Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
279/19.4PCBRG.G1
Relator: PEDRO CUNHA LOPES
Descritores: RECONHECIMENTO PRESENCIAL
DIFERENÇA DE IDADES ENTRE OS ELEMENTOS QUE CONSTITUEM A LINHA DE RECONHECIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/29/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
"1 - A diferença de idades entre quem está numa linha de reconhecimento, por si só, não constitui dissemelhança grave e manifesta, entre a aparência do arguido e dos demais presentes na linha de reconhecimento.
2 - Assim, tal facto não torna o reconhecimento como um meio proibido de prova ou prova nula.
3 - No caso, surge ainda acompanhado de outro meio de prova no mesmo sentido, ambos a interpretar segundo o princípio da livre apreciação da prova."
Decisão Texto Integral:
1 – Relatório

Por sentença nestes autos proferido em 31 de Março de 2 022 foi proferida sentença relativamente ao arguido AA, que o condenou nos seguintes termos:

- como autor material e na forma consumada, da prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo art.º 203º/1 C.P., na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 6€ (seis euros);
- foi ainda declarado procedente o incidente de declaração de perda a favor do Estado, da quantia de 10€ (dez euros).

Não foi condenado na atribuição de reparação oficiosa, nos termos do disposto no art.º 82º-A, C.P.P.

Discordando da decisão proferida, da mesma interpôs recurso o arguido, peça que sintetizou nas seguintes conclusões e pedidos:

1. A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou, além do recurso às regras da experiência comum, da análise critica e conjugada da prova produzida e/ou examinada em audiência de julgamento, à luz do princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
2. Se ouvirmos com atenção as declarações do ofendido (cujo depoimento, reproduzido em sede audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso neste tribunal, por referência à ata de Audiência de Discussão e Julgamento de 14.02.2022, constatamos que este que reconheceu o arguido, apenas e tão só, por ser a pessoa com a idade mais próxima da sua e pelo facto das outras duas pessoas que estavam na “linha de identificação” serem mais velhos, não tendo, deste modo, confirmado ter reconhecido o arguido, sem dúvidas, em sede de inquérito, por fotografia e presencialmente (conforme gravação – 27:12 até 27:41).
3. Assim, o tribunal a quo devia ter julgado como não provado os factos em a), a.1 a.10, constante da sentença ora objeto de recurso.
4. Pelo que, consideramos, para efeitos da alínea a), n.º 3, do artigo 412.º, do Código de Processo Penal, que o mesmo foi incorretamente julgado.
5. Face ao supra exposto, o Tribunal a quo para fundamentar a sua convicção utilizou um meio de prova que não poderia ser valorado, porquanto o reconhecimento de pessoas não foi efetuado nos termos previstos no artigo 147.º do CPP.
6. Deste modo, resulta que tal meio de prova não poderá ser atendida pelo Tribunal, por se tratar de meio de prova que não podia ser valorado, pelo facto de ter sido desrespeitado a proibição de valoração de prova prevista no artigo 147.º, n.º 5 do CPP.
7. Não se tendo seguido ao reconhecimento fotográfico do recorrente um reconhecimento presencial efetuado nos termos previstos no artigo 147.º do CPP, determina que aquele não possa ser valorado probatoriamente sendo, portanto, interdita a sua valoração.

Da violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo
8. A questão que nos aflige é que, como se viu, não se logrou descortinar apesar dos esforços probatórios empreendidos, se o Recorrente praticou o crime de que foi condenado.
9. Como logrou o Tribunal concluir que o arguido se locupletou da quantia de 10,00 € (dez euros)?
10. Na verdade, e depois de escalpelizada toda a prova, logo se observa que não ficou demonstrado nada a esse respeito.
11. São, enfim estas as questões que ficaram por responder, geradoras de uma dúvida inultrapassável, e que determinariam inevitavelmente a necessidade de lançar mão do princípio do in dubio pro reo.
12. Com efeito verifica-se uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da atuação do Recorrente.
13. Ora, perante todas as questões que permanecem por responder, o Tribunal a quo não decidiu no sentido mais favorável ao Recorrente.
14. Pelo contrário, perante as dúvidas que não foram respondidas, o Tribunal decidiu precisamente no sentido que mais diametralmente desfavorável lhe era: condenando-o.
15. Tal consubstancia uma preterição do mandamento consagrado naquele art.º 32.º da CRP.
16. Perante a incerteza exposta que a produção de prova não permitiu resolver, impunha-se a absolvição do Recorrente, e não a sua condenação.
17. Normas e princípios violados: artigos 127.º e 147.º do CPP; artigo 32.º da CRP e os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo.

Termos em que, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva o ora recorrente, fazendo-se, deste modo, JUSTIÇA!”

Contra-alegou o M.P., ainda em 1ª instância. Considera que o resultado do reconhecimento feito nos termos do disposto no art.º 147º C.P.P. deve ser sempre avaliado pelo Tribunal, nos termos do princípio da livre apreciação da prova (art.º 127º C.P.P.). Em julgamento estiveram presentes e foram inquiridos como testemunhas, os Agentes da P.S.P. que estiveram na linha de reconhecimento. Quanto ao facto de os outros dois figurantes na “linha de reconhecimento” serem mais velhos que o arguido, argumenta que basta que os mesmos não apresentem “dissemelhança grave ou assimetria acentuada em questões essenciais”, citando Acórdão. Demais, o ofendido assentou a matrícula do veículo em que o arguido se conduzia e é a partir daí que se chega à respetiva identificação. Não há ainda, quanto a si, situação de dúvida que sustente a aplicação do princípio “in dubio pro reo”. Entende pois, que o recurso deve ser julgado improcedente, devendo assim ser confirmada a sentença recorrida.

neste Tribunal da Relação, o Dignm.º Procurador Geral Adjunto deu o seu parecer. Começou por referir que não há vício, na prova por reconhecimento efetuada, mais referindo que o mesmo foi objeto de análise crítica, pelo Tribunal. Afirma ter sido cumprido o formalismo previsto no art.º 147º C.P.P. e que, quanto à semelhança entre o arguido e demais figurantes na linha de reconhecimento, só o caso de uma dissemelhança grave e manifesta pode gerar a invalidade deste meio de prova, citando também um outro Acórdão. Entende assim, que se encontra fora de censura o juízo do julgador feito na sentença, que revela um uso cuidado, justificado e objetivado, nos termos do princípio da livre apreciação da prova (art.º 127º C.P.P.).  Emitiu pois parecer no sentido de que o recurso interposto pelo arguido AA, não deverá obter provimento.
Notificado o recorrente nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P., o mesmo não respondeu.
Vai ser proferida decisão em conferência, como dispõe o art.º 419º/3, c), C.P.P.

2 – Fundamentação

A fim de melhor se percecionarem as questões em análise, transcrever-se-á de seguida e na íntegra, a decisão recorrida – sentença:

I. RELATÓRIO

O Ministério Público deduziu acusação, para julgamento em processo comum, com intervenção de tribunal singular, contra
AA, filho de AA e de BB, natural de ..., nascido em .../.../1998, solteiro, residente na Rua ..., ... – ...,
imputando-lhe a prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº1, Código Penal.
*

O Ministério Público requereu, ainda, a declaração de perda a favor do Estado do valor de € 10,00, obtido como vantagem do facto ilícito, bem como o arbitramento de reparação à vítima, nos termos do disposto no art. 82º-A, Cód. Processo Penal.
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Em sede de audiência de julgamento, foi efetuada comunicação de alteração da qualificação jurídica contida na acusação.
*
 A instância mantém-se válida e regular.

II. Fundamentação

Dos Factos

Realizada a audiência de julgamento, ficaram provados os seguintes factos relevantes:

a.1) No dia 11 de abril de 2019, pelas 04h00m, um grupo constituído por cerca de 5 a 6 indivíduos, entre os quais se encontrava o arguido, chamaram o ofendido CC, quando este se encontrava junto ao bar “G...” na Rua ....
a.2) A dado momento, um dos elementos desse grupo começou a manusear um objeto em tudo parecido com um “x-ato”.
a.3) Entretanto, pediram ao ofendido o seu telemóvel e a carteira, começando o arguido a remexer nesta, tendo tirado do seu interior € 10,00 em numerário e um cartão bancário.
a.4) De seguida, pediram ao ofendido que lhes indicasse o código de segurança e ainda tentaram levantar dinheiro com esse cartão, mas não o conseguiram fazer.
a.5) Depois, com o aludido telemóvel, o arguido enviou mensagens escritas para a mãe do ofendido a pedir à mesma com urgência para depositar dinheiro na conta do ofendido, o que não chegou a ser feito.
a.6) Momentos depois, o grupo onde se encontrava o arguido abandonou o local, levando o arguido consigo apenas os € 10,00 em numerário, devolvendo ao ofendido a carteira e o telemóvel.
a.7) O arguido sabia que não podia retirar os bens pertencentes ao ofendido, sem a sua autorização e contra a sua vontade, mas não obstante tal cognição, o arguido agiu do modo descrito, bem sabendo que fazia seus os ditos € 10,00. que não lhe pertenciam e que os integrava no seu património por atos contrários à vontade do respetivo dono e em prejuízo deste.
a.8) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
a.9) O arguido não tem antecedentes criminais.
a.10) O arguido vive com os pais, e uma irmã menor de idade, em casa própria, pela qual pagam prestação bancária; é distribuidor dos ..., auferindo a RMMG; como habilitações literárias tem o 11º ano de escolaridade; tem um veículo automóvel, ..., de 2001.

b) FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que:

b.1) Nas circunstâncias descritas em 1. os indivíduos se abeiraram do ofendido e decidiram assaltar o mesmo - tendo-se provado antes o descrito em 1.
b.2) Na execução do plano, o descrito em 2. visava intimidar o ofendido.
b.3) O arguido tirou ao ofendido o telemóvel e carteira - tendo-se provado apenas o descrito em 3..
b.4) Considerando a forma como foi abordado, o número de indivíduos que compunham esse grupo e o “à vontade” que os mesmos revelaram, o ofendido ficou sem reação quando lhe pegaram na carteira e telemóvel, com medo que os mesmos lhe pudessem fazer algum mal à sua integridade física.
b.5) Quanto ao mencionado telemóvel, o mesmo só foi devolvido ao ofendido porque, quando o arguido se preparava para abandonar o local, o ofendido pediu-lhe que o devolvessem e, como ele estava com o ecrã todo partido, o arguido acabou por aceder a esse pedido.
b.6) O ofendido ficou tolhido nos seus movimentos, com o constrangimento a que foi submetido pelo aludido grupo.
b.7) O arguido agiu em comunhão de esforços e vontades com os demais elementos que compunham o grupo onde se encontrava inserido.

A demais factualidade afigurou-se-nos irrelevante, conclusiva ou contendo conceitos de Direito.

c) MOTIVAÇÃO

Nos termos dos artigos 125º e 355º, a contrario, Código de Processo Penal, a convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou, além do recurso às regras da experiência comum, da análise crítica e conjugada da prova produzida e/ou examinada em audiência de julgamento, à luz do princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127º Código de Processo Penal.
O arguido prestou declarações lacónicas, negando a autoria dos factos, afirmando desconhecer o ofendido e, apesar de ser frequentador habitualmente da zona onde os factos terão ocorrido, desconhecer se ali se encontrava naquele dia e hora. No final do julgamento, referiu que estaria no local errado à hora errada, dando a entender que teria sido avistado pelo ofendido e confundido com o autor dos factos.
Ora, não tendo o arguido qualquer obrigação de contribuir para a sua própria incriminação, e podendo remeter-se ao silêncio sobre os factos imputados, uma vez prestadas, as suas declarações são livremente valoradas pelo Tribunal e as do aqui arguido, valoradas com recurso à oralidade e imediação, não foram minimamente convincentes. O arguido limitou-se a negar a autoria dos factos e a dizer desconhecer o ofendido, não concretizando ou circunstanciando minimamente tais afirmações, não encetando o mínimo esforço probatório para a demonstração do local onde estaria naquele dia e hora, com quem, onde estaria o seu veículo, conduzido por quem…
O arguido prestou declarações espontâneas e consentâneas com as regras da experiência comum relativamente à sua situação pessoal e económica, tendo confirmado a propriedade do veículo indicado.

Já o ofendido CC prestou depoimento suficientemente claro e sereno, tendo descrito as circunstâncias em que foi chamado por um grupo de jovens (entre 5 e 6), tendo encetado conversa com os mesmos sobre diversos assuntos, relacionados com a Universidade, a vida social, e os bares, durante largos minutos.
Esclareceu que, nessas circunstâncias, lhe pediram o telemóvel, a carteira, o PIN do cartão bancário, tendo fornecido tudo sem resistência. Perguntado pelas razões de tal entrega, o ofendido desvalorizou, dizendo que se encontravam a conversar e que os objetos não tinham especial valor, tanto mais que na conta bancária teria um saldo muito reduzido (cerca de € 3,00). Só expressamente perguntado referiu, sem especial assertividade, algum constrangimento em virtude do número de pessoas no grupo e pelo manuseamento, por um deles, de um objeto semelhante a um “x-ato”.
Expressamente perguntado, negou reconhecer, atualmente, o arguido como autor dos factos, confirmando tê-lo reconhecido, sem dúvidas, em sede de inquérito, por fotografia e presencialmente.
Por referência a tal reconhecimento, disse que foi o arguido que pegou na carteira e que, também na posse do telemóvel, se afastou por alguns minutos (para tentar efetuar levantamento, já que quando regressou disse que o ofendido não tinha saldo nem para um levantamento mínimo de € 5,00), após o que lhe devolveu a carteira, já sem os € 10,00 – apesar de o ofendido lhe ter referido que lhe faltavam esses € 10,00 - tendo-se ausentado, depois, com todo o grupo, do local, ficando o ofendido a vê-los entrar num veículo automóvel, do qual anotou a matrícula, que posteriormente forneceu à Polícia.
Acrescentou que o seu telemóvel ficou, entretanto, sem bateria, só se tendo apercebido no dia seguinte do envio de mensagens à sua mãe, pedindo dinheiro, o que deixou a mesma sobressaltada e fez com que tivesse vindo de ... a ... à sua procura, tal corroborado pela mesma, DD, de forma espontânea e consistente, quando inquirida como testemunha.
O agente da PSP EE, de forma clara e escorreita, descreveu as diligências por si realizadas, designadamente o reconhecimento presencial, pelo ofendido, de forma perentória, após reconhecimento através de fotografia da carta de condução do arguido, a cuja identidade acedeu por ser o proprietário do veículo cuja matrícula o ofendido forneceu.
Os agentes da PSP FF e GG, que integraram a “linha de

identificação” do reconhecimento esclareceram algumas circunstâncias acerca da diligência, embora já não tivessem memória clara da mesma.

Em conjugação com a referida prova por declarações e depoimentos, valorámos o auto de denúncia de fls. 11 e ss.; print de fls. 17 e 18; auto de reconhecimento pessoal de fls. 77 e ss. (cfr. arts. 147º e 149º, CPP).
Tudo devidamente ponderado, concluiu o Tribunal, com a segurança necessária e exigível, pela dinâmica dos factos nos termos descritos e pela intervenção do arguido na prática dos mesmos.
De facto, o ofendido anotou a matrícula do veículo que pertence ao arguido como sendo a da viatura onde o grupo em causa se ausentou do local e forneceu-a logo na denúncia formalizada no dia dos factos. Nessa mesma denúncia forneceu logo uma descrição sumária das características físicas da pessoa a quem imputava a retirada da carteira.
Confrontado com a fotografia da carta de condução do arguido, o ofendido identificou o mesmo como autor dos factos e confirmou-o no reconhecimento presencial vertido no auto supra referido.
Suscitadas dúvidas acerca de tal reconhecimento, em virtude de o ofendido ter dito que a pessoa que reconheceu era a que tinha a idade mais próxima da sua e que atualmente não reconheceria o arguido, foram inquiridos os agentes da PSP que fizeram a diligência e participaram na “linha de identificação”.
Nessa sequência, concluímos que não se verifica qualquer vício capaz de invalidar o reconhecimento, positivo, efetuado.
O ofendido fez, inicialmente, uma descrição do suspeito, coincidente, aliás, no essencial, à que fizera na denúncia.
A lei não exige que o reconhecimento presencial se siga ao fotográfico que tenha sido realizado num prazo específico.
As características pessoais das pessoas que integram a “linha de identificação” devem ser o mais similares possíveis às do suspeito, mas tal não pode significar a inexequível exigência de completa homogeneidade física, bastando que entre os participantes não exista dissemelhança grave, assimetria acentuada em características essenciais (assim, Ac. TRP 13.3.2013, in www.dgsi.pt).

No caso em apreço, a principal dissemelhança consiste na idade dos participantes –

sendo o arguido nascido em 1998 e os outros participantes em 1977 e 1970 - não havendo

graves e evidentes diferenças em termos de estatura, compleição física, tom de pele e cor e corte de cabelo. Apesar da diferença de idade, não consideramos que a aparência física dos participantes e do suspeito seja de tal modo distinta que inquine a validade do reconhecimento, positivo, efetuado, considerando não cumprido o disposto no art. 147º, nº2, CPP.
Tal reconhecimento deve ser livremente valorado pelo Tribunal, no âmbito da prova testemunhal do ofendido, conjugado com a demais prova, e ponderando a falibilidade do reconhecimento pessoal, necessariamente influenciado por inúmeros fatores.
Ora, considerando a descrição efetuada pelo ofendido na denúncia e antes do reconhecimento, a circunstância de o mesmo ter anotado na altura dos factos a matrícula do veículo, que é propriedade do arguido, o reconhecimento positivo do mesmo, por fotografia e presencialmente, associado à circunstância de arguido e ofendido não se conhecerem anteriormente, permite ao Tribunal concluir que foi efetivamente o arguido a praticar os factos descritos, inexistindo razões para crer numa falsa imputação por parte do ofendido na fase de inquérito, sendo perfeitamente normal que, atento o lapso de tempo entretanto decorrido, o ofendido não fosse capaz de repetir o reconhecimento positivo em sede de audiência.
Os factos atinentes ao elemento subjetivo, enquanto referentes ao foro interno do agente, decorreram, na ausência de confissão, do conjunto da prova produzida, das circunstâncias da subtração dos € 10,00 da carteira do ofendido, apesar de confrontado pelo mesmo a tal propósito, tudo ponderado de acordo com as regras da lógica, da experiência comum e da normalidade da atuação humana, que nos permitem concluir que o arguido atuou em circunstâncias tais que não se duvida que conhecia e queria praticar o ato lesivo, ciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Os factos não provados resultaram, naturalmente, da ausência de prova suficiente e idónea produzida nesse sentido, ou mesmo de prova produzida em sentido diverso.
Apesar do que ficou dito quanto à espontaneidade e credibilidade do depoimento do ofendido, desse depoimento não resultou, de forma idónea, a demonstração da integralidade dos factos imputados na acusação.
Resultou de forma relativamente evidente que inexistiu qualquer “exigência”, qualquer “retirada” e que o referido manuseamento de um objeto semelhante a um “x-ato” por um dos elementos do grupo, ainda que tivesse deixado o ofendido desconfortável, não foi a razão para a entrega dos objetos pelo ofendido, assim como não se demonstrou que tivesse sido exercido com esse propósito ou que existisse consciência desse propósito, pelo arguido. Não ficou demonstrado que o ofendido tivesse ficado tolhido na sua liberdade, nos seus movimentos, sem reação.

Nem sequer o número de pessoas presentes, pela forma como o ofendido descreveu que se encontravam dispostas, como o abordaram e como encetou conversa com os mesmos, pode servir para concluir nesse sentido, assim como para concluir pela existência de um plano conjunto ou uma conjugação de esforços.
A ausência de condenações anteriormente registadas resultou do Certificado de Registo Criminal de fls. 123.

DO DIREITO

Assente a factualidade relevante, cumpre aferir da responsabilidade criminal do arguido pela prática do crime que lhe vem imputado, procedendo-se ao enquadramento jurídico-penal da sua conduta e, concluindo-se pela existência de responsabilidade jurídico-penal, caberá determinar qual a pena a aplicar e respetiva medida concreta.
O artigo 210º, nº1, Código Penal prevê o crime de roubo, estatuindo que “[Q]uem, com ilegítima intenção de apropriação, para si ou para outra pessoa, subtrair ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de um a oito anos”.
O crime de roubo é um tipo de crime complexo, pluriofensivo, porquanto protege, indubitavelmente, o bem jurídico da propriedade, mas também bens jurídicos pessoais como a vida, integridade física e a liberdade pessoal, de ação e decisão.
Do ponto de vista da propriedade, protege-se uma especial relação de facto sobre a coisa, a mera posse ou disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com o mínimo de representação jurídica.
Quanto à noção de coisa, esclarecem LEAL HENRIQUES E SIMAS SANTOS, a propósito do crime de furto, (in, “Código Penal Anotado”, 2º Volume, p. 619) que a mesma consistirá, para efeitos penais, em “toda a substância corpórea, material, susceptível de apreensão, pertencente a alguém e que tenha um valor qualquer, mas juridicamente relevante”.

Esclarece, ainda, o Prof. FARIA COSTA in “Comentário Conimbricense”, que “coisa móvel é toda e qualquer coisa que seja susceptível de ser deslocada espacialmente” e será alheia “toda a coisa que está ligada, por uma relação de interesse, a uma pessoa diferente daquela que pratica a infracção”.
Para que se verifique o tipo de crime de roubo, objetivamente, exige-se uma subtração ou constrangimento à entrega de coisa móvel alheia por um dos meios previstos: violência contra uma pessoa, ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou colocação na impossibilidade de resistir, já que se trata de um crime de execução vinculada.
Citando o Ac. do STJ, de 5.11.03, Proc. 03P2717, in www.dgsi.pt, “[C]onstranger é, coagir, obrigar, pressionar, afectando a liberdade pessoal do coagido; para fins de preenchimento do tipo legal, o constrangimento reveste a natureza de uma obrigação de "facere" no caso de entrega coisa móvel ou "non facere ", no caso de subtracção da mesma, sujeitando-se o coagido, neste caso, a consentir na apropriação ilegítima da coisa móvel, que passa da sua esfera dominial para a de terceiro, por qualquer dos modos previstos no art.º 210.º, do CP: violência contra a pessoa, ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física do visado ou colocação na impossibilidade de resistir”.
Entre o conseguir coisa móvel alheia e os meios empregues tem, pois, de se verificar um nexo de imputação.
A violência empregue pode ser física ou psicológica, desde que seja suficiente, do ponto de vista do homem médio, para determinar a vontade do ofendido à entrega da coisa e superar a sua resistência ou oposição.
Apesar da tipificação do constrangimento como elemento incriminador, e pela natureza dos bens jurídicos que visa proteger, o seu exercício pode assumir as mais diversas formas. No sentido de que a compressão coativa não demanda nem pressupõe formas taxativas ou específicas de manifestação, cfr. Ac. STJ 11.4.02, in www.dgsi.pt.
Face ao que ficou dito, para que se considere praticado o crime de roubo, basta a utilização de um meio, objetiva e abstratamente idóneo a configurar uma forma de violência sobre a vítima ou a colocá-la na impossibilidade de resistir.
Exige-se, por outro lado, a entrada no domínio de facto do agente da infração das utilidades da coisa que estavam anteriormente no sujeito que a detinha.
No que se refere ao tipo subjetivo do ilícito, é aceite pela doutrina e jurisprudência o cometimento do crime de roubo sob qualquer modalidade de dolo, ainda que seja necessário que o agente atue com um dolo específico de “ilegítima intenção de apropriação” da coisa para si ou para terceiro, para além do dolo genérico de representar e querer o ato de subtrair ou constranger alguém a entregar-lhe algo, com consciência do seu caráter alheio e de que tal comportamento é ilícito.
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No caso dos autos, considerando a factualidade provada, e tal como resulta da comunicação de alteração da qualificação jurídica efetuada, consideramos que, apesar da subtração dos € 10,00 da carteira do ofendido, não ficou demonstrada qualquer violência física ou psicológica exercida sobre o mesmo, não se apurou que a entrega da carteira se devesse a esse constrangimento por meio de violência ou ameaça com perigo iminente para vida ou integridade física, a qualquer colocação do ofendido na impossibilidade de resistir.
De facto, ainda que não se exija o emprego de violência física e que a ameaça possa ser meramente velada, ela tem que ser efetiva, o constrangimento tem que ser claro e inequívoco, pela imperatividade da ordem de entrega do objeto, pela aproximação física, pela exibição de força, de tal modo que outra coisa não resulte para o homem médio senão um constrangimento do ofendido a transferir a coisa para o domínio do agente.
Tal não sucedeu no caso.

Em consequência, consideramos não estarem verificados os pressupostos objetivos e subjetivos do tipo legal de roubo de que o arguido vinha acusado.
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O artigo 203º, nº1, Código Penal, prevê o crime de furto, descrevendo que “[Q]uem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
Este normativo protege o bem jurídico da propriedade e, mais especificamente, a especial relação de facto sobre a coisa, a mera posse ou disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com o mínimo de representação jurídica.
O furto é “uma agressão ilegítima ao atual estado das relações, ainda que provisórias, dos homens com os bens materiais da vida na sua exteriorização material” – neste sentido, JOSÉ DE FARIA COSTA, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo II, Coimbra Editora, p.30 -suscetível de censura jurídico-penal.
Para que se verifique o tipo de crime de furto, objetivamente, exige-se uma subtração de coisa móvel alheia.
A subtração caracteriza-se por fazer entrar no domínio de facto do agente da infração as utilidades da coisa que estavam anteriormente no sujeito que a detinha.
O valor patrimonial deve ultrapassar um limiar mínimo para que a sua proteção ascenda à dignidade penal.

No que se refere ao tipo subjetivo do ilícito, é aceite pela doutrina e jurisprudência que, para ser cometido o crime de furto, é necessário que o agente tenha atuado com um determinado dolo específico, para além do dolo genérico de representar e querer o ato de subtrair algo a alguém.
O dolo específico consistirá na ilegítima intenção de apropriação da coisa para si ou para terceiro, com consciência do seu caráter alheio e de que tal comportamento é ilícito.
A consumação do crime de furto pressupõe a efetivação da subtração, pelo que o tipo legal só estará preenchido no momento em que, frustrando-se a posse ou a vigilância do detentor, a coisa entra na disponibilidade ou esfera de utilidades do agente, ainda que por um curto espaço de tempo, ou mesmo que de forma apenas desassossegada ou intranquila.
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Vertendo ao caso em apreço, face à factualidade provada, dúvidas não existem de que o arguido se apoderou dos € 10,00 propriedade do ofendido, contra a vontade deste, retirando-os do domínio de facto do mesmo, com intenção de fazer sua tal quantia, deslocando-a para a sua esfera patrimonial, invertendo o título de posse com a deslocação para fora do domínio do ofendido de tal quantia, integrando-a no seu próprio domínio.
Atuou o arguido executando o facto, com conhecimento e vontade de praticar o ato de subtração de coisa móvel alheia, com intuito de fazer seu aquele dinheiro, pelo que se constituiu como autor material, atuando sob a forma de dolo direto (artigos 26º e 14º, nº1, Código Penal).
Do exposto decorre que se encontram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito de furto, p. e p. pelo artigo 203º, nº1, Código Penal, não se vislumbrando qualquer causa de justificação ou exclusão, da ilicitude ou da culpa.
Acresce que o ofendido, tempestivamente, manifestou desejo de procedimento criminal contra o autor dos factos (cfr. auto de denúncia).

DA ESPÉCIE E MEDIDA DA PENA

O crime de furto é punível, em abstrato, com pena de prisão de 1 mês até 3 anos ou com pena de multa de 10 a 360 dias (artigos 203º, nº1, 41º, nº1, e 47º, nº1, todos do Código Penal).
Nos termos do artigo 70º Código Penal “[S]e ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
O tribunal deve preferir a medida não privativa da liberdade, sempre que esta realize adequadamente as finalidades da punição, i.e., sempre que tal satisfaça as necessidades de prevenção especial de socialização e as necessidades de prevenção geral não imponham a aplicação de pena de prisão (neste sentido, ANABELA RODRIGUES, in BMJ, 380 p.20).
No caso dos autos, face à ausência de condenações anteriores e considerando a gravidade objetiva dos factos, a pena de multa mostra-se suficiente e adequada às finalidades da pena, quer geral quer especial, não reivindicando tais finalidades a aplicação, a título principal, de uma medida privativa da liberdade.
*

Não havendo lugar à aplicação de circunstâncias modificativas que funcionem ao nível da moldura penal abstrata, e escolhida a espécie de pena, cumpre determinar a sua medida concreta, atendendo, desde logo, ao disposto no artigo 40º, nº1, Código Penal, segundo o qual a aplicação de uma pena tem finalidades exclusivamente preventivas, já que visa a “protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, sendo de prevenção geral, no primeiro caso, e de prevenção especial positiva, de reintegração e ressocialização, no segundo (neste sentido, FIGUEIREDO DIAS, in “Consequências Jurídicas do Crime”, pp. 72-73).
Considerações de culpa atuarão, apenas, como pressuposto da aplicação de uma pena (nulla poena sine culpa) e como limite máximo inultrapassável da medida concreta da pena, tal como prevê o artigo 40º, nº2, Código Penal.
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A determinação da medida concreta da pena atende aos critérios enunciados no artigo 71º, nº1, Código Penal, da culpa e exigências de prevenção, nomeadamente por aplicação das circunstâncias previstas no nº 2.
De referir, ainda, que o juízo de culpa se refere ao momento da prática do facto enquanto o juízo acerca das necessidades de prevenção se reporta ao momento do julgamento.
Dentro da moldura penal abstrata fixada pelo legislador, o juiz fixa a submoldura penal do caso, uma moldura da prevenção, em que o limite mínimo é dado pelas necessidades de prevenção geral, abaixo do qual não se satisfazem as exigências comunitárias de justiça (pena imprescindível), no sentido de reforço da confiança da comunidade na ordem jurídica, na validade da norma violada, e o limite máximo dado igualmente por exigências de prevenção geral, acima do qual a pena não é comunitariamente necessária, uma vez que se encontram atingidos os limites necessários à pacificação social e dissuasão.
Contudo, e para impedir que as exigências comunitárias elevem desproporcionadamente o limite máximo da moldura abstrata, este não poderá, como vimos, ir além do limite da culpa do agente, em nome da preservação da sua dignidade e da garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade (artigo 25º Constituição da República Portuguesa).
Dentro da “moldura da prevenção” referida, sob o limite inultrapassável da culpa, atuam as exigências de prevenção especial, mormente positiva ou de ressocialização.
Na determinação da medida da pena, nos termos do artigo 71º Código Penal, devem ser consideradas todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, por via da culpa ou da prevenção, desde que não façam parte do tipo de crime, aí se incluindo todas as circunstâncias tidas em conta pelo legislador na moldura penal, e desde que não tenham sido consideradas enquanto circunstâncias modificativas, sob pena de dupla valoração.
No entanto, tal não impede o julgador de aumentar ou diminuir a medida concreta da pena em função das “modalidades de realização do tipo”, reveladoras de particulares exigências preventivas, em função de uma intensidade e especificidade que ultrapasse aquilo que foi considerado pelo legislador penal, tendo em conta a concreta forma de execução, a específica motivação, as consequências extratípicas do facto, a situação da vítima e/ou do agente, a conduta deste antes e depois do facto, etc.
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No caso concreto, no que respeita às circunstâncias dos factos praticados pelo arguido, verificamos que:
- as consequências do crime, a ponderar ao nível do desvalor do resultado, não foram muito graves, em termos patrimoniais, atento o valor subtraído;
- o grau de ilicitude é reduzido, considerando o modo de execução e a energia criminosa demonstrada na sua prossecução, que não contou com especial oposição por parte do ofendido;
- o grau de culpa é elevado, atenta a atuação com dolo direto e, ainda que não atuando em comunhão de esforços com outros indivíduos, aproveitando a circunstância de estar acompanhado, já que as outras pessoas foram intervindo e falando com o ofendido.

No que tange à conduta anterior e posterior e às condições pessoais do arguido, ponderou-se, a seu favor, a ausência de antecedentes criminais, a sua jovem idade, a inserção profissional e familiar que revela.

Das circunstâncias expostas resultam relativamente reduzidas exigências de prevenção especial, e moderadas necessidades preventivas gerais, atento o cometimento do crime na via pública, em local de lazer.
De notar, por fim, que se é certo que nenhuma consequência negativa pode advir para o arguido da sua opção de não contribuir para a descoberta da verdade, é igualmente certo e evidente que o mesmo não beneficia das circunstâncias atenuantes aplicáveis aos arguidos que comparecem em julgamento com atitude colaborante, confessando os factos e mostrando sincero arrependimento.
Tudo ponderado, por se considerar ser reduzida a ilicitude e elevada a culpa, relativamente reduzidas as exigências de prevenção especial e moderadas as exigências de prevenção geral, considera-se adequada, justa e proporcional a aplicação ao arguido da pena de 100 (cem) dias de multa.
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Cumpre, agora, fixar a sua razão diária, atendendo ao que prescreve o artigo 47º, nº2, Código Penal, entre € 5,00 e € 500,00, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
A fixação do montante diário da pena de multa, dentro dos limites legais, “não deve ser doseada por forma a que tal sanção não represente qualquer sacrifício para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade” (Ac. TRC de 13-07-95, C.J. XX, tomo 4, p. 48).
Atenta a situação económica do arguido apurada, os respetivos rendimentos e encargos, reputa-se justo e adequado fixar o quantitativo diário acima do mínimo legal -reservado para situações de absoluta carência económica ou indigência – em € 6,00 (seis euros).

Da perda de vantagem a favor do Estado

O Ministério Público deduziu, nos termos do art. 110º, nº1, b), nº4, Código Penal, pedido de declaração de perda, a favor do Estado, da vantagem auferida pelo arguido, de € 10,00 (dez euros) .
Nos termos do citado preceito, são declaradas perdidas a favor do Estado, as vantagens do facto ilícito típico, considerando-se, como tal, todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.
No caso em apreço, o arguido obteve, efetivamente, a referida vantagem patrimonial, não tendo sido o dinheiro recuperado nem restituído ao ofendido, que também não formulou nos autos pedido de indemnização.
Nessa sequência, sem necessidade de adicionais considerações, deve o arguido ser condenado no pagamento ao Estado do referido valor de € 10,00 (dez euros).


Do arbitramento de reparação ao ofendido

Na acusação deduzida, o Ministério Público requereu que fosse arbitrada uma indemnização à vítima, nos termos previstos no artigo 82º-A, Cód. Processo Penal.
Contudo, atenta a gravidade objetiva dos factos, as consequências dos mesmos para o ofendido, não se tendo demonstrado que o mesmo tenha ficado, em virtude do crime pelo qual o arguido vai condenado, numa situação de especial desproteção ou vulnerabilidade, entendemos inexistirem razões para arbitramento de reparação nos termos do citado art. 82º-A, Cód. Processo Penal.

III. DECISÃO

Pelo exposto:

i) por convolação fáctico-jurídica do descrito na acusação, condeno o arguido AA pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, nº1, Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
ii) julgo procedente o incidente de declaração de perda a favor do Estado da quantia de € 10,00, correspondente à vantagem obtida com a prática do ilícito;
iii) não atribuo reparação à vítima nos termos do disposto no art. 82º-A, CPP.

Custas e demais encargos do processo pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s (artigos 513º, nº1, 514º, nº1, Código de Processo Penal e artigo 8º, nº9, e tabela III RCP).

Notifique.

Após trânsito, remeta Boletins ao Registo Criminal - arts. 374º, nº3,d) CPP, 6º, nº1,a), 5º, nº3 da Lei n.º 37/15, 5/5 e 7º, DL 171/15, 25/8.”

2 – Questões a Resolver

2.1. – Da Prova por Reconhecimento
2.1. – Da Prova por Reconhecimento

Embora também sujeita ao princípio da livre apreciação da prova (art.º 127º C.P.P.), a prova por reconhecimento vem especialmente regulada no art.º 147º C.P.P. Isto porque, apesar
Não obstante o princípio da liberdade dos meios de prova em Processo Penal (art.º 125º C.P.P.), o legislador teve a consciência de que a prova por reconhecimento carecia de regulamentação específica e apertada, por isso a tendo previsto no referido art.º 147º C.P.P.
Tipificou-se especialmente a sua realização e, no último n.º do dispositivo  (art.º 147º/7 C.P.P.), previu-se que o reconhecimento não pode valer como meio de prova, se não realizado nos termos legais.
E, com efeito, está em causa um meio de prova com grande potencial probatório, mas com poucas possibilidades de contraditório.
Traduz-se na identificação pelo ofendido ou testemunha do arguido, geralmente pessoa que não conhece e que só viu no momento da prática do crime. Logo, feita em momento posterior e relativamente a momento em que as suas capacidades de concentração e atenção não eram as melhores.
As possibilidades de contraditório são pouco amplas – quem reconhece diz que foi o arguido que praticou os factos e o arguido pode tão-só negar ou quando muito provar, que no momento não estava no local.
As capacidades mnésicas são, quer no momento dos factos, quer no do reconhecimento reduzidas – e tanto mais, quanto os factos se diluíram no tempo e, noutras vezes, quando o arguido e quem realizou o reconhecimento pertencem a etnias diferentes.
São conhecidos vários erros judiciários – e não só dos filmes – da prova de prática de crimes, baseada em reconhecimentos. E em que quem reconhece está de boa fé e convencido de que, efetivamente reconheceu o autor dos factos.
Daí o especial cuidado do legislador em prever o formalismo a que os reconhecimentos devem obedecer formalmente, na ânsia de os tornar mais objetivos, seguros e com ausência do fator sugestão – como ocorria nos reconhecimentos que eram feitos em julgamento, em que quem reconhecia via o arguido responder à chamada como responsável pelos factos e depois, sentado, muitas vezes sozinho no “banco dos réus”. A resposta e a opção probatória era exercida em frações de segundos e sob toda esta componente sugestiva.
Daí que, como se refere no acórdão da Relação do Porto de 13/3/2 013, Joaquim Gomes, acessível em www.dgsi.pt e citado pelo M.P. nas suas contra-.alegações
“(…) a modalidade de reconhecimento presencial assenta em três formalidades essenciais, que são:
- a presença de mais de duas pessoas do que a pessoa a reconhecer no painel de identificação;
- a existência de maiores semelhanças possíveis entre aquelas e esta última, em razão do género, da raça, da compleição ou estrutura física, como também do vestuário e que sejam naturalmente exequíveis;
- a colocação de todas numa situação de paridade”.
Muito embora se não esteja perante prova tarifada ou com valor reforçado, devendo antes ser livremente apreciada pelo julgador (art.º 127º C,.P.P.), a verdade é que o legislador, consciente do seu potencial probatório mas também da sua margem de erro, mesmo sem o domínio da mentira, quis garantir que o mesmo seja o mais objetivo e seguro possível.
Ora, no caso dos autos, o reconhecimento do arguido recorrente feito pelo ofendido e testemunha CC foi, efetivamente, um dois meios de prova que gerou a condenação do arguido.
E que o arguido recorrente põe em causa, no recurso que apresentou.
Sublinha sobretudo a diferença de idades existente entre o arguido e os dois Agentes da P.S.P., FF e GG, que estiveram também na “linha de reconhecimento”.
Ora, efetivamente constata-se que:
- o arguido AA nasceu em 1 998;
- a testemunha FF em 1 977;
- a testemunha GG em 1 970.
Logo, estes eram respetivamente mais velhos que o arguido vinte e oito e vinte e um anos.
Cuidadosamente porém, o Tribunal recorrido admitiu requerimento de prova suplementar feito pelo arguido no sentido de serem ouvidos EE (o Agente da P.S.P. responsável pela investigação e pela realização do reconhecimento) e também FF e GG, que participaram na referida “linha de investigação”.
EE explicou que o ofendido CC fixou a matrícula do automóvel em que o arguido circulava, que depois viram quem era o seu proprietário – exatamente o arguido – e que o mesmo CC reconheceu depois o arguido, na fotografia que consta da sua identificação na carta de condução – cfr. 16, 17 e 18.
Os factos datam de 11/4/19 e este reconhecimento fotográfico de 30/4/19, logo de dezanove dias após os factos.
Sabe-se porém, o quanto a aparência fotográfica pode divergir da aparência real da pessoa.
Daí, que este reconhecimento fotográfico, por si, não tenha qualquer valor – art.º 147º/5 C.P.P. Só ganha valor probatório como reconhecimento, se seguido de reconhecimento pessoal positivo – art.º 147º/2 e 5), C.P.P.
Reconhecimento pessoal positivo que também vem a ocorrer no caso dos autos – cfr. auto de reconhecimento de fls. 77 e v.º. Ocorreu porém, apenas em 12 de Outubro de 2 020 ou seja, decorridos já cerca de um ano e oito meses sobre a data dos factos. E sabe-se de quanto o decurso do tempo perturba a memória e ainda mais a memória fotográfica ou imagem de alguém.
Mesmo inconscientemente, o identificador pode criar estigmas e falsas imagens, de quem vai reconhecer.
É óbvio que o reconhecimento, para mais num caso tão simples como o dos autos, deveria ter ocorrido muito antes.
E também que as idades do arguido e de quem esteve na “linha de reconhecimento” deveriam ter sido mais aproximadas.
De qualquer modo, o tribunal de 1ª instância, com imediação com os factos, vendo as pessoas que estiveram no reconhecimento e ouvindo o ofendido CC e o Agente da P.S.P. EE deu credibilidade ao reconhecimento.
É certo que há diferença de idades, mas a visibilidade dessa diferença depende de caso para caso e da fisionomia, quer dos mais novos, quer dos mais velhos.
Apresentar as “maiores semelhanças possíveis (…) com a pessoa a investigar” constitui, também em si, um conceito relativo.
A jurisprudência aliás, tem assinalado que
“Apenas a prova de dissemelhança grave, manifesta, entre o arguido e os demais integrantes da linha de identificação constitui um caso de patente proibição de prova – cfr. o citado pelo Dignm.º P.G.A.,  Acórdão da Relação de Évora de 16/10/12, João Gomes de Sousa.
Acresce que, no caso concreto, a prova do ilícito não se baseou apenas no reconhecimento pessoal efetuado pelo ofendido CC, mas também no facto de o mesmo ter identificado a matrícula do automóvel onde o suspeito se transportava e de este pertencer ao arguido – cfr. fls. 17/18. 
Nem a 1ª instância assinalou dúvidas na decisão, nem elas surgem, nestes termos e agora, a este Tribunal da Relação – pelo que não há motivo para aplicação do princípio “in dubio pro reo”.
E, sobretudo, com o invocado pelo arguido, no seu recurso, não surge como impositiva decisão diversa – art.º 412º/3, b), C.P.P.
O Tribunal de 1ª instância selecionou assim os factos provados de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (art.º 127º C.P.P.), que dada a maior imediação e oralidade que teve com a prova apresentada, não é tangível por este Tribunal de recurso.
A motivação mostra-se objetiva e logicamente efetuada, de acordo com as regras da experiência, sendo que foi o próprio Tribunal recorrido, que de forma fundamentada e concretizada, descredibilizou a versão do arguido recorrente.
Quanto à assinalada diferença de idades, não deixou de abordar a questão, referindo que entre os participantes na linha de reconhecimento não haviam “graves e evidentes diferenças em termos de estatura, compleição física, tom de pele, cor e corte de cabelo. Apesar da diferença de idade, não consideramos que a aparência física dos participantes e do suspeito seja de tal modo distinta que inquine a validade do reconhecimento positivo efetuado, considerando não cumprido o disposto no art.º 147º/2 C.P.P.”.
Isto depois de e bem, ter deferido toda a prova suplementar requerida pelo arguido, contactando diretamente com o arguido e com quem com ele esteve, na “linha de reconhecimento”.
Não se impondo versão diversa dos factos com o recurso do arguido, deve o mesmo improceder, mantendo-se assim a douta decisão recorrida.
**
Termos em que,

3 - Decisão

a) se julga totalmente improcedente o recurso apresentado pelo arguido recorrente AA, por via disso se mantendo na íntegra a sentença recorrida.
b) Custas pelo mesmo, com 3 (três) U.C.`s de taxa de justiça – arts.º 513º/1 C.P.P., 8º/9 e tabela anexa 3), ao R.C.P.
c) Notifique.
Guimarães, 29 de Maio de 2 023

(Pedro Cunha Lopes)
(Fátima Furtado)
(Armando Azevedo)