Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4242/23.2T8BRG.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
DECISÃO POR DESPACHO
REQUISITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - O juiz só pode decidir por despacho se se verificarem cumulativamente os seguintes requisitos:
- Considerar desnecessária a realização da audiência, ou seja, nos casos em que a decisão a proferir não dependa da realização de diligências de prova;
- O arguido e o Ministério Público se não opuserem à decisão do recurso por despacho.
II - Pode decidir-se por mero despacho sempre que for de julgar procedente alguma exceção (dilatória ou perentória), ou sempre que é objeto de recurso seja apenas questão de direito ou, sempre que é objeto de recurso seja de facto, mas o processo forneça todos os elementos necessários para o seu conhecimento.
III - Os casos em que o juiz deve decidir por despacho são apenas os casos em que a decisão final não dependa da realização de prova, como sucede no caso, razão pela qual consideramos que estão verificados os dois requisitos indispensáveis para que fosse proferida decisão por simples despacho, ou seja, a desnecessidade de realização de audiência de julgamento e a anuência expressa da arguida.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

Relatório

No âmbito da decisão administrativa proferida pela Unidade Local de ... da Autoridade para as Condições do Trabalho a 09.03.2023, foi aplicada, à Recorrente, EMP01... UNIPESSOAL, LDA., com sede na Rua ..., em ..., ..., a coima no valor de €2.142,00, acrescida da sanção acessória de publicidade, pela prática da contra ordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 25.º, nº 1, al. b), da Lei nº 27/2010, de 30.08, com o artigo 36.º n.º 1 do Regulamento (EU) n.º 165/2014, de 4.02.
A arguida/recorrente não concordando com a decisão administrativa recorreu para o Juízo do Trabalho de ..., pugnando pela procedência do recurso, com as demais consequências.

Recebido o recurso foi pelo Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho
“Atentos os elementos disponíveis nos autos, afigura-se-me que não é necessária a realização de audiência de julgamento.
Assim, notifique a recorrente e o Ministério Público para que, querendo, se oponham a que o presente recurso seja decidido mediante simples despacho (cfr. art. 39.º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro e art. 64.º, n.º 1 e 2 do Reg. Geral das Contra-ordenações e Coimas).
Anote-se, porém, que caso a recorrente pretenda seja realizada audiência de julgamento, que AA, melhor identificado a fls. 76 verso, nunca poderá ser ouvido como testemunha, uma vez que se trata do sócio-gerente da recorrente, segundo consta de informação dos autos.”
O Ministério Público não deduziu oposição e a arguida veio, em 23.11.2023, por requerimento, dizer que não se opõe à intenção do Tribunal de decidir os presentes autos por despacho.
Seguidamente o Tribunal a quo proferiu despacho que terminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, o Tribunal decide:
- confirmar a decisão da ACT, proferida no âmbito do processo de contra- ordenação n.º ...77, termos em que se condena a recorrente “EMP01... Unipessoal. Lda.”, pela prática da contraordenação prevista no art. 25.º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 27/2010, de 30.8, conjugado com o art. 36.º, n.º 1 do Regulamento (EU) n.º 165/2014, de 4.02, na coima de 2.142,00 Eur. (dois mil, cento e quarenta e dois euros).-
No mais confirma-se a decisão da ACT, quanto à sanção acessória de publicidade, nesta parte nem sequer impugnada pela recorrente.
Custas pela recorrente, reduzindo-se a taxa de justiça ao mínimo legal. ---
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Deposite. – cfr. art. 372.º, n.º 5 do C.P.Penal, aplicável ex vi do preceituado no art. 60.º do D.L. n.º 107/2009, de 14.9, e 41.º, n.º 1 do RGCO. ---
*
Notifique e comunique à entidade administrativa, com cópia da presente decisão.”

A arguida EMP01... Unipessoal, Lda inconformada com esta decisão, que julgou improcedente a impugnação judicial e manteve a decisão proferida pela Unidade Local de ... da Autoridade para as Condições do Trabalho, recorreu para este Tribunal da Relação de Guimarães pedindo a revogação do despacho, motivando o seu recurso com as seguintes conclusões:

“1. O RGCO estabelece que o juiz pode decidir o caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho. Sendo que a decisão por mero despacho depende de 2 condições cumulativas:
- Quando não considere necessária a audiência de julgamento,
- O arguido ou o Ministério Público não se oponham.
2. Por despacho de 18.09.2023 o juiz o tribunal a quo entendeu que “… atentos os elementos disponíveis nos autos, afigura-se-me que não é necessária a realização de audiência de julgamento.”
3. Pelo que, entendeu que os autos tendo em consideração as posições das partes e a sua alegação e os elementos disponíveis nos autos, não careciam de mais prova sendo apenas uma questão de direito a aplicar e decidir.
4. A questão de decidir era de quem tinha a razão de direito face às posições assumidas nos autos, não sendo necessários mais elementos a carrear para os autos nem mais prova porquanto estes já possuíam todos os elementos necessários para decidir.
5. Todavia, veio a decidir por despacho, com fundamento numa presunção de culpa e alegando que o recorrente não logrou provar o contrário apesar de lhe caber o ónus da prova: Tudo isto para dizer que a “presunção” não se mostra ilidida não se encontrando, por isso, excluída a responsabilidade da recorrente/empregadora.
6. a 9. (…)
10. Ora, considerando que o recorrente impugnou tudo, arguiu a nulidade de todo o processo, cabendo ao MP a prova dos factos imputados uma decisão por mero despacho apenas poderia ser favorável ao recorrente,
11. Caso contrário, teria que existir uma audiência de julgamento na qual fosse dada possibilidade ao recorrente de produzir prova que sustentasse o por si alegado.
12. Pelo que, a sentença recorrida é nula por negação de justiça ao não permitir o contraditório e a sua prova violando os princípios constitucionais da legalidade e igualdade.
13. Com efeito, ainda que o arguido tenha dado o seu assentimento a que a decisão seja proferida mediante despacho, a mesma decisão será nula se no caso não se verificava o primeiro requisito, a desnecessidade da realização de audiência de julgamento, sobretudo quando o despacho que determinou a audição das partes para se pronunciarem sobre a prolação da decisão por despacho não mencionou, como era exigível, no referido contexto, os motivos da irrelevância da prova oferecida pela impugnante.
Assim, tal decisão é nula, nos termos do art. 120º, nº 2, al. d), do CPP. Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 15471/21.3T8PRT.P1, de 12-09-2022, votado por unanimidade e disponível em www.dgsi.pt.
14. A nulidade em questão deve ser declarada em qualquer fase do procedimento e tem como consequência a invalidade da decisão recorrida (artº 119º, corpo e 122º, nº1 do CPP). Nessa medida, deve ter-se como assente a oposição da arguida à decisão por mero despacho (artº64º, nº2 do RGCO) e proceder-se à realização da audiência.
15. Factos que entende como não provados no seu despacho:
B) Dos factos não provados: “Com relevância para a decisão da causa, não resultou provado que:
A recorrente repreendeu o condutor por este não ter observado os procedimentos que se lhe impunham.
A recorrente dá formação sobre os períodos máximos de condução, interrupções e pausas mínimas a observar, bem como sobre os tempos e períodos de pausa/repouso.
A recorrente organizou o trabalho dos seus condutores/motoristas de molde a que possam cumprir com todos os procedimentos impostos, nomeadamente dando-lhes as instruções adequadas e verificando regularmente se aqueles ou outros funcionários fazem os registos da actividade como se impunha e se fazem acompanhar de todos os documentos necessários para apresentar às autoridades que os solicitem.
Ora, atenta a defesa apresentada nos autos, como facto extintivo do direito que a recorrente invocou, competia-lhe o ónus da prova do facto de ter dado formação em área coincidente ou afim com a actividade prestada – de transporte rodoviário de mercadorias – mormente ao seu sócio-gerente e a outros funcionários da empresa, pelo que, não tendo a recorrente junto aos autos prova segura de ter dado a invocada formação, nomeadamente sobre períodos máximos de condução, interrupções obrigatórias/pausas e tempos de repouso/descanso, pois nem juntou quaisquer certificados de formação, não pode o Tribunal considerar provado que cumpriu com o disposto no art. 131.º, n.º 2 do Cód. do Trabalho, e que a responsabilidade pela prática da infracção só pode ser imputada ao condutor/motorista.”
16. Se o tribunal entendia, que lhe cabia o ónus da prova, porque entendeu que podia decidir por despacho ao invés de realizar a audiência de julgamento permitindo o recorrente oferecer a prova dos factos que alegava.
17. Este comportamento contraditório entre ambos os despachos influi claramente na defesa do recorrente e comporta a nulidade insanável da sentença agora recorrida violando o seu direito ao contraditório.
18. Mais, esta lei veio assim consagrar «uma presunção iuris tantum de imputação da violação de um dever de comportamento à entidade patronal dos condutores de transporte rodoviário» - cfr. Acórdão do TC 45/2014, de 11.02.2014, disponível em www.dgsi,pt. - ou, nas palavras de Soares Ribeiro “uma imputabilidade subjectiva presumida, uma presunção iuris tantum de culpa, e de consequente responsabilidade do empregador”. – cfr. Revista do Ministério Público, n.º 124, pág. 163. Ou seja, a Lei n.º 27/2010 veio consagrar uma das soluções previstas pelo art. 10.º, n.º 3, do Regulamento, qual seja uma forma mitigada da responsabilidade objectiva ou presumida.”
19. Todavia, depois vem dizer que esta presunção pode ser ilidida através de alegação e prova:
20. De facto, consagrando embora a responsabilidade da empresa transportadora com base numa presunção de culpa, veio, contudo, permitir que esta alegue e prove não ter sido responsável pelo seu cometimento, para o que deverá demonstrar que organizou o trabalho de modo a que seja possível o cumprimento das imposições legais.
21. Assim, se foi permitida a alegação, não foi permitida a prova ao decidir por mero despacho, alegando que já tinha todos os elementos necessários para decidir ao invés de abrir um período de prova que permitisse o recorrente ilidir o seu entendimento de presunção de culpa.
22. Concluindo que: “Tudo isto para dizer que a “presunção” não se mostra ilidida não se encontrando, por isso, excluída a responsabilidade da recorrente/empregadora.”
23. a 25 (…)
26. Pelo que estamos perante uma nulidade insanável nos termos da alínea d, n.º2 do art. 120º do CPP e n.º 3 do art. 410º do CPP
27. O arguido no presente processo contraordenacional foi ainda condenado na sanção acessória de publicidade, alegando sumariamente a decisão recorrida, sem qualquer fundamento que nesta parte nem sequer foi impugnada pela recorrente.
28. “No mais confirma-se a decisão da ACT, quanto à sanção acessória de publicidade, nesta parte nem sequer impugnada pela recorrente.”
29. Todavia, a recorrente impugnou na sua defesa escrita e no recurso de impugnação o auto de notícia, a decisão administrativa na sua totalidade e arguiu a nulidade de todo o processo, pelo que dúvidas não restam que a sanção acessória de publicidade foi impugnada pelo recorrente ao contrário do que alega a decisão recorrida.
30. Pelo que, ao impugnar toda a decisão está a impugnar a sanção acessória. Por esse motivo a sentença é igualmente nula por falta de fundamentação na aplicação da sanção acessória de publicidade.
31. Por fim, considerando que em causa está a atuação da arguida com base em negligência; a situação económica da arguida não lhe permitiria fazer face a uma contraordenação superior a 2000,00€ sob pena de encerrar a empresa e a arguida não retirou qualquer benefício económico com a prática de tal facto, vem-se requerer nos termos gerais legais o efeito suspensivo ao presente recurso.

TERMOS EM QUE:
Deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, e, em consequência deve ser a decisão do Tribunal a quo ser revogada em conformidade com as conclusões.”
O recurso foi admitido na 1.ª instância.
O Ministério Público apresentou contra-alegação, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Remetidos os autos para este Tribunal da Relação de Guimarães, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, no sentido da improcedência do recurso, parecer esse que não foi objeto de qualquer resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
*
Objecto do Recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente na sua motivação – artigos 403.º n.º 1 e 412.º n.º 1, ambos do C.P.P. e aqui aplicáveis por força do artigo 50.º n.º 4 do regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14/09.
Atentas as conclusões de recurso importa apurar o seguinte:
- Da nulidade da decisão por ter sido proferida por despacho;
- Da sanção acessória da publicidade e da redução da coima aplicada

Fundamentação de facto

A) Factos Provados

1. A recorrente “EMP01... Unipessoal. Lda.”, pessoa colectiva ...30, com sede na Rua ..., em ..., ..., tem por objecto o comércio de madeiras, transformação das mesmas, corte de árvores e o transporte rodoviário de mercadorias.
2. No ano de 2022 a recorrente declarou um volume de negócios de 198.585,72 Eur. (cento e noventa e oito mil, quinhentos e oitenta e cinco euros e setenta e dois cêntimos) e um lucro tributável, em termos de IRC, de 1.790,18 Eur. (mil, setecentos e noventa euros e dezoito cêntimos.
3. É sócio e gerente único da recorrente AA.
4. No dia ../../2021, pelas 14h50m, na EN ...03, ao Km 53, em ..., ..., quando o aludido AA conduzia o trator de mercadorias de matrícula 09-30-03, com semi-reboque acoplado de matrícula P....0, aquele equipado com tacógrafo analógico, propriedade da recorrente, foi sujeito a uma operação de fiscalização realizada pela GNR/BT.
5. Nessa ocasião aquele AA não se fazia acompanhar de todos os registos utilizados no tacógrafo, respeitantes aos 28 dias anteriores à data da fiscalização, estando em falta as folhas dos dias 7 a 18, 21 a 24, 28 e 30 de Abril de 2021 e 1 e 2 de Maio de 2021, nem se fazia aquele acompanhar de qualquer documento que justificasse a ausência de registos nesses dias.
6. Também não exibiu aquele AA o cartão de condutor ou qualquer registo manual ou impressão relativa aos mesmos registos ou qualquer declaração de actividade referente a esses mesmos dias.

B) Factos Não Provados

1. A recorrente repreendeu o condutor por este não ter observado os procedimentos que se lhe impunham.
2. A recorrente dá formação sobre os períodos máximos de condução, interrupções e pausas mínimas a observar, bem como sobre os tempos e períodos de pausa/repouso.
3. A recorrente organizou o trabalho dos seus condutores/motoristas de molde a que possam cumprir com todos os procedimentos impostos, nomeadamente dando-lhes as instruções adequadas e verificando regularmente se aqueles ou outros funcionários fazem os registos da atividade como se impunha e se fazem acompanhar de todos os documentos necessários para apresentar às autoridades que os solicitem.

Fundamentação de direito

1- Da nulidade da decisão por ter sido proferida por despacho

Insurge-se a Recorrente quanto ao facto de a decisão ter sido proferida por despacho, já que foi proferida uma decisão com fundamento numa presunção de culpa, sem que a recorrente tivesse possibilidade de produzir prova que sustentasse o por si alegado, sendo assim a sentença nula por “negação de justiça”, ao não permitir o contraditório e a sua prova, violando os princípios constitucionais da legalidade e igualdade. Mais entende a Recorrida que ainda que tenha dado o seu assentimento ao proferimento de decisão mediante despacho, tal decisão é nula, nos termos do art.º 120º, nº 2, al. d), do CPP, uma vez que não se verificava a desnecessidade de realização de audiência de discussão e julgamento, “sobretudo quando o despacho que determinou a audição das partes para se pronunciarem sobre a prolação da decisão por despacho não mencionou, como era exigível, no referido contexto, os motivos da irrelevância da prova oferecida pela impugnante”. E por fim defende que a decisão mediante despacho só pode ser dada quando esteja em causa alguma nulidade, ou exceção, ou o recurso coloque apenas questões de direito, verificando-se assim uma nulidade insanável, nos termos do disposto no art.º 120º. n.º 2 al. d) do CPP e 410.º nº. 3 do mesmo diploma legal.

Vejamos se lhe assiste razão:

De acordo com o disposto no artigo 32.º e segts. da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, a decisão da autoridade administrativa de aplicação de coima é suscetível de impugnação judicial, dirigida ao tribunal de trabalho competente, a quem compete conhecer da mesma.
E de acordo com o prescrito no n.º 1 do art.º 39.º da Lei nº 107/2009 de 14.09, o juiz decide do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho, resultando dos n.ºs 2 e 3 do citado normativo, que o juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham, podendo então ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação.
Daqui decorre que o juiz só pode decidir por despacho se se verificarem cumulativamente os seguintes requisitos:
- considerar desnecessária a realização da audiência, ou seja, nos casos em que a decisão a proferir não dependa da realização de diligências de prova;
- o arguido e o Ministério Público se não opuserem à decisão do recurso por despacho, o que pode revestir diversas formas a saber: oposição à decisão por simples despacho; anuência à decisão por simples despacho; não expressarem qualquer posição.
Ora, perante a oposição do Arguido e/ou do Ministério Público, fica vedada ao juiz a prolação de decisão por simples despacho, impondo-se que proceda à realização da audiência de julgamento e só posteriormente poderá proferir a sentença.
Caso não expressem qualquer oposição terá ainda assim que se indagar o significado de tal silêncio, que não deve sem mais ser interpretado no sentido da anuência à prolação da decisão por simples despacho, pois se o arguido arrolou prova, designadamente testemunhal, tal fará pressupor que pretende a alteração da matéria de facto, o que determinará a realização de audiência de julgamento, tendo nestas circunstâncias o silêncio de ser entendido como oposição à decisão por simples despacho.
Por fim, nas situações de anuência expressa à decisão por simples despacho, temos por verificado este requisito, importando apenas apurar o primeiro dos mencionados requisitos, ou seja, se a decisão a proferir não depende da realização de diligências de prova.
De tudo isto resulta, ao invés do defendido pela recorrente, que se pode decidir por mero despacho sempre que for de julgar procedente alguma exceção (dilatória ou perentória), ou sempre que é objeto de recurso seja apenas questão de direito ou, sempre que é objeto de recurso seja de facto, mas o processo forneça todos os elementos necessários para o seu conhecimento.
No caso dos autos, na impugnação judicial a recorrente negou a prática da infração, por que havia sido sancionada pela autoridade administrativa, imputando ao seu condutor a responsabilidade pela sua verificação e ofereceu, como prova testemunhal e única, o motorista que conduzia a viatura autuada na data dos factos, que é, precisamente, o seu legal representante, tendo a juiz a quo chamado a atenção para o facto, ao notificar a arguida no sentido de que tal individuo, por ser o legal representante da arguida não podia ser inquirido como testemunha. Perante tal facto a arguida na sequência da notificação que lhe foi efetuada ao abrigo do prescrito no artigo 39.º da Lei n.º 107/2009 de 14.09, veio dar a anuência para que que a decisão fosse proferida por simples despacho.
Esta factualidade faz pressupor, que perdeu o interesse na alteração da matéria de facto, pois para além de não ter arrolado qualquer outra prova (já que a arrolou revelou-se de inadmissível), tal como a juiz a quo bem observou, não vislumbramos como é que  a arguida lograria provar, não ser a responsável pelo cometimento a infração, designadamente, demonstrando que organizou o serviço de transporte rodoviário de modo a que o seu condutor pudesse ter cumprido a norma que não observou (ilidindo assim aquela presunção), quando quem a infringiu foi precisamente o sócio e único gerente da empresa/arguida.
Ainda que se possa defender que com a impugnação judicial, o oferecimento de prova pela arguida constitui uma manifestação implícita de oposição a que a decisão seja proferida por despacho, pelo que deve essa prova ser produzida em audiência, de forma a dar cumprimento ao disposto no n.º 10 do artigo 32.º da CRP- cfr. Ac. RE de 12.09.2018, proc. n.º 1738/17.9T8TMR.E1 (relator João Nunes), consultável www.dgsi.pt. O certo é que, no caso em apreço, para além da arguida ter manifestado expressamente a sua anuência a que fosse proferida decisão por despacho, o comportamento por si assumido em face há inadmissibilidade da prova por si oferecida (nada veio requerer), conduz à manifestação implícita de que perdeu o interesse na alteração da matéria de facto.
Acresce ainda dizer que como se sustenta na decisão recorrida, “sendo o motorista autuado, o sócio e gerente único da empresa nem se percebe como pretende a recorrente fazer cindir responsabilidades, já que a pessoa que deveria assegurar e receber a formação, bem como aquela que devia assegurar e fiscalizar a actividade do motorista, bem ainda organizar o serviço de transporte rodoviário de modo a que o condutor, no caso, o sócio-gerente pudesse ter cumprido a norma que inobservou, são a mesma e única pessoa.” O que significa que atenta a circunstância do sócio e gerente da sociedade ter também a qualidade de motorista, não vislumbramos a possibilidade de cindir as suas responsabilidades e consequentemente estava a arguida impossibilitada de ilidir a presunção, uma vez que estava bem ciente da obrigatoriedade de se fazer acompanhar de todos os registos utilizados no tacógrafo referentes aos 28 dias anteriores, atuando de livre vontade com o conhecimento da sua empregadora.
Assim, também nesta perspetiva podemos concluir que a decisão final não dependia de prova a realizar.
Em suma, os casos em que o juiz deve decidir por despacho são apenas os casos em que a decisão final não dependa da realização de prova, como sucede no caso, razão pela qual consideramos que estão verificados os dois requisitos indispensáveis para que fosse proferida decisão por simples despacho, ou seja, a desnecessidade de realização de audiência de julgamento e a anuência expressa da arguida.
Ora, em face da posição acima assumida teremos de concluir que não foi violado o direito de defesa da arguida, nem foi cometida qualquer nulidade processual, nomeadamente, não foi cometida qualquer omissão de diligências que possam reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, não tendo assim sido violado o disposto no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal, aqui aplicável ex vi do artigo 41.ºdo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e do artigo 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.
Improcede nesta parte o recurso

2- Da sanção acessória e da diminuição do valor da coima aplicada

Defende a recorrente que a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação relativamente à aplicação da sanção acessória de publicidade, uma vez que ao impugnar a decisão administrativa estava também a impugnar a sanção acessória.
A propósito da aplicação a sanção acessória na decisão recorrida consignou-se o seguinte: “No mais confirma-se a decisão da ACT, quanto à sanção acessória de publicidade, nesta parte nem sequer foi impugnada pela recorrente.”
Salvo o devido respeito por opinião em contrário, não vislumbramos que a decisão recorrida padeça de falta de fundamentação relativamente à aplicação da sanção acessória, pois não tendo esta sido diretamente impugnada pela recorrente, só se a impugnação da recorrente merecesse provimento é que se justificaria a apreciação da aplicação de tal sanção para concluir pela desnecessidade da sua aplicação.
Verificando-se a infração mais não restava ao tribunal a quo do que confirmar a aplicação da sanção acessória.
No caso a sanção acessória foi aplicada em virtude da arguida/recorrente ter cometido uma contraordenação muito grave
Prescreve o artigo 562.º do CT que “No caso de contraordenação muito grave ou reincidência em contraordenação grave, praticada com dolo ou negligência grosseira, é aplicada ao agente a sanção acessória de publicidade.”
Daqui resulta evidente que a sanção acessória de publicidade é aplicada quando ocorra a condenação do arguido pela prática de uma contraordenação muito grave, ou nos casos em que o arguido seja reincidente na prática de contraordenação grave cometida com dolo ou negligência.
Tendo a arguida sido condenada pela prática de uma infração muito grave, mais não restava ao tribunal a quo do que manter a aplicação da sanção acessória de publicidade.
Quanto à redução da coima para a quantia de €2.000,00, com fundamento na atuação negligente da arguida, na sua situação económica e pelo facto de não ter retirado qualquer benefício económico com a prática de tal facto, apenas apraz dizer que tendo a coima aplicada sido fixada muito próximo do mínimo legal (€2.040,00) e pretendendo a arguida que a coima seja fixada num valor inferior ao mínimo legal, a sua pretensão por ser manifestamente ilegal não merece provimento.
Improcede o recurso sendo de confirmar a decisão recorrida.

Decisão

Por todo o exposto e nos termos dos artigos 50.º e 51.º do Regime Processual das Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14/09), acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo da arguida/recorrente, fixando a taxa de justiça em 2UC.
Após trânsito em julgado comunique à ACT com cópia certificada do acórdão.
Guimarães, 29 de Maio de 2024

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Veiga
Francisco Sousa Pereira