Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1754/22.9T8VRL.G1
Relator: FRANCISCO SOUSA PEREIRA
Descritores: PRESCRIÇÃO
NULIDADE DA DECISÃO - (ARTIGO 615.º/1
ALÍNEAS B)
C) E D) DO CPC)
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Se o autor instaura uma acção declarativa de condenação, em que pede seja reconhecido e declarado como trabalhador do réu durante o período que alega, com todas as consequências legais inerentes, e pede que o réu seja condenado a pagar-lhe as férias não gozadas, os subsídios de férias, os subsídios de Natal e subsidio de refeição, referentes ao mesmo período, e ainda juros de mora, e o réu contesta deduzindo (além do mais) a excepção da prescrição, pode o Tribunal, em saneador – sentença, declarar procedente essa excepção e considerar prejudicado o conhecimento da questão atinente à existência do alegado contrato de trabalho, não implicando que essa decisão fique a padecer de qualquer das nulidades previstas no art. 615.º/1, al.s b), c) e d), do CPC.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P., também nos autos melhor identificada, pedindo:

a) - Ser o Autor reconhecido e declarado como trabalhador do Réu durante o período que trabalhou para o mesmo compreendido entre o dia 11/03/2013 e o dia 01/05/2020, com todas as consequências legais inerentes;
e
b) - Ser o Réu condenado a pagar ao Autor as férias não gozadas relativas aos anos de 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, nos montantes do vencimento médio mensal desses anos, num total de € 12.410,18 (doze mil quatrocentos e dez euros e dezoito cêntimos)
c) - Ser o Réu condenado a pagar ao Autor os subsídios de férias relativos aos anos de 2013 a 2020, nos montantes do vencimento médio mensal do Auto nesses anos, num total de € 12.410,18 (doze mil quatrocentos e dez euros e dezoito cêntimos);
d) - Ser o Réu condenado a pagar ao Autor os subsídios de Natal relativos aos anos de 2013 a 2020, no montante do vencimento mensal médio do Autor, no total de € 12.345,34 (doze mil trezentos e quarenta e cinco euros e trinta e quatro cêntimos);
e) - Ser o Réu condenado a pagar ao Autor a título de subsidio de Refeição, referente ao período compreendido entre 11/03/2013 e o dia 01/05/2020, no valor global de € 8.030,92 (oito mil e trinta euros e noventa e dois cêntimos).
f) - Ser o Réu condenado a pagar ao Autor juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias peticionadas nas precedentes alíneas b) a e), calculados desde o final de cada ano civil em que os pagamentos deveriam ter sido efectuados bem como os juros vincendos, a contar desde a citação do réu, até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, e em síntese, alega o autor que
O autor, que é licenciado em História, foi contratado pelo réu para o desenvolvimento da actividade de formação, mediante a celebração dos contratos denominados de “Contrato de aquisição de serviços” que identifica.
Os contratos referidos foram celebrados ao abrigo dos procedimentos de contratação 1/2012, de 17 de Dezembro e 1/2015, que visavam a contratação para os Centros de Empregos e Formação Profissional, IP, com vista ao suprimento de necessidades de docentes/formadores, para o período compreendido entre 2013/2015 e de um último procedimento inominado para o período entre 1 de Janeiro de 2020 e 30 de Junho de 2020.
Entretanto, com base na PREVPAV – Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos precários na Administração Pública, em 1 de Maio de 2020 o aqui autor integrou o quadro do réu como seu trabalhador (de facto e de direito).
No âmbito dos contratos identificados como de “aquisição de serviços”  a prestação da actividade do autor revestia, e conforme pertinente factualidade que alega, as características previstas nos artigos 11.º e 12.º do Código do Trabalho, sendo a relação jurídica estabelecida entre o autor o réu desde 19 de Março de 2013 até 1 de Maio de 2020 uma relação caracterizada pela subordinação jurídica.
O autor no âmbito desses contratos auferia do réu a retribuição média mensal era de € 1.728,00 (€ 14,40 X 30horas X 4), sendo que nunca gozou férias, nunca recebeu qualquer remuneração a título de subsídios de férias e de Natal, nem subsidio de refeição.

Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se, nessa sede, a conciliação.

O réu apresentou contestação, defendendo-se por excepção, invocando a excepção peremptória da prescrição dos eventuais créditos laborais - o autor propôs a presente ação no dia 27 de Agosto de 2022, e o réu foi citado para a mesma em 29 de Agosto de 2022, ou seja, uma coisa e outra decorrido mais de um ano desde a cessação do alegado contrato individual de trabalho celebrado entre o autor e o réu (verificada em 30 de abril de 2020), mesmo considerando a suspensão dos prazos de prescrição por força das chamadas «Leis COVID» -, e a excpeção peremptória do abuso de direito, consubstanciada na tutela da confiança/suppressio, no venire contra factum proprium e no tu quoque.
Defendeu-se também por impugnação, tanto por negação directa de diversa factualidade alegada pelo autor como dando a sua própria, e diversa, versão dos factos.

O autor apresentou resposta em que, no fundamental, reafirma a posição já vertida no articulado inicial, rebatendo as excepções deduzidas pelo réu.

Prosseguindo os autos, veio a ser proferido saneador - sentença com o seguinte dispositivo:
“Nestes termos, e face ao exposto, julgo procedente a exceção de prescrição invocada pelo réu INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P. e, consequentemente, absolvo-o dos pedidos contra si deduzidos, na presente acção, pelo autor AA.”

Inconformado com esta decisão, dela veio o autor interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):

“1. O Autor intentou uma acção judicial em processo comum contra o Réu Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P. formulando vários pedidos contra este, sendo um deles de simples apreciação (a) ao reconhecer a existência do contrato de trabalho) e os restantes de condenação (alíneas b), c), d), e) e f), onde são exigidos pagamentos de créditos laborais e juros).
2. Atento o facto da decisão ora em crise versar apenas a alegada excepção peremptória de prescrição consagrada no artigo 337.º/1 do Código do Trabalho, afigura-se que a sentença recorrida padece dos vícios de nulidade previstos no artigo 615.º/1, alíneas b), c) e d) e artigo 195.º/1 do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º/2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
3. De entre os pedidos formulados pelo Autor, o primeiro deles é de simples apreciação porquanto visa obter o reconhecimento da existência de um direito – no caso sub judice uma relação de trabalho entre o Autor e o Réu.
4. Com o inabalável respeito pelo douto Tribunal a quo, não pode o Autor aceitar a sentença proferida uma vez que o mesmo não podia decidir no sentido e com os fundamentos que decidiu sem primeiro analisar, de forma crítica e fundamentada, o peticionado pedido de reconhecimento da existência do contrato de trabalho entre o Autor e o Réu.
5. Sendo a relação laboral o fundamento para a existência ou inexistência, bem como o possível vencimento e exigência dos créditos laborais também reclamados pelo Autor (pedidos b) a f) da petição inicial), é impreterível a sua análise e tomada de posição sobre aquele pedido, sob pena de toda a decisão cair em erro de raciocínio lógico.
6. Incorre a sentença recorrida em incontestável nulidade, por ocorrer uma absoluta falta de pronúncia relativamente ao primeiro pedido formulado pelo Autor, o qual dá base a todos os outros, uma vez que a sua improcedência determina a prejudicialidade de todos os restantes – artigos 608.º/2, 615.º/1, alínea d) e 195.º/1 do Código de Processo Civil.
7. Nulidade que, por si só, determina a anulação da decisão recorrida, determinando a produção de prova em sede de discussão e julgamento, atento o facto do pedido de reconhecimento da existência do contrato de trabalho assentar em presunções do artigo 12.º do Código do Trabalho.
8.No mais, não tendo sido considerada como não provada a existência de contrato de trabalho entre o Autor e o Réu, o que não se concede, nunca poderia estar em causa a prescrição prevista no artigo 337.º do Código do Trabalho, muito menos poderíamos estar a falar de créditos laborais como o direito ao subsídio de férias, de Natal, de férias não gozadas e subsídio de alimentação/refeição.
9.O artigo 607.º/3 e 4 do Código de Processo Civil impõe ao(s) juiz(es) o dever de fundamentação segundo o princípio já consagrado no artigo 205.º/1 da Constituição da República Portuguesa.
10. Em especial, o artigo 607.º do Código de Processo Civil determina especificamente que a sentença escrutine os factos provados, dentro daqueles que foram alegados e dos que deva haver conhecimento oficioso, realizando a ponderação crítica dos mesmos, esclarecendo o sentido e a valoração dos mesmos.
11. E apenas mediante tal encadeamento lógico, com o devido enquadramento jurídico, é possível lograr uma decisão clara, coerente e fundamentada, tal como legalmente exigido.
12. O que, com o devido respeito, não ocorreu nos presentes autos.
13. A tudo o que se reduz a sentença a quo é à apreciação da excepção de prescrição invocada, dando, com isso, “um passo maior que a perna”.
14. Sendo um pressuposto da aplicação do artigo 337.º do Código do Trabalho a existência de um contrato de trabalho, aplicando aquele disposto e não reconhecendo o referido contrato de trabalho, resulta evidente a nulidade da sentença judicial segundo o artigo 615.º/1, alínea b) do Código de Processo Civil.
15.Impondo-se, com efeito, a sua anulação, ordenando o Tribunal a quo a produção de prova para que, posteriormente, com todos os elementos à sua disposição, possa tomar uma decisão em consciência, como se requer.
16. Concomitantemente, salvo melhor entendimento, consideramos que a douta decisão do Tribunal a quo padece de nulidade previsto no artigo 615.º/1, al. c) do Código de Processo Civil, porquanto a aplicação da prescrição prevista no artigo 337.º/1 do Código do Trabalho impunha necessariamente o reconhecimento da existência de um vínculo laboral entre o Autor e o Réu nos moldes descritos e, subsequentemente, a procedência de, pelo menos, do pedido formulado na alínea a) da petição inicial.
17. Mais uma vez, a considerar como verificada tal nulidade, deve a sentença judicial do Tribunal a quo ser anulada, ordenando o Venerando Tribunal da Relação a produção de prova em sede de discussão e julgamento, ou, pelo menos, a alteração da matéria de facto dada como provada, incrementando um ponto que considere como existente um contrato de trabalho entre o Recorrente e a Recorrida entre o período de 11/03/2013 e 01/05/2020.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V.ª Exas. Doutamente suprirão, deve a presente apelação ser considerada totalmente procedente e deve a decisão do Tribunal de primeira instância ser declarada anulada, revogando a verificação da excepção peremptória de prescrição, por aplicação do disposto nos artigos 195.º/1 e 615.º/1, alíneas b), c) e d) do CPC, mais se ordenando àquele Tribunal a pronúncia sobre o reconhecimento ou não reconhecimento de um contrato de trabalho entre o Autor e o Réu, com a necessária fundamentação de facto e de direito, para posteriormente poder decidir sobre os restantes pedidos formulados.”

O recorrido apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.

Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Tal parecer mereceu resposta do recorrente, em que, em suma, deu por reproduzido o teor das conclusões do recurso, e enfatizou que “é desde logo importante para o aqui Recorrente ver reconhecida a relação laboral que manteve por longos anos com o Recorrido, desde logo, porque pretende ver reconhecido o estatuto de trabalhador assim como as consequências que dai advenham (nomeadamente, por exemplo, para efeitos de progressão na carreira) e não só o pagamento dos créditos laborais peticionados.”.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:

- Saber se a sentença recorrida padece do vício de nulidade (prevista no artigo 615.º/1, alíneas b), c) e d), e artigo 195.º/1, do Código de Processo Civil).
- Alteração da matéria de facto.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a decisão da causa são os que assim constam da decisão recorrida (pois que não houve recurso da matéria de facto nem se vislumbra fundamento para alterar oficiosamente a decisão proferida sobre essa matéria – art. 663.º/6 do CPC):

“1) Ao IEFP, I. P., entidade pertencente à Administração Indireta do Estado, estão cometidas as seguintes atribuições: A) Promover a organização do mercado de emprego tendo em vista o ajustamento direto entre a oferta e a procura de emprego; B) Promover a informação, a orientação, a qualificação e a reabilitação profissional, com vista à colocação dos trabalhadores no mercado de trabalho e à sua progressão profissional; C) Promover a qualificação escolar e profissional dos jovens, através da oferta de formação de dupla certificação; D) Promover a qualificação escolar e profissional da população adulta, através da oferta de formação profissional certificada, ajustada aos percursos individuais e relevantes para a modernização da economia; Assessoria da Qualidade, Jurídica e de Auditoria E) Promover a melhoria da produtividade da economia portuguesa mediante a realização, por si ou em colaboração com outras entidades, das ações de formação profissional, nas suas várias modalidades, que se revelem em cada momento as mais adequadas às necessidades das pessoas e de modernização e desenvolvimento do tecido económico.
2) O Autor é licenciado em História – Ramo Educacional.
3) O Autor foi contrato pelo Réu para o desenvolvimento da actividade de formação, mediante a celebração dos seguintes contratos denominados de “Contrato de aquisição de serviços”: a) - Contrato n.º ...46, subscrito entre o Autor e a Ré, em 19 de Março de 2013, que produziu efeitos de 11/03/2013 até 31/12/2013, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos; b) - Contrato n.º ...91, subscrito entre o Autor e a Ré, em 2 de Janeiro de 2014, que produziu efeitos de 02/02/2014 até 30/06/2014, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos; c) - Aditamento ao contrato de aquisição de serviços de formação n.º ...91, subscrito em 26/06/2014 que alterou valor da remuneração, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos; d) - Aditamento ao contrato de aquisição de serviços de formação n.º ...91, subscrito em 26 de Junho de 2014 que prorrogou o contrato supra referido por mais seis meses, ou seja, passando o mesmo a vigorar de 01/07/2014 até 31/12/2014, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos; e) - Contrato n.º ...99, subscrito entre o Autor e a Ré, em 30 de Dezembro de 2014, que produziu efeitos de 02/01/2015 até 31/12/2015, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos; f) - Contrato n.º ...83, subscrito entre o Autor e a Ré, em 4 de Janeiro de 2016, que produziu efeitos de 04/01/2016 até 31/03/2016, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos; g) - Contrato n.º ...63, subscrito entre o Autor e a Ré, em 15 de Abril de 2016, que produziu efeitos de 18/04/2016 a 30/06/2016, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos; h) – Contrato n.º ...45, subscrito entre o Autor e a Ré, em 14 de Abril de 2016, que produziu efeitos de 18/04/2016 a 30/09/2016, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos; i) - Contrato n.º ...55, subscrito entre o Autor e a Ré, em 14 de Abril de 2016, que produziu efeitos de 18/04/2016 a 15/12/2016, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos; j) - Contrato n.º ...57, subscrito entre o Autor e a Ré, em 14 de Abril de 2016, que produziu efeitos de 16/05/2016 até 30/06/2016, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos; k) - Contrato n.º ...60, subscrito entre o Autor e a Ré, em 15 de Abril de 2016, que produziu efeitos de 18/04/2016 até 15/09/2016, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos; l) - Contrato n.º ...15, subscrito entre o Autor e a Ré, em 20 de Abril de 2016, que produziu efeitos de 10/05/2016 até 12/10/2016. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos; m) - Contrato n.º ...11, subscrito entre o Autor e a Ré, em 20 de Abril de 2016, que produziu efeitos de 26/06/2016 até 15/12/2016. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos; n) - Contrato n.º ...71, subscrito entre o Autor e o Réu em 03 de Junho de 2016, que produziu efeitos de 03/06/2016 até 16/12/2016, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos; o) - Contrato n.º ...24, subscrito entre o Autor e o Réu em 30 de Dezembro de 2016, que produziu efeitos de 02/01/2017 até 15/12/2017, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos; p) - Aditamento ao contrato de aquisição de serviços de formação n.º ...24, subscrito em 22 de Novembro de 2017 que alterou a redacção quarta do referido contrato passando, em consequência, o mesmo a produzir efeitos de 02/01/2017 até 31/12/2017, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos; q) - Contrato n.º ...70, subscrito entre o Autor e o Réu em 28 de Dezembro de 2017, que produziu efeitos de 02/01/2018 até 31/12/2018, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos; r) - Contrato n.º ...01, subscrito entre o Autor e o Réu em 02 de Janeiro de 2019, que produziu efeitos de 01/01/2019 até 31/12/2019, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos; s) - Contrato n.º ...08, subscrito entre o Autor e o Réu em 26 de Dezembro de 2019, que produziu efeitos de 01/01/2020 até 30/06/2020, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos.
4) Os contratos referidos em 3) foram celebrados ao abrigo dos procedimentos de contratação 1/2012, de 17 de Dezembro e 1/2015, que visavam a contratação para os Centros de Empregos e Formação Profissional, IP, com vista ao suprimento de necessidades de docentes/formadores, para o período compreendido entre 2013/2015 e de um último procedimento inominado para o período entre 1 de Janeiro de 2020 e 30 de Junho de 2020.
5) Em resultado da conclusão com sucesso de procedimento concursal de regularização, no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP), foi celebrado, entre o Autor e o Réu, contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado, na carreira e categoria de técnico superior, das carreiras gerais, com efeitos a 1 de maio de 2020.
6) O Autor, com base no PREVPAP, integrou o mapa de pessoal do Réu em 1 de maio de 2020.
7) O Autor fez cessar a sua relação laboral com o Réu com efeitos a 2 de Setembro de 2021, mediante denúncia.
8) A presente acção deu entrada em juízo no dia 27 de Agosto de 2022, tendo o autor requerido a citação urgente do réu.
9) Por despacho proferido em 28 de Agosto de 2022, foi deferida a citação urgente requerida e designada audiência de partes.
10) O réu foi citado para a acção em 29 de Agosto de 2022 (cfr. art.º 22.º da contestação).”

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Contendendo com a questão supra enunciada, na decisão recorrida discorreu-se nos termos seguintes:

“Quanto à prescrição, rege o disposto no art.º 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, onde se estabelece que: “O crédito do empregador ou do trabalhador emergente do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
O art. 304.º nº 1 do Código Civil estatui que completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido – art. 306.º do Código Civil.
Por seu turno, nos termos do art. 323.º nº1 do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
(…)
Como parece clarividente, os créditos reclamados pelo autor reportam-se aos anos de 2013 a 2020, no âmbito de uma alegada relação laboral que cessou, em resultado da conclusão com sucesso de procedimento concursal de regularização, no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP), com a celebração entre o autor e o réu, de um contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado, na carreira e categoria de técnico superior, das carreiras gerais, com efeitos a 1 de maio de 2020.
O Autor, com base no PREVPAP, passou a integrar o mapa de pessoal do Réu em 1 de maio de 2020, no âmbito de uma relação laboral de diferente natureza.
Entendemos seguir a Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a este respeito e que se encontra plasmada na contestação, por se encontrar a situação dos autos, por identidade, abrangida pela mesma, não havendo razões para dela divergir e que a seguir se enunciam1:
(…)
Transpomos por corresponder ao entendimento firmado no STJ, o vertido na fundamentação do supra citado Acórdão do STJ de 29.10.2014, Relator: António Leones Dantas, in www.dgsi.pt:
“No que se refere à situação jurídica do período anterior à celebração de contratos de trabalho em funções públicas considerou-se no acórdão desta Secção de 8 de Outubro de 2014, proferido na revista 1111/13.8T4AVR.S1, o seguinte:
«É entendimento unânime e pacífico desta Secção do Supremo Tribunal que os vínculos jurídicos de natureza laboral, que se tenham formado com Entidades Públicas sem a observância das regras legais imperativas estabelecidas para a contratação em funções públicas, são nulos[1], sendo, por isso, insusceptíveis de “conversão” em contratos de trabalho com a Administração Pública[2].
Contudo, por aplicação do disposto no art. 122.º/1 do CT/2009, [previsão homóloga da antes constante no art. 115.º/1 do CT/2003, com antecedentes no art. 15.º da LCT, originalmente erigida visando, segundo tese sustentada na nossa doutrina, a protecção do trabalhador nas situações da chamada ‘relação contratual de facto’[3]], a nulidade destes contratos não impede que os mesmos produzam efeitos, como se fossem válidos, durante o período de tempo em que estiveram a ser executados. Nos termos deste regime, a Lei reconhece expressamente – …ao contrário do que decorreria do regime geral referente à nulidade estabelecida nos arts. 286.º e 289.º do Cód. Civil – a produção de efeitos a um negócio jurídico inválido.
Como já firmado em precedente Jurisprudência desta Secção (cfr., v.g., por todos, neste sentido, o Acórdão de 25.11.2009, Proc. n.º 1846/06.1YRCBR.S1), a determinação legal no sentido de “ficcionar” a validade do contrato de trabalho nulo como se válido fosse, enquanto se encontra em execução, estende-se aos próprios actos extintivos, remetendonos, assim, para a aplicação do regime geral relativo a todo o conteúdo do contrato e créditos dele emanados, como se o mesmo não estivesse ferido de nulidade.
Deste modo, e em consequência, tal significa que, atento o disposto no art. 122.º/1 do CT/2009 (também no art. 115.º do CT/2003), o reconhecimento dos deveres e direitos decorrentes do contrato de trabalho nulo têm de ser definidos e exercitados, por referência ao período em que o mesmo foi objecto de execução, nos moldes legalmente estabelecidos para o seu exercício, referidos ao contrato de trabalho em que não se colocam questões sobre a respectiva validade.
Concretizando, no que aqui importa, diremos que, se para a afirmação de créditos reclamados, decorrentes da execução do contrato de trabalho declarado nulo, se tem de atender à verificação dos pressupostos da sua existência, medida e forma de cálculo, (com abstracção do vício de que padece, ou seja, como se fosse o contrato sempre fosse válido), igual raciocínio há-de impor-se relativamente às condicionantes e prazos legalmente estabelecidos para o seu exercício.
Dito de outro modo, que se pretende mais claro: se para se afirmar a existência do crédito tem de se pressupor que o contrato é válido – e, nesse pressuposto, apreciar o seu âmbito e conteúdo –, igual critério tem de usar-se para sindicar do tempo e modo do exercício da reclamação desse crédito.
Daí a incontornável conclusão de que as regras estabelecidas no Código do Trabalho sobre o prazo para o exercício dos direitos decorrentes do contrato de trabalho válido têm, também, de ser aplicadas no exercício de iguais direitos decorrentes do contrato de trabalho nulo, reportados ao período em que o mesmo se manteve em execução.»
Relativamente ao período posterior à celebração dos contratos de trabalho em funções públicas considerou-se naquele aresto o seguinte:
«O RCTFP, aprovado pela Lei n.º 59/2008, surge no desenvolvimento da restruturação da Administração Pública e da definição dos modos de acesso à Função Pública, sucedendo ao RCTFP aprovado pela Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, que, por sua vez, acolheu, no seu âmbito, parte do regime já estabelecido pelo DL n.º 427/89, de 7 de Dezembro, de molde a ultrapassar questões, então colocadas, de constitucionalidade de identificados preceitos seus e formas da respectiva interpretação, concretamente no âmbito dos contratos a termo, bem como da transparência e do direito ao acesso à Função Pública.
Por outro lado, o RCTFP foi aprovado na decorrência da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, definindo o regime jurídico-funcional aplicável a cada modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público (art. 1.º).
Este regime revestiu as modalidades previstas no art. 9.º (nomeação e contrato de trabalho em funções públicas), podendo este ser por tempo indeterminado ou a termo resolutivo, certo ou incerto (art. 21.º).
O contrato de trabalho, no âmbito deste diploma, é definido como «o acto bilateral celebrado entre a entidade empregadora pública, com ou sem personalidade jurídica, agindo em nome e em representação do Estado, e um particular, nos termos do qual se constitui uma relação de trabalho subordinado de natureza administrativa» (n.º 3 do art. 9.º).
Fica, desde logo, consignada a natureza (administrativa) deste contrato… Natureza essa que não lhe advém tão-só por uma das partes ser um ente público, mas, essencialmente, da circunstância de estar sujeito a um complexo normativo intrínseco de Direito Público. (…)
Para os contratos de trabalho em funções públicas a fonte normativa que o rege é, para além das restantes elencadas no art. 81.º desta Lei 12-A/2008, o RCTFP, que tem como âmbito de aplicação objectivo o definido no art. 3.º daquela Lei, como expressamente consigna no seu art. 3.º, n.º 1.
Resulta, assim, claro que as relações jurídicas de trabalho constituídas com a Administração Pública, no âmbito do RCTFP, ficam sujeitas ao regime próprio estabelecido no mesmo, bem como aos princípios e pressupostos definidos na Lei 12-A/2008, não se reconduzindo às regras de contratação dos funcionários públicos, nem às regras gerais estabelecidas para o contrato de trabalho (CT).
Os contratos de trabalho em funções públicas, ao contrário dos restantes contratos de trabalho, assumem natureza pública, submetidos à jurisdição Administrativa (arts. 9.º, n.º 3, e 83.º, n.º 1, da Lei 12-A/2008).
Densificando a noção acima delineada, nos seus traços mais característicos, salienta a Prof.ª Rosário Ramalho[4], a propósito da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho (reflexão com inteiro cabimento, por óbvias razões, relativamente à Lei 59/2008, que lhe sucedeu), que… “as grandes tendências e os aspectos do actual regime da função pública, que constituíram o ponto de partida para a Reforma empreendida e que pesaram especialmente no regime do contrato de trabalho na Administração Pública, recentemente aprovado, são essencialmente três: a tendência geral para a denominada privatização do emprego público; a imposição formal de limites apertados no acesso à função pública e seus efeitos perversos; a indefinição do regime aplicável aos trabalhadores laborais no âmbito da Administração Pública e os problemas colocados pela coexistência deste regime com o regime da função pública”.
Como decorre de tudo o que acima se consignou, esquematicamente, em relação ao RCTFP, conclui-se tratar-se de um regime próprio e específico que, pese embora consagre, no seu seio, normas similares às existentes no regime geral do contrato de trabalho (CT), com ele não se confunde, contudo, nem, sequer, se “interliga”.
Estamos, pois, perante regimes legais distintos, regulamentando situações de natureza diversa, quer ao nível da formação do próprio vínculo, quer ao nível do seu conteúdo, seja ainda no que tange ao âmbito dos fins prosseguidos por cada um deles (fins de natureza pública vs. natureza privada).»
Não vemos razões para nos afastarmos da linha de orientação que está subjacente a este aresto.
Na verdade, a relação de trabalho das Autoras iniciada com a celebração de contratos de trabalho em funções públicas tem inteira autonomia face à situação anterior, uma vez que lhes confere um estatuto de direito público, que embora moldado em múltiplos aspectos pelo regime que emerge do Código de Trabalho, se afasta da disciplina deste código em aspectos essenciais, cabendo-lhe até uma tutela judiciária específica – a Jurisdição Administrativa.
De facto, embora as condições em que as Autoras desempenham as suas funções sejam as mesmas desde o seu início, a verdade é que o respectivo enquadramento jurídico não tem continuidade.
Na primeira fase está em causa uma mera tutela de direitos, derivada da atribuição de eficácia jurídica à situação constituída, durante o período em que a mesma permaneceu, encontrada a partir do regime de invalidade do contrato de trabalho, conforme se referiu.
No segundo caso, ou seja, a partir da titulação da relação de trabalho no quadro de um contrato de trabalho em funções públicas, constitui-se uma nova relação jurídica, esta de direito público.
Não há deste modo continuidade entre as duas fases em que se divide a prestação de trabalho das Autoras, pelo que o prazo de prescrição de eventuais créditos constituídos na situação anterior à celebração dos contratos de trabalho em funções públicas decorreu a partir da celebração destes contratos e da cessação de funções prestadas na situação anterior.”
Assim, pese embora as mesmas ou a similitude das funções prestadas e alegadas pelo autor, a verdade é que a natureza da relação laboral é diferente, a partir da celebração entre o autor e o réu, de um contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado, na carreira e categoria de técnico superior, das carreiras gerais, com efeitos a 1 de maio de 2020.
A denúncia operada pelo autor restringe-se à relação laboral emergente deste contrato de trabalho em funções públicas.
A tal não obsta a junção dos documentos relativos à reconstituição da carreira e reclamação juntos pelo autor (referência ...35), pois que o que está em causa é a diferente natureza dos vínculos, não operando tal situação qualquer interrupção ou suspensão do prazo prescricional.
Assim, no caso concreto, tendo cessado os efeitos do alegado contrato individual de trabalho celebrado entre o autor e o réu, em 30 de Abril de 2020, passou a correr, a partir do dia seguinte, o prazo previsto no art.º 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
Tendo a acção dado entrada em juízo em 27 de Agosto de 2022 e a citação do réu ocorrido em 29 de Agosto de 2022, é inequívoco que ocorreu efetivamente a prescrição invocada pelo réu.
Assim, tem este a faculdade de recusar o cumprimento da prestação e de se opor ao exercício do direito prescrito (art.º 304.º, n.º 1 do Código Civil).
Tendo a prescrição sido invocada (art.º 303.º do Código Civil) e constatada que está a sua verificação, deverá o réu ser absolvido do pedido, por se tratar de uma exceção material peremptória – art.º 576.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.”

E, apreciando agora, nos termos previstos no art. 617.º/1 do CPC, a suscitada nulidade da sentença, sustentou ainda o Tribunal recorrido:
“Vem o autor invocar, em sede recursória, que o saneador/sentença proferido nos autos padece das nulidades previstas nas als. b) c) e d) do art.º 615.º do Código de Processo Civil.
Nos termos do art.º 617.º do mesmo Código, cumpre apreciar.

Dispõe o referido artigo que:
“1 - É nula a sentença quando:
(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)”
*
Quanto à nulidade prevista na al. b), é unânime a posição de que a mesma não se confunde com errada, deficiente ou insuficiente fundamentação, pressupondo aquela uma falta absoluta de fundamentação.

Como se decidiu, entre outros, no Acórdão do STJ de 3.03.2021, Relatora: Conselheira Leonor Cruz Rodrigues, in www.dgsi.pt:
“I. Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesmaou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
II. Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil. (…)”
No caso concreto, a análise da existência de um contrato de trabalho que terá vigorado entre o autor e o réu, no período compreendido entre 11 de Março de 2013 e 30 de Abril de 2020, mostra-se prejudicada, por inútil, uma vez que os respetivos créditos laborais se encontram extintos por prescrição.
Destarte, entendemos que o saneador/sentença se encontra devidamente fundamentado, sendo que a decisão final teve por base a subsunção do direito aos factos, nos termos nela explanados, pelo que, salvo melhor entendimento, o autor/recorrente discorda da mesma, mas sem que isso faça determinar a verificação de qualquer nulidade por falta de fundamentação, a qual julgamos que não se verifica.
*
No que se refere à nulidade prevista na al. c), seguimos, na íntegra, o Acórdão do STJ de 26.01.2023, Relatora: Conselheira Ana Paula Boularot, in www.dgsi.pt:

“I - Dispõe o art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC que a sentença (in casu acórdão) é nula quando «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;».
II - O vício a que se reporta o apontado segmento normativo implica, por um lado, que haja uma contradição lógica no aresto, o que significa, para a sua ocorrência, que a fundamentação siga um determinado caminho e a decisão opte por uma conclusão completamente diversa, e, por outro, que tal fundamentação inculque sentidos diversos e/ou seja pouco clara ou imperceptível.”

E igualmente, o Acórdão do STJ de 20.05.2021, Relator: Conselheiro Nuno Pinto Oliveira, in www.dgsi.pt:
“I. — A oposição entre os fundamentos e a decisão corresponde a um vício lógico do acórdão — se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.
II.— Enquanto vício lógico, a oposição entre os fundamentos e a decisão distingue-se da errada interpretação de uma determinada disposição legal, síndicável em sede de recurso.
III. — A ambiguidade ou a obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º só releva quando torne a parte decisória ininteligível e só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”.”
Compulsada a decisão, verificamos que não existe qualquer erro de raciocínio lógico na mesma, nem a decisão é contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito, isto é, os fundamentos em que se louvou a mesma não levaria a uma decisão de sentido oposto ou diferente.
O Tribunal considerou estarem prescritos os créditos invocados pelo autor, nos termos do art.º 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho, mesmo que se considerasse estarmos em presença de um contrato de trabalho (nulo ou anulado, com efeitos válidos em relação ao tempo em que foi executado, nos termos do n.º 1 do artigo 122.º do mesmo Código).
Tal conclusão não impunha “necessariamente o reconhecimento da existência de um vínculo laboral entre o Autor e o Réu”, como aquele alega.
Improcede, na nossa perspectiva, a invocada nulidade.
*
Relativamente à invocada nulidade de omissão de pronúncia, prevista, al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil, a mesma prende-se com o disposto no art.º 608.º, n.º 4, do mesmo Código, nos termos do qual “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”. E, como é sabido, questões e argumentos são realidades que não se confundem, não tendo o juiz que apreciar de todos os argumentos invocados pelas partes, mas sim das questões que lhe sejam submetidas ou que sejam de conhecimento oficioso.

Invoca-se o decidido no Acórdão da Relação de Guimarães de 21.05.2020, Relatora: Desembargadora Vera Sottomayor, in www.dgsi.pt:
“I – A nulidade da sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando fique por decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, o que não sucede quando o tribunal não se debruce sobre simples conclusões, argumentos, opiniões, factualidade irrelevante ou contraditória com outra apurada.
II - Só existe excesso de pronúncia nos termos do art.º 615.º, nº 1, alínea d), do CPC., quando o juiz se ocupa de questões que não foram submetidas à sua apreciação pelas partes e sem que a lei permita ou imponha o seu conhecimento oficioso.”
Para além disso, como se decidiu, entre outros, no Acórdão do STJ de 8.04.2021, Relatora: Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins, in www.dgsi.pt:
“O conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui”.
No caso concreto, o pedido de reconhecimento do vínculo laboral encontra-se funcional e estruturalmente interligado, em exclusivo, com o pedido de condenação do réu no pagamento dos créditos laborais, sendo o seu pressuposto.
Quanto a este pedido de simples apreciação (positiva), o autor não o deduz de forma autónoma, tal como configura a acção, não descrevendo qualquer utilidade ou interesse em agir para o caso de apenas o mesmo subsistir.
O autor não alega qualquer autónoma incerteza objectivamente relevante quanto à existência ou inexistência de um certo direito ou de um facto, por forma a que levasse o Tribunal a ter que apreciar tal pedido.1
Aliás, o mesmo confessa isso no art.º 28.º da sua motivação de recurso, pois que, se bem percebemos, o que o pretende é que o Tribunal Superior revogue a decisão de declaração da prescrição dos créditos laborais para que se conheça do pedido de reconhecimento do vínculo laboral, por forma a, de novo, ser apreciada a questão da prescrição. É este o efeito útil que o autor pretende retirar da procedência do pedido deduzido em a) do petitório.
1 Acórdão da Relação de Guimarães de 19.06.2014, Relator: Desembargador António Sobrinho, proferido no processo 42/13.6TBMNC.G1, in www.dgsi.pt: “I - O interesse processual ou interesse em agir deve traduzir-se numa necessidade justificada, razoável e fundada de recurso à ação judicial. II - Nas ações de simples apreciação, para que haja interesse em agir, quanto à existência ou inexistência do direito ou do facto, deve a situação de incerteza ser objetiva e grave. III - Essa objetividade e gravidade devem subsumir-se em circunstâncias exteriores e prejuízo concretos e reais, não consubstanciando tal meras conjeturas, caprichos ou hipóteses académicas.”
Sublinha-se também que o autor não ataca directamente, no recurso interposto, os fundamentos que levaram à decisão de declaração da prescrição dos créditos laborais, cingindo o mesmo à verificação de nulidades da decisão, o que, nos leva a concluir que parece que, implicitamente, a aceita, pois que não seria, como se aduziu na decisão recorrida, na respectiva fundamentação, seguindo Jurisprudência estabilizada do STJ, a procedência do primeiro pedido (cuja procedência implícita se colocou) que levaria a decisão diferente quanto ao à questão da prescrição dos créditos.
Numa situação similar, invoca-se o já citado (na decisão recorrida) Acórdão do STJ de 12.05.2016, Relatora: Desembargadora Ana Luísa Geraldes, proferido no processo 106/14.9TTSTR.S1., in www.dgsi.pt:
“Na situação dos autos, a sentença da 1.ª instância não analisou, por ter considerado prejudicada a questão, se os vínculos contratuais estabelecidos entre os AA. e o Réu Estado, mantidos sob a designação de contratos de “avença”, em sucessivas renovações, desde 05.05.1997, 22.12.1997 e 26.02.1999, respectivamente, até 31.03.2010, assumiram, ou não, natureza juslaboral.
Ficou, assim, por apurar, se os contratos celebrados se constituíram como verdadeiros contratos de trabalho ou se se trataram, antes, de contratos de prestação de serviço.
Tendo o Tribunal de 1ª instância decidido nos seguintes termos:
“…Na nossa humilde perspectiva, mostra-se totalmente despiciendo apurar se estamos perante verdadeiros contratos de trabalho, no que tange aos vínculos que foram estabelecidos entre AA. e o Réu, nos períodos compreendidos antes de 01.04.2010 (data do início da vigência dos contratos por tempo indeterminado, em regime de funções públicas), mostrando-se tal questão totalmente prejudicada” – cf. fls. 547.
Ainda segundo a decisão recorrida, esses contratos de trabalho sempre seriam nulos por, na sua formação, não terem sido observadas as regras e procedimentos legais exigíveis para o efeito, pelo que não poderiam, em qualquer caso, “converter-se” em contratos de trabalho com a Administração Pública.
Concluindo que, mesmo que tais contratos se assumissem como tal (como contratos de trabalho entre os AA. e o Estado), sempre os créditos dos AA. nestes autos se mostrariam prescritos por força do disposto no art. 337º, nº 1, do Código do Trabalho de 2009.
Conclusão que, quer no que concerne aos efeitos da nulidade, quer quanto à prescrição, acolhe os princípios jurisprudenciais explanados e se integra na linha normativa que regula esta matéria, merecendo, por isso, nesta parte, o nosso acolhimento.
4.5. Com efeito, transpondo o regime jurídico enunciado para o caso dos autos, é patente que, em face da factualidade apurada, mesmo que se admitisse que os contratos designados de “avença” celebrados entre AA. e R. eram, na sua substância, contratos de trabalho, certo é que tais contratos sempre seriam nulos por não terem sido regularmente constituídos nos termos previstos, com observância das regras legais imperativas estabelecidas nos diplomas supra mencionados.”
Assim, não existe qualquer omissão de pronúncia, face à inutilidade evidente de conhecimento daquele pedido a que acrescem os efeitos do prazo previsto no art.º 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
Veja-se o Acórdão do STJ de 10.04.2019, Relator: Conselheiro Chambel Mourisco, proferido no processo 440/18.9T8MTS.S1, in www.dgsi.pt:
“Confrontando o regime previsto no art.º 387.º, n.º 2, do Código do Trabalho, aplicável à ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, com o regime geral da prescrição de créditos, previsto no art.º 337.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, temos de concluir que a interpretação desta última disposição legal, de que a mesma é aplicável a todas as outras situações não previstas na primeira, excecionando a ação de impugnação de despedimento coletivo, cujo prazo de caducidade é de seis meses, nos termos do art.º 388.º, n.º 2, do diploma referido, é conforme às regras da interpretação da lei, previstas no art.º 9.º do Código Civil, não se encontrando ferida de qualquer inconstitucionalidade.”2
No mesmo sentido, o Acórdão do STJ de 29.10.2013, Relator: Conselheiro Melo Lima, proferido no processo 3579/11.8TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt:
“Assim, aplicando-se a forma de processo comum, o prazo aplicável para o exercício do direito de acção é o de prescrição, de um ano, estabelecido no art.º 337.º 1, do CT.”
E, ainda, o Acórdão da Relação do Porto de 30.05.2018, Relator: Desembargador Jerónimo Freitas, proferido no processo 2613/16.0T8MTSA.P1, in www.dgsi.pt:
Por fim, entendemos que não existe qualquer excesso de pronúncia, face à circunstância já referida de a lei impor o conhecimento, no despacho saneador, das excepções deduzidas, quando o Tribunal entenda que tem reunidos todos os elementos necessários para a sua apreciação, o que se fez, ao abrigo do disposto no art.º 595.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil.

2 Consta do relatório o seguinte:
Relatório: “
1. AA, intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de comum contra B..., Lda, pedindo que se considere sem termo o contrato de trabalho celebrado em 1 de junho de 2016, que seja declarada a ilicitude do seu despedimento e a ré condenada a pagar-lhe uma compensação pecuniária pelo danos não patrimoniais no valor de EUR 20 000, a reintegrá-lo ou, em substituição, a pagar-lhe uma indemnização de antiguidade, bem como a pagarlhe as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão.
2. A ré, na contestação, além do mais, arguiu a prescrição dos direitos invocados pelo autor ao abrigo do disposto pelo art.º 337º, nº 1 do Código do Trabalho, por ter decorrido mais de um ano desde o dia seguinte ao da cessação do contrato até à sua citação, sem que tenha ocorrido qualquer causa interruptiva.
3. O autor respondeu alegando que estando em causa o prazo de propositura da ação de impugnação de despedimento, é aplicável o disposto pelo art.º 435º, nº 2 do Código do Trabalho de 2003, que não foi revogado pelo Código do Trabalho de 2009, e que prevê um prazo de caducidade, que enquanto tal, se interrompe com a mera propositura da ação, que no caso tem se considerar na data do pedido de nomeação de patrono em 29/11/2017.
4. O tribunal no despacho saneador decidiu julgar procedente a exceção da prescrição invocada pela ré e consequentemente absolveu esta do pedido.” (negrito nosso).
Assim, entendemos que também não se verifica a apontada nulidade, prevista na al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil” 

Revemo-nos no essencial destas considerações expendidas pelo Tribunal recorrido, trazendo à colação pertinente e actualizada jurisprudência, em que se afasta clara e, em nosso entendimento, consistentemente, a verificação de qualquer nulidade da sentença.

Ainda assim cremos justificarem-se algumas considerações adicionais.

A primeira é a de que estamos perante uma acção declarativa de condenação, tal como prevista na al. b) do número 3.º do art. 10.º do CPC:
Espécies de ações, consoante o seu fim
1 - As ações são declarativas ou executivas.
2 - As ações declarativas podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas.
3 - As ações referidas no número anterior têm por fim:
a) As de simples apreciação, obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto;
b) As de condenação, exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito;
(…)” (sublinhamos/realçamos)
O recorrente vem (na resposta ao Parecer do Ministério Público) dizer que pretende ver reconhecida a relação Laboral que manteve por longos anos com o Recorrido, desde logo, porque pretende ver reconhecido o estatuto de trabalhador assim como as consequências que dai advenham (nomeadamente, por exemplo, para efeitos de progressão na carreira), mas só agora aduz esse interesse, que de todo omitiu até ao momento.
 Ora, a 1.ª instância proferiu a decisão, naturalmente, com base na acção tal como o autor a estruturou no articulado inicial, e aí, efectivamente, a alínea a) do pedido – declaração da existência, no período aí referido, de um contrato individual de trabalho entre autor e ré - aparece como pressuposto dos demais pedidos formulados, o pagamento dos alegados créditos laborais peticionados sob as alíneas b) a f).
Com efeito, os pedidos b) a f), que configuram créditos laborais, assentam na invocada violação de direitos advenientes do alegado contrato de trabalho, que supostamente vinculou autor e réu.
Como lapidarmente escreveu Manuel de Andrade[1], “acções de condenação “São aquelas em que o demandante (autor) se arroga um direito que diz estar ofendido pelo demandado (réu), pretendendo que isso mesmo se declare e se ordene ainda ao ofensor a realização de determinada prestação, como reintegração do direito violado ou como aplicação duma sançõ legal doutro género.”

Ademais, repete-se, na causa de pedir não se faz qualquer referência a querer o autor ver reconhecido o estatuto de trabalhador para efeitos de progressão na carreira (sendo que mal se compreende esta alegação pois, conforme facto provado sob o n.º 7, o autor já fez cessar, em 02.9.2021, a sua relação laboral com o réu), e a expressão “com todas as consequências legais inerentes” nada de útil acrescenta ao pedido de declaração, nos termos sobreditos, da existência de um contrato de trabalho.

De qualquer forma, nos termos do art. 304.º/1 do CC (“1. Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.”[2] - sublinhamos), bem como o art. 337.º/1 do CT (“1 – O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”[3]) a antiguidade e a progressão na carreira são igualmente direitos sujeitos ao instituto da prescrição.

Concorda-se, assim, com o recorrido quando, nas alegações de recurso, sustenta que “A prescrição dos créditos laborais, tratando-se de uma exceção perentória, encontra-se a montante do reconhecimento da existência de um contrato individual de trabalho e, por maioria de razão, da verificação e reconhecimento dos respetivos créditos laborais. A questão do reconhecimento da existência de contrato individual de trabalho fica, por isso, prejudicada pela solução dada a anterior questão da prescrição dos créditos laborais.

Como se lê em CPC Anotado de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[4], “Não havendo lugar à absolvição da instância, segue-se a apreciação do mérito da causa.
O juiz vai agora responder aos pedidos deduzidos pelo autor e pelo réu reconvinte, a todos devendo sucessivamente considerasr, a menos que, dependendo algum deles da solução dada a outro, a sua apreciação esteja prejudicada pela decisão deste (…)” e, mais adiante, “A procedência de uma exceção perentória baseada em facto preclusivo, como é o caso da prescrição (ver o n.º 3 da anotação ao art. 576), conduz à inutilidade da verificação dos factos que constituem a causa de pedir (…)”.

Também em recente acórdão do STJ[5], e conforme respectivo Sumário:  
I. - Não se verifica a nulidade de omissão de pronúncia prevista no art. 615 nº1 al. d) do CPC quando a recorrente consubstancia essa nulidade no protesto de, para conhecimento da exceção perentória de prescrição, não terem sido tomados em consideração factos que ela entendia como relevantes; (…)”
Na fundamentação escreveu-se o seguinte:
Pode questionar-se essa contagem de início do prazo e isso também a recorrente opõe nas suas restantes conclusões, o que não pode é imputar-se à decisão recorrida qualquer nulidade por omissão de pronúncia ao ter decidido a exceção de prescrição, selecionando os factos existentes nos autos já provados e que entendeu, sem necessidade de outros, permitirem esse conhecimento. Não teria aliás o mínimo sentido, para lá de ser ofensivo do art. 595 nº1 al, b) do CPC que, por razões de mera diplomacia processual ou outras irrelevantes em termos de finalidade decisória, se não conhecesse logo no despacho saneador da exceção perentória e que o julgador entendia ser já possível, só para que não se apodasse essa decisão de prematura ou porque tinha sido alegada matéria de facto que o julgador em seu critério considerava desnecessária.
A questão é saber se existem ou não os elementos de facto que permitam a decisão, isto é, se a decisão tomada nesse momento ou na sentença final conta apenas com os factos já provados quando tem de se proferir o saneador, e não questionar se alguma outra razão recomenda que se deixe o conhecimento para a sentença, sabendo-se que na economia da decisão a proferir de nada vai valer postergar esse conhecimento por apenas contarem os factos que já se encontravam certificados no momento do despacho saneador.

Ora, o artigo 615.º do CPC, sob a epígrafe Causas de nulidade da sentença, prescreve:
“1 - É nula a sentença quando:
(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)”

Quanto à nulidade a que se reporta a citada al. b):
Como se demonstra no despacho a sustentar a inexistência desta nulidade na decisão recorrida, a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, e tal como é pacificamente admitido, exige a ausência total de fundamentação de facto ou de direito, não se bastando com uma errada, incompleta ou insuficiente fundamentação[6].
Não é de todo esse o caso do saneador – sentença em análise, que se encontra fundamentado, tanto ao nível da factualidade provada como com “a subsunção do direito aos factos, nos termos nela explanados”.

No que tange à nulidade a que se reporta a citada al. c):
A nulidade prevista na alínea c) ocorre quando a sentença enferma de vício lógico que a compromete, quando os seus fundamentos conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, ou então a que a que falte, de forma inultrapassável, clareza e precisão à parte decisória.[7]
Sucede que a decisão proferida pelo Tribunal recorrido -  julgando procedente a exceção de prescrição invocada pelo réu e, consequentemente, absolvendo-o dos pedidos contra si deduzidos pelo autor – é perfeitamente congruente com a fundamentação adrede expendida, v.g. de que aquando da citação do réu, e mesmo que vingasse a tese do autor, estava já ultrapassado o prazo de prescrição (de um ano) dos créditos laborais no caso aplicável, e que por isso mesmo era despiciendo averiguar se o autor esteve ou não vinculado ao réu através de um contrato individual de trabalho.
Ao contrário do afirmado pelo recorrente, não caiu o Tribunal recorrido “em erro de raciocínio lógico”, nem “a aplicação da prescrição prevista no artigo 337.º/1 do Código do Trabalho impunha necessariamente o reconhecimento da existência de um vínculo laboral entre o Autor e o Réu nos moldes descritos e, subsequentemente, a procedência de, pelo menos, do pedido formulado na alínea a) da petição inicial”.
Nem a parte decisória do saneador - sentença é ininteligível, bem pelo contrário, mostra-se perfeitamente inteligível para um declaratário normal, que não terá qualquer dúvida em compreender o seu significado e alcance.

Relativamente à nulidade a que se reporta a citada al. d):
Como se sumariou em recente acórdão do STJ, “I- A nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer questões temáticas centrais suscitadas pelos litigantes (ou de que se deva conhecer oficiosamente), cuja resolução não esteja prejudicada pela solução dada a outras.”[8]
Também do mesmo Tribunal, recente acórdão em que, na síntese do respectivo Sumário, se decidiu: “I. A omissão de pronúncia só é causa de nulidade da sentença quando o juiz não conhece questão que devia conhecer, e não quando apenas não tem em conta alguns dos argumentos aduzidos pela parte."[9]
Como deflui do que acima já dissemos, concluindo o Tribunal a quo, como concluiu, que procede a invocada excepção da prescrição, ficou prejudicado o conhecimento da questão relativa à existência (ou não), no período mencionado pelo autor, de um vínculo de natureza laboral entre si e o réu.
O que se encontra, aliás, em consonância com o artigo 608.º/2 do CPC, que prevê “2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;”.

O recorrente aduz que “(…) incorreu o Tribunal [recorrido] em excesso de pronúncia, por conhecer questões de que não podia tomar conhecimento – a prescrição dos créditos laborais quando não considera provado existir relação laboral -, ferindo de nulidade a sentença recorrida nos termos do disposto no artigo 615.º/1, d) do Código de Processo Civil”
Resulta do que supra dissemos que, na economia da decisão, o Tribunal a quo podia (e devia) tomar conhecimento da excepção da prescrição, e respondendo afirmativamente a essa questão tornou-se inócuo conhecer da questão atinente à existência do invocado contrato de trabalho individual.

O recorrente invoca ainda o disposto no artigo 195.º/1 do Código de Processo Civil (1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.)
Não se olvida que uma sentença “pode constituir uma nulidade processual, se for considerada na perspectiva da sentença como trâmite: basta, por exemplo, que ela seja proferida fora do momento apropriado na tramitação processual.”[10]
Simplesmente não parece que o recorrente assaque à sentença nenhum vício dessa natureza.
 Nem se vislumbra que ocorra.
Sendo certo que foi dada oportunidade ao autor para se pronunciar quanto às excepções deduzidas pelo réu, contraditório que exerceu, podia o Tribunal recorrido proferir despacho saneador para “Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.” – cf. art. 595.º/1 b) do CPC, conjugado com art. 49.º/2 do CPT -, previsão que no caso ocorre.

Não se verifica, pois, nenhuma das apontadas nulidades da sentença.

- Da alteração da matéria de facto.

Pretende o recorrente a “alteração da matéria de facto dada como provada, incrementando um ponto que considere como existente um contrato de trabalho entre o Recorrente e a Recorrida entre o período de 11/03/2013 e 01/05/2020”.
Não tem razão.
Em primeiro lugar, não estamos, no contexto da acção, perante matéria de facto: trata-se claramente de uma afirmação de natureza conclusiva, que integra o thema decidendum (embora o seu conhecimento tenha ficado prejudicado, como acima dito).
Por outro lado, o apelante não deu cumprimento aos ónus que recaem sobre o recorrente que impugna a matéria de facto (cf. designadamente art. 640.º/1 b) do CPC).
Como decorre também do que supra dissemos, a matéria (o «facto») em questão – e posto que o recorrente não põe em crise a decisão recorrida na vertente em que que julgou verificada a prescrição – mostra-se irrelevante para a decisão da causa.[11]

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo do recorrente.
Notifique.
Guimarães, 28 de Setembro de 2023

Francisco Sousa Pereira (relator)
Vera Maria Sottomayor
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso



[1] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 5; em sentido idêntico, Manual de Processo Civil de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Coimbra Editora, 2.ª Ed., pág. 17.
[2] Cf. Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, para quem “A prescrição está, hoje, consagrada como instituto geral (…)” – v. pág.s 19 e 23.
[3] Cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, Almedina, a pág.s 937 (embora por reporte ao art. 381.º/1 do anterior CT, dada a similitude de redacção dos preceitos a pertinência mantém-se): “- o conceito de créditos laborais para este efeito é um conceito amplo, que inclui os créditos remuneratórios em sentido estrito e ainda os créditos que resultam da celebração e da execução do contrato de trabalho, da sua violação e cessação (…)”.
[4] Vol. 2, Almedina, 4.ª Ed., pág.s 712 e 713.
[5] Ac. STJ de 07-07-2022, Proc. 2/19.3YQSTR-G.L1.S1, Manuel Capelo, www.dgsi.pt   
[6] Cf., neste sentido e a título de ex., Ac. STJ de 16.11.2022, Proc. 1060/19.6T8BRR.L1.S1, Júlio Gomes, www.dgsi.pt, e Ac. RG de 14.05.2015, Proc. 414/13.6TBVVD.G1, Manuel Bargado, www.dgsi.pt
[7] Cf., também a título de ex., Ac. STJ de 30.5.2013, Proc. 660/1999.P1.S1, Álvaro Rodrigues, Ac. RG de 14.05.2015, Proc. 414/13.6TBVVD.G1, Manuel Bargado e Ac. RP 04.5.2022, Proc. 14614/21.1T8PRT.P1, João Ramos Lopes, todos in www.dgsi.pt
[8] Ac. STJ de 29-03-2023, Proc. 15165/19.0T8LSB.L1.S1, Mário Belo Morgado, www.dgsi.pt
[9] Ac. STJ de 01-02-2023, Proc. 252/19.2T8OAZ.P1.S1, Júlio Gomes, www.dgsi.pt
[10] Cf. Miguel Teixeira de Sousa, comentário (a Ac. do STJ de 2/6/2020) in Blogue do IPPC - https://blogippc.blogspot.com/ -, Publicação do dia 22.09.2020
[11] Cf. Ac. STJ de 14-07-2021, Proc. 65/18.9T8EPS.G1.S1, Fernando Baptista, www.dgsi.pt