Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2266/24.1T8BCL.G1
Relator: MARIA GORETE MORAIS
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO
ÓNUS DA PROVA
INEXIGIBILIDADE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
GRAVIDADE DO DANO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A previsão das diversas alíneas do nº 2 do artigo 1083º do Código Civil não pode ser dissociada do requisito geral que consta do corpo desse número (inexigibilidade, ao senhorio, de manutenção do contrato por força da gravidade ou das consequências do incumprimento do arrendatário), porque é este requisito que permite distinguir as situações de incumprimento cuja gravidade justifica a resolução do contrato das situações de incumprimento que, pelo seu carácter isolado ou pela sua irrelevância ou insignificância, não poderão ter idoneidade, em face dos princípios gerais de Direito e das regras de boa-fé, para determinar a cessação da relação contratual.
II – Daí que a mera constatação de uma situação enquadrável na previsão das referidas alíneas não baste para conferir ao senhorio o direito de resolver o contrato.
III - O dano não patrimonial não reside em factos, situações ou estados mais ou menos abstratos aptos para desencadear consequências de ordem moral ou espiritual sofridas pelo lesado, mas na efetiva verificação dessas consequências.
IV- A avaliação da gravidade do dano não patrimonial, para efeitos de compensação, tem de aferir-se segundo um padrão objetivo.
V- A essa luz, os meros transtornos, incómodos, desgostos e preocupações cuja gravidade e consequências se desconhecem não podem constituir danos não patrimoniais ressarcíveis.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

BB e CC intentaram a presente ação declarativa sob a forma comum contra DD, peticionando que:

- Se condene o réu a reconhecer a cessação do contrato de arrendamento por ter operado a sua denúncia e a fazer a entrega do locado, livre de pessoas e bens, bem como a pagar em dobro o valor devido a título de renda mensal, desde 31 de julho de 2024 até efetiva entrega do imóvel.
Subsidiariamente, caso se considere que o contrato de arrendamento não cessou por denúncia:
- seja declarada a resolução do mesmo em face dos factos praticados pelo réu, sendo este condenado na entrega do locado, livre de pessoas e coisas, bem como a pagar o valor devido a título de renda mensal desde 31 de julho de 2024 até efetiva entrega do imóvel.

Cumulativamente, e em qualquer caso:
- a condenação do réu a pagar a quantia de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso na entrega do imóvel, a proceder às reparações necessárias para restituir o locado ao estado em que a recebeu ou, em alternativa, a pagar a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) e, ainda, a pagar a quantia de € 3.000,00 (três mil euros) a título de danos morais.

Para substanciar tais pretensões alegam que são donos do prédio sito na Rua ..., em ..., ..., tendo celebrado com o réu contrato de arrendamento para fins habitacionais, pelo prazo de cinco anos, renovável por três anos, com início a 1 de agosto de 1998, tendo por objeto mediato o ... desse prédio.
Acrescentam que, cumprindo a antecedência estipulada, procederam à denúncia do mencionado contrato de arrendamento, sem que o réu tenha procedido à entrega do imóvel na data em que a denúncia operou os seus efeitos, sendo que, desde essa data, deixou de proceder ao pagamento das rendas mensais.
Referem que, desde março de 2023, o réu vem prejudicando gravemente o sossego dos autores e demais arrendatários que residem no imóvel, fazendo barulho durante a noite e insultando e assustando os autores e que, em contravenção com o estipulado no contrato, colocou no imóvel a morar consigo duas irmãs, sem que os autores o tenham autorizado.
Alegam ainda que o réu partiu a caixa do correio e fez uma pintura tosca na parede que confronta com a via pública, deixando-os envergonhados e embaraçados.
Citado, o réu apresentou contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação. Deduziu exceção perentória impeditiva da eficácia da oposição à renovação contratual, alegando que, à data da entrada em vigor da Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro, residia no locado há mais de 20 anos e tinha mais de 65 anos de idade, pelo que ao senhorio apenas era permitida a denúncia do contrato com fundamento no artigo 1101º, alínea b), do Código Civil. Acrescentou que foram os Autores que recusaram o recebimento das rendas a partir de 31 de julho de 2024, em consequência do que se viu forçado a proceder ao respetivo depósito.
Adiantou que a irmã EE não reside consigo no locado, sendo que apenas ali pernoita quando o visita, admitindo que a irmã FF reside no locado por consigo viver em economia comum.
Acrescenta que a caixa do correio se deteriorou com o tempo, não tendo os senhorios procedido à sua substituição, razão pela qual a tentou reparar, rejeitando, porém, a existência de qualquer pintura tosca.
Por último, afirma que nunca foi informado que o seu comportamento importunasse o sossego dos demais vizinhos.
No cumprimento do contraditório, os autores responderam à exceção invocada pelo Réu mediante requerimento dado entrada em 6.2.2025.
Dispensou-se a realização da audiência prévia, sendo proferido despacho saneador no qual se julgou procedente a exceção perentória impeditiva da eficácia da oposição à renovação contratual.
Realizou-se a audiência final com observância de todos os formalismos legais, conforme documentado em ata, tendo sido proferida sentença, onde se decidiu pela improcedência total dos pedidos aduzidos pelos demandantes.
Não se conformando com o assim decidido, vieram os autores interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES

1. O Tribunal a quo deveria ter decretado a resolução do contrato de arrendamento, com a consequente obrigação de entrega do imóvel livre e devoluto, e independentemente disso, condenar o réu no pagamento da quantia de € 3.000,00 (três mil euros) a título de danos morais, em virtude da violação operada pelo mesmo das regras de sossego e boa vizinhança, causando medo e perturbação aos autores.
2. A Douta Sentença recorrida, não obstante ter dado como provado que o Réu violou grosseiramente as regras de sossego, higiene e vizinhança considerou que, no caso concreto, tal não poderia fundamentar a resolução do contrato, o que com o devido respeito não se aceita.
3. Os Recorrentes são pessoas já de avançada idade, que vivem sozinhos e não se conseguem impor, e mesmo defender-se perante o Recorrido, tendo que ser o vizinho, e inquilino, GG, que viu os autores assustados com a abordagem do Réu a retira-lo das escadas de acesso à habitação dos autores.
4. O Réu age em total desrespeito pelas regras básicas de educação, cidadania e vizinhança, e em inúmeras de vezes, no período noturno, chegava alcoolizado do café e fazia barulho.
5. Implicou com a vizinha AA, dizendo-lhe que não podia ter cães no locado, quando os senhorios a tal não se opunham (facto provado em 6 e 7), e gera desassossego e perturbação.
6. Não faz parte da normalidade da vida que nas relações de vizinhança se devam tolerar comportamentos como aqueles que se provaram, e muito menos que os Recorrentes sejam obrigados, na sua própria habitação, a sentir medo e receio das atitudes do Réu. Não estão os recorrentes obrigados a suportar com o barulho e incómodos próprios das chegadas noturnas do Réu, completamente alcoolizado.
7. O artigo 1083.º, n.º 2, al. a), do Código Civil, é bem claro a este propósito, quando dispõe que essa resolução pode derivar da “violação das regras de sossego e de boa vizinhança”. E não é necessário sequer, como antes sucedia, que se trate de uma violação reiterada, pelo que deveria ter sido decretada a resolução do contrato e consequente devolução do imóvel livre e devoluto.
8. De igual modo entendeu a decisão recorrida que o facto de o Réu ter cedido o gozo do prédio à irmã FF não configura motivo de resolução, o que não se aceita.
9. O Réu celebrou o contrato de arrendamento foi para aí residir sozinho em 28 de julho de 1998, conforme consta do contrato na sua cláusula quinta.
10. Quando a irmã do Réu para aí se deslocou, há 13 anos, obviamente que não residia com aquele em economia comum, e uma vez que se trata de um facto duradouro nos termos do artº1085º nº3 não ocorre a caducidade do direito de invocar tal facto.
11. O Réu violou o seu dever de não ceder onerosa ou gratuitamente o direito de arrendamento nos termos do artigo 1038º alínea f) do Código Civil, o que sustenta a resolução do contrato de arrendamento ao abrigo do artigo 1083.º, n.º 2, alínea e), do Código Civil.
12. Quanto à indemnização a título de danos não patrimoniais rege o disposto no art.º 496º do Código Civil.
13. De acordo com o aludido normativo, os danos não patrimoniais que são indemnizáveis, quando pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito, consequência do princípio da tutela geral da personalidade (art.º 70º, do Código Civil).
14. Ficou provado que as descritas condutas do Réu provocaram aos Autores medo, deu-se como provado que os autores sentem medo das atitudes do réu, temendo que este tente novamente subir ao ... andar da sua habitação, e ainda que “A autora CC recolhe à sua habitação quando vê o réu chegar”.
15. Nos termos do artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa todos temos direito à liberdade e à segurança, mas a Autora CC vê essa liberdade e segurança posta em causa, e o Digno Tribunal considerou que tal não merece a tutela do direito, o que não se concebe.
16. Aplicando os critérios aludidos no art.º 494° do Código Civil, que o art.º 496º, nº 3 do mesmo diploma, que manda tomar em linha de conta na fixação da indemnização devida por este tipo de danos, nomeadamente o elevado grau de culpabilidade do Réu (como o comprova a reiteração dos comportamentos e o desrespeito pelos direitos dos vizinhos e senhorios), a situação económica deste e a dos lesados, dever-se-á arbitrar a favor dos Autores uma indemnização por danos não patrimoniais de € 3000,00 euros, conforme peticionado.
17. A decisão recorrida viola entre outros o disposto nos artigos, nas als. a) e f) do nº 2 do artigo 1083º, art.º 70º, e 494°e 496º todos do Código Civil.
Termos em que, deverá ser julgado procedente por provado o presente recurso, decretando-se a resolução do contrato e ordenando-se a entrega pelo Réu do imóvel livre e devoluto aos Autores, tudo sem prejuízo do arbitramento de indemnização no valor de 3000,00 euros a pagar pelo Réu aos Autores a título de danos não patrimoniais, fazendo, deste modo, Vossas Excelências, como sempre, inteira JUSTIÇA.
*
O réu apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.
*
Após os vistos legais, cumpre decidir.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Código de Processo Civil[1].
Como assim, atentas as conclusões formuladas, são as seguintes as questões a decidir:
a) Saber se há fundamento para ser decretada a resolução do ajuizado contrato de arrendamento, por facto imputável ao réu arrendatário, por violação das regras de sossego e de boa vizinhança e inobservância do dever de não ceder onerosa ou gratuitamente o gozo do locado;
b) saber se se mostram reunidos os pressupostos normativos para atribuição da compensação peticionada pelos demandantes a título de danos de natureza não patrimonial ocasionados pelo réu.
***
III. FUNDAMENTOS DE FACTO

1. Factualidade considerada provada na sentença

Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
1- O autor é o titular inscrito, para efeitos fiscais, do prédio urbano sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...90 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...33.
2- Em 28 de julho de 1998, os autores e o réu subscreveram um documento intitulado «contrato de arrendamento para habitação em período limitado (5 anos)», no qual consta:
«Entre si estabelecem o presente contrato de arrendamento para habitação de duração limitada, que tem por objecto a fracção autónoma designada pela letra “…”, de que os primeiros outorgantes são legítimos donos e possuidores, correspondente ao …. do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...33-.... […]
Primeira – O prazo de duração do arrendamento é de cinco anos, com início em 01/08/98, e com termo em 01/08/03, sendo as suas legais prorrogações de três anos, salvo regime especial, caso não seja denunciado no seu termo.
Segunda – A renda anual é de Esc. 240.000$ (duzentos e quarenta mil escudos), a pagar mensalmente em duodécimos de 20.000$ (vinte mil escudos), ao senhorio, ou ao seu representante legal, na respetiva residência, ou através de depósito ou transferência bancária a efetuar em conta numa instituição de crédito da respectiva residência.
(…)
Quinta – O local arrendado destina-se exclusivamente a habitação do segundo outorgante, não lhe podendo ser dado outro fim ou uso sob pena de resolução contratual. O segundo outorgante não pode sublocar ou ceder, no todo ou em parte, onerosa ou gratuitamente por qualquer forma os direitos do arrendamento, ou dar destino diferente ao mesmo sem consentimento expresso e por escrito do senhorio.
(…)
Oitava – a) Ao segundo outorgante não é permitido fazer obras ou benfeitorias sem autorização dos primeiros outorgantes, por escrito e devidamente autenticada, a não ser as de conservação e limpeza necessárias que, desde já, se estipulam ser de obrigação do inquilino; b) Todas as obras de conservação e limpeza necessárias, bem como autorizadas nos termos da alínea anterior, ficam a pertencer ao prédio em que se integram, sem que o inquilino possa alegar o direito de retenção ou exigir o pagamento de qualquer indemnização.»
3- A 25/09/2024, o valor de renda cifrava-se em € 105,92.
4- No ... do prédio urbano descrito em 1) reside GG, inquilino dos autores.
5- Os autores residem no ... andar de um imóvel contíguo ao prédio urbano descrito em 1), sendo que no ... desse mesmo imóvel reside AA, inquilina dos autores.
6- Em março de 2023, o réu abordou AA dizendo-lhe que esta não podia ter cães no imóvel.
7- Os autores sempre autorizaram os inquilinos dos imóveis descritos em 1) e em 4) a possuírem animais no locado.
8- Em data não concretamente apurada, o réu dirigiu-se à residência dos autores, em tom de voz elevado e em jeito agressivo, enquanto lhes exigia que assinassem um papel de conteúdo não apurado.
9- O inquilino GG viu os autores assustados com a abordagem descrita em 8) e retirou o réu das escadas de acesso à habitação dos autores.
10- A caixa de correio afeta à residência do réu encontra-se destruída.
11- O réu tentou arranjar a caixa do correio, sem sucesso, manchando parte do muro branco com a tinta verde da caixa.
12- Na sequência do descrito em 11), os autores pediram ao réu para limpar o muro, tendo este pintado o muro de cor ....
13- Em número de vezes não concretamente apurado, no período noturno, o réu chegou alcoolizado do café, fazendo barulho.
14- FF, irmã do réu, reside no ... do imóvel descrito em 1), pelo menos há 13 anos.
15- EE, irmã do réu, reside em ..., visitando os irmãos e permanecendo no ... do imóvel descrito em 1), por períodos de cerca de uma semana, o que sucede, pelo menos, de dois em dois meses.
16- Em consequência do descrito em 8), 9) e 13), os autores sentem medo das atitudes do réu, temendo que este tente novamente subir ao ... andar da sua habitação.
17- A autora CC recolhe à sua habitação quando vê o réu chegar.
18- O réu procedeu ao pagamento da renda de julho de 2024.
19- O réu procedeu ao depósito das rendas relativas aos meses de agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2024, cada uma no valor de € 105,92, junto da Banco 1....
*
2. Factualidade considerada não provada na sentença

O tribunal de 1ª instância considerou não provada a seguinte matéria de facto:
a) Em data não concretamente apurada, o réu partiu a caixa do correio afeta à sua residência.
b) Os autores pediram ao réu para colocar uma caixa de correio nova.
c) O réu pintou o muro descrito em 11) de forma tosca e sem autorização dos autores.
d) Os autores sentem-se envergonhados e embaraçados com a destruição da caixa do correio e a pintura do muro realizada pelo réu.
e) O réu nunca foi informado que o seu comportamento estava a perturbar o sossego dos demais inquilinos.
***
IV. FUNDAMENTOS DE DIREITO

Como emerge do substrato factual apurado, entre autores e réu vigora um contrato de arrendamento para fins habitacionais que tem por objeto mediato o ... do prédio urbano sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...90 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...33.
Como se deu nota, na sequência da decisão prolatada no despacho saneador (onde se decidiu pela inverificação dos pressupostos para operar a “denúncia” da ajuizada relação arrrendatícia), a presente demanda prosseguiu para aferir da existência de algum dos fundamentos resolutórios invocados pelos autores.
Na sentença sob censura concluiu-se pela inexistência de fundamento que legitimasse a impetrada resolução contratual, na justa medida em que o tecido fáctico provado não permite razoavelmente concluir que a conduta do réu tornou inexigível a subsistência da relação arrendatícia.
Os apelantes insurgem-se contra tal ato decisório no segmento em que se decidiu não decretar a resolução do contrato de arrendamento, com fundamento na alegada violação das regras ínsitas nas als. a) e f) do nº 2 do art. 1038º do Código Civil.
Argumentam, para tanto, resultar da materialidade provada que o réu inobservou as regras de sossego e de boa vizinhança que sobre ele impendem, causando medo e perturbação aos autores que sendo pessoas já de avançada idade, vivem sozinhas e não se conseguem impor, chegando ao locado, em inúmeras vezes, no período noturno, alcoolizado e fazendo barulho, tendo ainda implicado com a vizinha AA, dizendo-lhe que não podia ter cães no locado, quando os senhorios a tal não se opunham.
De igual modo sustentam que o demandado violou o dever de não ceder onerosa ou gratuitamente o gozo do locado, por permitir, em desrespeito do que expressamente consta do contrato (cfr. cláusula 5ª), que no locado resida a sua irmã FF.
Vejamos, então, se lhes assiste razão.                        
Começando pela questão atinente à alegada violação do dever de não ceder onerosa ou gratuitamente o gozo do locado, com relevância para a sua apreciação, resultou provado que:
2 - Em 28 de julho de 1998, os autores e o réu subscreveram um documento intitulado «contrato de arrendamento para habitação em período limitado (5 anos)», no qual consta:
«Entre si estabelecem o presente contrato de arrendamento para habitação de duração limitada, que tem por objecto a fracção autónoma designada pela letra “…”, de que os primeiros outorgantes são legítimos donos e possuidores, correspondente ao …. do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...33-.... […]
Quinta – O local arrendado destina-se exclusivamente a habitação do segundo outorgante, não lhe podendo ser dado outro fim ou uso sob pena de resolução contratual. O segundo outorgante não pode sublocar ou ceder, no todo ou em parte, onerosa ou gratuitamente por qualquer forma os direitos do arrendamento, ou dar destino diferente ao mesmo sem consentimento expresso e por escrito do senhorio.
14 - FF, irmã do réu, reside no ... do imóvel descrito em 1), pelo menos há 13 anos.
15 - EE, irmã do réu, reside em ..., visitando os irmãos e permanecendo no ... do imóvel descrito em 1), por períodos de cerca de uma semana, o que sucede, pelo menos, de dois em dois meses.
Tendo por referência essa materialidade, importa dilucidar se a mesma é, ou não, passível de preencher a causa resolutória prevista na alínea e) do nº 1 do art. 1083º do Cód. Civil, onde se dispõe que «É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio, a cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, do gozo do prédio, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio».
Na sentença recorrida respondeu-se negativamente a essa questão, por se entender que a referência vertida no artigo 1093º, nº 1, alínea a), do Código Civil, a “habitação exclusiva do arrendatário” tem que ser entendida como abrangendo o seu agregado familiar, em que se incluem todas as pessoas que vivem em economia comum com o arrendatário, como é o caso de sua irmã FF.
Os apelantes rebelam-se contra esse entendimento porquanto o Réu quando celebrou o contrato de arrendamento foi para aí residir sozinho em 28 de julho de 1998, conforme consta do contrato na sua cláusula quinta, sendo que quando a sua referida irmã para aí se deslocou, há 13 anos, obviamente que não residia com aquele em economia comum.

Que dizer?
 Dispõe, a este respeito, a alínea a) do nº 1 do art. 1093º do Cód. Civil que «nos arrendamentos para habitação podem residir no prédio, além do arrendatário todos os que vivam com ele em economia comum».
Por seu turno, o nº 2 do mesmo normativo preceitua que se consideram «sempre como vivendo com o arrendatário em economia comum (…) os seus parentes até ao 3º grau da linha colateral, ainda que paguem alguma retribuição».
Ora, tendo resultado demonstrado que a referida irmã do réu reside no locado, há já mais de treze anos, aí pernoitando, fazendo refeições e ali sendo o centro da sua vida quotidiana, não pode deixar de se entender que a mesma vive em “economia comum” com o arrendatário para os efeitos da alínea a), do n.º 1, do citado artigo 1093.º[2]. Em todo o caso, sendo irmã do réu (portanto, sua parente no 3º grau da linha colateral), sempre se presumiria que ali reside em economia comum, em conformidade com o previsto no n.º 2 do mesmo preceito legal, o que os autores não lograram ilidir.
Face ao exposto, a circunstância de a mencionada irmã residir no locado nas descritas condições, não constitui qualquer violação contratual por banda do demandado passível de ser subsumida à fattispecie da al. e) do nº 2 do art. 1083º do Cód. Civil.
Neste conspecto, não será outrossim despiciendo sublinhar que sendo do conhecimento dos autores que a mesma aí reside, pelo menos, há 13 anos, sem que, em algum momento, se tenham insurgido contra essa fruição[3], não poderia esse seu comportamento deixar de ser catalogado como consubstanciador de um reconhecimento dessa utilização, que sempre inviabilizaria um pedido de resolução contratual, em conformidade com o disposto no artigo 1049º do Código Civil.
De igual modo, no concernente à outra irmã do réu, CC, como deflui do substrato factual apurado, a mesma não reside no locado, apenas ocasionalmente aí pernoitando quando visita os irmãos – o que ocorre cerca de uma semana, de dois em dois meses –, o que se não pode deixar de considerar-se coberto pelas regras de normalidade de vivência social e familiar, não comportando qualquer cessão onerosa ou gratuita da posição jurídica de arrendatário e muito menos sublocação ou comodato, que comporte um incumprimento do disposto no artigo 1038º, alínea f), e que sustente a resolução do contrato de arrendamento ao abrigo do artigo 1083º, n.º 2, alínea e), do Código Civil.

Passando agora à análise do fundamento resolutório consistente na alegada violação das regras de sossego e de boa vizinhança, com relevância para esta questão, resultou provado:
(…)
4 - No ... do prédio urbano descrito em 1) reside GG, inquilino dos autores.
5 - Os autores residem no ... andar de um imóvel contíguo ao prédio urbano descrito em 1), sendo que no ... desse mesmo imóvel reside AA, inquilina dos autores.
6 - Em março de 2023, o réu abordou AA dizendo-lhe que esta não podia ter cães no imóvel.
7 - Os autores sempre autorizaram os inquilinos dos imóveis descritos em 1) e em 4) a possuírem animais no locado.
8 - Em data não concretamente apurada, o réu dirigiu-se à residência dos autores, em tom de voz elevado e em jeito agressivo, enquanto lhes exigia que assinassem um papel de conteúdo não apurado.
9 - O inquilino GG viu os autores assustados com a abordagem descrita em 8) e retirou o réu das escadas de acesso à habitação dos autores.
(…)
13- Em número de vezes não concretamente apurado, no período noturno, o réu chegou alcoolizado do café, fazendo barulho.
16 - Em consequência do descrito em 8), 9) e 13), os autores sentem medo das atitudes do réu, temendo que este tente novamente subir ao ... andar da sua habitação.
Perante o descrito quadro factual, pode concluir-se que o réu não tem pautado o seu relacionamento com os senhorios e os demais inquilinos por uma atitude de “sã convivência”.
Questão que se coloca é a de apurar se esse comportamento, apesar de inadequado, poderá justificar a impetrada resolução contratual à luz do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 1083º do Código Civil, onde se postula constituir «fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio, a violação de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio».
Também a essa questão o decisor de 1ª instância respondeu negativamente, por considerar que a conduta do réu não assume a gravidade legalmente suposta para legitimar a aludida pretensão resolutória, manifestando o entendimento de que a operância da causa de resolução em crise não se basta com a demonstração dos factos integradores previstos nessa alínea, tornando-se igualmente mister aferir do preenchimento do critério padrão contido no seu proémio.
Os apelantes discordam da interpretação da norma citada que esteve subjacente à decisão recorrida, sustentando que, ao contrário do que aí se considerou, as situações previstas nas alíneas do nº 2 valem por si e que, uma vez verificadas, cabem, por definição, na cláusula geral prevista no mesmo nº 2, ou seja, uma vez verificada uma situação prevista em tais alíneas, a lei considera necessariamente verificado o incumprimento grave que torna inexigível a manutenção do contrato.
Como é consabido, a questão que é colocada no presente recurso não tem obtido respostas unívocas quer na doutrina, quer na jurisprudência.
De facto, há quem entenda que as situações previstas nas diversas alíneas do nº 2 do art. 1083º do Cód. Civil são autênticos fundamentos de resolução do contrato que funcionam por si e independentemente de qualquer outro facto, correspondendo a situações que o legislador definiu como situações de incumprimento do arrendatário que tornam inexigível a manutenção do arrendamento pelo senhorio. É essa a posição adotada por Jorge Henrique Pinto Furtado[4] quando afirma que tais situações correspondem a “…casos típicos de resolução; não meras presunções ilidíveis de inexigibilidade da manutenção do arrendamento pelo senhorio”; quando diz que “Provados tais factos, nenhum juízo de valor se tem de lhe acrescentar para se constituir ou afastar o direito à resolução por parte do senhorio” e quando escreve o seguinte: “Os casos que se enunciam a seguir são, assim, autênticos fundamentos de resolução, como lhes chama a lei; não, meras presunções iuris tantum da inexigibilidade ao senhorio da manutenção do contrato.
Verificado qualquer deles, não poderá, pois, ainda, provar-se que, não obstante a sua ocorrência, não será inexigível ao senhorio a manutenção do contrato, afastando-se deste modo a resolução – permita-se-nos o plebeísmo – pela porta do cavalo”.
Mas também há quem entenda que as situações tipificadas nas referidas alíneas só poderão constituir fundamento de resolução do contrato se preencherem a cláusula geral prevista no citado nº 2, ou seja, se a sua gravidade ou consequências tornarem inexigível a manutenção do contrato pelo senhorio. É este o entendimento adoptado por Maria Olinda Garcia[5] e é essa também a posição adoptada por Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge[6] quando afirmam: Em face da indispensabilidade do preenchimento do conceito geral de justa causa, incumbirá ao senhorio, autor na acção de despejo, o ónus da alegação e da prova (cfr. art.º 342.º do CC) de factualidade subsumível, não apenas nas diferentes alíneas do n.º 2 ou no n.º 3 do art.º 1083.º (quando seja caso disso), mas também, na cláusula geral constante da 1.ª parte do n.º 2”.
E há ainda quem adote uma solução intermédia[7], sustentando que a verificação de uma das situações tipificadas nas alíneas do citado nº 2 faz presumir a inexigibilidade da manutenção do contrato, de tal modo que o locador apenas tem o ónus de alegar e provar os factos que integrem uma dessas situações, cabendo ao arrendatário o ónus de ilidir aquela presunção, alegando e provando factos dos quais resulte que continua a ser objectivamente razoável a manutenção do contrato.
Na nossa perspetiva, as situações previstas nas diversas alíneas do nº 2 da norma citada não podem ser desligadas da cláusula geral que se encontra prevista na 1ª parte do mesmo número, ao ponto de se afirmar que a verificação dessas situações constitui automaticamente fundamento para a resolução do contrato, independentemente de qualquer outro facto ou circunstância.
Pensamos, na verdade, que a inexigibilidade, para o senhorio, da manutenção do contrato (exigida na 1ª parte do citado nº 2) é um pressuposto fundamental do direito à resolução do contrato.
Desde logo, porque a regra geral em matéria de contratos é o de que a resolução não se basta com um qualquer incumprimento independentemente da sua gravidade; veja-se que o artigo 802º, nº 2, do Cód. Civil, veda ao credor a possibilidade de resolver o contrato se o incumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância.
Por outro lado, ainda que as situações tipificadas nas citadas alíneas correspondam a exemplos de incumprimento do arrendatário que poderão determinar a resolução do contrato, a verdade é que há uma grande multiplicidade de situações que, apesar de poderem ser incluídas na previsão dessas alíneas, apresentam uma gravidade substancialmente diferente e não parece que se contenha dentro do pensamento legislativo a possibilidade de resolver o contrato com base em incumprimentos que, sendo pontuais e isolados, não apresentam, em termos objetivos, qualquer relevância para o senhorio.
Atente-se que, por exemplo e no que ao caso releva, na situação prevista na alínea a) que, após a alteração introduzida pela Lei nº 31/2012, alude apenas a “violação de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio”, revelando-se injustificado que uma violação pontual e isolada de uma regra de sossego ou boa vizinhança, por irrelevante que seja, possa fundamentar a resolução do contrato.
É bom que se diga, aliás, que mesmo quem entenda que as situações previstas nas citadas alíneas constituem, só por si, fundamento para a resolução do contrato independentemente de qualquer outro facto, não deixa de aludir ao critério geral definido na 1ª parte da norma para determinar as situações que devem considerar-se abrangidas na previsão de cada uma das alíneas com vista a excluir aquelas que se revestem de menor gravidade. É o que faz Jorge Pinto Furtado quando afirma, a propósito da situação prevista na alínea b), que não basta para preencher a previsão legal uma violação isolada e instantânea e dizendo que “Pesa ainda nesse sentido o carácter genericamente referido no corpo do nº 2 do art. 1083 CC de não relevar um incumprimento menor do arrendatário, mas unicamente aquele que, “pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”; a gravidade e as consequências dependem, naturalmente, muito da reiteração, pois só raramente um uso esporádico apresentará gravidade ou acarretará consequências ponderosas[8], ou quando escreve, a propósito da alínea c), o seguinte: “Questão distinta será, todavia, a de ser de escassa importância a dimensão do fim diverso, já porque se reconduziu a um acto esporádico já porque, embora permanente, se traduza numa diversificação insignificante e negligenciável do destino legítimo (…) Segundo o Direito geral, o credor não poderá resolver o negócio jurídico “se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância” (artigo 802-2 CC) – e não se vê razão plausível para excluir o arrendamento urbano de semelhante princípio[9].
E nem poderia ser de outro modo, uma vez que, sendo inaceitável, à luz do Direito e à luz das regras de boa-fé, a resolução de um contrato com fundamento em incumprimentos de escassa ou nula relevância ao nível da respetiva gravidade e das suas consequências, o exercício desse direito de resolução sempre teria que ser impedido nem que fosse por via do abuso de direito.
Entendemos, assim, - na esteira, aliás, do posicionamento que maioritariamente vem sendo acolhido na jurisprudência[10] -, que a mera constatação de uma situação enquadrável na previsão das referidas alíneas não basta para conferir ao senhorio o direito de resolver o contrato; a previsão dessas alíneas não pode ser dissociada do requisito geral que consta do corpo do nº 2, porque é este requisito que permite distinguir as situações de incumprimento cuja gravidade justifica a resolução do contrato das situações de incumprimento que, pelo seu carácter isolado ou pela sua irrelevância ou insignificância, não poderão ter idoneidade, em face dos princípios gerais de Direito e das regras de boa-fé, para determinar a cessação da relação contratual.
Sob esse enfoque não antolhamos fundamento para divergir do sentido decisório adrede acolhido na sentença recorrida.
Como aí se escreve «no caso concreto nenhuma das [demonstradas] condutas do réu adquiriu a consistência necessária para se poder concluir por uma violação com gravidade das regras de boa vizinhança.
A primeira porque, em rigor, se tratou de uma mera desavença quanto à utilização das partes comuns de um imóvel com relações de vizinhança vertical e horizontal, concretamente com a permanência de animais de estimação nessas zonas comuns, sendo certo que este tipo de comportamentos ocorre diariamente em diversos imóveis, sem que revista a gravidade capaz de comportar a cessação dos respetivos contratos de arrendamento, fazendo perigar o direito à habitação.
A segunda porque, tomada de per si, sem outra factualidade que a circunstancie, não se mostra com a gravidade exigível para a cessação do contrato de arrendamento, tanto mais quando não justificou sequer, por parte dos autores, a apresentação de queixa-crime contra ao réu. De facto, atenta a factualidade dada como assente, o referido evento afigura-se como um caso isolado, em que a conduta do réu se pautou pela “pouca urbanidade”, mas sem que assuma a gravidade bastante para fundar um juízo de inexigibilidade quanto à manutenção do contrato de arrendamento.
A terceira porque resultou por demonstrar a frequência com que o réu chegava alcoolizado durante a noite, bem como o modo como perturbava os demais arrendatários, sendo certo que, nenhum deles, apresentou alguma vez queixa-crime com fundamento na perturbação do seu sossego, o que seria natural caso o dito ruído fosse insuportável e inviabilizasse o descanso e repouso».
As razões assim alinhadas no ato decisório sob censura afiguram-se-nos ser de acolher, sendo que o descrito comportamento do demandado, pela sua própria natureza e pelas suas consequências, não comporta, quanto a nós, a gravidade que sustente um juízo de inexigibilidade de manutenção do ajuizado contrato de arrendamento por parte dos senhorios, nos moldes exigidos pelo n.º 2 do artigo 1083º do Código Civil.
Impõe-se, por conseguinte, a improcedência das conclusões 1ª a 11ª.
*
Resta, assim, apreciar a última questão decidenda, que se prende em saber se é, ou não, devida a compensação peticionada a título de danos não patrimoniais.
Na sentença recorrida foi essa concreta pretensão de tutela jurisdicional julgada improcedente por se entender que os danos em causa não assumem a gravidade legalmente suposta para fazer despoletar o comando normativo estabelecido no art. 496º do Cód. Civil.
Os apelantes divergem desse posicionamento, sustentando que esse seu pedido condenatório deve obter provimento, já que sentem medo das atitudes do réu, temendo que este tente novamente subir ao ... andar da sua habitação, sendo que a autora CC recolhe mesmo à sua habitação quando o vê chegar, ficando assim privada de usufruir do espaço exterior. E que, como se demonstrou, este temor é resultante do facto de o réu se encontrar, por vezes alcoolizado, fazendo barulho mesmo em período noturno e, ainda, por se ter já deslocado à sua (deles autores) residência alterado e a falar em tom de voz elevado.
Como é sabido, o Código Civil prevê a ressarcibilidade deste tipo de danos no citado artigo 496º, em cujo nº 1 se preceitua que «[n]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».

A propósito da forma de se proceder à avaliação da gravidade do dano, a doutrina[11] tem entendido que a mesma deve aferir-se segundos critérios objetivos – de acordo com um padrão de valorações ético-culturais aceite numa determinada comunidade, num certo momento histórico, e tendo em conta o circunstancialismo do caso – e não de harmonia com perceções subjetivas ou de uma particular sensibilidade do lesado.
O recurso a um critério objetivo na apreciação da gravidade do dano justifica-se para negar as pretensões ressarcitórias por meros incómodos, contrariedades ou prejuízos insignificantes, que cabe a cada um suportar na vida em sociedade, evitando-se, deste modo, uma extensão ilimitada da responsabilidade.
Sob esse enfoque vem constituindo orientação jurisprudencial consolidada[12] que as simples contrariedades ou incómodos apresentam um nível de gravidade objetiva insuficiente para os efeitos do transcrito inciso normativo, sendo que, neste conspecto, se deve considerar dano grave não apenas aquele que é exorbitante ou excecional, mas também o que sai da mediania, ultrapassando, pois, as fronteiras da banalidade. Dito de outro modo: um dano considerável é aquele que, no mínimo, espelha a intensidade de uma dor, angústia, desgosto, um sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se tornam inexigíveis em termos de resignação.
No que ao caso releva, resultou provado que:
. “Em data não concretamente apurada, o réu dirigiu-se à residência dos autores, em tom de voz elevado e em jeito agressivo, enquanto lhes exigia que assinassem um papel de conteúdo não apurado” (facto provado nº 8);
. “O inquilino GG viu os autores assustados com a abordagem descrita em 8) e retirou o réu das escadas de acesso à habitação dos autores” (facto provado nº 9);
. “Em número de vezes não concretamente apurado, no período noturno, o réu chegou alcoolizado do café, fazendo barulho” (facto provado nº 13);
. “Em consequência do descrito em 8), 9) e 13), os autores sentem medo das atitudes do réu, temendo que este tente novamente subir ao ... andar da sua habitação” (facto provado nº 16).
Ora, com o devido respeito, não se vislumbra em que medida tais enunciados fácticos (na ausência de outros subsídios) permitam, razoavelmente, afirmar estarmos, no caso, em presença de uma situação que se situe dentro do aludido patamar de gravidade superior que a lei erige como pressuposto para atribuição de uma compensação por danos de natureza não patrimonial.
Com efeito, não ficaram demonstradas as concretas consequências decorrentes do ruído efetuado pelo réu em período noturno, nos dias em que chegou alcoolizado, não resultando também demonstradas quaisquer consequências para os autores da deslocação do réu à sua residência, além do medo e do temor, sendo que em nenhuma destas situações foi apresentada qualquer queixa crime.
É certo ter ficado demonstrada uma atitude pouco urbana por parte do réu. No entanto, como se ressalta na sentença recorrida, “na normalidade social quotidiana é frequente que as pessoas se tendam a afastar daqueles com quem têm ou tiveram atritos, que procurem evitá-los, tanto mais se estiverem alcoolizados ou se assumirem um comportamento pouco cordial, sem que isso possa sustentar a multiplicação de pedidos indemnizatórios”.
Concordando, assim, com o posicionamento assumido pelo julgador de 1ª instância, terá, também neste ponto, de improceder o recurso, porquanto, pelas apontadas razões, o descrito comportamento não assume gravidade que justifique e legitime a atribuição de uma compensação por danos não patrimoniais.
***
V. DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação interposta pelos autores, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo dos apelantes (art. 527º, nºs 1 e 2).
Guimarães, 23.10.2025

Relatora: Maria Gorete Morais
1º Adjunto: Pedro Maurício
2ª Adjunta: Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade


[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] Sobre o conceito de “economia comum” vide Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, III- Dos Contratos em Especial, Almedina, 2024, pág. 558, onde conclui haver economia comum “relativamente às pessoas que compartilhem a mesma casa, no sentido sócio-cultural do termo: refeições em conjunto, serviços domésticos partilhados, convívio regular e suportação conjunta dos custos, seja pela repartição das despesas, seja pela divisão de funções”.
[3] Essa atitude silente dos autores poderia igualmente ser reconduzida a uma eventual situação de abuso de direito, na modalidade surrectio, já que, malgrado sejam conhecedores de que a irmã do réu habita no arrendado há mais de 13 anos jamais se manifestaram contra essa situação junto do réu
[4] Manual de Arrendamento Urbano, Vol. II, 4ª edição actualizada, Almedina, págs. 1001 e 1002.
[5] Arrendamento Urbano Anotado, Regime Substantivo e Processual, Coimbra Editora, 2012, págs. 30 e 31.
[6] Arrendamento Urbano, Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 2ª edição, Quid Juris, 2007, pág. 292.
[7] Assim, entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 06/05/2010 (processo nº 451/09.5TJPRT.P1), disponível em http://www.dgsi.pt.
[8] Cfr. ob. cit., pág. 1047.
[9] Cfr. ob. cit., pág. 1059.
[10] Cfr., por todos, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-12-2021, proferido no âmbito do processo n.º3069/19.0T8LSB.L1.S1 e acórdão da Relação de Coimbra, proferido no processo nº 1047/15.8T8LMG.C1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[11] Cfr., inter alia, ANTUNES VARELA, Direito das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª edição, Almedina, págs. 628 e seguinte, ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, pág. 483, MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. I, 5ª edição, Almedina, págs. 316 e seguintes e CAPELO DE SOUSA, in O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, pág. 555 e seguinte, onde enfatiza que os prejuízos insignificantes ou de diminuto significado não justificam a atribuição de uma compensação pecuniária por se estar em presença de prejuízos «que todos devem suportar num contexto de adequação social, cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar e que, em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa e interativa vida social hodierna. Assim não são indemnizáveis os diminutos incómodos, desgostos e contrariedades, embora emergentes de atos ilícitos, imputáveis a outrem e culposos».
[12] Cfr., por todos, acórdãos do STJ de 11.05.98 (processo nº 98A12621), de 24.05.2007 (processo nº 07A1187), de 12.07.2018 (processo nº 1842/15.8T8STR.E1.S1) e de 6.12.2017 (processo nº 1509/13.1TVLSB.L1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.