Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
87/20.0T9VRM.G1
Relator: PAULO SERAFIM
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
CONDIÇÕES DA SUSPENSÃO DA PENA
PRINCÍPIOS DA ADEQUAÇÃO E DA PROPORCIONALIDADE
CONDIÇÃO DE NÃO FREQUENTAR E HABITAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/06/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – A imposição de regras de conduta surge como coadjuvante na satisfação das finalidades subjacentes à suspensão da execução da pena, devendo essas regras demonstrar adequação e proporcionalidade para o efeito.
II – No caso vertente, em contexto de suspensão da execução da pena por prática de crimes de ameaça agravada, não estando comprovada a reiteração de adoção desse tipo de condutas por banda do arguido noutras ocasiões que não as comprovadas nos autos, circunscritas a um único dia, apesar do amplo período temporal de residência próxima (vizinhança) entre condenado e as concretas vítimas, não se apresentando o modo e grau de ataque ao bem jurídico protegido particularmente intenso, habitando o arguido na casa do pai situada no bairro social em causa, encontrando-se aquele desempregado e sem possuir rendimentos próprios, revelam-se desproporcionais e desadequadas as cominadas obrigações de o condenado não frequentar aquele bairro social e de nele não habitar.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO:
           
I.1 No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 87/20...., do Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo de Competência Genérica ..., por sentença proferida e depositada no dia 07.04.2022 (referências ...65 e ...56, respetivamente), foi decidido:

“6.1.- condenar o arguido AA pela prática de três crimes de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.ºs 1, do Código Penal, ex vi artigo 155.º, n.º 1, al. a), do C.P., na pena de seis meses de prisão para cada um deles.
6.2.- Condenar o arguido AA na pena única de um ano e um mês de prisão pela prática de três crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal.
6.3.- Suspender a pena de um ano e um mês de prisão pelo mesmo período de tempo com a obrigação do arguido:
6.3.1.- não frequentar o bairro social existente na Avenida ..., ..., denominado como “...”.
6.3.2. - não frequentar qualquer local ou estabelecimento comercial situado no bairro social existente na Avenida ..., ..., denominado como “...”.
6.3.3.- não habitar, mesmo que precariamente, em qualquer apartamento existente no bairro social existente na Avenida ..., ....
6.4. – Condenar o arguido AA pela prática de três crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, nº1, do C.P., na pena de cem dias de multa, à taxa diária de cinco euros para cada um deles.
6.5.- Condenar o arguido AA na pena única de duzentos e trinta dias de multa, à taxa diária de cinco euros, pela prática de três crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º1, do C.P.
6.6.- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante BB contra o demandado AA e, em consequência, condenar o demandado a pagar à demandante a quantia de quatrocentos euros, acrescida de juros de mora desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.
6.7.- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante CC contra o demandado AA e, em consequência, condenar o demandado a pagar à demandante a quantia de setecentos euros, acrescida de juros de mora desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.
6.8.- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante DD contra o demandado AA e, em consequência, condenar o demandado a pagar à demandante a quantia de setecentos euros, acrescida de juros de mora desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.
6.9.- Custas crime pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs, e custas dos respetivos pedidos de indemnização civil a cargo das respetivas demandantes e demandado, na proporção do decaimento.”

I.2 Inconformado parcialmente com tal decisão condenatória, veio o arguido AA interpor o presente recurso, que, após dedução da motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório (referência ...66):

1 - Foi o Arguido condenado a uma pena de multa, quanto aos crimes de injúria praticados e uma pena de prisão, suspensa na sua execução, pelos crimes de ameaça agravada.
2 - Todavia, o Tribunal a quo considerou oportuno e necessário condicionar a suspensão da pena a determinadas proibições/imposições, que o Arguido teria que cumprir, a saber,
a. 6.3.1.- não frequentar o bairro social existente na Avenida ..., ..., denominado como “...”.
b. 6.3.2. - não frequentar qualquer local ou estabelecimento comercial situado no bairro social existente na Avenida ..., ..., denominado como “...”.
c. 6.3.3.- não habitar, mesmo que precariamente, em qualquer apartamento existente no bairro social existente na Avenida ..., ....
3 - O Tribunal a quo na douta proferida, violou o disposto nos artigos 374º (requisitos da sentença, por falta de fundamentação desta), 379º/1/a) do Código de Processo Penal, ao não ter apresentado qualquer justificação ou raciocínio explicativo para a aplicação das referidas imposições/proibições.
4 - Consideramos que a conjugação dos artigos 374º e 379º/1/a) do CPP, obrigam o julgador a fundamentar e explicar, através de um raciocínio lógico e perceptível, passível de sindicância, as razões que o levaram à aplicação de uma pena de prisão, que considera dever suspender na sua execução, mediante o cumprimento de determinadas proibições.
5 - A escolha destas proibições, que se afiguram como verdadeiros requisitos de suspensão da pena, devem ser explicados, sendo possível ao leitor perceber a razão pela qual o Tribunal optou por aquelas e não outras ou ainda, percepcionar que as mesmas não são arbitrárias, mas antes justas, adequadas e equitativas.
6 - Ora, o Tribunal a quo após fazer a ponderação pela aplicação da pena de prisão e de suspender a sua execução, não explica, nem pouco, nem muito, as razões que considera imperiosas para a aplicação daquelas imposições (continuar a habitar e visitar o local onde o Arguido presentemente reside).
7 - Parece-nos que o Tribunal considerou tal fundamentação/raciocínio explicativo como desnecessário ou não obrigatório.
8 - O Tribunal a quo violou o disposto nos referidos normativos, interpretando-os de uma forma que não nos parece de acordo com a letra da lei, o que, salvo melhor entendimento, resulta numa nulidade insanável da sentença produzida pelo Tribunal a quo, na medida em que a falta de fundamentação quanto à aplicação das condições de suspensão da pena de prisão é total.
9 - O Tribunal a quo deveria ter fundamentado a escolha das referidas imposições/regras de conduta, para que as razões dessa escolha e não outra fosse perceptível e sindicável.
10 - Não o fazendo, deu causa a nulidade insanável da sentença produzida, na medida em que a falta de fundamentação quanto à aplicação das condições de suspensão da pena de prisão é total.
A acrescer e caso se assim não entenda, o que apenas se conjectura a título de cautela de patrocínio,
11 - O Tribunal interpretou o artigo 52º/2/b) e c), 40º e 71º do Código Penal, no sentido de que as proibições em causa eram adequadas e proporcionais ao caso concreto, perante a factualidade dada como provada.
12 - No nosso entendimento, decidiu mal.
13 - Da conjugação dos factos dados como provados e não provados, resulta claro que estamos perante apenas um caso isolado, em que o Arguido, nos dias 21 e 22 de Junho de 2020, injuriou e ameaçou as Ofendidas.
14 - Resultando como não provado que esse comportamento se tenha repetido, posteriormente, no tempo.
15 - Assim, tais imposições parecem-nos desadequadas e desproporcionais,
16 - Parecendo-nos mais punitivas e retributivas do que na procura de reintegrar o agente na sociedade ou ainda de proteger os bens jurídicos em causa (paz, bom nome e integridade das Ofendidas), visto não ter sido provada a sua reiteração nem continuidade dos comportamentos.
17 - Para se obviar a uma perigosidade nem sequer demonstrada ou para se reintegrar o agente, proíbe-se este de habitar na sua morada habitual, sem que este tenha mais para onde ir, nem sequer tendo condições económicas para poder arrendar ou comprar um qualquer espaço onde possa viver, mais se proíbe o Arguido de visitar o seu filho, onde este habita ou a sua namorada, o que nos parece desajustado e desproporcional, violando-se, além do mais, o disposto nos artigos 52º/2/b) e c), 40º e 71º do Código Penal.
18 - Devendo a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser alterada, sendo removidas as condições da suspensão da execução da pena de prisão.
Nestes termos e nos mais de Direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão:
- Deverá ser reconhecida a nulidade insanável da sentença produzida pelo Tribunal a quo, em virtude de se verificar uma total falta de fundamentação quanto à aplicação das condições de suspensão da pena de prisão (regras de conduta impostas nos pontos 6.3.1., 6.3.2., 6.3.3. da douta sentença).
Sem prescindir e caso se assim não entenda, o que apenas a título de cautela de patrocínio se conjectura,
- Deverá ser a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser alterada, sendo removidas as condições de suspensão da pena de prisão (imposição de regras de conduta), a saber,
6.3.1.- não frequentar o bairro social existente na Avenida ..., ..., denominado como “...”.
6.3.2. - não frequentar qualquer local ou estabelecimento comercial situado no bairro social existente na Avenida ..., ..., denominado como “...”..
6.3.3.- não habitar, mesmo que precariamente, em qualquer apartamento existente no bairro social existente na Avenida ..., ....
Porquanto as mesmas se revelam desajustadas e desproporcionais, violando-se, além do mais, o disposto nos artigos 52º/2/b) e c), 40º e 71º do Código Penal.
Vossas Excelências farão JUSTIÇA.

Na primeira instância, a Digna Magistrada do Ministério Púbico, notificada do despacho de admissão do recurso apresentado pelo arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou resposta em que sustentou a manutenção da sentença recorrida (referência ...99).

Igualmente responderam ao recurso as Assistentes EE e CC, defendendo a manutenção da decisão recorrida (referência ...96).
Formularam as seguintes conclusões:

“1. A sentença não violou os artigos 374º e 379º n.º 1 alínea a) do Código Processo Penal, pois que se encontra claramente justificada e fundamentada a subordinação da suspensão da pena de prisão ao recorrente mediante o cumprimento da obrigação do arguido/recorrente.
2. Efetivamente, resulta clara e abundantemente da Douta Sentença quer dos factos dados como provados, quer na motivação do tribunal bem como na escolha da natureza e medida da pena os motivos e fundamentos criteriosamente avaliados com base num raciocínio lógico e coerente que justificam a aplicação das mencionadas obrigações impostas ao recorrente como condição da suspensão da pena aplicada em crise.
3. Tal equivale por dizer que a Douta Sentença em crise teceu um juízo criterioso na sua fundamentação, que igualmente se encontram refletidos na motivação do Tribunal e determinação da natureza e medida concreta da pena.
4. Com efeito, o Tribunal “a quo” atendeu a todo um conjunto de circunstâncias internas e externas relacionadas com os factos, nomeadamente a confissão do arguido/recorrido não somente no que tange á prática dos factos como particularmente o mesmo te admitido que padece de um certo estado de nervosismo e exaltação sempre que se confronta com as recorridas CC e BB que residem no mesmo prédio e cujo confronto assume carácter de assiduidade, sem descorar as informações constantes registo criminal do recorrente onde se encontram refletidas anteriores condenações pela prática de iguais crimes.
5. A Douta Sentença em crise mostra-se devidamente justificada no tange à escolha das obrigações impostas ao recorrente que determinam e condicionam a suspensão da pena de prisão a que fora condenado e que no seu todo afastam o recorrente daquela que constituiu a residência das assistentes/recorridas por forma a garantir as necessidades de prevenção geral e especial da pena aplicada ao recorrente.
6. Fundamentação que o Tribunal “a quo” alicerça como se alcança dos factos dados como provados, motivação do Tribunal e na escolha da natureza e medida da pena aplicada e que de forma pormenorizada e com base num raciocínio claro e facilmente percetível firma a sua convicção nas próprias declarações prestadas pelo arguido/recorrente o qual confessa ter dito “à DD, à CC e à EE que eram umas “putas”, “vacas”, “bando de ovelhas” e “escumalha”; quando disseram que iam apresentar queixa, chamei-lhes “ovelhas” porque elas todas juntas à porta de casa; não lhes disse que as matava com uma catana porque não tenho catana mas é provável, dado o meu estado de exaltação, que lhes tenha dito que as matava; com os nervos disse-lhes que as matava; chamei às três assistentes “putas, “vacas”, “escumalha” e “bando de ovelhas”; elas estão sempre as três juntas e a “pegar comigo”; disse à CC que “se tens amor à tua filha … ; arrependo-me de dizer isto sobre a filha da CC; quando disse isto à CC quis amedrontá-la, mas arrependo-me disso; às vezes enervo-me e digo estas coisas;”
7. De acordo com o Tribunal “a quo” “Estas declarações do arguido foram determinantes para o tribunal ajuizar não só da ocorrência dos factos essenciais que sustentam as acusações que lhe foram dirigidas, mas fundamentalmente para o tribunal ficar ciente de que o arguido, sempre que se sente “confrontado” por estas três vizinhas, apoda-as de putas e vacas e ameaça-as de morte.
Aliás, este tipo comportamento do arguido é usual, como sobressai das declarações das assistentes e indicia o relatório social junto aos autos.”
8. Verdadeiramente demonstrativas não somente do percurso criminoso do recorrente como da impermeabilidade dos efeitos das anteriores condenações, reveladoras de que o recorrente manifesta sérias dificuldades em interiorizar a ilicitude das condutas e revela forte tendência para manter comportamentos agressivos com os seus vizinhos que habitam no mesmo bairro onde se situa a habitação social do seu pai.
9. Ora, a Douta Sentença atendeu claramente ao conjunto de circunstâncias, gravidade das consequências, reiteração da prática dos factos por parte do recorrido, anteriores condenações, informações extraídas do relatório social junto aos autos e a própria confissão do mesmo que indubitavelmente clarificam e firmam a tendência do recorrente em ameaçar e injuriar as recorridas sempre que é confrontado com a presença das mesmas que habitam no mesmo edifício.
10. Por tal facto, o Tribunal “a quo” considerou, e bem, mostrando-se devidamente justificada a subordinação da suspensão da pena de prisão às obrigações que no seu todo afastam o recorrente daquela que constituiu a residência das assistentes/recorridas por forma a garantir as necessidades de prevenção geral e especial da pena aplicada ao recorrente.
11. De outra forma mantendo-se o recorrente na habitação social concedida a seu pai, sita no mesmo prédio das recorrentes, CC e BB, equivaleria a reiteração da prática criminal do recorrente para com as mesmas. O que se extrai das próprias declarações do arguido/recorrente que afirma padecer de um estado de nervosismo e exaltação constante que o impulsiona a injuriar e ameaçar as recorridas sempre que com as mesmas se cruza.
12. Ora, a suspensão da execução da pena de prisão, de acordo com o teor do artigo 50º n.º 2 e 3 do Código Penal, pode ser simples ou com imposição de deveres.
13. Sendo certo que, quanto a esta última modalidade, afirma o artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal que «a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime.
14. O dever enunciado tem, em primeira linha, uma finalidade reparadora, reparar o mal do crime, mas, por via dela, fortalece a finalidade da pena enquanto visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
15. Com efeito, limitando-se a suspensão da execução da pena de prisão ao pronunciamento da culpa e da pena, deve encontrar-se, por razões de justiça e equidade, outra maneira de fazer sentir à comunidade e ao condenado, os efeitos da condenação.
16. A subordinação da suspensão da pena de prisão às obrigações do recorrente a
“ - não frequentar o bairro social existente na Avenida ..., ..., denominado como “...”.
- não frequentar qualquer local ou estabelecimento comercial situado no bairro social existente na Avenida ..., ..., denominado como “...”.
- não habitar, mesmo que precariamente, em qualquer apartamento existente no bairro social existente na Avenida ..., ....”, representam um justo e equitativo esforço que o arguido/recorrente, no sentido de reparar as consequências danosas da sua conduta, funcionado como reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição, e também como elemento pacificador, neutralizando o efeito negativo do crime e apresentando-se, assim, como meio idóneo para dar satisfação às finalidades da punição, respondendo, nomeadamente, à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contra fáctica das expectativas da comunidade.
Por tudo o exposto,
Limitar-se-á o recorrido a pugnar pela manutenção do julgado “qua tale”, louvando-se no acerto da sua prolação, tendo para si que logrou correta a apreciação dos factos e adequada a aplicação do direito pertinente. A subsunção dos factos ao Direito, que a Douta Sentença aplicou não merece qualquer censura, pelo que deve manter-se na íntegra a Sentença proferida.”

I.3 Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer (referência ...07) em que conclui: «contrariamente ao asseverado pelo arguido recorrente, nenhuma nulidade de procedimento se verifica e que deva ser considerada como nulidade insanável tendo em vista o princípio da legalidade previsto no art.º 118, n.º1 do CPPenal; contudo, deve ser julgado procedente o presente recurso porquanto as regras de conduta fixadas ao arguido recorrente, a coberto do disposto no art.º 52 do CPenal, como condição da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, em concreto as de não frequentar, as de não habitar precisamente no local onde aquele habitualmente vive e reside, pecam por excesso e por desproporcionalidade, pois que nem o bem jurídico reclama tais limitações à liberdade do condenado, nem o referido instituto jurídico da suspensão o justifica já que elas sobrepõem à pena de prisão suspensa na sua execução uma pena de desterro, em manifesta oposição à confiança e esperança depositadas no arguido em se pautar por comportamentos conformes com o direito, tendo em vista o juízo de prognose favorável estabelecido e a reinserção social daquele.»
Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP, não foi deduzida resposta ao sobredito parecer.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
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II – ÂMBITO OBJETIVO DO RECURSO (QUESTÕES A DECIDIR):

É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (ulteriormente designado, abreviadamente, C.P.P.)[1].
            Assim sendo, no caso vertente, as questões que importa decidir são as seguintes:
A) Da alegada nulidade insanável da sentença por falta de fundamentação da aplicação das regras de conduta – arts. 379º, nº1, al. a), por referência ao art. 374º, nº2, ambos do CPP.
B) Subsidiariamente, da pugnada exclusão das regras de conduta impostas por serem desadequadas e desproporcionais.
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III – APRECIAÇÃO: 

III.1 – Dada a sua relevância para o enquadramento e decisão das questões suscitadas pelo ajuizado recurso, importa verter aqui a factualidade que o Tribunal a quo deu como provada e não provada.

Assim, o Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição): 
1.- Na noite de 21 para 22 de junho de 2020, cerca das 00:20 horas, na Avenida ..., em ..., o arguido AA dirigiu-se às suas vizinhas DD e CC e, por motivo não apurado, em tom sério e intimidatório, apodou-as de “putas”, “vacas” e “escumalha”.
2.- … disse-lhes ainda, no mesmo tom sério e intimidatório, “vou-vos matar”.
3.- No dia 22 de junho de 2020, em hora não concretamente apurada da parte da tarde, na Avenida ..., em ..., o arguido AA avistou as suas vizinhas DD, CC e EE e, por motivo não apurado, em tom sério e intimidatório, disse-lhes “lá estão as putas”, “filhas da puta”, “monte de esterco” e “bando de ovelhas”.
4.- E, dirigindo-se à ofendida CC, no mesmo tom sério e intimidatório, disse-lhe “vê lá se tens amor à tua filha” - à data com seis meses de idade - e “se a piça do FF não te chegar, empresto-te a minha”.
5.- O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente quando apodou as ofendidas com as expressões supra mencionadas, bem sabendo que as mesmas eram suscetíveis de as ofender na sua pessoa, reputação e dignidade, como logrou.
6.- O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente quando disse às ofendidas que lhes tiraria a vida e a vida à filha da assistente CC, bem sabendo que tais expressões, bem como o tom e os termos em que foram proferidas, eram suscetíveis de lhes causar medo e inquietação por temerem que, no futuro, o arguido executasse as suas ameaças.
7.- O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
8.- Por sentença proferida no âmbito do processo crime n.º 189/17...., transitada em julgado no dia 05-04-2019, o arguido foi condenado pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de cinco euros, substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade.
9.- Por sentença proferida no âmbito do processo crime n.º 52/18...., transitada em julgado no dia 30-09-2019, o arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelos artigos 152.º n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de dois anos de prisão suspensa por três anos.
10.- Por sentença proferida no âmbito do processo crime n.º 261/19...., transitada em julgado no dia 11-01-2022, o arguido foi condenado pela prática de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.ºs 1, do Código Penal, ex vi artigo 155.º, n.º 1, al. a), do C.P., na pena de duzentos dias de multa, à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), para cada um deles; pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do C.P., na pena de cem dias de multa, à taxa de cinco euros e, em cúmulo jurídico de penas pela prática dos dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.ºs 1, do Código Penal, ex vi artigo 155.º, n.º 1, al. a), do C.P., e de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do C.P., na pena de cem dias de multa, à taxa de cinco euros, na pena única de quatrocentos dias de multa à taxa diária de cinco euros.
11.- A pena identificada em 10 foi substituída por trabalho a favor da comunidade.
12.- O arguido AA cresceu integrado num grupo sociofamiliar problemático, pautado por fragilidades económicas e funcionais tendo sido exposto a situações de violência em contexto doméstico no período infanto-juvenil.
13.- O arguido regista um desempenho escolar pautado pelo insucesso, indisciplina e uma trajetória profissional instável e indiferenciada.
14. – O historial relacional familiar, afetivo e social tem-se deteriorando cada vez mais no passado recente, atenta a dinâmica relacional disfuncional com a namorada, a interação conflituosa com a comunidade vicinal, ao que acresce, o seu temperamento reativo/impulsivo, com a manutenção dos hábitos aditivos, a ausência de hábitos de trabalho e de rendimentos próprios, bem como os consequentes contactos com o sistema judicial cuja condenação em medida probatória não tem sido suficientemente dissuasora de novos contactos com o sistema judicial, conforme relatório social junto a fls. 260 e ss., cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
15.- O arguido está desempregado, tem um filho menor de idade e vive numa habitação social atribuída ao seu pai.
16.- Na sequência da conduta do demandado, a demandante CC sentiu e sente temor pela sua vida e pela vida da sua filha menor, e sentiu-se humilhada, triste e envergonhada.
17.- Na sequência da conduta do demandado, a demandante DD sentiu e sente temor pela sua vida e sentiu-se humilhada, triste e envergonhada.
18.- Na sequência da conduta do demandado, a demandante BB sentiu-se humilhada, triste e envergonhada.”

O Tribunal recorrido considerou como não provados os seguintes factos (transcrição):
- O arguido AA disse ainda, dirigindo-se a EE e em tom sério e intimidatório, “escusa de estar aí a puta da BB a ouvir que eu vou aí fora e prego-lhe uma chapada”.
- No dia 24 de junho de 2020, em hora não concretamente apurada, em ..., o arguido AA disse a GG, uma vizinha, em tom sério e intimidatório, “quando a CC menos esperar, vai aparecer esticada”, referindo-se à ofendida CC, afirmação de que chegou ao conhecimento da ofendida.
- No dia 28.07.2020, o arguido AA, tendo sido confrontado por HH com o facto de ter de ir a tribunal responder pelas injúrias que andava a proferir, este respondeu, em tom sério e enervado, “disse e volto a dizer: sois todas umas putas e umas vacas”.
- Desde o dia .../.../2023 e, pelo menos, até ao dia ..., sempre que o arguido AA se cruzava com as ofendidas, numa periodicidade não concretamente apurada, apodava-a com as expressões supra descritas, sempre num tom sério e intimidatório.”
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III.2 – Quanto à análise das sobreditas questões concretas suscitadas pelo arguido neste recurso:

III.2.1 – Da alegada nulidade insanável da sentença por falta de fundamentação no que concerne à aplicação das regras de conduta:

Neste conspecto, alega o arguido/recorrente, sumariamente, que [conclusões 1ª a 10ª]:
- Foi o Arguido condenado a uma pena de multa, quanto aos crimes de injúria praticados e uma pena de prisão, suspensa na sua execução, pelos crimes de ameaça agravada.
- Todavia, o Tribunal a quo considerou oportuno e necessário condicionar a suspensão da pena a determinadas proibições/imposições, que o Arguido teria que cumprir, a saber,
a. 6.3.1.- não frequentar o bairro social existente na Avenida ..., ..., denominado como “...”.
b. 6.3.2. - não frequentar qualquer local ou estabelecimento comercial situado no bairro social existente na Avenida ..., ..., denominado como “...”.
c. 6.3.3.- não habitar, mesmo que precariamente, em qualquer apartamento existente no bairro social existente na Avenida ..., ....
- O Tribunal a quo na douta proferida, violou o disposto nos artigos 374º (requisitos da sentença, por falta de fundamentação desta), 379º/1/a) do Código de Processo Penal, ao não ter apresentado qualquer justificação ou raciocínio explicativo para a aplicação das referidas imposições/proibições.
- O Tribunal a quo após fazer a ponderação pela aplicação da pena de prisão e de suspender a sua execução, não explica, nem pouco, nem muito, as razões que considera imperiosas para a aplicação daquelas imposições (continuar a habitar e visitar o local onde o Arguido presentemente reside).
- O Tribunal a quo deveria ter fundamentado a escolha das referidas imposições/regras de conduta, para que as razões dessa escolha e não outra fosse percetível e sindicável. Não o fazendo, deu causa a nulidade insanável da sentença produzida, na medida em que a falta de fundamentação quanto à aplicação das condições de suspensão da pena de prisão é total.
Apreciando.
No que concerne aos requisitos da sentença, preceitua o art. 374º, nº2, do CPP, que “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Por seu turno, prescreve o art. 379º, nº1, al. a), do CPP [na parte que ora releva]:
“1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no nº2 e na alínea b) do nº3 do artigo 374º […]”.
A Lei ordinária portuguesa, como corolário do disposto no art. 205º, nº1, do Texto Fundamental (Constituição da República Portuguesa), consagra expressamente o dever de fundamentação das decisões finais, sentenças e acórdãos – art. 374º, nº2 do CPP –, bem como aponta a fundamentação como requisito essencial na apreciação da prova produzida em audiência – art. 365º, nº2 -, e na escolha e determinação da sanção a aplicar ao arguido – art. 375º, nº1.
O Supremo Tribunal de Justiça, em diversas decisões, tem consubstanciado o dever de fundamentação da sentença do seguinte modo: para além da indicação dos factos provados e não provados e da indicação dos meios de prova, a sentença deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência[2].
É inquestionável que a operação da escolha do tipo de pena, incluindo a determinação judicial de cumprimento de regras de conduta a que fica subordinada a suspensão da execução da pena de prisão concretamente cominada, encontra-se abrangida pelo dever de fundamentação da decisão. Isso mesmo decorre explicitamente do disposto no art. 50º, nº4, do Código Penal: “A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.”     
A motivação não tem de ser extensa, exaustiva e pormenorizada. Basta que seja razoável, aceitável, do ponto de vista do normal e da suficiência, o que sucederá sempre que do seu conteúdo se consiga extrair as razões subjacentes à decisão tomada pelo julgador.
Quanto ao caso vertente:
Afigura-se-nos que, contrariamente ao defendido pelo arguido/recorrente, o Tribunal a quo fundamentou na sentença recorrida a decisão de subordinar a suspensão da execução da pena única de 1 ano e 1 mês de prisão aplicada ao arguido pela prática de três crimes de ameaça agravada, por igual período de tempo, com a obrigação de ele cumprir as regras de conduta em questão, ali elencadas nos pontos 6.3.1, 6.3.2 e 6.3.3 do dispositivo.
A tal propósito, expendeu o Meritíssimo Juiz na decisão recorrida:
«4.4.- Nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Ante esta disposição legal são dois os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão:
- pressuposto formal: que o arguido tenha sido condenado em pena de prisão não superior a cinco anos.
- pressuposto material: que a suspensão seja compatível com as finalidades da punição, designadamente, a reiteração da validade da norma violada.
Este último pressuposto assenta, pois, num juízo de prognose segundo o qual o tribunal, atendendo à personalidade do arguido e às circunstâncias do caso concreto, conclui que a simples censura do facto e a ameaça de prisão bastarão para afastar o(s) delinquente(s) da criminalidade, salvaguardando as exigências mínimas de prevenção geral.
Ora, no caso dos autos, apesar das manifestas dificuldades do arguido em interiorizar a ilicitude das condutas, como sobressai do relatório social, e tendência para manter comportamentos agressivos com os seus vizinhos que habitam no mesmo bairro onde se situa a habitação social do seu pai, conclui-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades subjacentes à aplicação das penas: proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. [negrito nosso]
Assim, pelo exposto, entendemos que a pena de prisão em que o arguido foi condenado deverá ser suspensa na sua execução, pelo mesmo período, com as seguintes obrigações:
- não frequentar o bairro social existente na Avenida ..., ..., denominado como “...”.
- não frequentar qualquer local ou estabelecimento comercial situado no bairro social existente na Avenida ..., ..., denominado como “...”.
- não habitar, mesmo que precariamente, em qualquer apartamento existente no bairro social existente na Avenida ..., ....»
Ou seja, não obstante ser assaz sucinta, a motivação do Tribunal a quo para a aplicação das sobreditas regras de conduta apresenta-se, ainda assim, como suficiente para que se apreendam as razões para tal decisão, as quais assentaram na incapacidade que vem sendo demonstrada pelo arguido para interiorizar a censurabilidade das suas condutas e controlar os seus ímpetos agressivos, particularmente para com elementos da sua rede vicinal, onde se incluem as ofendidas, que habitam no mesmo bairro social onde reside o arguido, circunstancialismo que inculca o risco de cometimento de novos factos ilícitos da mesma ou semelhante natureza.       
Que o recorrente discorde do juízo decisório emitido, nesse conspecto, pelo tribunal recorrido (como é legítimo) é questão diversa, que extravasa o âmbito da apontada nulidade de omissão de fundamentação, entroncando já na concomitantemente alegada desadequação e desproporcionalidade das regras de conduta estabelecidas pelo julgador, tema que infra abordaremos.
Inexiste, destarte, a invocada nulidade (insanável[3]) da sentença recorrida por falta fundamentação.

     
III.2.2Da alegada desadequação e desproporcionalidade das regras de conduta impostas na sentença recorrida:

Neste segmento recursório, alega o arguido/recorrente, em súmula, que [conclusões 11 a 18]:

- Da conjugação dos factos dados como provados e não provados, resulta claro que estamos perante apenas um caso isolado, em que o Arguido, nos dias 21 e 22 de junho de 2020, injuriou e ameaçou as Ofendidas. Resultando como não provado que esse comportamento se tenha repetido, posteriormente, no tempo.
- Assim, as imposições são desadequadas e desproporcionais, parecendo mais punitivas e retributivas do que na procura de reintegrar o agente na sociedade ou ainda de proteger os bens jurídicos em causa (paz, bom nome e integridade das Ofendidas), visto não ter sido provada a sua reiteração nem continuidade dos comportamentos.
- Para se obviar a uma perigosidade nem sequer demonstrada ou para se reintegrar o agente, proíbe-se este de habitar na sua morada habitual, sem que este tenha mais para onde ir, nem sequer tendo condições económicas para poder arrendar ou comprar um qualquer espaço onde possa viver, mais se proíbe o Arguido de visitar o seu filho, onde este habita ou a sua namorada, o que nos parece desajustado e desproporcional, violando-se, além do mais, o disposto nos artigos 52º/2/b) e c), 40º e 71º do Código Penal.
- Deve a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser alterada, sendo removidas as condições da suspensão da execução da pena de prisão.

Analisando.

Estatui o artigo 50º, nºs 2 e 3 do Código Penal:

“2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.”

Por seu turno, prescreve o artigo 52º do Código Penal, na parte que ora releva:
“1 – O Tribunal pode impor ao condenado o cumprimento, pelo tempo de duração da suspensão, de regras de conduta de conteúdo positivo, suscetíveis de fiscalização e destinadas a promover a sua reintegração na sociedade, nomeadamente:
[…]
2 – O Tribunal pode, complementarmente, impor ao condenado o cumprimento de outras regras de conduta, designadamente:
[…]
b) Não frequentar certos meios ou lugares;
c) Não residir em certos lugares ou regiões;”
Como é consabido, a suspensão da execução da pena assenta na formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido, ou seja, na formulação de um juízo de que ele não praticará novos crimes. A aplicação desta pena de substituição implica a ponderação da personalidade do agente, as condições de vida de que dispõe, a sua conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias do mesmo, e pressupõe que tal aplicação sustente e viabilize os desígnios de prevenção especial - apoiando e promovendo a reinserção social do condenado - e geral - na perspectiva em que, defendendo o ordenamento jurídico, a comunidade não encare a suspensão como um sinal de impunidade.
Nessa decorrência a imposição de regras de conduta surge como coadjuvante na satisfação das preditas finalidades subjacentes à suspensão da execução da pena, devendo essas regras demostrarem adequação e proporcionalidade para o efeito.
Conforme se menciona no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.07.2015, proferido no Processo nº 129/14.8GAVLC.P1, disponível in www.dgsi.pt, «I. A imposição de deveres e regras de conduta, condicionantes da pena suspensa, constitui um poder/ dever, sendo quanto aos deveres condicionado pelas exigências de reparação do mal do crime e quanto ás regras de conduta vinculado á necessidade de afastar o arguido da prática de futuros crimes. II. A exigibilidade de tais deveres e regras deve ser apreciada tendo em conta a sua adequação e proporcionalidade em relação com o fim preventivo visado.»
Idêntica posição é igualmente veiculada no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19.04.2004, processo nº 2145/03-1: «A obrigação de suspensão da execução da pena de prisão pode ser simples ou com imposição de deveres (artigo 50°, n. 2 e 3, do Código Penal), devendo no entanto tal imposição de deveres responder à ideia da exigibilidade e ao princípio da proporcionalidade que são ideias básicas do Estado de Direito.»
Volvendo ao caso vertente, desde já diremos que consideramos as regras de conduta aplicadas ao arguido enquanto condicionantes da suspensão da execução da pena excessivas e desadequadas para prosseguir os fins punitivos de jaez preventivo consistentes na defesa do bem jurídico violado e na reintegração social do delinquente.
Loquazes e assertivas se revelam as considerações expendidas pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no douto parecer proferido nos autos, às quais aderimos in totum:  
«Ante o caso em apreciação, não cremos que seja exigível ao condenado o seu afastamento do local do crime quando, inequivocamente, nele reside, nele gravitando a sua existência. A factualidade dada como assente isso o declara.
As obrigações impostas como condições da suspensão, em concreto, surgem mais como uma pena de degredo do que como constituindo regras de conduta dirigidas à reinserção social do condenado.
A reinserção deste passa, necessariamente, pela manutenção do convívio familiar e social implicando para o arguido um especial e acrescido esforço de interiorização dos seus deveres de sociabilidade. É este esforço que pressupõe o decretamento da suspensão da execução da pena. Estando na base desta uma prognose social favorável ao arguido condenado, a esperança de que ele sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime, então, a fixação das mencionadas obrigações confronta tal prognose.
Obviamente que desterrar o arguido não se compagina com a salvaguarda do bem jurídico violado, não recolhe justificação na finalidade do próprio instituto da suspensão da execução da pena e, obviamente, não consolida uma integração social daquele. A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo e este não se verificaria pois que, com o decretado desterro, lhe faltariam, em concreto, as condições para uma avaliação de sua futura conduta ajustada ao direito quando junto das vítimas.
Daí que persigamos a ideia de que as citadas regras de conduta fixadas colidem com os princípios da exigibilidade e da proporcionalidade e deverão ser simplesmente eliminadas.
E a finalizar, ainda devemos reter e acompanhar o que se escreveu no acórdão do STJ de 11-02-2004, proc. Proc. 03P4033, relator conselheiro Henriques Gaspar, “A natureza excessiva ou dificilmente praticável do dever imposto determinará, em si, necessariamente, uma posição interior de anomia, rejeição ou desinteresse, contraditória com as finalidades e a intenção de política criminal subjacentes ao instituto da suspensão da execução. A pessoa condenada que, de todo, não possa satisfazer a condição, acaba, inevitavelmente, por se acolher, passiva, ao julgamento de controlo da falta de cumprimento previsto no artigo 55º do Código Penal, sem encetar um esforço de cumprimento num tempo útil, adequado e razoável, no entendimento e realização das finalidades de política criminal pressuposta na suspensão da execução da pena.»
Com efeito, não está comprovada a reiteração de adoção do tipo de condutas das ajuizadas por banda do arguido noutras ocasiões que não as comprovadas nos autos, circunscritas a um único dia, claramente isolado atendendo ao mais amplo período temporal de residência próxima entre condenado e as concretas vítimas [cfr. factos provados nºs 1, 3 e 15 e factos não provados 2º, 3º e 4º].
O modo e grau de ataque ao bem jurídico protegido pela norma incriminadora violada pelo arguido relativamente a cada uma das ofendidas não se apresenta como particularmente intenso.
Acresce que o arguido habita na casa do pai situada no bairro social em causa, encontra-se desempregado e sem possuir rendimentos próprios, não se vislumbrando assim como obterá residência alternativa perante o determinado afastamento daquela habitação, sendo que nos parece inquestionável que arriscar reconduzi-lo a uma possível situação de sem-abrigo em nada contribuirá para a desejável reinserção social do mesmo, reintegração que não se olvida ser de difícil concretização, mas, ainda assim, mais passível de ser lograda por via da manutenção da sua inclusão no meio residencial, familiar e social em que se insere – aliás, a trajetória nada abonatória trilhada pelo arguido até ao momento da prática dos factos não foi impeditiva de o Tribunal recorrido ter formulado um juízo de prognose favorável no que tange ao visado afastamento do mesmo do cometimento de novos crimes.
Por conseguinte, conclui-se pela inexigibilidade das regras de conduta impostas pelo Tribunal a quo, atenta a sua desproporcionalidade e desadequação face às exigências preventivas que cumpre acautelar in casu, designadamente no que concerne às vertentes de defesa do ordenamento jurídico (proteção de bens jurídicos) e de reintegração social do arguido.
Donde, cumpre conceder provimento ao recurso do arguido, nesta parte, e, consequentemente, revogar a douta sentença recorrida quanto à decidida imposição de regras de conduta a cujo cumprimento ficou subordinada a determinada suspensão da execução da pena única de prisão aplicada pela prática de crimes de ameaça agravados (pontos 6.3.1, 6.3.2 e 6.3.3 do dispositivo).                  

IV - DISPOSITIVO:

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o douto recurso formulado pelo arguido AA e, em conformidade:

IV.1 – Revogar a douta sentença recorrida na parte em que subordinou a suspensão da execução da pena única de prisão aplicada ao arguido AA ao cumprimento das regras de conduta elencadas nos pontos 6.3.1, 6.3.2 e 6.3.3 do dispositivo.
 
IV.2 – No mais, manter a douta decisão recorrida.

Custas por cada uma das Assistentes respondentes EE e CC (art. 515º, nº1, alínea b), do Código de Processo Penal), sem prejuízo da proteção jurídica na respetiva modalidade de que beneficiam.

Notifique (art. 425º, nº6, do Código de Processo Penal).
*
                
Guimarães, 6 de fevereiro de 2023,

Paulo Correia Serafim (Relator)
[assinatura eletrónica]
Pedro Freitas Pinto (Adjunto)
[assinatura eletrónica]
Fátima Sanches (Adjunta)
[assinatura eletrónica]

(Acórdão elaborado pelo relator e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos – cfr. art. 94º, nº 2, do CPP)


[1] Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, UCE, 2008, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1030 e 1031; M. Simas Santos/M. Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2004, p. 696; Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 335; o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém atualidade.
[2] Neste sentido, vejam-se, entre outros, os Acórdãos do STJ de 13/10/1992, in CJ, Ano XVII, 1992, tomo I, p.36, de 21/03/2007, processo nº 07P024, disponível em www.dgsi.pt, de 23/04/2008, in CJSTJ, tomo II, p. 205, e de 08/01/2014, processo nº 7/10.0TELSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Note-se que a nulidade em causa, decorrente das disposições conjugadas dos arts. 379º, nº1, al. a) e 374º, nº2, do CPP, ainda que ocorresse – o que não sucede – não seria nunca insanável, porquanto não integra o elenco taxativo previsto no art. 119º do CPP, pelo que sempre seria suscetível de suprimento.