pt [10] Acórdão do STJ, de 98-07-09, Proc. 1509/97, citado por Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 77. [11] A propósito deste vício, veja-se, entre outros, os Acórdãos do TRP de 15.11.2018, do TRC de 24-04-2018 e do STJ de 18.05.2011, todos acessíveis in www.dgsi.pt. [12] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31.05.2007, disponível para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt. [13] In Forum Iustitiae, Ano I, Maio de 1999. [14] In “O caso Julgado Parcial”, 2002, pág. 37. [15] Cfr, neste sentido, Acórdão do STJ de 15-12-2005, Proc. nº 05P2951 e Ac. do STJ de 9-03-2006, Proc. nº 06P461, acessíveis em www.dgsi.pt [16] Conforme acórdão do S.T.J, n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 77, de 18 de abril de 2012. [17] Acórdão do TRL, desta 5.ª Secção, datado de 16-11-2021, Processo n.º 1229/17.8PAALM.L1-5, in www.dgsi.pt [18] Cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ, de 04-10-2006, Processo n.º 812/06-3.ª; de 08-03-2006, Processo n.º 185/06-3.ª; 04-01-2007, Processo n.º 4093-3.ª e de 10-01-2007, Processo n.º 3518/06-3.ª. [19] Neste sentido, entre outros, veja-se o Acórdão do STJ, de 07-10-2004, Proc. nº 3286/04, 5ª Secção; Além do acórdão já citado do TRL, ainda o Acórdão do TRL, datado de 05-04-2019, Processo n.º 349/17.3JDLSB.L1-9, ambos in www.dgsi.pt e Acórdãos do Tribunal Constitucional, nºs 259/2002, de 18-06-2002 e 140/2004, de 10-03-2004, ambos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos. [20] Acessível in www.dgsi.pt [21] Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, 1º volume, Coimbra, ed. 1974, pág. 203 a 205. [22] Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16-09.2015, in www.dgsi.pt. [23] Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02.11.2021, Processo nº 477/20.8PDAMD.L1-5, disponível em www.dgsi.pt. [24] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-02-2008, Processo nº 07P4729, acessível em www.dgsi.pt. [25] Neste sentido, Simas Santos e Leal Henriques, Noções de Processo Penal, Rei dos Livros, págs. 50 e 51. [26] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10/12/2014, in www dgsi.pt. [27] Datado de 10-01-2008, Proc. n.º 07P4198, in www.dgsi.pt [28] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 22-01-2020, Processo n.º 97/16.1T9CNT.C2, in www.dgsi.pt [29] Cfr. A.Medina de Seiça, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, p. 577 e ss. [30] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 22-09-2010, Processo n.º 196/08.3GBPRG.P1, in www.dgsi.pt. [31] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 05-07-2006, Processo n.º 0545127, in www.dgsi.pt [32] Cfr. Acórdãos do STJ de 09-05-2002, in CJ do STJ, 2002, Tomo II, pág. 193 e de 27-05-2009, Processo n.º 09P0484, acessível em www.dgsi.pt [33] Cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime”, pág. 197 [34] In CJ do STJ, ano 2005, Tomo III, pág. 173. [35] De acordo com os ensinamentos de Anabela Miranda Rodrigues, in “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, abril/junho de 2002, págs. 147 e ss. [36] Cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 227 e ss. [37] Cfr. Figueiredo Dias, obra citada, pág. 119. [38] Maia Gonçalves, in “Código Penal Português Anotado”, 15.ª ed., fls. 190. [39] Obra citada, pág. 156. [40] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-10-97, in C.J. dos Acs. do STJ, 1997, Tomo III, pág. 183. [41] In “Alternativas A La Pena Privativa de Libertad”, Madrid, Editorial Colex-2000, pág. 339. [42]Neste sentido ainda, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 03-11-2015, Processo n.º 104/13.0TAFAR.E1, in www.dgsi.pt. [43] Cfr. Figueiredo Dias, obra citada pág. 119-120. [44] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 08-03-2017, Processo n.º 415/09.9GASPS.C1, in www.dgsi.pt. |