Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANABELA VARIZO MARTINS | ||
Descritores: | NOTIFICAÇÃO DA ACUSAÇÃO IRREGULARIDADE SUPRIMENTO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/11/2025 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
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Sumário: | I- Nos termos do artigo 311.º do CPP, que dispõe sobre o saneamento do processo, incumbe ao juiz apreciar as questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa, entre as quais se integra a irregularidade da notificação da acusação. II- Por isso, uma vez remetido o processo para julgamento, se no exercício desse saneamento e no conhecimento das questões prévias, o juiz detectar a falta da notificação da acusação ao arguido, desde logo razões de celeridade e de economia processual, evitando-se a anulação de actos já praticados, impõem que seja o próprio juiz de julgamento, e já não o Ministério Público, a conhecer e reparar essa irregularidade III- Assim, caso não exista qualquer outra questão prévia que obste ao conhecimento do mérito da causa, o juiz deve receber a acusação deduzida e ordenar a sua notificação, seguindo-se os regulares termos do processo em função do que vier, ou não, a ser requerido na sequência da efectivação da notificação em falta. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.1. No âmbito do Processo nº 7/23...., que corre termos no Juízo Local Criminal de Guimarães - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi proferido despacho, no dia 3 de Setembro de 2024, em que se decidiu conhecer da irregularidade decorrente da falta de notificação da acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência, determinou-se a remessa do processo aos Serviços do Ministério Público, com vista ao seu suprimento, dando-se a competente baixa na distribuição. I.2. Inconformado com aquele despacho, recorreu o Ministério Público, apresentando a respectiva motivação, que finalizou com as conclusões que a seguir se transcrevem: “1.ª) Nos presentes autos, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido AA. 2.ª) O arguido prestou TIR a fls. 206, tendo indicado para efeitos de notificação a seguinte morada: Rua ..., ..., A, ... Guimarães. 3.ª) Todavia, conforme resulta de fls. 331, a acusação foi notificada ao arguido AA através de via postal simples, com prova de depósito, para a seguinte morada: “Rua ..., ..., ... Guimarães”. 4.ª) Os autos foram remetidos à distribuição, para julgamento, sendo que, no despacho de saneamento do processo e como questão prévia, o Tribunal a quo proferiu em 3/9/2024 a seguinte decisão (síntese): --- Compulsados os autos, constata-se, como se disse, que o arguido AA prestou TIR em 29.01.2024 a fls. 203, tendo indicado uma morada e, depois, foi notificado por via postal simples com prova de depósito numa outra morada diferente daquela que consta no TIR, levando, por isso, à conclusão de que a notificação que lhe foi efectuada não tem qualquer valor e/ou eficácia, pelo que só podemos considerar que o arguido não se mostra notificado da acusação deduzida pelo Ministério Público. --- --- O art.º 283.º n.º 5 do CPP apenas permite o prosseguimento dos autos quando os procedimentos de notificação se tenham revelado ineficazes, o que não é o caso. --- --- Estabelece o art.º 123.º do CPP que “qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado (n.º 1). Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado.” (n.º 2). --- --- A forma incorrecta da notificação da acusação ao arguido constitui uma irregularidade susceptível de afectar o valor dos actos praticados em momento subsequente, na medida em poderá privar o arguido de requerer a abertura da instrução, se for esse o seu propósito ou de exercer outros direitos inerentes à fase processual em que se encontrava o processo. Neste sentido o Acórdão da Relação de Guimarães, de 19.10.2015, que diz entre o mais que “não prevendo os artigos 119º e 120º do Código de Processo Penal, a forma incorrecta como foi realizada a comunicação da acusação ao arguido/recorrente, como uma nulidade, estamos perante uma irregularidade a seguir o regime e os efeitos impostos pelo artigo 123º, do Código de Processo Penal.”. --- --- Para além disso, tal irregularidade tem de ser reparada pela autoridade competente para a prática do acto, ou seja, pelo Ministério Público, visto o retorno do processo ao ponto onde foi praticado o acto imperfeito – vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20.02.2008, processo n.º 0840059; ou ainda Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27.01.1998, processo n.º 0054405, in www.dgsi.pt. --- --- Não desconhecendo o entendimento também sufragado pela jurisprudência, sobretudo baseado na autonomia do Ministério Público, de que deve ser o tribunal de julgamento a sanar a irregularidade em causa, não podemos deixar de acompanhar de perto a fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23.02.2023, processo n.º 169/20.8IDSTB.L1-9 (www.dgsi.pt), que elenca as seguintes razões pelos quais é legítimo ao juiz do julgamento devolver o processo ao Ministério Público para, querendo, proceder à sanação da omissão de notificação: “Primeiro porque a competência para a notificação da acusação é do Ministério Público, como se afere do disposto no art.º 283º, n.º 5, 1ª parte, do CPP. Segundo porque o legislador só admitiu o envio do processo para a fase de julgamento sem que a fase das notificações da acusação esteja completa “quando os procedimentos de notificação se tenham revelado ineficazes” (art.º 283º, n.º 5, 2ª parte, do CPP), o que supõe a existência de procedimentos de notificação idóneos a cumprir com a sua função, o que não foi manifestamente o caso nos autos. Na decorrência, o legislador só previu a possibilidade de a notificação da acusação ser realizada na fase de julgamento na situação excecional prevista no art.º 336º, n.º 3, do CPP. Terceiro, porque a invalidade do procedimento de notificação da acusação, mesmo se qualificada como uma irregularidade de conhecimento oficioso, acarreta a invalidade dos actos a jusante (dos termos subsequentes), nomeadamente do ato de distribuição do processo para julgamento (art.º 123º, n.º 1, do CPP). Quarto, porque, não tendo sido recebida a acusação no âmbito do art.º 311º, do CPP, o processo está num limbo entre a fase de inquérito e a de julgamento”. --- --- E ainda do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27.04.2023, processo n.º 1155/21.6PFSXL.L1-9 (www.dgsi.pt), cujo sumário é o seguinte: “I. O envio, por parte do Ministério Público, para notificação de uma acusação a um arguido acusado, de uma carta simples (com prova de depósito) para uma morada incompleta face à constante do TIR prestado, e que teve como consequência a sua devolução com a indicação de “endereço insuficiente”, não tem a virtualidade de cumprir com os efeitos processuais e substantivos a que a carta se destinava. II. Tal notificação terá de ser julgada irregular, invalidade que é de conhecimento oficioso, por afetar o valor do ato e conter um enorme potencial de violação dos mais básicos direitos de defesa do arguido (art.º 123º, n.º 2, do CPP), sendo equiparada nos seus efeitos a uma nulidade insanável. III. Essa irregularidade da notificação da acusação pode e deve ser conhecida pelo juiz do julgamento aquando do cumprimento do disposto no art.º 311º, do CPP, na vertente do saneamento do processo, por obstar à apreciação do mérito da causa. IV. Em tal situação o juiz pode ordenar a devolução dos autos aos Serviços do Ministério Público para, querendo, proceder à correção do vício, dado que a competência legal para essa notificação é atribuída ao Ministério Público, o processo só deve ser remetido para julgamento quando a fase das notificações da acusação estiver completa (sem prejuízo do caso excecional previsto no art.º 283º, n.º 5, 2ª parte do CPP), o processo continua num limbo entre a fase de inquérito e a de julgamento e não é indiferente para um arguido ser notificado da acusação num momento em que o processo está em fase de inquérito ou em fase de julgamento. V. Essa devolução do processo não viola os poderes de autonomia e de independência do Ministério Público. VI. A defesa da estrutura acusatória do processo penal e da autonomia do Ministério Público não se pode confundir com a aceitação da desoneração de competências processuais que a este competem, em desrespeito do estrito ritual processual penal, não podendo aceitar-se como normal, no sentido de “normalizar ou banalizar”, a remessa de inquéritos para a fase de julgamento sem o regular cumprimento da fase das notificações da acusação, apesar da ilegalidade dessa prática, com os prejuízos que acarreta para os sujeitos processuais, em particular para os arguidos.”. (sublinhado nosso). --- --- Pelo exposto, decide-se conhecer da apontada irregularidade e, em consequência, determina-se a remessa do processo aos Serviços do Ministério Público, com vista ao seu suprimento, dando-se a competente baixa na distribuição. --- --- Notifique. ---” 5.ª) Aceita-se que o juiz de julgamento pode conhecer oficiosamente a irregularidade da notificação do despacho de acusação e ordenar a sua reparação, ao abrigo do disposto no artigo 123.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, uma vez que tal omissão pode vir a afetar a validade de todos os atos processuais posteriores. 6.ª) Porém, a reparação da irregularidade deve ser levada a cabo pela própria secção judicial, não sendo legalmente admissível ordenar a devolução/remessa dos autos ao Ministério Público para esse fim, sob pena de violação dos princípios do acusatório, da independência e da autonomia do Ministério Público relativamente ao Juiz. 7.ª) A jurisprudência é maioritária neste sentido, destacando-se a título meramente exemplificativo a seguinte: a Decisão Sumária proferida em 6/5/2024 no Tribunal da Relação de Guimarães no Processo n.º 1694/21.9T9GMR-B, mas não publicada, onde se fez constar o seguinte: “ […] Uma vez declarado inválido, o ato irregular deverá ser, se possível, devidamente reparado. A declaração de irregularidade e a consequente destruição do processado deverá ordenar, sempre que possível e necessário, a repetição do ato irregular, assim repondo integralmente a legalidade processual penal, cfr. João Conde Correia, ob. cit. pág. 1298. No caso vertente, a Exma. Senhora Juíza, no despacho a que se refere o artigo 311º do CPP, como questão prévia, tendo constatado a irregularidade da notificação da acusação ao arguido, em virtude de lapso na descrição da morada constante do TIR (número da porta e do respetivo código postal), decidiu conhecer oficiosamente de tal questão. Porém, e como consequência, determinou a “….remessa do processo aos Serviços do Ministério Público para os fins tidos por convenientes“. E, logo a seguir, clarificou, dizendo “, julgo verificada a apontada irregularidade processual e, em consequência, determino a remessa do processo à ... Secção do DIAP de Guimarães, com vista ao seu suprimento, dando-se a competente baixa na distribuição”, (sublinhado nosso). A dita irregularidade da notificação da acusação ao arguido foi conhecida ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 123º do CPP (expressamente invocado no despacho recorrido), o qual estabelece que “Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afetar o valor do ato praticado”. Segundo a interpretação que fazemos desta norma na sua aplicação ao caso em apreço, constatando a irregularidade da notificação da acusação ao arguido, o juiz oficiosamente deve declarar a irregularidade, e ordenar a sua reparação. Quanto mais não fosse, por razões de economia e celeridade processuais, ao invés de ordenar a remessa do processo aos serviços do Ministério Público para suprimento da irregularidade e mandar dar baixa na distribuição, impunha- se que a Exma. Senhora Juíza tivesse, desde logo, providenciado pela reparação da irregularidade, ordenando à secção judicial na sua dependência que procedesse à notificação da acusação ao arguido. O interesse da realização da Justiça e da proibição de atos inúteis assim o exigia, sem mais delongas. Mas, não tendo assim sucedido, a verdade é que foi declarada, pelo juiz de julgamento, a irregularidade da notificação da acusação ao arguido ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 123º do CPP, numa altura em que naturalmente o processo havia transitado dos Serviços do Ministério Público para o Tribunal. Ou seja, quando o processo já se encontrava pendente em tribunal para julgamento. Assim, tendo o juiz de julgamento conhecido e declarado a irregularidade ao abrigo do referido dispositivo legal, no momento do saneamento do processo, ou seja, da prolação do despacho a que alude o artigo 311º do CPP, tinha igualmente o juiz competência para proceder à sua reparação (que é um dever), procedendo, naturalmente através da respetiva seção judicial, à notificação da acusação ao arguido na morada correta, até porque daí não resultava que o processo tivesse de regressar à fase de inquérito. Por isso, uma vez remetido o processo para julgamento, por força do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 123º, nº 2 e 311º, nº 1, ambos do CPP, é ao juiz de julgamento, e já não ao Ministério Público, que compete conhecer e reparar a irregularidade da notificação da acusação ao arguido. A ordem do juiz de julgamento de remessa do processo aos Serviços do Ministério Público com vista ao suprimento da dita irregularidade não tem suporte legal, pois não existe norma e/ ou princípio que a preveja e, consequentemente, a permita. E, para além disso, esse procedimento contém claramente uma ordem dirigida ao Ministério Público, a qual é violadora dos princípios da autonomia e da independência do Ministério Público, inexistindo qualquer dever de obediência institucional do Ministério Público à Magistratura Judicial, cfr. artigo 219º, nº 2 da CRP e artigo 3º, nº 1 do Estatuto do Ministério Público. […] (sublinhados nossos) o Acórdão proferido em 26/10/2020 pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no Processo n.º 754/19.0T9BRG.G1, disponível para consulta em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “I - O juiz de julgamento pode conhecer oficiosamente da irregularidade relativa à falta de notificação da acusação particular ao arguido em sede de inquérito, em consonância com o disposto no Artº 123º, nº 2, do C.P.Penal, pois que tal omissão pode vir a afectar a validade de todos os actos processuais posteriores, e não se mostra sanada. II - Tal sanação, porém, deve ser levada a cabo pelos próprios serviços do tribunal, não tendo base legal a determinação da devolução dos autos ao Ministério Público para aquele efeito, sob pena de se afrontarem os princípios do acusatório e da independência e autonomia do Ministério Público relativamente ao Juiz.” o Acórdão proferido em 5/12/2016 pelo Tribunal da Relação de Guimarães no Processo n.º 823/12.8PBGMR.G1, disponível para consulta em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “I) O Ministério Público goza de independência e autonomia que não se compadecem com ordens concretas de um juiz no sentido do suprimento de uma determinada irregularidade por parte daquele. II) Daí que por falta de fundamento legal, não pode o juiz determinar a devolução dos autos ao Ministério Público para sanação de irregularidade concretizada numa notificação ao arguido de uma incorrecta identificação do defensor que lhe foi nomeado.” o Acórdão proferido em 25/2/2019 pelo Tribunal da Relação de Guimarães no Processo n.º 972/17.6T9GMR-A.G1, disponível para consulta em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: I) É na fase de inquérito que se impõe o cumprimento do dever de informação a que alude o art. 75º,nº1, do Código de Processo Penal. II) Omitido tal cumprimento, mas prevendo-se no nº 2 do art. 123º do Cód. Proc. Penal, a possibilidade de “ordenar-se oficiosamente a reparação”, tal apenas poderá significar que a autoridade judiciária que detectar a irregularidade pode tomar a iniciativa de a reparar, determinando que os respetivos serviços diligenciem nesse sentido. III) Não faz sentido, uma vez detectada a irregularidade quando o processo é concluso para os efeitos do art. 311º, do C.P.P. e entendendo-se ser possível repará-la, optar por remeter os autos à fase anterior para o seu suprimento, o qual se resume a uma mera notificação ao lesado. IV) Razões de economia processual deveriam logo ter sopesado na opção tomada, as quais impunham a determinação imediata à respectiva secretaria judicial do cumprimento da notificação omitida. V) Acresce que o inquérito mostra-se encerrado, estão em causa duas fases processuais autónomas – a do inquérito e do julgamento – dirigidas respetivamente por autoridades judiciárias distintas e autónomas. VI) Ao ordenar a remessa dos autos ao Ministério Público, com vista ao cumprimento do dever de informação, tal não deixa também de ter implícita uma “ordem”, que afronta os princípios do acusatório e da independência e autonomia do Ministério Público relativamente ao Juiz. 8.ª) A decisão recorrida, no segmento em que determinou a remessa dos autos ao Ministério Público para suprimento da irregularidade, violou o disposto no artigo 123.º, n.º 2, e 311.º, ambos do Código de Processo Penal. 9.ª ) Assim, a decisão recorrida deverá ser revogada na parte em que determinou a remessa dos autos ao Ministério Público e, em consequência, deverá ser substituída por outra que receba a acusação deduzida, nos termos do disposto no artigo 311.º do Código de Processo Penal, notificando-se ainda o arguido, conjuntamente, da acusação contra ele deduzida, em conformidade com o preceituado no artigo 311.º-A, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal, seguindo-se os ulteriores termos do processo.” I.3. Não foi apresentada resposta. I.4. Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado procedente, aderindo na íntegra às considerações expostas na motivação de recurso apresentada pela Exma. Procuradora da República, acrescentando criteriosos e pertinentes argumentos. I.5. Cumprido o art.º 417º, nº 2 do C. P. Penal, não foi apresentada resposta ao parecer. I.6. Colhidos os vistos, procedeu-se à realização da conferência, por o recurso aí dever ser julgado. II- FUNDAMENTAÇÃO 1 – OBJECTO DO RECURSO A jurisprudência do STJ [1] firmou-se há muito no sentido de que é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso.[2] Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a questão a decidir cinge-se em saber se, aquando da prolação do despacho previsto no art.º 311º, do Código de Processo Penal, verificando o tribunal a quo a irregularidade decorrente da falta de notificação da acusação ao arguido, pode, ou não, determinar a devolução dos autos ao Ministério Público para a reparação da mesma. 2.- DECISÃO RECORRIDA (transcrição): Questão Prévia: --- --- O Ministério Público deduziu acusação pública, em 03.06.2024 contra o arguido AA. --- --- Tal acusação pública foi notificada ao arguido AA através de notificação por via postal simples com prova de depósito (cfr. fls. 331), sendo que o arguido prestou TIR em 29.01.2024 a fls. 203. --- --- Do referido TIR prestado pelo arguido, a fls. 206, consta como morada indicada para efeitos de notificação mediante via postal simples a “Rua ..., ..., ..., Guimarães”. E a notificação, por via postal simples com prova de depósito, da acusação deduzida, foi dirigida para a morada “Rua ..., ..., ... Guimarães” (cfr fls. 331). Isto é, numa morada diferente. --- --- Ora, --- --- Nos termos do art.º 277.º n.º 4 alínea a) do CPP, ex vi do n.º 5 do art.º 283.º do mesmo diploma legal que as comunicações, designadamente do despacho de acusação, efectuam-se por notificação mediante contacto pessoal ou via postal registada ao assistente e ao arguido, excepto se estes tiverem indicado um local determinado para efeitos de notificação por via postal simples, nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 145.º, do n.º 2 e da alínea c) do n.º 3 do artigo 196.º, e não tenham entretanto indicado uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento. --- --- Nos termos do art.º 113.º n.º 10 do CPP “As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à contestação, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado, sendo que, neste caso, o prazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efetuada em último lugar.”. --- --- Também de acordo com o art.º 277.º n.º 3, ex vi do 283.º, n.º 5 do CPP, ambos do CPP, a acusação deve ser notificada ao arguido e respectivo defensor ou advogado. --- --- Compulsados os autos, constata-se, como se disse, que o arguido AA prestou TIR em 29.01.2024 a fls. 203, tendo indicado uma morada e, depois, foi notificado por via postal simples com prova de depósito numa outra morada diferente daquela que consta no TIR, levando, por isso, à conclusão de que a notificação que lhe foi efectuada não tem qualquer valor e/ou eficácia, pelo que só podemos considerar que o arguido não se mostra notificado da acusação deduzida pelo Ministério Público. --- --- O art.º 283.º n.º 5 do CPP apenas permite o prosseguimento dos autos quando os procedimentos de notificação se tenham revelado ineficazes, o que não é o caso. --- --- Estabelece o art.º 123.º do CPP que “qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado (n.º 1). Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado.” (n.º 2). --- --- A forma incorrecta da notificação da acusação ao arguido constitui uma irregularidade susceptível de afectar o valor dos actos praticados em momento subsequente, na medida em poderá privar o arguido de requerer a abertura da instrução, se for esse o seu propósito ou de exercer outros direitos inerentes à fase processual em que se encontrava o processo. Neste sentido o Acórdão da Relação de Guimarães, de 19.10.2015, que diz entre o mais que “não prevendo os artigos 119º e 120º do Código de Processo Penal, a forma incorrecta como foi realizada a comunicação da acusação ao arguido/recorrente, como uma nulidade, estamos perante uma irregularidade a seguir o regime e os efeitos impostos pelo artigo 123º, do Código de Processo Penal.”. --- --- Para além disso, tal irregularidade tem de ser reparada pela autoridade competente para a prática do acto, ou seja, pelo Ministério Público, visto o retorno do processo ao ponto onde foi praticado o acto imperfeito – vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20.02.2008, processo n.º 0840059; ou ainda Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27.01.1998, processo n.º 0054405, in www.dgsi.pt. --- --- Não desconhecendo o entendimento também sufragado pela jurisprudência, sobretudo baseado na autonomia do Ministério Público, de que deve ser o tribunal de julgamento a sanar a irregularidade em causa, não podemos deixar de acompanhar de perto a fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23.02.2023, processo n.º 169/20.8IDSTB.L1-9 (www.dgsi.pt), que elenca as seguintes razões pelos quais é legítimo ao juiz do julgamento devolver o processo ao Ministério Público para, querendo, proceder à sanação da omissão de notificação: “Primeiro porque a competência para a notificação da acusação é do Ministério Público, como se afere do disposto no art.º 283º, n.º 5, 1ª parte, do CPP. Segundo porque o legislador só admitiu o envio do processo para a fase de julgamento sem que a fase das notificações da acusação esteja completa “quando os procedimentos de notificação se tenham revelado ineficazes” (art.º 283º, n.º 5, 2ª parte, do CPP), o que supõe a existência de procedimentos de notificação idóneos a cumprir com a sua função, o que não foi manifestamente o caso nos autos. Na decorrência, o legislador só previu a possibilidade de a notificação da acusação ser realizada na fase de julgamento na situação excecional prevista no art.º 336º, n.º 3, do CPP. Terceiro, porque a invalidade do procedimento de notificação da acusação, mesmo se qualificada como uma irregularidade de conhecimento oficioso, acarreta a invalidade dos actos a jusante (dos termos subsequentes), nomeadamente do ato de distribuição do processo para julgamento (art.º 123º, n.º 1, do CPP). Quarto, porque, não tendo sido recebida a acusação no âmbito do art.º 311º, do CPP, o processo está num limbo entre a fase de inquérito e a de julgamento”. --- --- E ainda do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27.04.2023, processo n.º 1155/21.6PFSXL.L1-9 (www.dgsi.pt), cujo sumário é o seguinte: “I. O envio, por parte do Ministério Público, para notificação de uma acusação a um arguido acusado, de uma carta simples (com prova de depósito) para uma morada incompleta face à constante do TIR prestado, e que teve como consequência a sua devolução com a indicação de “endereço insuficiente”, não tem a virtualidade de cumprir com os efeitos processuais e substantivos a que a carta se destinava. II. Tal notificação terá de ser julgada irregular, invalidade que é de conhecimento oficioso, por afetar o valor do ato e conter um enorme potencial de violação dos mais básicos direitos de defesa do arguido (art.º 123º, n.º 2, do CPP), sendo equiparada nos seus efeitos a uma nulidade insanável. III. Essa irregularidade da notificação da acusação pode e deve ser conhecida pelo juiz do julgamento aquando do cumprimento do disposto no art.º 311º, do CPP, na vertente do saneamento do processo, por obstar à apreciação do mérito da causa. IV. Em tal situação o juiz pode ordenar a devolução dos autos aos Serviços do Ministério Público para, querendo, proceder à correção do vício, dado que a competência legal para essa notificação é atribuída ao Ministério Público, o processo só deve ser remetido para julgamento quando a fase das notificações da acusação estiver completa (sem prejuízo do caso excecional previsto no art.º 283º, n.º 5, 2ª parte do CPP), o processo continua num limbo entre a fase de inquérito e a de julgamento e não é indiferente para um arguido ser notificado da acusação num momento em que o processo está em fase de inquérito ou em fase de julgamento. V. Essa devolução do processo não viola os poderes de autonomia e de independência do Ministério Público. VI. A defesa da estrutura acusatória do processo penal e da autonomia do Ministério Público não se pode confundir com a aceitação da desoneração de competências processuais que a este competem, em desrespeito do estrito ritual processual penal, não podendo aceitar-se como normal, no sentido de “normalizar ou banalizar”, a remessa de inquéritos para a fase de julgamento sem o regular cumprimento da fase das notificações da acusação, apesar da ilegalidade dessa prática, com os prejuízos que acarreta para os sujeitos processuais, em particular para os arguidos.”. (sublinhado nosso). --- --- Pelo exposto, decide-se conhecer da apontada irregularidade e, em consequência, determina-se a remessa do processo aos Serviços do Ministério Público, com vista ao seu suprimento, dando-se a competente baixa na distribuição. ---“ 3. APRECIAÇÃO DO RECURSO Cumpre apreciar a questão objecto de recurso, que, como já referimos, consiste em determinar apenas se, aquando da prolação do despacho previsto no art.º 311º, do Código de Processo Penal, verificando o tribunal a quo a irregularidade decorrente da falta de notificação da acusação ao arguido, pode ou não determinar a devolução dos autos ao Ministério Público para a reparação da mesma. Os autos foram remetidos à distribuição, para julgamento, sendo que, no despacho de saneamento do processo a que alude o art.º 311.º do Código de Processo Penal como questão prévia, o Tribunal a quo proferiu o despacho recorrido. Nesse despacho consideraram-se como assentes as seguintes incidências processuais: --- O Ministério Público deduziu acusação pública, em 03.06.2024 contra o arguido AA. --- --- Tal acusação pública foi notificada ao arguido AA através de notificação por via postal simples com prova de depósito (cfr. fls. 331), sendo que o arguido prestou TIR em 29.01.2024 a fls. 203. --- --- Do referido TIR prestado pelo arguido, a fls. 206, consta como morada indicada para efeitos de notificação mediante via postal simples a “Rua ..., ..., ..., Guimarães”. E a notificação, por via postal simples com prova de depósito, da acusação deduzida, foi dirigida para a morada “Rua ..., ..., ... Guimarães” (cfr fls. 331). Isto é, numa morada diferente. (sublinhado nosso). Por esse motivo, entendeu o tribunal recorrido estar verificada a irregularidade processual da omissão de notificação da acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência, determinou a remessa do processo aos Serviços do Ministério Público, com vista ao seu suprimento, dando-se a competente baixa na distribuição. Como se infere da motivação e das respectivas conclusões do recurso, o recorrente conformou-se com a decisão judicial na parte em que declarou a existência da irregularidade processual decorrente da invalidade da notificação da acusação ao arguido, bem como aceitou expressamente que o juiz de julgamento pode conhecer oficiosamente a irregularidade da notificação do despacho de acusação e ordenar a sua reparação, ao abrigo do disposto no artigo 123.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, uma vez que tal omissão pode vir a afectar a validade de todos os actos processuais posteriores. Essa posição está igualmente em consonância com a realidade factual verificada nos autos e respectivo enquadramento legal, bem como com a posição maioritária da jurisprudência quanto à qualificação da invalidade da notificação ao arguido da acusação como constituindo uma irregularidade e, bem assim, quanto à oficiosidade do respectivo conhecimento pelo juiz aquando do despacho previsto no artigo 311º do Código de Processo Penal. A discordância do recorrente centra-se exclusivamente no segmento do despacho recorrido em decidiu pela remessa do processo aos Serviços do Ministério Público, com vista ao seu suprimento, que considera legalmente inadmissível, por violação dos princípios do acusatório, da independência e da autonomia do Ministério Público relativamente ao Juiz. No seu entendimento, a reparação dessa irregularidade deve ser levada a cabo pela própria secção judicial. A jurisprudência está dividida quanto a essa questão, havendo duas posições distintas: uma, no sentido propugnado no despacho recorrido; outra, no sentido defendido pelo recorrente. No sentido propugnado na decisão recorrida, citam-se entre outros: - Ac. TRG 05-11-2007 (CJ, XXXII, 5, p. 287); - Ac. TRE 08-04-2014, p. 650/12[3]; - Ac. TRE 05-05-2015, p. 1140/12; - Ac. TRL 25-07-2018, p. 123/16; - Ac. do TRG de 08-10-2024, p. 324/22.6PBBRG.G1. A outra posição, cremos que a maioritária nesta Relação, no sentido defendido pelo recorrente: - Ac. STJ 27-04-2006, p. 06P1403 8; - Ac. TRL 21-11-2013, p. 304/11; - Ac. TRG 5-12-2016, p. 823/12.8PBGMR.G1; - Ac. TRG 06-02-2017, p. 540/14; - Ac. TRP 11-04- 2018 p. 96/17.6SGPRT.P1; - Ac. TRG 25-2-2019, p. 972/17.6T9GMR-A. G1; - Ac. TRL 08-09-2020, p. 3275/18; - Ac. TRL 23-10-2024, p. 65/22.4PFALM-A. L1-3; - Ac. do TRG de 26-10-2020, p. 754/19.0T9BRG.G1; - Ac. do TRG de 14-11-2023 p. 1778/21.3T9BRG-A. G1; - Ac. do TRG de 6-02-2024, p.165/22.0IDBRG (não publicado); - Ac. do TRG de 19-11-2024, p. 82/14.8T9VLN.G1; - Ac. do TRG de 09-01-2024, p. 262/21.0PCBRG.G1. A título ilustrativo desta última orientação transcreve-se (na parte que releva), o sumário do último acórdão: “I- Tendo detectado, no momento do artigo 311.º do Código de Processo Penal, a irregularidade da notificação da acusação relativamente a um dos arguidos, o juiz não pode determinar a devolução dos autos ao Ministério Público tendo em vista a reparação da mesma. II- Caso não exista qualquer outra questão prévia que obste ao conhecimento do mérito da causa, o juiz deve receber a acusação deduzida e designar data(s) para realização da audiência de julgamento, conforme estatui o artigo 312.º do Código de Processo Penal, e ordenar a notificação da sobredita acusação conjuntamente com o despacho que designa dia para a audiência, como prescreve o artigo 313.º, n.º 2, do mesmo diploma, seguindo-se os ulteriores regulares trâmites processuais (…).” Como se destaca na fundamentação deste aresto a última posição assenta, no essencial, nos seguintes argumentos: -“A partir do momento em que é deduzida a acusação e os autos são remetidos à distribuição para julgamento saem da competência exclusiva do Ministério Público e passam a fazer parte da competência do juiz; - Estão em causa duas fases processuais autónomas – a do inquérito e a do julgamento – dirigidas por autoridades judiciárias distintas e autónomas; - O artigo 123º, n.º 2, do Código de Processo Penal, ao prever a possibilidade de “ordenar-se oficiosamente a reparação” de irregularidade, pressupõe que seja a autoridade judiciária que a detetar a tomar a iniciativa de a reparar, determinando que os respetivos serviços diligenciem nesse sentido; - Sendo a irregularidade decorrente da inválida notificação da acusação ao arguido detetada aquando da prolação do despacho previsto no artigo 311º do Código de Processo Penal – que dispõe sobre o saneamento do processo quando este é recebido no tribunal – e entendendo-se ser possível repará-la deve o juiz determiná-lo à secção de processos em vez de optar por remeter os autos à fase anterior para o seu suprimento; - O princípio da economia processual, entendido como a proibição da prática de atos inúteis baseado no interesse da realização da justiça material, tem de reger a atuação do tribunal que, assim, evitará dar sem efeito a distribuição com a subsequente remessa dos autos aos serviços do Ministério Público para estes repararem a irregularidade da notificação; - A devolução dos autos ao Ministério Público tendo em vista a reparação da irregularidade contém implícita uma ordem que é violadora dos princípios do acusatório e da independência do Ministério Público (artigos 32º, n.º 5, 219º, n.º 2, da CRP e artigo 3º, n.º 1, do Estatuto do Ministério Público), inexistindo qualquer dever de obediência institucional daquela entidade à Magistratura Judicial.” Também na doutrina Paulo Pinto de Albuquerque[4], defende que: «…pelos motivos (…) atinentes ao princípio da acusação, o juiz do julgamento não pode censurar o modo como tenha sido realizado o inquérito e devolver o processo ao M.P. (…) para reparar nulidades ou irregularidades praticadas no inquérito (…), incluindo irregularidades da notificação da acusação» ( sublinhado nosso). Esses argumentos afiguram-se-nos pertinentes e merecem a nossa inteira adesão. Por esta razão, perfilhamos a orientação que continua a ser maioritário na jurisprudência e prevalecente neste Tribunal da Relação de Guimarães, que sustenta que cabe ao juiz que recebe os autos provindos dos serviços do Ministério Público e que conhece oficiosamente da invalidade determinar a sua reparação pela secção de processos que lhe está afecta. Com efeito, como se sublinha no também citado aresto deste TRG de 25/02/2019 «ao prever-se no nº 2 do art.º 123º do Cód. Proc. Penal, a possibilidade de “ordenar-se oficiosamente a reparação, tal apenas poderá significar que a autoridade judiciária que detectar a irregularidade pode tomar a iniciativa de a reparar, determinando que os respectivos serviços diligenciem nesse sentido». Efectivamente, afigura-se-nos que, em cumprimento do disposto no artigo 311º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que dispõe sobre o saneamento do processo, recebidos os autos no Tribunal, incumbe ao juiz apreciar as questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa, entre as quais se integra inquestionavelmente a invalidade de notificação da acusação ao arguido. Ademais, os autos deixaram de estar na fase de inquérito e sob a alçada do Ministério Público, passando à fase de julgamento, da exclusiva competência do juiz, a quem incumbe o sobredito saneamento do processo. Se, no exercício desse saneamento e no conhecimento das questões prévias, como ocorreu no caso concreto, é detectada uma irregularidade e determinada a respectiva sanação, desde logo razões de celeridade e de economia processual, evitando-se a anulação de actos já praticados, impõem que seja reparada pela secção de processos dos serviços judiciais. Entendemos, assim, que assiste razão ao recorrente e que a Mmª Juiz do tribunal a quo devia ter ordenado a reparação da irregularidade em causa, da qual conheceu oficiosamente, pela respectiva secção e não ordenar a remessa dos autos aos serviços do MP, como o fez, com essa finalidade, dando baixa na distribuição. Pelo exposto, procede o recurso interposto pelo M.º Público e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido na parte em que se decretou a baixa da distribuição e se determinou a remessa dos autos ao Ministério Público, o qual deverá ser substituído por outro que, caso não exista qualquer outra questão prévia que obste ao conhecimento do mérito da causa, receba a acusação pública deduzida e ordene a sua notificação, seguindo-se os regulares termos do processo em função do que vier, ou não, a ser requerido na sequência da efectivação da notificação em falta. III. DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, decide-se revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que, caso não exista qualquer outra questão prévia que obste ao conhecimento do mérito da causa, receba a acusação pública deduzida e ordene a sua notificação, seguindo-se os regulares termos do processo em função do que vier, ou não, a ser requerido na sequência da efectivação da notificação em falta. Sem tributação. (Texto elaborado pela relatora e revisto pelos signatários - art.º. 94º, n.º 2, do CPP) Guimarães, 11 de Fevereiro de 2025 Anabela Varizo Martins (relatora) Armando Azevedo (1º adjunto) Fernando Chaves (2º adjunto) vencido com declaração de voto Declaração de voto: Vencido pelas razões constantes do Acórdão deste TRG de 6.2.2017, Proc. n.º 374/15.9GCBRG.G1, de que fui relator. [1] Cfr. arts. 412.º e 417.º do C P Penal e Ac.do STJ de 27-10-2016, processo nº 110/08.6TTGDM.P2.S1, de 06-06-2018, processo nº 4691/16. 2 T8 LSB.L1.S1 e da Relação de Guimarães de 11-06-2019, processo nº 314/17.0GAPTL.G1, disponíveis em www.dgsi.pt e, na doutrina, Germano Marques da Silva- Direito Processual Penal Português, 3, pag. 335. [2] Cfr. acórdão de fixação de jurisprudência do STJ de 19/10/95, publicado sob o n.º 7/95 em DR, I-A, de 28/12/95. [3] Este e os demais sem menção da origem disponíveis em www.dgsi.pt. [4] in Comentário do C.P.P., UCP, 4ª edição, pág.816 e 817, em anotação ao art. 311º. |