Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
605/22.9T8BRG.G1
Relator: FRANCISCO SOUSA PEREIRA
Descritores: TRANSMISSÃO DE UNIDADE ECONÓMICA
IDENTIDADE ECONÓMICA
ATIVIDADE DE SEGURANÇA DAS INSTALAÇÕES
DESPEDIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/06/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Para que se verifique a transmissão de uma unidade económica e sejam aplicados os efeitos jurídicos decorrentes do regime prescrito no art. 285.º do Código do Trabalho importa que esta unidade seja dotada de uma autonomia técnico-organizativa própria, e que mantenha a sua própria identidade.
II - Em uma atividade que repouse essencialmente sobre a mão de obra a identidade da entidade económica não se mantém – e não há transmissão – quando o novo prestador de serviços não retoma o essencial dos efetivos, em termos de número e de competências.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP01..., S.A. e EMP02..., S.A., também nos autos melhor identificadas, pedindo a condenação destas:

“A. Ser a Primeira Ré condenada a reconhecer o autor como seu trabalhador, por se ter efetivado uma verdadeira transmissão da unidade económica, e, bem assim, a reconhecer que foi transmitida para si a posição de entidade empregadora no contrato individual de trabalho do A. celebrado com a Segunda Ré, com a inerente obrigação de respeitar todos os direitos decorrentes desse contrato, incluindo os de antiguidade e demais condições de trabalho;
B. Ser declarado ilícito o despedimento - ainda que tácito -, do autor promovido pela primeira ré;
C. Ser a primeira ré condenada a reintegrar o autor ao seu serviço, no posto de trabalho sito na Rua ..., ... ... – ..., atribuindo-lhe as funções correspondentes à sua categoria profissional de vigilante, nos horários que praticava;
D. Ser a primeira ré condenada a pagar ao A. as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento ilícito (24/11/2021) e demais retribuições e créditos salariais que se vencerem, como se estivesse no normal exercício de funções, até à sua efetiva reintegração;
E. Ser a primeira ré condenada a pagar ao A. a compensação de 2.000,00€ (dois mil euros), a título de danos morais;
F. Ser a primeira ré condenada a pagar ao A. os juros moratórios, à taxa legal de 4%, contados desde o vencimento de cada prestação pedida em D) e desde a citação quanto ao pedido formulado em E);
G. Ser a primeira ré condenada em custas e condigna procuradoria.

OU, SUBSIDIARIAMENTE, CASO SE PROVE E JULGUE NÃO EXISTIR UMA VERDADEIRA TRANSMISSÃO DE UNIDADE ECONÓMICA, DA 2.ª RÉ PARA A 1.ª RÉ,
H. Deverá a Segunda Ré ser condenada a reconhecer o autor como seu trabalhador, com a inerente obrigação de respeitar os direitos do mesmo, como sejam a antiguidade, efetividade, horário de trabalho e retribuição;
I. Deverá ser declarado ilícito o despedimento tácito do autor promovido pela segunda ré;
J. Ser a segunda ré condenada a reintegrar o autor ao seu serviço;
K. Ser a segunda ré condenada a pagar ao autor as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde o despedimento ilícito, em 24/11/2021, e demais retribuições e créditos salariais que se vencerem, como se estivesse no normal exercício de funções, até à sua efetiva reintegração;
L. Ser a segunda ré condenada a pagar ao autor a compensação de 2.000,00 € (dois mil euros), a título de danos morais;
M. Ser a segunda ré condenada ao pagamento dos juros moratórios, contados desde o vencimento de cada prestação pedida em K) e desde a citação quanto ao pedido formulado em L);”

Alegou, para o efeito e em síntese - aderindo-se, no fundamental, à efectuada na decisão recorrida -, que aos 21.08.2015, foi admitido ao serviço da 2.ª ré, para, mediante contrato de trabalho, exercer, pelo período de 40 horas semanais, as funções correspondentes à categoria profissional de vigilante, mediante o pagamento da retribuição base de € 651,56, acrescida de duodécimos de subsídios de férias e de Natal e, a título de subsídio de alimentação, da quantia de € 5,77, por cada dia de trabalho efectivamente prestado; que, tendo desenvolvido a actividade para que foi contratado nas instalações dos Correios ... de ...-..., veio o cliente em causa, na sequência de concurso público, a adjudicar à 1.ª ré a prestação, nesse local, dos serviços de vigilância e segurança humana, com efeitos a partir de ../../2021; que a 2ª ré, através de missiva de 12.11.2021, lhe fez comunicar que, em resultado da ocorrida adjudicação, a sua entidade patronal passaria a ser a 1.ª ré, sendo que esta, por seu turno, repudiou a atribuição dessa qualidade, por entender não ter ocorrido transmissão da unidade económica, antes se disponibilizando para celebrar consigo novo contrato de trabalho, sem, contudo, garantir a sua continuidade no mesmo posto, o que ele, autor, veio a recusar; que, tendo-se apresentado ao serviço, a 1.ª ré negou receber a sua prestação, mediante a alegação de que o mesmo não era seu trabalhador e de que a 2.ª ré não prestava já serviços no local; que, depois disso, enviou missiva à 1.ª ré, manifestando entender ser seu trabalhador, sem da mesma obter qualquer resposta; que, na sequência da ocorrida adjudicação, se verificou continuidade do tipo de serviço, com manutenção dos recursos utilizados e com passagem de meios e procedimentos, a ditar tivesse ocorrido transmissão da unidade económica para a 1.ª ré, por parte de quem foi alvo de despedimento tácito, a legitimar as pretensões que contra ela deduziu; que, a entender-se de contrário, deverá, então, ser reconhecido como trabalhador da 2.ª ré, com condenação desta nos termos peticionados; que, em decorrência dos factos ocorridos, vivenciou estado de inquietação, ansiedade e stress, não conseguindo dormir descansado e sentindo-se desgostoso e transtornado.
Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se, nessa sede, a conciliação.

A 1.ª ré apresentou contestação, para o que alegou, em síntese, que entre si e a 2.ª ré ocorreu mera transmissão de actividade, que não é suficiente para caracterizar uma transmissão de unidade económica; que a ela, contestante, não é aplicável o estipulado na Cláusula 14ª do CCT de que foi outorgante a AES, a que não se encontra filiada, estando, outrossim, vinculada ao CCT celebrado pela AESIRF, de que é associada; que, perante isso, nunca bastaria a mera sucessão de posto de trabalho para que se operasse transmissão, dependente que esta se encontra da verificação dos requisitos previstos pelo artº 285º do CT; que as equipas de vigilância, por si só, não são dotadas de autonomia técnico-organizativa nem configuram, à luz do CT e da Lei da Segurança Privada, uma unidade económica; que, na circunstância, os vigilantes que ela, contestante, coloca ao seu serviço, como sucedeu nas instalações dos Correios ... –..., dependem hierarquicamente de um supervisor local, que organiza, coordena e fiscaliza o seu trabalho, reportando este, por sua vez, ao Gestor de Operações, a nível regional, e ao Director de Operações, a nível nacional, para além dos Rondistas de Distrito a nível regional e dos Vigilantes/Operadores de Central a nível nacional; que, desse modo, e ainda que toda a equipa de vigilantes tivesse permanecido no mesmo local de trabalho, não goza a mesma de autonomia nem opera em autogestão, estando dependente de uma organização mais vasta de meios materiais e humanos, mormente dos referidos superiores hierárquicos, que fazem parte do quadro dela, contestante, e que nunca estiveram ao serviço da 2.ª ré; que nenhum vigilante, dos que mantém ao seu serviço, se encontra ligado ao local onde, em cada momento, exerce actividade nem ao cliente a quem é prestado o serviço, limitando-se este a avaliar regular e periodicamente a qualidade desses serviços; que isso mesmo sucedeu com o autor, que foi admitido pela 2.ª ré para prestar serviço nas instalações dos clientes dela e não em um específico local; que, para além dos meios humanos afectos à actividade de segurança, e que vão para além de determinado número de vigilantes, são utilizados nas instalações a segurar e vigiar, como sucede nas instalações dos Correios ... – ..., meios materiais próprios dela/contestante e que servem, em simultâneo, muitos outros postos desse e de outros clientes; que, para além disso, ela, contestante, opera com recurso a elementos incorpóreos, que são próprios; que fez deslocar, no dia 15.11.2021, às instalações em causa, os seus serviços operacionais, que procederam ao levantamento das necessidades e se inteiraram das particulares das instalações com o cliente, de forma a poder dar início, aos ../../2021, à prestação dos serviços contratados; que, nesse contexto, veio a ser manifestado pelo responsável do cliente não pretender que o autor integrasse a nova equipa de vigilantes no posto de ..., o que veio, posteriormente, a ser reiterado por escrito; que, para prevenir conflitos como o presente, se dispôs a contratar todos os vigilantes que antes trabalhavam para a 2.ª ré, reconhecendo as respectivas datas de antiguidade e sem período experimental, o que incluiu o autor, a quem, atento o posicionamento do cliente, foi proposta colocação em outro posto; que o mesmo, porém, comparecendo a reunião para que foi convocado, não quis, sequer, ouvir a proposta de local para colocação, afirmando que pretendia e iria manter o posto de Trabalho nos Correios ... – ..., nunca chegando a entregar qualquer documentação que possibilitasse a sua admissão; que, no posto em questão, veio a ser colocado, em permanência, um único vigilante, que já pertencia aos quadros dela, contestante, e um outro elemento, adstrito em simultâneo a postos de outros clientes, para efectuar serviço em caso de férias e outros impedimentos e para complementar carga horária; que a 2.ª ré, após ../../2021, manteve a sua actividade de forma regular, prestando serviços de segurança em outros locais e clientes, nada a impedindo de ter colocado o autor em outro posto ou de ter extinto o respectivo posto de trabalho.
Concluiu, pugnando pela respectiva absolvição.

A 2.ª ré apresentou-se, igualmente, a contestar as pretensões contra si formuladas, para o que alegou, em síntese, que, tendo celebrado, aos 16.06.2015, com Correios ..., S.A., contrato de prestação de serviços de segurança e vigilância humana, assumiu a exploração das unidades de vigilância designadas no respectivo anexo, nelas se incluindo as instalações dos CTT ...; que, por inerência das obrigações contratuais assumidas, ficou diferida à adjudicante a conformação dos termos da prestação a realizar, mormente quanto ao sistema de segurança a implementar; que, para assegurar a prestação a que se obrigou, ela, ré, alocou, para o conjunto de todas as unidades, um total de 79 vigilantes, para além do autor, que iniciou funções a 21.08.2021; que este exerceu, em continuidade, a actividade para que foi contratado na Unidade Correios ... – ..., sendo o único elemento humano nesse posto; que, para o efeito, ficou o mesmo adstrito a cumprir um conjunto de tarefas, específicas da unidade em causa e a que apenas o próprio tinha acesso, definidas pelos Correios ... com autonomia relativamente à relação laboral firmada com ela, ré; que o serviço de segurança e vigilância prestado com recurso à força de trabalho do autor funcionava como uma verdadeira unidade económica, estando à disposição dele instrumentos de trabalho, pertença dos Correios ..., bem como o mesmo subordinado a regras de conduta internas, meios incorpóreos e know-how que complementavam o exercício das suas funções; que todos esses elementos, de organização, de mão-de-obra, de meios corpóreos e de know-how, se mantiveram durante a prestação de serviços por ela, ré; que, na sequência de procedimento público, veio a ser adjudicada à 1.ª ré, com início a ../../2021, a prestação dos serviços em causa, com consequente denúncia, aos ../../2021, do contrato que, antes, fora consigo celebrado; que, por isso, fez comunicar à 1.ª ré todos os elementos necessários à transmissão para ela do autor e dos outros vigilantes, com identificação dos serviços e das especificidades inerentes a cada unidade de exploração e com comunicação, também, aos visados, à ACT e ao STAD; que, a partir de ../../2021, a 1.ª ré assegurou a continuidade dos serviços que vinham sendo prestados, fazendo-o com recurso à maioria dos trabalhadores que, antes, eram dela, contestante, e que se mantiveram nos mesmos postos, excepção feita ao autor e a outras duas situações; que todos os bens corpóreos que faziam parte do posto de vigilância continuaram a ser utilizados, bem como os instrumentos de trabalho de que as instalações se encontravam equipadas, sem prejuízo das fardas, papéis timbrados e telemóveis de serviço da 1.ª ré; que também o know-how e as especificidades do serviço foram transmitidos à 1.ª ré, não apenas através da comunicação que à mesma foi enviada, como, também, por via de formação que o autor, nos dois dias que antecederam o início da prestação de serviço pela 1.ª ré, prestou a trabalhadores desta.
Concluiu, pugnando pela respectiva absolvição.

Prosseguindo os autos, veio a realizar-se audiência de julgamento, tendo, nessa sede, o autor manifestado optar pela indemnização em substituição da reintegração.

Após a audiência foi proferida sentença com o seguinte diapositivo:
“Pelo exposto, julga-se a presente acção, intentada por AA, parcialmente procedente, termos em que se decide: ---
[1].
Absolver a 1ª ré, EMP01..., S.A., de todas as pretensões contra si formuladas; ---
[2].
a). Declarar que, sendo o autor trabalhador da 2ª ré, EMP02..., S.A., foi por esta ilicitamente despedido; ---
b). Condenar, em consequência disso, a 2ª ré a pagar-lhe: ---
i. A quantia de € 3.600,77, a título de indemnização por antiguidade, sem prejuízo de, até ao trânsito em julgado da presente decisão, vir a transcorrer acrescido período de antiguidade que ultrapasse o que foi já tomado em consideração; ---
ii. O montante global de € 8.687,38 – com dedução já do valor de € 10.387,75, que à 2ª ré cabe entregar à SS -, a título de salários intercalares, acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal, a contar do vencimento de cada uma das obrigações que o integra. ---
c). Absolver a 2ª ré do mais peticionado. ---
**
Custas da acção a cargo do autor e da 2ª ré, EMP02..., S.A., na proporção de 25% e de 75%, respectivamente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o primeiro. ---
**
Corrige-se o valor da causa para € 14.288,15 [€ 3.600,77 + € 8.687,38 + 2.000,00]. ---
**
Registe e notifique. ---”

Inconformada com esta decisão, dela veio a ré “EMP02...” interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
“IV. Conclusões:
(…)
O autor/recorrido apresentou conta – alegações, concluindo assim:
(…)
Também a 1.ª ré/”EMP01...” respondeu ao recurso, que concluiu da seguinte forma:
(…)
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

Tal parecer não mereceu qualquer resposta.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:
 - Impugnação da matéria de facto;
- Erro na qualificação jurídica dos factos e errada interpretação e aplicação da lei.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que constam da decisão recorrida como provados, e como não provados, são os seguintes:
“A). FACTUALIDADE ASSENTE
Encontra-se assente, com relevância para a decisão a proferir, a seguinte factualidade:
a). As rés dedicam-se à actividade de prestação de serviços de segurança privada, estando a 1ª filiada, desde 2006, na AESIRF – Associação Nacional das Empresas de Segurança.
b). O autor foi, aos 21.08.2015, admitido ao serviço da 2ª ré, para, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, exercer as funções inerentes à categoria profissional de Vigilante, pelo período de 8 horas diárias e 40 semanais, mediante o pagamento da retribuição base de € 651,56, acrescida dos subsídios de férias e de Natal, a pagar em duodécimos, e, a título de subsídio de alimentação, da quantia de € 5,77, por cada dia de trabalho prestado. ---
c). Dos considerandos do escrito, subordinado ao título “Contrato de Trabalho a Termo Incerto”, por via do qual foi materializada a admissão do autor ao serviço da 2ª ré ficou a constar que:
“A) No dia 16 de Agosto de 2015, a Entidade Patronal celebrou com a sociedade Correios ..., S.A. – Sociedade Aberta, (…), adiante simplesmente designada por Cliente, um Contrato de Prestação de Serviços de Vigilância e Segurança Humana;
B) No âmbito do Contrato de Prestação de Serviços identificado no Considerando anterior, a Primeira Outorgante obrigou-se perante o Cliente a manter o número de vigilantes nos vários estabelecimentos e instituições do cliente, conforme resulta do caderno de encargos e demais anexos ao contrato de prestação de serviços;
C) O contrato de prestação de serviços identificado nos considerandos anteriores terá uma duração inicial de um ano, prevendo-se três renovações sucessivas iguais;
D) A celebração do contrato de prestação de serviços acima referenciada obrigou a entidade patronal ao reforço do número de trabalhadores, face ao acréscimo excepcional da sua actividade, necessitando de contratar mais de uma centena de trabalhadores;
E) A entidade patronal contrata o trabalhador para fazer face à necessidade excepcional resultante da contratação supra identificada;
F) Cessando o contrato de prestação de serviço acima identificado, a entidade patronal não terá ocupação para o trabalhador”. ---
d). Do ponto 2 da Cláusula Segunda do mesmo escrito ficou a constar que: ---
“O Vigilante é o trabalhador que presta serviços de vigilância, prevenção e segurança em instalações industriais, comerciais e outras, públicas ou particulares, para as proteger contra incêndios, inundações, roubos e outras anomalias, faz rondas periódicas para inspeccionar áreas sujeitas à sua vigilância e registar a sua passagem nos postos de controlo, para provar que fez as rondas nas horas prescritas, controla e anota o movimento de pessoas, veículos e mercadorias, de acordo com as instruções recebidas”. ---
e). Do ponto 2 da Cláusula Terceira, ainda do mesmo escrito, ficou a constar que: ---
“O Segundo Outorgante desempenhará as suas funções nas instalações dos clientes da Primeira Outorgante”. ---
f). A 2ª ré alocou o autor às instalações dos Correios ... ... - ..., onde este, a partir da data referida em b), exerceu, em continuidade mantida, a actividade para que foi contratado, ocupando o único posto de trabalho aí existente. ---
g). Na sequência de Procedimento de Ajuste Directo, a que correspondeu o nº ...19, a 2ª ré veio a celebrar, aos 16.06.2019, com Correios ..., S.A. – Sociedade Aberta, Contrato de Prestação de Serviços de Vigilância e Segurança Humana, a executar nas instalações da adjudicante enunciadas no Anexo I do respectivo Caderno de Encargos, entre as quais se incluíam as instalações dos Correios ... ... – ..., sitas na Rua ..., em ..., tudo nos termos constantes do Doc. 1 que acompanha o requerimento sob Refª. ...04, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. ---
h). No desempenho das funções para que foi contratado, o autor fazia uso, para além de equipamentos que lhe foram fornecidos pela 2ª ré, de meios pertença da entidade adjudicante, entre estes se incluindo os sistemas de controlo e segurança existentes nas instalações em causa, mormente os sistemas de detecção de intrusão, de detecção de incêndios e de videovigilância, mais fazendo uso de chaves, comandos, telefones e, se necessário, de computador. ---
i). Na sequência de Procedimento Concursal público, veio a ser adjudicada à 1ª ré a prestação dos serviços de vigilância e segurança humana nas instalações de Correios ..., S.A. – Sociedade Aberta, nestas se incluindo as dos Correios ... ... – .... ---
j). Após deliberação da Comissão Executiva dos Correios ... de 03.11.2021, que aprovou a minuta relativa à formalização do correspondente contrato de prestação de serviço, veio este a ser celebrado, aos 18.11.2021, para produzir efeitos a partir de ../../2021, nos termos constantes do documento junto aos autos com o requerimento sob Refª. ...85, de que faz parte integrante o correspondente Caderno de Encargos, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. ---
l). A 2ª ré remeteu à 1ª ré escrito datado de 12.11.2021, que esta recepcionou aos 15.11.2021, do qual fez constar, entre o mais, que: ---
“(…) Dirigimo-nos a V. Exas. por inerência à comunicação de que formos destinatários, endereçada pela Correios ..., S.A., que mediante missiva de 21 de Outubro de 2021 comunicou a esta sociedade a denúncia do contrato firmado, no âmbito do procedimento e ajuste directo nº ...19, e respectivo aditamento, cujos efeitos reportam-se a 24 de Novembro de 2021, data a partir da qual a ora signatária já não mais prestará serviços nas diversas instalações propriedade da Cliente Adjudicante.
Em paralelo à comunicação acima referenciada, foi igualmente transmitido que a prestação de serviços de segurança privada nas unidades de exploração em referência será assegurada por parte de V. Exas., que retomarão o serviço imediatamente após o termo do préstimo pela aqui signatária, no dia 25 de Novembro de 2021, sem qualquer interrupção espácio-temporal ou funcional.
Em virtude da sucedânea prestação de serviços por parte dessa sociedade, com recurso a equipamentos e retoma das instalações da Cliente Adjudicante, no caso em apreço, face ás especificidades conotadas às unidades quanto às quais passarão a assegurar a prestação de serviço, designadamente o cariz do serviço – que importa o comando e manuseamento, maioritariamente, de sistemas operativos integrados nas instalações da Cliente Adjudicante, nomeadamente de videovigilância, central de incêndios, sistema de controlo de acesso, intrusão, incêndio, etc. -, observa-se, no caso concreto, a operacionalidade da figura de transmissão de estabelecimento, consagrada no artº 285.º do Código do Trabalho e seguintes.
(…) Tendo por fundamento e intuito o cumprimento do plasmado no artº 285.º e seguintes do Código do Trabalho, com vista à concretização da transmissão dos contratos de trabalho relativos aos trabalhadores que prestam serviço, sob a égide da ora remetente, nas unidades que a partir do próximo dia 25 de Novembro de 2021 passarão a ser exploradas por parte dessa sociedade, servimo-nos da presente para vos endereçar os dados pessoais dos trabalhadores visados.
Assim, dirigimos a V. Exas., em anexo, a listagem dos trabalhadores que prestam serviço nas unidades em querela, que incidem no objecto da transmissão, por forma a se efectivar e dar cumprimento à figura jurídica acima identificada.
(…) Ressalva-se que a aludida listagem é integrada pelos elementos que se consideram pertinentes e necessários à operacionalidade da transmissão, os quais se revelam suficientes e bastantes à sua efectivação e ao contemplar da manutenção dos direitos e regalias sociais de que os trabalhadores visados auferem na presente data.
Não obstante, caso considerem oportuno o envio de qualquer outra informação, atinente aos trabalhadores abrangidos, permanecemos absolutamente disponíveis para o efeito.
Mais se aproveita a presente missiva para transmitir a V. Exas. os procedimentos operacionais gerais e específicos atinentes às unidades objecto de transmissão, complementares ao sistema operativo definido pela entidade Adjudicante, o que se concretiza pela síntese informativa anexa, sem prejuízo de permanecermos ao dispor para reunir e/ou transmitir quaisquer informações adicionais. (…)”. ---
m). Em acompanhamento do escrito mencionado em l), a 2ª ré remeteu à 1ª ré listagens, contendo a identificação, por menção aos respectivos nomes, moradas e números de contacto telefónico, dos vigilantes que prestavam actividade nas instalações dos Correios ..., entre os quais se incluía o autor, com indicação, ainda, da respectiva antiguidade, das férias gozadas/a gozar e dos pagamentos realizados a título de subsídios de férias e de Natal. ---
n). Também com data de 12.11.2021, a 2ª ré fez remeter ao autor escrito, do qual fez constar que os serviços de vigilância desenvolvidos nas instalações dos Correios ... ... – ..., iriam deixar de ser por si assegurados, por denúncia do correspondente contrato e adjudicação dos serviços em causa à 1ª ré, passando esta, a partir de ../../2021, a assumir a qualidade de sua empregadora, sem prejuízo dos direitos e regalias sociais por ele, entretanto, adquiridos. ---
o). Mais fez constar a 2ª ré do escrito aludido em n) solicitação que ao autor dirigiu, para que o mesmo procedesse à entrega, nas instalações dela, pessoalmente ou por via postal, de todos os materiais e equipamentos que lhe havia cedido. ---
p). Com cópia dos escritos que fez remeter à 1ª ré e ao autor, e dos elementos que os acompanham, a 2ª ré comunicou, com data de 12.11.2021, à ACT e ao STAD a cessação, com efeitos reportados ../../2021, da prestação que realizava nas instalações dos Correios .... ---
q). Em resposta à comunicação mencionada em l), a 1ª ré fez saber à 2ª ré, por correio electrónico, aos 23.11.2021, que: ---
“(…) esclarecemos que não ocorreu transmissão dos contratos de trabalho dos trabalhadores indicados na vossa comunicação. (…)”. ---
r). Em dia não concretamente apurado, mas nunca posterior a 15.11.2021, a 1ª ré, através do seu Gestor Operacional da zona Norte, reuniu com o responsável dos Correios ... pelas instalações, entre outras, de ... –..., para proceder ao levantamento de necessidades e inteirar-se das particularidades dessas instalações. ---
s). Nessa oportunidade, foi-lhe, verbalmente, transmitido que o cliente não pretendia a manutenção do autor nas referidas instalações. ---
t). O responsável mencionado em r) veio a formalizar, por email de 15.11.2021, comunicação, que fez remeter ao representante do departamento de segurança dos Correios ..., com os seguintes dizeres: ---
“Pretende-se que seja transmitida a informação à EMP01... que a prestação não tem sido a melhor, sendo recomendável a substituição integral da equipa de vigilantes:
- Em ..., a rotina de manutenção do mesmo vigilante tem promovido o desleixo nos procedimentos que devem pautar a actividade de vigilância num espaço de acesso privado;
- (…)”. ---
u). Na sequência disso, e acompanhado da comunicação reportada em t), o representante do departamento de segurança da adjudicante transmitiu, aos 16.11.2021, e também por via electrónica, à 1ª ré que: ---
“Face à informação abaixo do responsável das instalações (…) e ... (...) e tendo em conta as avaliações dos últimos trimestres nestes Edifícios que se têm “arrastado” num nível substancialmente baixo, solicita-se a substituição integral das equipas de vigilantes nos mesmos.” ---
v). Em deslocação que, depois disso, realizou, através do respectivo supervisor, às instalações dos Correios ... de ... – ..., a 1ª ré fez expressar ao autor que a pessoa que iria aí exercer funções, a partir de ../../2021, era o vigilante de que aquele se fazia, na circunstância, acompanhar. ---
x). A 1ª ré remeteu ao autor escrito datado de ../../2021, subordinado ao Assunto “Convocatória”, do qual fez constar que: ---
“(…) Fomos informados pela sua empregadora EMP02... que nos termos do artº 285º do Código do Trabalho ocorre transmissão de estabelecimento com inerente transmissão do contrato de trabalho de V. exa, entendimento que refutamos integralmente.
Entende esta empresa que não se verificam os requisitos legais da transmissão de estabelecimento, definidas no Artigo 285 do código do trabalho, por não existir conjunto de meios que constituísse uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que a mesma mantenha identidade própria.
Consequentemente o contrato de trabalho de v. exa não se transmitiu mantendo-se vinculado à sua empregadora EMP02....
No entanto se for do interesse de v. Exa. informamos que temos vaga disponível para o admitir ao nosso serviço, ficando a constar do respectivo contrato de trabalho a celebrar a antiguidade que detinha na sua anterior empregadora e será admitido sem período experimental.
Assim, na sequência do que foi já comunicado a v. exa verbalmente, reiteramos que deverá comparecer na Filial da Empresa, sita na Rua ..., ..., ..., no próximo dia 26 de Novembro, pelas 17h00.
Deverá trazer a seguinte documentação, Registo Criminal, Certificado de Habilitações, fotocópia do Cartão de Cidadão, fotocópia do Cartão Profissional, comprovativo de IBAN, 1 foto.
Na falta de comparência de v. Exa no local dia e hora indicados entenderemos não estar v. Exa interessado na admissão nos quadros desta empresa, nas condições supra referidas.
(…)”. ---
z). O autor apresentou-se, no dia ../../2021, nas instalações dos Correios ... ... –..., para prestar actividade, tendo sido impedido pela 1ª ré de o fazer, sob a alegação de que o mesmo não se encontrava a ela vinculado, mas à 2ª ré, e de que esta não assegurava já os serviços de vigilância para o cliente Correios .... ---
aa). Na data referida no escrito mencionado em x), o autor fez-se presente no local aí designado, oportunidade em que não se mostrou disponível para ouvir qualquer proposta de colocação que não fosse no posto de trabalho dos Correios ... ... - ..., manifestando que pretendia e iria manter-se aí a exercer funções, na sequencia do que abandonou a reunião, sem entregar os documentos elencados na missiva que pela 1ª ré lhe fora destinada, o que também não fez em momento posterior. ---
bb). No dia 30.09.2021, e com essa data, o autor, pela mão de mandatário, remeteu à 1ª ré escrito, com os seguintes dizeres: ---
“(…) Como é do V/ inteiro conhecimento, por missiva datada de 24 de Novembro de 2021, o N/ constituinte foi informado por V. Exas. que, na sequência da cessação da exploração relativa à ..., (…), em que deixou de ser a empresa “EMP02...” a explorar a unidade referida e a prestar os serviços de segurança privada e passou a ser a V/ empresa a fazê-lo, o contrato de trabalho do mesmo não se transmitiu para V. Exas., continuando o mesmo a estar vinculado à “EMP02...”.
Ora, tal comunicação teve por fundamento a invocação por parte de V. Exas. de que não consideram estar verificados os requisitos legais da transmissão do estabelecimento, definidas no artº 285.º do Código do Trabalho (…).
Porém, não podemos deixar de discordar do invocado por V. Exas., porquanto prevê o artº 285º (…).
(…) Assim, nenhum fundamento existe para que o N/ constituinte tenha de celebrar com a V/ empresa novo contrato de trabalho, uma vez que o contrato de trabalho se mantém, bem como o posto de trabalho do mesmo.
Consequentemente, deverá a V/ empresa reconhecer a cessão de exploração da unidade referida, bem como a transmissão do contrato de trabalho do nosso cliente, o que significa que não poderá o mesmo ser impedido de exercer as suas funções no seu posto de trabalho, coisa que se verificou e não aceita. (…)”. ---
cc). A 1ª ré não prestou resposta à missiva referida em bb). ---
dd). Nas instalações dos Correios ... ... – ..., a 1ª ré, em execução da prestação de serviços para que foi contratada, entendeu adequada e necessária a colocação de apenas um vigilante a tempo inteiro, que pertencia já aos seus quadros desde 2018, e de um outro elemento, adstrito em simultâneo a outros clientes, para prestar actividade em caso de férias e outros impedimentos, e para complementar carga horária. ---
ee). O vigilante afecto ao indicado posto foi dotado pela 1ª ré de meios pertença desta, mormente de farda, impressos de suporte para registos de entradas/saídas de pessoas e para elaboração de relatórios de actividade, lanterna, telemóvel, capa de chuva, colete reflector e mala de primeiros socorros. ---
ff). Continuou esse vigilante, como sucedia já durante o período de exploração pela 2ª ré, a fazer uso dos meios pertença dos Correios ..., existentes nas respectivas instalações, mormente dos designados em h). ---
gg). Na estrutura organizativa e funcional da 1ª ré, os vigilantes afectos às instalações de todos os seus clientes reportam a supervisores locais, que, por sua vez, reportam a gestores operacionais a nível regional, estando estes na dependência de directores de operações, a nível regional e nacional, e os últimos na dependência de um Director de Segurança. ---
hh). Dispõe, também, a 1ª ré de Central/receptor de alarmes 24h/dia, operada por vigilantes, a funcionar no local da sua sede, e que serve todos os postos onde a mesma presta serviço aos seus clientes. ---
ii). Os supervisores, os gestores operacionais, os directores de operações, o Director de Segurança e os operadores de central integrados na referida estrutura, que se manteve após ../../2021, mormente com relação ao cliente Correios ..., são trabalhadores do quadro permanente da 1ª ré, que nunca estiveram vinculados à 2ª ré. ---
jj). A 1ª ré tem estabelecidas Normas de Conduta do Vigilante, que são dadas a conhecer a todos aqueles que por ela são admitidos para o exercício dessas funções. ---
ll). A 1ª ré dispõe de um departamento de formação e está munida de autorização e acreditação para ministrar formação em segurança privada. ---
jj). Dispõe, para o exercício da sua actividade, de alvará próprio. ---
ll). Após ../../2021, a 2ª ré manteve a sua actividade, continuando a prestar serviços de segurança em outros locais e para outros clientes que não os Correios .... ---
mm). O agregado familiar do autor é constituído, para além de si, pelo seu cônjuge e um filho menor. ---
nn). À data dos factos, a remuneração do autor constituía a única fonte rendimento do agregado. ---
oo). Em decorrência dos factos ocorridos, em particular da incerteza da sua situação, o autor vivenciou inquietação, ansiedade e stress, o que interferiu com o seu descanso. ---
pp). À data de ../../2021, o autor auferia mensalmente as seguintes importâncias: ---
- € 800,17, a título de retribuição base; ---
- € 53,34 e € 53,34, referente a duodécimos dos subsídios de férias e de Natal;
- € 107,18, a título de subsídio de alimentação, em cartão. ---

B). FACTUALIDADE NÃO DEMONSTRADA

Não se demonstrou, com relevância para a decisão a proferir, que: ---
1. Por inerência das cláusulas do contrato de prestação de serviço aludido em c), e/ou das suas renovações, e das cláusulas do contrato de prestação de serviço referido em f), não dispusesse a 2ª ré de autonomia quanto ao modo de execução das obrigações a que ficou adstrita, por a definição dessa matéria ter ficado diferida para a entidade adjudicante. ---
2. No desenvolvimento da actividade que exerceu nas instalações dos Correios ... ... – ..., dispusesse o autor de uma lista de tarefas apenas aplicáveis a esse posto, dadas as suas especificidades, e à qual somente ele tinha acesso, ditadas pela entidade adjudicante e que à mesma o vinculavam de forma autónoma relativamente à relação que mantinha com a 2ª ré. –
3. Nesse condicionalismo, o autor tivesse sido instruído pela adjudicante a observar os seguintes procedimentos, próprios das instalações em causa: ---
»» Entrada ao serviço do vigilante às 8:00h seguida desligar alarme dos serviços centrais, e abertura dos mesmos no piso 1 Edifício.
»» O vigilante dirige-se à Portaria do Centro de distribuição postal.

Assim permanecendo lá ao longo do turno, e tendo as seguintes tarefas:
i. Controlo de entrada e saída de pessoas;
ii. registo de viaturas;
iii. registo e controlo de chaveiros;
iv. vigiar e controlar cargas e descarga;
v. Encaminhar possível clientes;
vi. Dar informações ao Gestor do CDP, Sr. BB ou ao Gestor de loja Sr. Carlos Monteiro;
vi. controlo e vigia do espaço das pessoas intervenientes em reuniões, quando necessário, e quando solicitado pela Cliente, mediante aviso prévio na portaria de Segurança pelo Gestor do edifício, Sr CC.
»» Pelas 19h30 é feita uma ronda geral ao interior e exterior do Edifício, o fecho das áreas de responsabilidade do vigilante, designadamente:
a. Serviços centrais;
b. portão da garagem subterrânea;
c. portaria de segurança;
d. portão do parque superior de acesso ao CDP;
e. Centro de distribuição postal.
4. Em acompanhamento da comunicação referida em l), a 2ª ré haja remetido à 1ª ré outros elementos para além dos reportados em m), mormente a identificação dos serviços e especificidades inerentes a cada uma das instalações dos Correios .... ---
5. Na sequência do contrato de prestação de serviços que celebrou com os Correios ..., a 1ª ré haja mantido, no conjunto das instalações abrangidas, o mesmo número de vigilantes que, durante o período de exploração pela 2ª ré, aí exerciam funções. ---
6. Os vigilantes que, nessas instalações, exerceram, a partir de ../../2021, funções tivessem, com excepção do autor e de duas outras pessoas, provindo de anterior vinculação à 2ª ré, e que isso tenha, em particular, sucedido nas instalações de ... - .... ---
7. Nos dois dias antecedentes ao terminus da prestação da 2ª ré, o autor haja ministrado formação a trabalhadores da 1ª ré, transmitindo-lhes informação e conhecimentos específicos, que por eles eram desconhecidos, relativos ao posto em questão, sem o que não teria sido possível aí assegurar os serviços de segurança, e que isso tenha sucedido, também, em outras instalações dos Correios .... ---
**
Nenhum outro facto, com relevância para a decisão a proferir, resultou demonstrada ou ficou por demonstrar. ---”

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO
- Da impugnação da matéria de facto:

Nos termos do Artigo 662.º n.º 1 do CPC, que tem por epígrafe modificabilidade da decisão de facto,
“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

Sobre o alcance jurídico desta norma tem entendido esta Secção Social, sem termos agora qualquer razão para divergir, que, “Em suma, o uso dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de manifesta desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos impugnados, acrescendo dizer que estando em causa a análise de prova gravada só se deve abalar a convicção criada pelo juiz a quo, em casos pontuais e excepcionais, ou seja quando não estando em causa a confissão ou qualquer facto só susceptível de prova documental, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer suporte nos elementos de prova trazidos aos autos ou estão em manifesta contradição com a prova produzida, ou não têm qualquer fundamento perante a prova constante dos autos.”[1]
Esclarecido este entendimento, e tendo a recorrente dado cumprimento aos ónus previstos no art. 640.º do CPC, analisemos então os factos impugnados.

Em primeiro lugar, a ora recorrente considera incorretamente julgada pelo Tribunal de primeira instância a factualidade que consta nas alíneas dd) e ll) da matéria dada como provada.
           
Na alínea dd) dos factos provados foi dado como provado:
“Nas instalações dos Correios ... ... – ..., a 1ª ré, em execução da prestação de serviços para que foi contratada, entendeu adequada e necessária a colocação de apenas um vigilante a tempo inteiro, que pertencia já aos seus quadros desde 2018, e de um outro elemento, adstrito em simultâneo a outros clientes, para prestar actividade em caso de férias e outros impedimentos, e para complementar carga horária.»,
Pretende a recorrente que tal alínea passe a ter a seguinte redação:
“dd). Nas instalações dos Correios ... ... – ..., a 1ª ré, em execução da prestação de serviços para que foi contratada, colocou um vigilante a tempo inteiro, sendo que este vigilante era substituído por um outro vigilante, em caso de férias e outros impedimentos por um outro vigilante, assim como já sucedia na execução da prestação de serviços no posto por parte da 2.ª ré.”

Quanto a esta alínea da factualidade provada, e particularmente quanto à expressão “como já sucedia na execução da prestação de serviços no posto por parte da 2.ª ré” que a recorrente quer ver aditada, a recorrida “2025” alega que, “além de conclusiva, os factos que a poderiam concretizar não foram alegados, pressupondo que tivesse sido dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artº 72º do C.P.C., o que não ocorreu.”
A nosso ver, o segmento que a recorrente quer ver aditado tem efectivamente algo de conclusivo, pois para poder concluir “assim como já sucedia” é pressuposto saber-se o que em concreto já anteriormente (i. é, quando o serviço de vigilância era assegurado pela ré “EMP02...”) sucedia, mas factualidade concreta que, no essencial, a nosso ver  efectivamente já resulta da conjugação das al.s f) e dd) dos factos provados: f). A 2ª ré [“EMP02...”] alocou o autor às instalações dos Correios ... ... - ..., onde este (…) ocupando o único posto de trabalho aí existente.”; dd). Nas instalações dos Correios ... ... – ..., a 1ª ré [“EMP01...”], entendeu adequada e necessária a colocação de apenas um vigilante a tempo inteiro (…)”.
O que, aliás, é expressamente reconhecido na fundamentação da sentença quando aí se fez constar que “(…) demonstrou-se que a 1ª ré veio a desenvolver a atividade para que foi contratada, nas instalações dos Correios ... ... –..., alocando, para o efeito, um único vigilante, tal como, antes dela, a 2ª ré fizera já.” (v. pág. 36 da sentença)

Improcede assim o pedido aditamento, que nada de útil acrescentaria.

Quanto aos segmentos que a recorrente quer ver expurgados da redacção daquela alínea,
“entendeu adequada e necessária” [a colocação de apenas um vigilante a tempo inteiro],
“que pertencia já aos seus quadros desde 2018”,
 “adstrito em simultâneo a outros clientes” e
“e para complementar carga horária”

A recorrente verdadeiramente só indica prova susceptível de – a seu ver - infirmar que a 1.ª ré, “EMP01...”, “entendeu adequada e necessária a colocação de apenas um vigilante a tempo inteiro”, expressão que para além de considerar ambígua e contraditória diz que não tem assento na prova produzida, mas as provas que indica como pretensamente obrigando à supressão desse segmento o que podem atestar, salvo melhor opinião, é que a 2.ª ré/recorrente já tinha igual entendimento, de que era “adequada e necessária a colocação de apenas um vigilante a tempo inteiro”, e não que a 1.ª ré o não entendesse também – não se vendo o que isto tem de ambíguo ou contraditório -, acrescendo, aliás, que da própria transcrição da recorrente do depoimento da testemunha DD se extrai ainda que para além do vigilante a tempo inteiro, foi necessário a 1.ª ré recorrer a um outro vigilante que (para além substituir aquele em caso de férias e outros impedimentos) «complementava a carga horária»:
“FICHEIRO DE ÁUDIO “DILIGENCIA_605-22.9T8BRG_2023-10-09_16-39-51” –
Início: 00:03:19
Dr.ª EE [Mandatária 1.ª Ré]: O posto tem quantas pessoas?
Testemunha: Era só uma pessoa…
[M. 1.ª Ré]: É só uma?
[T]: Aliás, peço desculpas pelo termo, mas nós referimos uma pessoa e meia, que era a pessoa das folgas e das férias.
[M. 1.ª Ré]: Portanto, faz as folgas e as férias?
[T]: Era um posto de doze horas e por causa da carga horária (impercetível) e questões legais, uma pessoa para dar as folgas e completar o horário.
[M. 1.ª Ré]: Portanto, há uma pessoa que está mais tempo e depois há outra que vai completar carga horário, é isso?
[T]: É correto! ” (cf. fls 8 e 9 das alegações do recurso)

Assim, nem as provas indicadas pela recorrente impõem a alteração pretendida, nem, tendo procedido à audição dos depoimentos indicados, identificamos qualquer prova que obrigue a essa alteração.

A recorrente “EMP02...” pretende ainda que, com referência ao ponto 5 dos factos não provados, se dê como provado que:
“Na sequência do contrato de prestação de serviços que celebrou com os Correios ..., a 1.ª ré manteve, no posto dos Correios ... ... – ..., o mesmo número de vigilantes que, durante o período de exploração pela 2.ª ré, aí exerciam funções.”

Ora, radicando no que fora alegado, consta do ponto 5 dos factos não provados:
“5. Na sequência do contrato de prestação de serviços que celebrou com os Correios ..., a 1ª ré haja mantido, no conjunto das instalações abrangidas, o mesmo número de vigilantes que, durante o período de exploração pela 2ª ré, aí exerciam funções.” (em ambos os casos negrito nosso)

Tem, assim, inteira razão a recorrida “EMP01...” quanto afirma “Do que resulta que os factos a que a Recorrente se reporta retratam outra realidade completamente diferente da que consta do ponto 5 dos factos assentes como [não] provados.”, pois o ponto 5 dos factos considerados não provados reporta-se expressamente ao “conjunto das instalações abrangidas” (no contrato de prestação de serviço) enquanto na redacção proposta se pretende reduzir o termo comparativo a um concreto posto dos Correios ..., o de ... – ....

Acresce que a matéria que se pretende aditar já resulta, nos moldes mencionados, das alíneas f) e dd) dos factos provados.

Relativamente à alínea ll) da matéria dada como provada,
“ll). Após ../../2021, a 2ª ré manteve a sua actividade, continuando a prestar serviços de segurança em outros locais e para outros clientes que não os Correios .... ---”
a recorrente entende que, por inútil para o desfecho da acção, deve ser eliminada do elenco dos factos provados.
A recorrida “EMP01...” alega que, ainda que assim se conclua, a impugnação não deve ser conhecida por se reconduzir, então, à prática de um acto inútil, o que a lei não admite.
Efectivamente, a entender-se como a recorrente (e embora o paradigma da impugnação da matéria de facto «inútil» se reportar à situação inversa, i. é, querer o impugnante aditar à matéria provada factos irrelevantes para a decisão), o conhecimento da impugnação redunda também aqui num acto inútil o que, nos termos do art. 130.º do CPC, cumpre evitar.
Mas não se nos afigura assim tão claro que tal matéria, à partida e congemináveis todas as soluções de Direito plausíveis, fosse de todo e manifestamente irrelevante, haja em vista que o autor optara por uma indemnização em substituição do direito à reintegração, que como é consabido (e a ser devida) é objecto de graduação dentro de certos limites, e que o autor peticionou uma indemnização por danos de natureza não patrimonial (não cabendo aqui curar da invocada insuficiência para se poder concluir que [mantendo a 2.ª ré a sua atividade] poderia ter assegurado um outro posto de trabalho ao autor).

A recorrente insurge-se, ainda, contra os pontos 1. e 2. da factualidade considerada não provada pelo Tribunal recorrido:

“1. Por inerência das cláusulas do contrato de prestação de serviço aludido em c), e/ou das suas renovações, e das cláusulas do contrato de prestação de serviço referido em f), não dispusesse a 2ª ré de autonomia quanto ao modo de execução das obrigações a que ficou adstrita, por a definição dessa matéria ter ficado diferida para a entidade adjudicante. ---
2. No desenvolvimento da actividade que exerceu nas instalações dos Correios ... ... – ..., dispusesse o autor de uma lista de tarefas apenas aplicáveis a esse posto, dadas as suas especificidades, e à qual somente ele tinha acesso, ditadas pela entidade adjudicante e que à mesma o vinculavam de forma autónoma relativamente à relação que mantinha com a 2ª ré. –“,
os quais pretende transitem para a matéria de facto provada.

Quanto aquele número um a recorrente alega nomeadamente:
“40. As obrigações supra elencadas deviam ser cumpridas pela recorrente nas diversas instalações do grupo “Correios ...”, elencadas no Anexo I do Caderno de Encargos do Contrato de Prestação de Serviços.
41. Sendo que, a cada uma das instalações suprarreferidas correspondia um responsável, da Entidade Adjudicante (anexo II do contrato de prestação de serviços) que realizava o controlo da qualidade do serviço, através da elaboração de relatórios periódicos de avaliação (anexo III do contrato) e verificavam o regular cumprimento do contrato pelo prestador de serviços - cfr. previsto na Clausula 15.ª do referido contrato.
42. Assim, o contrato de prestação de serviços não determinou apenas as obrigações gerais da empresa de segurança, ora recorrente, mas também estipulou as obrigações específicas dos trabalhadores/vigilantes alocados às instalações da Entidade Adjudicante, como foi o caso do Autor, que ficaram consagradas na Cláusula 7.ª do Caderno de Encargos, donde se retira que quanto ao modo de execução das obrigações a que ficou adstrita a recorrente, esta não dispusesse de autonomia, uma vez que é a entidade adjudicante que define essa matéria.
43. Ora, nesta senda, resulta da Cláusula 8.ª do Caderno de Encargos que a recorrente, através dos seus trabalhadores, obrigou-se a prestar o serviço de “(…) segurança por rondas, com a periodicidade e nos termos que vierem a ser determinados, pela Entidade Adjudicante, de acordo com o Plano de Rondas, definido pela Entidade Adjudicante.”
44. Deste modo, a recorrente, por inerência às obrigações contratuais a que se vinculou, não era livre de operar qualquer decisão quanto ao sistema de segurança a implementar, visto o caderno de encargos estatuir detalhadamente as tarefas de segurança que deveriam ser exercidas, porquanto tudo já estava predefinido pela Entidade Adjudicante, no que respeita os postos de vigilância sitos nas suas instalações.”,
trazendo ainda à colação o depoimento da testemunha das testemunhas FF e GG nos segmentos da gravação que identifica e transcreve.

Em relação a estes pontos da factualidade não provada, da respectiva motivação consta nomeadamente:
“Relativamente ao contrato de prestação de serviço celebrado em 2019, este sim, documentado nos autos, o que se observa pela análise do respectivo teor, é que a ré EMP02... se vinculou, perante a adjudicante, a cumprir as obrigações gerais elencadas na Cláusula 6ª e a fazer cumprir pelos trabalhadores ao seu serviço as obrigações enunciadas na Cláusula 7ª – cfr., também, o subponto 4.1. do ponto 4 da Cláusula 31ª -, que, aliás, e grosso modo, correspondem com as que a própria, na definição funcional da categoria profissional de vigilante, fez constar do CIT que celebrou com o autor, mormente no ponto 2 da respectiva Cláusula 2ª, com o conteúdo que se fez verter na al. c) – salientando-se que a menção contida no segmento final deste ponto, “de acordo com as instruções recebidas”, não pode, como se nos afigura evidente, ter outro alcance que não seja o de expressar a subordinação do trabalhador à empregadora, para mais no contexto de um contrato celebrado exclusivamente entre eles e, por conseguinte, destinado a regular as obrigações recíprocas emergentes do correspondente vínculo. ---
De resto, a cláusula 11ª do contrato de 2019, deixa, absolutamente, claro, no seu ponto 1, que a prestação dos serviços é realizada com autonomia e sem qualquer espécie de subordinação jurídica entre a ré EMP02..., ou os seus funcionários, e os Correios ..., ou os seus funcionários.
De registar, ainda, que a circunstância de a ré EMP02..., ao menos por emergência do contrato de 2019, e durante a sua vigência, ter ficado sujeita a controlo da qualidade da sua prestação por parte da adjudicante, nos termos prescritos na respectiva Cláusula 15ª, em nada altera o que se disse, já que faz parte da natureza do contrato típico em presença que o beneficiário da prestação se reserve o correspondente direito. ---
Para além disso, e de acordo, também, com as cláusulas do contrato, a ré EMP02... ficou, ela própria, e em primeira linha, antes, portanto, de qualquer controlo de qualidade a realizar pela adjudicante, subordinada à obrigação de, através dos supervisores que designou, ou foi designando, realizar visitas periódicas às instalações dos Correios ..., como se extrai da Cláusula 10ª, ficando, ainda, sujeita, em caso de incumprimento desse dever, a penalidades, mormente à prevista no ponto 4 da Cláusula 22ª. ---
Estivesse, por isso, o modo de execução das obrigações que a ré EMP02... assumiu na inteira disponibilidade, ou discricionariedade até, da adjudicante, e mal se compreende o complexo normativo sobre o qual convergiu a vontade dos outorgantes e que regeu a relação que entre eles foi mantida. ---
No que diz, em particular, respeito à rondas, emerge do teor da Cláusula 8ª que, para além do dever geral de as realizar, estabeleceram as partes que a adjudicante disponibilizaria uma lista dos locais a controlar durante as rondas, com indicação dos riscos existentes ou previsíveis (intrusão, fogo, inundação, etc) e das acções a executar em cada situação – entenda-se, de risco -, o que, nem remotamente, equivale a dizer que a adjudicante tivesse determinado o modo de execução das rondas – se, apenas, através de deambulação do(s) elemento(s) humano() afecto(s) a cada instalação, ou se, também, através, por exemplo, da utilização de bastões. Em concordância com isso, verifica-se que, acordo com o estabelecido na al. s) da Cláusula 6ª, ficou a ré EMP02... adstrita ao dever de implementar nas instalações abrangidas pelo contrato os meios de controlo, registo e comunicação previstos no Plano de Rondas a elaborar pelos Correios .... Vale, ainda, registar que, remetendo o ponto 2 da cláusula sob consideração para o anexo IV ao Caderno de Encargos – que definiria, por indicação dos pontos de vulnerabilidade, o percurso das rondas a realizar -, observa-se que, na circunstância, o anexo em causa nada tem que ver com essa matéria nem, para todos os efeitos, é a ela pertinente qualquer outro anexo. Para além disso, não resultou da prova produzida que, nas instalações dos Correios ... ... – ..., fossem realizadas rondas, sem prejuízo de esse procedimento poder ser observado em outras instalações. Note-se que, por efeito do contrato celebrado, a ré EMP02... se obrigou a prestar serviços de vigilância num total de 11 instalações. ---
Salienta-se, ainda, que, imputando a ré EMP02... à adjudicante a definição das regras de procedimento que fez elencar no artº 42º do seu articulado de contestação, não apenas não se demonstrou que o autor a elas estivesse estrito – posto que nenhuma prova a esse respeito se produziu - como, também – pelos mesmos motivos de ausência de produção de prova -, faliu a demonstração de que tais instruções, a existirem, tivessem dimanado da adjudicante. Confessa-se que não deixou o tribunal de notar que, na redacção imprimida ao mencionado artº 42º, com tradução no que se deu por indemonstrado sob o ponto 3, se encontra a menção a “vi. Controlo e vigia do espaço das pessoas intervenientes em reuniões, quando necessário, e quando solicitado pela Cliente (…)”. Ora, proviessem as ditas instruções da adjudicante, e mal se compreende que a própria se designasse por a “Cliente”.---
Note-se, ainda, em matéria de horário dos vigilantes a afectar pela ré EMP02... às instalações abrangidas pelo contrato de prestação de serviço, que na al. e) da Cláusula 6ª se encontra estabelecido que a mesma ficou obrigada a assegurar que os recursos humanos afectos à execução da prestação não ultrapassassem as 8 horas diárias, ressalvadas situações de excepcionalidade devidamente justificadas, o que, dificilmente, se compadece com a definição, pela Adjudicante, de horários específicos para realização de rondas e outras tarefas. E isso sem prejuízo, como é evidente, de poder ter cabido a essa entidade definir, mormente nos contratos que celebrou e respectivos cadernos de encargos, o período temporal durante o qual deveria, diariamente, ser assegurada a segurança e vigilância das suas instalações, o que é coisa distinta de ter definido o modo de execução dessa tarefa e os timings a observar, ou sequer, e para todos os efeitos, que haja imposto à EMP02... o número preciso e concreto de elementos humanos a afectar a cada instalação. ---
A respeito da alegada definição pela Adjudicante do modo de execução da prestação e que, alegadamente também, singularizariam as instalações de ... como realidade própria, destacável da identidade do seu concreto explorador, importa assinalar que, na comunicação remetida pela EMP02... à EMP01..., de que se dá nota na al. l), aquela, apesar de anunciar que, em acompanhamento de tal escrito, iria remeter procedimentos operacionais gerais e específicos das unidades, complementares ao sistema operativo definido pela Adjudicante, não o fez. Limitou-se a remeter as listagens que se mencionam na al. m). --
À presumida existência de procedimentos operacionais definidos pelos clientes da EMP02..., fez, também, alusão a testemunha GG, com as funções, na estrutura da ré EMP02..., de supervisor, que, contudo, nada revelou saber quanto às instalações de ... – ..., que não estavam, segundo afirmou, sob a sua alçada. --- ”

A motivação da decisão da matéria de facto assim exposta é coerente e, ademais, exprime um raciocínio lógico e está de acordo com as regras da experiência.

Sublinhe-se que a testemunha GG, não obstante, como disse, exercer as funções de supervisor, não mostrou conhecimento concreto, e muito menos pormenorizado, das condições em que o autor exerceu as suas funções (só terá falado com ele uma vez, por telefone, e já depois da “EMP02...” perder o cliente Correios ...), mas – até como se retira das transcrições apresentadas pela recorrente - referiu que a “EMP02...” ainda que tenha em conta as indicações do cliente, quanto à definição das tarefas ou à forma como o vigilante as deve levar a cabo (como por ex., no caso dos Correios ..., a que horas quer que o vigilante abra a porta do estabelecimento, a que horas quer que faça a ronda … mas sempre com respeito pelo âmbito do serviço contratado, não podendo o cliente, por ex., querer que o vigilante mude lâmpadas…), implementa as próprias regras, “internas”, “tal como [relativas] aos comportamentos, etc, etc, etc…”, resultando também do depoimento da testemunha FF (director de operações da filial Norte da “EMP02...”) que embora a “EMP02...” tenha em conta aquilo que é determinado pelo cliente, no caso, pelos Correios ..., essas pretensões do cliente estão sujeitas ao crivo daquilo que são as regras que regulam a actividade de vigilância privada, de que a recorrente não extravasa, respondendo espontaneamente que quando o autor deparasse com algum problema no trabalho deveria contactar a “EMP02...”, conquanto tenha depois referido que, “dependendo da situação”, poderia também reportar ao cliente.
Acresce que a testemunha CC, funcionário dos Correios ... e que mostrou ter conhecimento dos termos em que se processa a adjudicação dos serviços de vigilância por parte dos Correios ..., mencionou que os Correios ... solicitaram à “EMP01...” que colocasse no estabelecimento de ... outro vigilante que não o autor, porque não estavam satisfeitos com a prestação deste, que havia reclamações do seu trabalho por parte do responsável por esse estabelecimento, imputando até essa suposta menos boa prestação por parte do autor à ausência de reuniões de supervisão, o que tudo se mostra compatível com a motivação expressa pela Mm.ª Juiz a quo, mormente a acima citada.
De resto, os documentos juntos aos autos também não impõem decisão diversa, assinalando-se que, nos termos da al. o) da cláusula 6.ª do contrato designado “Contrato de Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância Humana” (doc. 1 da contestação da 2.ª ré, que acompanhou o req.º Refª. ...04) a “EMP02...” tem a obrigação de “responder a qualquer incidente ou reclamação, suscitada pelos Correios ..., relativamente à prestação dos serviços, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas”, também nos termos da al. q) da cláusula 7.ª do contrato compete à “EMP02...” “definir normas técnicas de serviço para os recursos humanos afetos à prestação dos serviços”, da cláusula 10.ª n.º 1 resulta que a “EMP02...” indicou os supervisores que “efetuarão a gestão diária da prestação dos serviços em cada uma das instalações”, supervisores que, nos termos do n.º 5 da mesma cláusula, deveriam realizar visitas pelo menos mensais a cada das instalações que lhes estejam afectas.

Em suma, sem prejuízo de a recorrente, adjudicatária, se ter obrigado à prestação dos serviços de vigilância nos termos definidos no contrato e seus anexos, ao que naturalmente ficou “adstrita”, nenhuma prova impõe, antes pelo contrário, que se considere provado que a recorrente não tinha “autonomia quanto ao modo de execução das obrigações a que ficou adstrita” e/ou que “dispusesse o autor de uma lista de tarefas apenas aplicáveis a esse posto, dadas as suas especificidades, e à qual somente ele tinha acesso, ditadas pela entidade adjudicante e que à mesma o vinculavam de forma autónoma relativamente à relação que mantinha com a 2ª ré” como consta dos n.ºs 1. e 2. da factualidade considerada não provada pelo Tribunal recorrido.

Ante o exposto, persiste inalterada a matéria de facto tal como decidida pela 1.ª instância.

- Do erro na qualificação jurídica dos factos/errada interpretação e aplicação da lei:

Contendendo com a questão supra enunciada, na decisão recorrida discorreu-se, para o que agora importa, nos termos seguintes:

“(…) há, inevitavelmente, no caso que nos toma, que procurar resposta à matéria da transmissão na previsão do artº 285º do CT. ---
Alcançada a antecedente conclusão, observa-se que a 2ª ré se apresentou a sustentar, no articulado de contestação que ofereceu, que à situação em causa nos autos é aplicável a versão que à enunciada disposição normativa foi introduzida pela L. nº 18/2021, de 08.04, e que entrou em vigor no dia seguinte, em data, portanto, anterior à da adjudicação da prestação de serviços à 1ª ré. --
É aspecto, adiantamo-lo já, em que se entende assistir razão à 2ª ré, em atenção ao que se prescreve nos artºs 3º da L. nº 18/2021 e 12º, nº 1 do Cód. Civil. Sem as consequências, contudo, que a 2ª ré pretende que disso se extraiam. ---
Com efeito, o aspecto em que, mais significativamente, com relevo para a matéria que nos ocupa, se singularizaram as alterações operadas ao artº 285º pela L. nº 18/2021, consistiu na introdução do seu actual nº 10, no qual se prescreve que “O disposto no presente artigo é aplicável a todas as situações de transmissão de empresa ou estabelecimento por adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de selecção, no sector público e privado, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, produzindo efeitos no momento da adjudicação”. ---
Ora, como se extrai, e, quanto a nós, de forma cristalina, da previsão do enunciado nº 10 do artº 285º do CT, é que foi intenção do legislador, por via da sua introdução, clarificar que as situações de adjudicação de serviços, por via de concurso público, ou outro meio de selecção, enquadram um dos títulos, a par de outros, nos quais, de acordo com o nº 1, pode radicar a transmissão da empresa ou estabelecimento, ou de parte destes, sem que se identifique no espírito do legislador, que haja tido na redacção que imprimiu ao preceito um mínimo de correspondência – cfr. nº 2 do artº 9º do Cód. Civil -, qualquer intenção de fazer derivar o efeito transmissivo da mera sucessão na adjudicação dos serviços. ---
Para além disso, o preceito em causa principia, justamente, com a menção “O disposto no presente artigo é aplicável …”, o que significa, muito claramente, remissão para os restantes números do artº 285º, entre os quais se incluem, designadamente, os nºs 1, 2 e 5, que fazem depender o efeito transmissivo objecto da regulamentação a que se procede da existência de unidade económica. ---
Independentemente, portanto, de o título de aquisição da empresa ou do estabelecimento, ou de parte deles, consistir na adjudicação de serviços, por via de concurso público ou outro modo de selecção, não se encontra dispensada a necessidade de verificação da existência de unidade económica, que constitui, este sim, o pressuposto em que radica a possibilidade de afirmação de que se haja produzido efeito transmissivo. ---
Ultrapassada a antecedente questão, analisemos, então, e na medida do necessário na economia da presente acção, o regime emergente do artº 285º do CT. ---
Pois bem. ---
Estabelece-se no nº 1 do artº 285º do CT que, em caso de transmissão, por qualquer título – estando nestes abrangida, como se viu acima, a adjudicação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de selecção, no sector público e privado, nomeadamente a adjudicação de fornecimento de serviços -, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, outrotanto sucedendo, por emergência do que se prescreve no nº 2, nas situações de transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica. O nº 3 complementa que, com a transmissão, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional, respectivo conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.
Mais se dispõe no nº 5 da disposição sob análise que se considera unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória. ---
Como se aflora pela literalidade do nº 5 do artº 285º do CT, é necessário, para que ocorra transmissão, que, por um lado, se identifique, no contexto da anterior titularidade da empresa ou estabelecimento, ou de parte destes, a existência de unidade económica - conjunto de meios organizados que integra uma unidade produtiva, dotada de autonomia técnico-organizativa e que apresenta identidade própria -, e, por outro, que essa unidade/identidade seja, sob a égide do novo titular, mantida. ---
Em busca da densificação do que deve entender-se por unidade económica, e tendo a previsão do artº 285º do CT resultado da transposição para a ordem jurídica interna da Directiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de Março - relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos -, constitui jurisprudência constantemente reafirmada, mas, também, em constante evolução por impulso do TJUE, que o legislador acolheu uma noção muito alargada do conceito de unidade económica. ---
Por isso, e como tem vindo a ser, igualmente, reafirmado pela jurisprudência, para se apurar da existência de identidade económica que permita identificar a existência de efeito transmissivo – que não se basta com simples sucessão, ou mudança, no mesmo local, e ainda que sem hiatos temporais, de prestadores de serviços -, deve o intérprete socorrer-se de método indiciário, com comparação dos vários elementos em que se decompõe a unidade, entre os quais se incluem o tipo de actividade, e/ou estabelecimento, a transmissão ou não de elementos do activo - bens corpóreos e incorpóreos -, o valor dos elementos incorpóreos à data da transmissão, a continuidade da clientela, a permanência do pessoal e o grau de semelhança entre a actividade anterior e a que veio a ser prosseguida. Essa comparação, que se realiza caso a caso, e que é tendencial, não absoluta, e que não exclui a ponderação de outros elementos, só permitirá afirmar a ocorrência de transmissão se, em concreto, se manifestar a manutenção, na esfera do novo prestador, ou explorador de actividade, da identidade que caracteriza a unidade - vd., por tudo, e entre muitos outros, Acs. da RE de 16.09.2022 [Proc. nº 3037/20.0T8CBR.C1] e da RG de 13.10.2022 [Proc. nº 2758/20.1T8VCT.G1], ambos disponíveis in www.dgsi.pt]. ---
Como se dá nota no acórdão da RE de 16.09.2022, acima citado, no caso, em especial, das empresas de segurança, com actividade assente essencialmente em mão de obra, verificou-se particular debate e subsequente evolução no tratamento jurisprudencial da matéria, que ditaram viesse, desde há muito, a admitir-se que um conjunto organizado de trabalhadores, especial e duradouramente afectos a uma tarefa comum, pode constituir, na ausência de outros elementos organizacionais relevantes, uma unidade económica em si mesma. ---
Foi, de resto, nesse sentido que se decidiu: ---
- No Acórdão do TJUE, processo C-173/96, disponível in www.curia.europa.eu, no qual pode, com pertinência, ler-se que “(…) em certos sectores nos quais a actividade assenta essencialmente na mão-de-obra, um conjunto de trabalhadores que executa de forma durável uma actividade comum pode corresponder a uma entidade económica, é forçoso admitir que essa entidade é susceptível de manter a sua identidade para além da sua transferência, quando o novo empresário não se limita a prosseguir a actividade em causa, mas também retoma uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efectivos que o seu predecessor afectava especialmente a essa missão. Nessa hipótese, a nova entidade patronal adquire, com efeito, um conjunto organizado de elementos que lhe permitem a prossecução, de modo estável, das actividades ou de parte das actividades da empresa cedente”; ---
- E, entre outros, no Ac. da RP de 14.03.2022 [Proc. nº 2944/19.7T8MAI.P1], disponível in www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se ---
“I - A mera circunstância de a actividade exercida pelas Rés (empresas de segurança privada que se sucedem na prestação de serviços de vigilância e segurança junto de determinado cliente) serem semelhantes, senão mesmo idênticas, não permite concluir pela manutenção da identidade de uma entidade económica.
II - Uma entidade não pode ser reduzida à actividade de que está encarregada, a sua identidade resulta de uma multiplicidade indissociável de elementos como o pessoal que a compõe, o seu enquadramento, a organização do seu trabalho, os seus métodos de exploração ou ainda, sendo caso disso, os meios de exploração à sua disposição.
III - A identidade de uma entidade económica, como a que está em causa nos autos, que assenta essencialmente na mão-de-obra, não pode ser mantida se o essencial dos seus efectivos não for retomado pelo presumido cessionário.
IV - Não ocorre uma situação de transmissão de estabelecimento e, consequentemente, tenha aplicação o regime jurídico previsto no art. 285º, do CT/ 2009, quanto aos seus efeitos, quando uma empresa deixa de prestar serviços de vigilância e segurança junto de determinado cliente, na sequência de adjudicação, por este, de tais serviços de vigilância a outra empresa, sem que se tivesse verificado a assunção de qualquer trabalhador da anterior empresa e tão pouco qualquer transferência de bens ou equipamentos de prossecução da actividade susceptível de consubstanciar uma “unidade económica” do estabelecimento. (…)”
Mais recentemente, o Acórdão do TJUE, de 16.02.2023, proferido no âmbito do processo n.º C-675/21, firmou o seguinte entendimento: ---
 “(…) O artigo 1.º, n.º 1, da Directiva 2001/23 deve ser interpretado no sentido de que:
– Não é suscetível de ser abrangida pelo âmbito de aplicação desta directiva uma situação em que uma empresa prestadora de serviços que, para fazer face às necessidades de um dos seus clientes, tinha afectado a este último uma equipa composta por um certo número de trabalhadores que é substituída por esse cliente, passando os mesmos serviços a ser prestados por uma nova empresa prestadora e em que, por um lado, esta última assume apenas um número muito limitado dos trabalhadores que integravam essa equipa, sem que os trabalhadores reintegrados tenham competências e conhecimentos específicos indispensáveis para a prestação dos serviços ao referido cliente, e, por outro, não se verificou a transmissão para a nova prestadora de bens corpóreos ou incorpóreos necessários para a continuidade desses serviços. (…)”. ---
A antedita decisão foi proferida na sequência de pedido de reenvio prejudicial formulado pelo STJ, no âmbito do Proc. nº 445/19.2T8VLG.P1.S1, e com base na qual veio, aos 08.03.2023, a ser proferido acórdão, com o seguinte sumário: ---
“Em uma actividade que repouse essencialmente sobre a mão-de-obra a identidade da entidade económica não se mantém – e não há transmissão – quando o novo prestador de serviços não retoma o essencial dos efectivos, em termos de número e de competências, tanto mais que não foi provada a transmissão de know-how”. ---
Essa linha jurisprudencial tem vindo a ser, reiteradamente, afirmada pelo STJ, destacando-se, sem prejuízo de outros, os Acs. de 08.03.2023 [Proc. nº 2442/20.6T8PRT.P1.S2], de 29.03.2023 [Proc. nº 1340/21.0T8PNF.P1.S2], de 24.05.2023 [Proc. nº 10691/19.3T8PRT.P1.S1], de 13.09.2023 [Proc. nº 1150/20.2T8EVR.E1.S2], de 13.09.2023 [Proc. nº 11821/21.0T8LSB.L1.S1], de 13.09.2023 [Proc. nº 8068/20.7T8LSB.L1.S1], todos disponíveis in www.dgsi.pt. ---
A propósito da aplicação da doutrina dos anteditos acórdãos do TJUE e do STJ, escreveu-se, no acórdão da RP de 05.06.2023 [Proc. nº 563/20.4T8MAI.P1], disponível in www.dgsi.pt, com o que concordamos, que: ---
“(…) O facto de um prestador de serviços (…) perder um cliente em favor de um outro prestador de serviços não significa, em si mesmo, que haja transmissão de uma entidade económica que mantenha a sua identidade, na acepção da Directiva nº 2001/23/CE do Conselho, de 12 de Março de 2001. Com efeito, a mera prossecução da actividade não se identifica com tal transmissão.
Por outro lado, para realizar tal serviço o anterior prestador tinha um conjunto organizado de factores de produção afecto a essa tarefa, que se realiza nas instalações do cliente. Esse conjunto organizado de factores de produção é uma entidade económica e a sua existência enquanto tal não é prejudicada pela existência de requisitos legais específicos para a actividade de segurança privada. Com efeito, o que interessa é a existência em termos de gestão de uma organização de factores que pode ser “apropriada” pelo novo prestador e o que está em causa nestes casos é a eventual transmissão de uma entidade de uma empresa de segurança para outra empresa de segurança, a qual também tem que reunir os mesmos requisitos legais para o exercício da actividade.
No recente Acórdão de 16 de Fevereiro de 2023 o TJ veio reafirmar que a actividade de segurança de instalações repousa essencialmente sobre a mão-de-obra. Manteve, assim, a dicotomia que já reiteradamente afirmou entre as actividades que repousam essencialmente sobre a mão-de-obra e aqueloutras em que não se pode afirmar o mesmo e em que o equipamento, por exemplo, representa o factor de produção essencial (e o investimento essencial para a empresa). Nas actividades que assentam essencialmente na mão-de-obra, um conjunto estável de trabalhadores afectos duradouramente a uma tarefa pode representar uma entidade económica. E muito embora também aqui haja que recorrer ao método indiciário (nº 49 do Acórdão), assume grande relevo a questão de saber se se manteve ou não a maioria ou o essencial dos efectivos. O peso relativo dos indícios, como destaca o Tribunal, varia necessariamente em função da actividade exercida e dos métodos de produção e de exploração. Nestes casos em que, repete-se, a actividade repousa essencialmente sobre a mão-de-obra a identidade da entidade económica não se mantém – e não há transmissão – quando o novo prestador de serviços não retoma o essencial dos efectivos, em termos de número e de competências (nº 53 do Acórdão C-675/21). (…)”. ---
Com relevância, ainda, para o caso que nos toma, importa considerar, para além dos aspectos já acima assinalados, o seguinte: ---
- Estando em causa uma situação de sucessão de empresas prestadoras de serviços de vigilância e/ou segurança num determinado local, sem que elas contratem entre si – com cessação, portanto, do contrato celebrado por uma delas com o beneficiário da prestação, que vem a adjudicar os serviços em causa à outra -, tem vindo o TJUE, e desse há muito, a salientar, justamente, que o reconhecimento da transmissão, se dever ser o caso, não demanda a existência de relações contratuais directas entre elas – vd. acórdãos proferidos nos processos C-171/94 e C-172/94, de Março de 1996, e, mais recentemente, no Processo C-675/21, 16.02.2023, no qual pode ler-se que “A inexistência de vínculo contratual entre o cedente e o cessionário de uma empresa ou de um estabelecimento, ou de uma parte de empresa ou de estabelecimento, é irrelevante para a determinação da existência de uma transferência, na acepção desta directiva”; ---
- Para efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento apenas relevam os recursos e competências transferidos para o novo prestador do serviço de vigilância pelo anterior prestador, na medida em que, como se deixou expresso no Ac. do SJT de 13.09.2023 [Proc. nº 1150/20.2T8EVR.E1.S2], já acima mencionado, “Ao cliente/beneficiário (…) estará sempre associada uma organização mais ou menos estruturada e dotada de determinados recursos e factores de produção, que são seus, integrando por isso a sua empresa/estabelecimento, a sua unidade económica. Por isso, independentemente do grau em que os recursos próprios do cliente (ou o modelo organizacional por ele praticado) estejam afectos à actividade contratada, eles são naturalmente insusceptíveis de integrar a unidade económica do transmitente, a qual é a única que releva no plano da esfera do bloco normativo em análise. (…)”; ---
- Estando-se na presença de contrato de prestação de serviços de segurança em mais do que um posto, todos reunidos no mesmo contrato, a questão da assunção de uma unidade económica coloca-se em relação a cada posto, sendo, por conseguinte, por referência a cada um deles que, em concreto, se faz a aferição da existência de transmissão da unidade económica – vd., neste sentido, ac. da RP de 05.06.2023 [Proc. nº 563/20.4T8MAI.P1], já acima citado; ---
- No processo de sindicância de existência, ou não, de transmissão, irreleva a asserção de que da legislação aplicável ao sector, designadamente da emergente da Lei de Segurança Privada, possa resultar que a autonomia técnico-organizativa radique em uma “equipa organizada e hierarquizada de vigilantes”, na medida em que o fundamental para determinar a existência de uma transmissão, para efeitos do artº 285º do CT, é a manutenção da identidade da unidade económica, que reduzida à sua expressão mais simples, pode consistir, apenas, num conjunto organizado de trabalhadores especial e duradouramente afectos a uma determinada tarefa comum – neste sentido, ac. da RP citado no antecedente ponto, no qual se cita o STJ de 15.09.2021, onde se escreveu “[n]ão colhem os argumentos em sentido oposto [no sentido de que não existe uma unidade económica] aduzidos pela 1.ª Ré e retirados da Lei da Segurança Privada, os quais, no limite impediriam que houvesse qualquer transmissão de parte de empresa nesta área económica. O que se exige é que haja uma unidade económica e não que do ponto de vista jurídico esta unidade estivesse imediatamente capaz de funcionar isoladamente. Assim não se exige que a mesma tenha, ela própria, por exemplo, um alvará ou um director de segurança. Tais exigências não só frustrariam o escopo da directiva como seriam incompreensíveis em um caso como o presente em que o que se discute é se houve ou não a transmissão de uma entidade económica de uma empresa de segurança para outra empresa de segurança”. ---
Tecidas, na medida do necessário, até ao momento, as antecedentes considerações, é, agora, tempo de descer ao caso. ---
Pois bem. ---
Retomando o que se disse já acima, encontra-se assente que, exercendo o autor funções correspondentes à categoria profissional de Vigilante nas instalações de ... –... dos Correios ..., S.A., veio a prestação do correspondente serviço, que se encontrava atribuído à 2ª ré e que perdurou até ../../2021, a ser adjudicado à 1ª ré, na sequência de concurso público aberto para esse fim e com efeitos que se produziram a partir de ../../2021.
A 1ª ré prosseguiu, portanto, sem qualquer hiato temporal, actividade – de segurança e vigilância – com conteúdo material idêntico à que fora, até então, prestada pela 2ª ré, nas instalações do beneficiário/cliente. ---
Não bastando, contudo, e como, à abundância, se deixou acima exposto, a sucessão de prestadores no mesmo local, para que possa falar-se em transmissão, demonstrou-se que a 1ª ré prosseguiu actividade com utilização, como sucedida já antes com a 2ª ré, de meios pertença do cliente/beneficiário – mormente dos designados na al. h). ---
Contudo, como se salientou, também, supra, essa circunstância situa-se em patamar de irrelevância, já que o que está em causa é poder afirmar-se a existência na esfera do anterior prestador/explorador, a 2ª ré, de uma organização mais ou menos estruturada e dotada de determinados recursos e factores de produção, que, por serem próprios dela, 2ª ré, integravam a sua empresa/estabelecimento, a sua unidade económica, de tal sorte que pudesse falar-se da respectiva “apropriação” pela 1ª ré. ---
Fazemos, agora, parêntesis, para tratar da matéria que segue. ---
Demonstrou-se que a 1ª ré, não aceitando que tivesse ocorrido transmissão de estabelecimento, e, por conseguinte, que, por efeito do início da prestação que assumiu, tivesse adquirido a condição de empregadora do autor, deu a saber a este isso mesmo. ---
Mau grado esse posicionamento, a 1ª ré propôs ao autor celebrar com ele contrato de trabalho, com manutenção da sua antiguidade e direitos adquiridos em matéria remuneratória, o que pelo mesmo não foi aceite, por pretender continuar a exercer actividade no mesmo posto – as instalações dos Correios ... de ... – ... -, o que não iria suceder. ---
Ora, embora possa aceitar-se que o procedimento da 1ª ré aparenta encerrar paradoxo – que a mesma procurou justificar com o propósito de evitar conflitos, como aquele que se desenhou entre as partes -, a verdade é que é preciso ter presentes dois aspectos. ---
O primeiro deles é o de que a transmissão, ocorrendo, não tem, apenas, como efeito a manutenção da antiguidade e de direitos adquiridos em matéria remuneratória, importando acrescidamente, para o cessionário, a assunção da responsabilidade pelo pagamento de coimas, bem como pelos créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, e pelos encargos sociais correspondentes, mesmo tratando-se de obrigações vencidas até à data da transmissão, sem prejuízo de o cedente responder, solidariamente, com ele, nos termos e pelo prazo previstos pelo nº 6 do artº 285º do CT. ---
O segundo aspecto a salientar é o de que não deixou a 1ª ré de exigir que o autor assinasse contrato, para que pudesse integrar os seus quadros, o que, tendo justificação na posição que assumiu, de não aceitar a transmissão – e não, propriamente, nas disposições normativas citadas no articulado de contestação relativas às formalidades dos CIT exigidas para os trabalhadores enquadrados no sector de actividade em causa -, evidencia que, na vontade por si expressada, se estaria perante novo vínculo, vontade essa que, não tendo sido acolhida pelo autor, inviabilizou a celebração de contrato com ele. ---
Serve o que vem de dizer-se para significar que aquilo a que a 1ª ré se propôs – manter a antiguidade e a remuneração do autor – não permite tomar a parte pelo todo, de modo a legitimar a afirmação de que, em substância, com a proposta que dirigiu ao autor, se teria produzido efeito transmissivo. ---
Retomando a análise que acima se principiou, demonstrou-se que a 1ª ré veio a desenvolver a actividade para que foi contratada, nas instalações dos Correios ... ... – ..., alocando, para o efeito, um único vigilante, tal como, antes dela, a 2ª ré fizera já. ---
Esse vigilante pertencia, contudo, aos próprios quadros da 1ª ré, pelo que não pode dizer-se que esta tenha assumido quaisquer efectivos da 2ª ré, e, menos ainda, em número e competências. ---
A acrescer não logrou demonstrar-se que, importando a actividade outrora exercida pela 2ª ré nas instalações em causa um específico Know-how, que pudesse constituir elemento caracterizador da sua estrutura organizativa, tenha ocorrido a respectiva transferência para a 1ª ré. Registe-se, aliás, que uma boa parte da defesa da 2ª ré assentou na alegação de que o Know-how da actividade que desenvolveu proveio do cliente/beneficiário, alegação essa que, por se apresentar a par do argumento que radica na utilização de meios do adjudicante, não é atendível. O Know-how que se pressupõe “apropriado” ou transmitido para o presumido cessionário é o que constitui elemento da organização própria do presumido cedente. ---
Por todas as razões expostas, não pode afirmar-se que tenha ocorrido, da 2º para a 1ª rés, transmissão, enquadrável no regime jurídico previsto pelo artº 285º do CT, por não se ter verificado a assunção de qualquer trabalhador nem, tampouco, a transferência de bens – corpóreos ou incorpóreos, incluindo Know-how – que caracterizassem ou permitissem identificar a existência de estabelecimento como uma “unidade económica” dotada de autonomia e singularidade. ---
É de considerar, por conseguinte, que o autor se manteve como trabalhador da 2ª ré, e esta como sua empregadora. ---” (sublinhado nossos)

A extensa citação justifica-se por, ao invés do percepcionado pela recorrente, afigurar-se-nos que a decisão se encontra bem fundamentada, apenas não nos merecendo pleno acolhimento as partes que sublinhamos pois que se nos afigura correcto o entendimento da recorrente de “que os equipamentos retomados, ainda que propriedade da entidade adjudicante/cliente, são considerados para efeito de ponderação de transmissão de estabelecimento, se os mesmos forem efetivamente utilizados para prestar os serviços de vigilância, com exclusão das instalações que são objeto desses serviços”.
Só que a discordância que neste ponto a fundamentação jurídica da sentença nos merece não implica, a nosso ver, diferente decisão.

A recorrente enfatiza as “particularidades do caso concreto” em abono da discordância que – abrangendo o próprio dispositivo - preconiza, mas, a nosso ver, sem razão, não se descortinando que os factos patenteiem aqui qualquer circunstância que fuja da «normalidade» e que justifiquem decisão diversa da proferida pelo Tribunal recorrido.

Pretende a recorrente “EMP02...” que estando demonstrado que a recorrida “EMP01...” iniciou a sua prestação de serviços de vigilância privada, no mesmo local, com o mesmo número e categoria profissional de trabalhadores, recorrendo aos mesmos bens e equipamentos, pertencentes à cliente, tendo o mesmo objeto de prestação de serviços contratual, logo após a saída da recorrente, i.e., sem qualquer interrupção da atividade, sem que tivesse operado qualquer alteração ao serviço/funções de cabal relevância, o que prova que na esfera da transmitente, existia verdadeiramente uma unidade económica, dotada de uma concreta identidade, é contraditório que o Tribunal a quo decida pela não operabilidade da figura da transmissão de estabelecimento.

Mas será que estamos, in casu, perante parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica para efeitos da previsão da citada norma (art. 285.º CT)?

Defendem David Falcão e Sérgio Tenreiro Tomás que, “De acordo com a noção acolhida, para verificar se há transmissão, o primeiro passo é indagar se o objecto transmitido constitui uma unidade económica estável, autónoma e adequadamente estruturada; o segundo é aferir se tal unidade económica mantém a sua identidade própria, o que deve ser visível no exercício da actividade prosseguida ou retomada.” – in Transmissão da Unidade Económica e Suas Implicações no Contrato de Trabalho: Jurisprudência do TJUE e Jurisprudência Nacional, Questões Laborais, Ano XXIV, n.º 50, Almedina, pág. 23.
Também Monteiro Fernandes sustenta que “para haver transmissão relevante, é, em primeiro lugar, exigido que o “objecto” tenha as características de uma organização económica estável, isto é, destinada a perdurar para além de um negócio concreto” – António Monteiro Fernandes, Alguns aspectos do novo regime jurídico-laboral da transmissão de empresa ou estabelecimento, Questões Laborais, Ano XXV, n.º 53, Almedina, 2018, pág. 34.
Realçando igualmente esse aspecto de permanência temporal, David Carvalho Martins discorre que “(…) a autonomia técnico-organizativa, referida no art. 285.º, n.º 5, deve ser interpretada à luz da Diretiva: a unidade económica deve ser estável e dispor de uma suficiente autonomia funcional. Estas características devem preexistir à transmissão (…)” – in Novo Regime da Transmissão de Unidade Económica: Algumas Notas, Prontuário de Direito do Trabalho, CEJ, 2018-I, pág. 124.
Em idêntico sentido refere Júlio Gomes que “(…) existirá uma entidade económica quando a parte da empresa ou estabelecimento represente um conjunto de meios organizados, com suficiente autonomia para poder funcionar independentemente no mercado” – Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Coimbra Editora, pág. 815.
Milena Rouxinol diz, por seu lado, que “Bastará, para existir uma unidade económica, que seja possível identificar um conjunto de meios – corpóreos ou incorpóreos, humanos ou não – aptos ao exercício de uma atividade económica”, chamando a atenção que o TJUE tem vindo a identificar um conjunto de elementos capazes de fundar um juízo quanto à verificação ou não de um fenómeno transmissivo, adoptando um juízo de carácter tipológico, onde cada indício assume um valor relativo e variável em função do relevo atribuído aos demais – Milena Silva Rouxinol, Transmissão da unidade económica, Direito do Trabalho, Relação Individual, João Leal Amado, Milena Silva Rouxinol, Joana Nunes Vicente, Catarina Gomes Santos e Teresa Coelho Moreira, Almedina, 2019, pág.s 852 e 855.
Pela similitude de situações tratadas, traga-se aqui à colação o acórdão do TJUE de 19.10.2017 (“Securitas” contra “ICTS Portugal”), onde nomeadamente consta:
“31 Por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, à luz das considerações precedentes e tendo em conta todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa no processo principal, se esta deve ser considerada uma transferência de empresa, na aceção da Diretiva 2001/23.
32 Para este efeito, terá, nomeadamente, de verificar se a ICTS transmitiu à Securitas, direta ou indiretamente, equipamentos ou elementos corpóreos ou incorpóreos, para exercer a atividade de vigilância e de segurança nas instalações em causa.
33 Além disso, o referido órgão jurisdicional deverá verificar se esses elementos foram postos à disposição da ICTS e da Securitas pela Portos dos Açores. A este respeito, há que recordar que a circunstância de os elementos corpóreos indispensáveis ao exercício da atividade em causa no processo principal e retomados pelo novo empresário não pertencerem ao seu antecessor, mas terem sido simplesmente disponibilizados pelo contratante, não pode levar a excluir a existência de uma transferência de empresa ou de estabelecimento na aceção da Diretiva 2001/23 (acórdão de 26 de novembro de 2015, Aira Pascual e Algeposa Terminales Ferroviarios, C509/14, EU:C:2015:781, n.os 38 e 39) . Contudo, só os equipamentos que são efetivamente utilizados para prestar os serviços de vigilância, com exclusão das instalações que são objeto desses serviços, devem, se for caso disso, ser tomados em consideração para determinar a existência de uma transferência de uma entidade com manutenção da sua identidade, na aceção da Diretiva 2001/23 (acórdão de 29 de julho de 2010, UGTFSP, C151/09, EU:C:2010:452, n.° 31).”- consultável em curia.europa.eu.

Ora não nos parece que a recorrente tenha logrado provar factos suficientes para se poder concluir, com um mínimo de objectividade, que no âmbito do contrato de prestação de serviços de vigilância que fez com os Correios ... tinha alocado (ou deles usufruía) ao Posto dos Correios ... de ... meios - humanos, equipamentos, Know-how… - que constituíam uma unidade económica, como tal susceptível de ser transmitida para a nova empresa a quem foi adjudicada a prestação desse serviço.

Na verdade, e salvo melhor opinião, o ter-se provado que no desempenho das funções para que foi contratado, o autor (enquanto trabalhador da “EMP02...” a exercer funções no Posto dos Correios ... de ...) fazia uso, para além de equipamentos que lhe foram fornecidos pela 2ª ré, de meios pertença da entidade adjudicante, entre estes se incluindo os sistemas de controlo e segurança existentes nas instalações em causa, mormente os sistemas de detecção de intrusão, de detecção de incêndios e de videovigilância, mais fazendo uso de chaves, comandos, telefones e, se necessário, de computador (al. h) dos factos provados) é manifestamente insuficiente para aí identificarmos um conjunto de meios estruturados e que constituam uma “unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa” – cf. art. 285.º/5 do CT.

Ainda que se concluísse diferentemente, que existia uma unidade económica passível de ser transmitida, tal transmissão não teria operado.

Com efeito, como flui da fundamentação da sentença e o STJ tem consistentemente reafirmado “Em uma atividade que repouse essencialmente sobre a mão de obra a identidade da entidade económica não se mantém – e não há transmissão – quando o novo prestador de serviços não retoma o essencial dos efetivos, em termos de número e de competências (…)” - Ac. STJ de 08-03-2023, Proc. 445/19.2T8VLG.P1.S1, Júlio Gomes, www.dgsi.pt, e, do mesmo Relator, Ac. do STJ de 24-05-2023, Proc. 545/20.6T8PNF.P1.S1, também em www.dgsi.pt.
Sucede que o autor, único trabalhador da “EMP02...” que assegurava o serviço de vigilância no Posto dos Correios ... de ..., não passou a trabalhar aí sob a égide da recorrida “EMP01...”.

Muito embora a recorrente realce que a unidade económica «não foi transmitida por inerência a um comportamento da cessionária, o que, em abono da verdade, mais não é do que conceder todo o “poder” ao cessionário de originar ou obviar a transmissão de estabelecimento, concedendo àquela a possibilidade de subverter em absoluto a ratio e escopo da figura em causa», pois, neste caso, mediante ordens expressas do cliente neste sentido, a recorrida “EMP01...” não assumiu o trabalhador, não nos parece que esta argumentação seja procedente.

Em primeiro lugar, desconhecemos se foi pelo pedido expresso de substituição do trabalhador por parte do cliente que a “EMP01...” declarou não aceitar a transmissão ou até se foi por isso que propôs ao autor a celebração de um contrato de trabalho nos termos que ficou provado, pois sempre se pode admitir, e natural seria, que tomasse a mesma posição independentemente desse pedido e, por outro lado e mais importante, a possibilidade que a nova empresa tem de “subverter” o escopo da figura em causa (que não se resumirá ao aludido pela recorrente, como também e por ex., assegurar ao novo adjudicatário que recebe uma unidade económica operacional) não admitindo os trabalhadores que aí asseguravam a prestação do serviço por conta da anterior empresa é da natureza das coisas, ínsita a todas as situações em que o elemento humano assuma a mencionada preponderância, pois fazendo parte do âmago da unidade económica [no pressuposto que esta exista] a alternativa à verificação da efectiva transmissão dos meios humanos seria a mera ficção de que essa transmissão ocorreu, o que manifestamente extravasa da previsão legal

Depois, e repetindo, para que tivesse razão a recorrente e se pudesse concluir que houve transmissão de uma unidade económica da “EMP02...” para a “EMP01...” sempre seria necessário que, a montante, já houvesse uma unidade económica susceptível de ser transmitida.

Nem o decidido pelo Tribunal recorrido, quanto à inexistência de transmissão de unidade económica, atenta contra o princípio da segurança no emprego e a proteção dos direitos dos trabalhadores, v.g na vertente que proíbe os despedimentos sem justa causa.
           
Aqui chegados, a decisão recorrida só pode ser, como é, confirmada.

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da recorrente.
Notifique.
Guimarães, 06 de Fevereiro de 2025

Francisco Sousa Pereira (relator)
Antero Veiga
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso


[1] Ac. RG de 19.09.2024, Proc. n.º 2629/23.0T8VRL.G1, Vera Sottomayor