Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ELISABETE COELHO DE MOURA ALVES | ||
Descritores: | DEFEITO RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR CONSUMIDOR RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL POR FACTOS ILÍCITOS | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/15/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1. A responsabilidade civil do produtor por produtos defeituosos, surge no nosso ordenamento jurídico através do Decreto-Lei n.º 383/89, de 06 de novembro em virtude da transposição da Diretiva n.º 85/374/CEE do Concelho, de 25 de julho de 1985. 2. Este diploma teve como propósito proteger os lesados no âmbito da compra e venda de produtos defeituosos, consagrando o princípio da responsabilidade objetiva do produtor, independentemente de culpa, complementando o direito comum e assegurando desse modo uma maior eficácia na protecção do consumidor (art. 13º n.1 do cit. D.L.). 3. O conceito de consumidor reporta-se necessariamente a uma pessoa singular, neste não se incluindo em caso algum as pessoas colectivas, sendo esse o âmbito subjectivo de aplicação do regime previsto no D.L. 383/89 quanto ao lesado. 4. O tribunal não está sujeito à alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (5º n.3º CPC), quanto à factualidade alegada e provada na acção. 5. O disposto pelos artigos 485º e 486º do Código Civil, não se lê isoladamente, mas em conjunto com o artigo 483º do C.C., sendo que no domínio da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos são pressupostos, cumulativos, dessa responsabilidade (que impõe ao lesante a obrigação de indemnizar): a existência de um facto voluntário praticado pelo agente lesante (facto/conduta que tanto pode resultar de uma ação como de uma omissão), a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, pressupostos esses cujos ónus de alegação e prova impende ao lesado, nos termos do disposto pelo artigo 342ºn. 1, do C.C. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório S... - Soluções de Reabilitação e Construção Unipessoal, Lda., instaurou a presente acção comum contra B..., Ldª, NIPC ..., com domicílio profissional no ..., Edifício ... ... Porto ..., concelho ..., formulando o seguinte pedido: - condenação da Ré a pagar à Autora a quantia de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), a título de indemnização pelos danos causados na viatura QB, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal em vigor, desde a ocorrência do sinistro e até efectivo e integral pagamento. Alegou, em súmula, ter adquirido o veículo com a matrícula ..-QB-.., marca ..., modelo ... ..., para satisfazer as necessidades de transporte de AA, colaborador da Autora. No dia 29 de Novembro de 2018, enquanto circulava na A...5, no sentido ... – ..., o veículo incendiou-se, devido a um defeito no radiador .... O defeito comprometeu o bom funcionamento do motor do veículo e gerou um incêndio. A Autora participou à Ré o sinistro e, após averiguações e análise do sucedido, a Ré concluiu que o incidente térmico não resultou de uma anomalia na válvula ..., não assumindo a responsabilidade do evento. Invocou o regime legal estabelecido no DL nº 383/89, de 6 de Novembro, sustentando que a Ré, enquanto produtora, era a responsável pelo defeito do radiador ..., defeito este que provocou o incidente térmico de 29 de Novembro de 2018. Como consequência directa e necessária, ocorreu o incêndio, ficando o veículo ..-QB-.. danificado e inutilizável. A Autora sofreu um prejuízo de € 24.000,00. A Ré apresentou contestação invocando que o incidente térmico não teve origem no lado do compartimento do motor onde se encontra o radiador ..., não existindo, por isso, indícios de que o veículo padecesse de defeito de fabrico. Sustenta não poder ser responsabilizada pela ocorrência do incidente térmico, por falta de prova de existência de defeito. Invocou a falta de legitimidade substantiva da Autora, por esta não poder ser qualificada como consumidor, e a não aplicação do regime legal invocado. * Realizado o julgamento, veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido formulado.* Inconformada com a decisão, dela recorreu a autora, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões, que ora se transcrevem:«1. Foi dado como provado no ponto 4 da matéria de facto que: 4- O referido AA usava o referido veículo QB todos os dias da semana, para as suas deslocações pessoais e de lazer; 2. O DL n.º 383/89, no seu artigo 8º determina que “são ressarcíveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente esse destino”. 3. O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17/09/2015 acrescenta ainda que cai dentro do âmbito de aplicação do presente regime, o produto adquirido e usado por uma empresa, mas fora da sua atividade comercial. 4. O regime da responsabilidade do produtor tem aplicação no presente caso, pois o veículo QB, conforme resulta provado no ponto 4 da matéria de facto, era um veículo destinado ao uso pessoal de AA, apesar de ser colaborador da referida empresa, e era utilizado por aquele todos os dias da semana para as suas deslocações pessoais e de lazer. 5. Quanto aos danos, no n.º 1 do art.º 3.º do DL n.º 383/89, entende-se como produto “qualquer coisa móvel, ainda que incorporada noutra coisa móvel ou imóvel.” 6. Pelo que, deve entender-se como produto o radiador ... que provocou o incêndio no motor, que está incorporado no automóvel. 7. E, quanto ao defeito, regime do DL n.º 383/89 relaciona-o com a falta de segurança dos produtos, pelo que, entende-se como produto defeituoso aquele que “não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar”. 8. No presente caso, deve considerar-se que existia um defeito ao nível do radiador ... e que fez com que deflagrasse no motor do veículo QB um incêndio, peça essa com um defeito que provocou falta de segurança, e foi a responsável e geradora dos danos causados no veículo. 9. O radiador ... que padecia de um defeito que provocou falta de segurança, provocou um incêndio e consequentemente, provocou danos no veículo da A. 10. O veículo QB, estava abrangido pela intervenção técnica n.º ...00, com carácter urgente, para ser verificado, e se necessário, trocado o radiador de recirculação dos gases de espape. 11. A referida acção técnica consiste em verificar o módulo EGR e a substituição de eventuais componentes danificados, pois em alguns casos o radiador do módulo EGR (recirculação dos gases de escape) poderá apresentar fugas de líquido de refrigeração. 12. A acumulação do líquido de refrigeração quando combinado com outros resíduos, como por exemplo óleo e carvão pode transformar-se em combustível, nestes casos e como as temperaturas dos gases de escape neste componente são elevadas, o composto combustível pode inflamar, e que segundo a B..., Ldª em casos extremos pode originar um incêndio. 13. Ao contrário do que foi garantido pela B..., Ldª (que todos os clientes que fossem proprietários dos veículos afectados seriam contactados pelos serviços para realização da intervenção), a A. nunca foi contactada por parte da R. e informada que o seu veículo estava abrangido por aquela intervenção técnica urgente. 14. A R. decidiu ignorar a existência daquela intervenção técnica urgente, ignorando de igual forma, o perigo e a falta de segurança que a não realização daquela intervenção poderia significar para os passageiros daquele veículo QB, bem como para os restantes utilizadores da via pública. 15. E, no ano que deflagrou o incêndio no seu veículo, esteve na oficina do concessionário da R., pelo menos duas vezes: 12 de Maio de 2018 e 12 de Novembro de 2018 – 17 dias antes da ocorrência do incidente térmico. 16. No veículo QB deflagrou um incêndio 17 dias após ter realizado uma revisão na oficina da concessionária da R., e nenhuma explicação ou motivo lhe foi apresentada para aquela ocorrência. 17. O único motivo, que é o do conhecimento público inclusivamente, que leva veículos da marca ... a incendiar é o defeito no radiador ... – motivo pelo qual o veículo da A. estava abrangido pela intervenção técnica urgente. 18. A regra presente na responsabilidade objetiva é a de o “produtor ser responsável, independente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação”. 19. O dano é um resultado de um defeito presente no produto, um dano que não se concretizaria se o defeito não existisse, tendo em conta a teoria da causalidade adequada prevista no art.º 563.º do CC. 20. O defeito do produto, atua, segundo BB como “critério de imputação da responsabilidade do produtor”, pelo facto de substituir o ónus de provar a culpa do produtor pelo ónus de provar o defeito do produto. 21. Para a referida autora provar a existência de um defeito num produto e a sua direta relação com o dano sofrido implica provar uma certa culpa ou negligência por parte do produtor – o que resultou provado nos presentes autos. 22. Entende CALVÃO DA SILVA que “na apreciação da prova valem as regras do direito comum, mas deve ter-se sempre presente que o lesado deve ser ajudado na espinhosa tarefa de demonstrar o nexo causal, no mínimo através da prova de primeira aparência (…) que, no fundo, é uma espécie de presunção da causalidade”. 23. Uma posição que foi seguida por alguma jurisprudência, precisamente pelo acórdão do STJ de 05/01/2016 e o acórdão da Relação de Lisboa de 27/02/2007, ao entenderem que, estando fixada a existência de defeito do produto e do dano, atendendo às regras da experiência da vida e à teoria da causalidade adequada, deve considerar-se estar demonstrado o nexo de causalidade. 24. Pelo que, face à prova produzida, e resultando provado que o veículo da A. estava abrangido por uma intervenção técnica com carácter urgente para ser verificado o radiador ...; que aquela intervenção é justificada pelo risco de deflagração de incêndios em veículos da marca da A.; que a R. tenha perfeito conhecimento que o veículo da A. estava abrangido por aquela intervenção e deliberadamente, não comunicou à A. (apesar de ter dois momentos diferentes em 2018 para o fazer); que 17 dias antes do incidente térmico ter ocorrido, o veículo da A. tinha realizado uma revisão na oficina do concessionário da R.; e que o incêndio teve origem no motor, 25. Deveria a R. ter sido condenada a indemnizar a A. pelos danos sofridos no seu veículo em resultado do incidente térmico ocorrido a 29 de Novembro de 2018, por se demonstrar provado que existia um defeito no radiador ... – produto posto em circulação pela R., e que pôs em causa a segurança dos utilizados daquele veículo bem como os demais utilizadores da via pública. 26. Sem prescindir, nos termos do artigo 485º, n.º 2 e 486º do Código Civil, a R. deveria ter sido condenada a indemnizar a A., pois tinha o dever jurídico de informar a A. que o seu veículo estava abrangido por uma intervenção técnica de carácter urgente para ser verificado, e se necessário trocado, o radiador .... 27. E apesar de ter duas oportunidades para comunicar a A. no ano de 2018, e de ter o dever de proceder com diligência e cuidado, a R. deliberadamente não informou a A. 28. A R. agiu com má fé pois não adoptou todos os comportamentos necessários para evitar uma situação de perigo. 29. O art. 486º deve assentar no princípio de que um comportamento que deixa de ser observado quando fosse exigido pelas regras da boa fé que fosse adotado, pode igualmente constituir uma omissão capaz de gerar ressarcimento – é um comportamento contrário às regras da boa fé. 30. Pelo que, deve a presente decisão ser alterada por uma outra que condene a R. a indemnizar a A. pelos danos causados no seu veículo, à luz dos artigos 485º, n.º 2 e 486º, ambos do Código Civil. Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e proferindo-se douto acórdão em conformidade com as alegações supra- formuladas.» * A ré apresentou contra-alegações e ampliação subsidiária do objecto do recurso, cujas conclusões se passam a transcrever:«A. A Recorrente entende não só que o regime da responsabilidade direta do produtor previsto no Decreto-Lei n.º 383/89 é aplicável ao caso vertente em virtude de o Tribunal a quo ter dado como provado que o Veículo era utilizado por AA, todos os dias da semana, para as suas deslocações pessoais e de lazer (cf. facto provado n.º 4, pág. 3 da sentença), como, em qualquer caso, que tal regime se aplica também a profissionais. B. Não assiste, contudo, qualquer razão à Recorrente, pois que além de esta ser uma sociedade comercial que não assume, portanto, a qualidade de consumidora, resulta da matéria de facto provada (cf. factos provados n.os 3 e 4) que o Veículo foi adquirido com um propósito profissional – independentemente de AA o utilizar para deslocações pessoais. C. O Decreto-Lei n.º 383/89, que transpôs para o ordenamento jurídico a Diretiva 85/374/CEE, apenas é aplicável a consumidores, não tendo, portanto, aplicação no caso vertente. D. Insurge-se ainda a Recorrente quanto à conclusão do Tribunal a quo de que os danos peticionados na presente ação não são ressarcíveis ao abrigo do disposto do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 383/89. E. Contudo, não só não resulta da matéria de facto considerada provada pelo Tribunal a quo (cf. factos provados n.os 34 a 37 e 41 e 42) que o Veículo padecesse de um qualquer defeito de fabrico ou que tal defeito tivesse estado na origem do incidente térmico (recorde-se que o Tribunal a quo considerou provado que foi detetada maior concentração de temperatura no lado oposto ao do radiador ..., cf. facto provado n.º 42), como entendeu o Tribunal a quo considerar não provado que tal se tenha verificado (cf. págs. 8 e 9 da sentença). F. Por outro lado, o escopo de danos ressarcíveis nos termos do Decreto-Lei n.º 383/89 está limitado aos danos previstos no artigo 8.º, i.e., a danos causados pelo bem defeituoso e não no bem defeituoso, sendo certo que a Recorrente apenas peticionou a condenação da Recorrida ao pagamento do montante de EUR 24.000,00 pelos danos causados no Veículo. G. De acordo com a Recorrente, ainda que se concluísse pela inaplicabilidade do Decreto-Lei n.º 383/89 ao caso vertente, sempre haveria a Recorrida de ser responsabilizada ao abrigo do disposto nos artigos 485.º e 486.º do CC. H. Contudo, o Tribunal a quem não pode decidir sobre a hipotética responsabilidade da Recorrida com fundamento no disposto nos artigos 485.º e 486.º do CC, pois que o argumento agora invocado constitui uma questão nova sobre a qual o Tribunal a quo não se pronunciou e, consequentemente, sobre a qual o Tribunal ad quem também não pode pronunciar-se. I. Em todo o caso, e por dever de patrocínio, não se encontram verificados os pressupostos de responsabilidade previstos nos artigos 485.º e 486.º do CC. J. Além de a Recorrente não ter alegado (nem resultar da matéria de facto provada) que dever jurídico impendia sobre a Recorrida, a sua alegação parte do pressuposto de que não foi informada pela Recorrida de que o Veículo estava abrangido por uma ação técnica; ora, o artigo 485.º, n.º 2, do CC apenas é aplicável aos casos em que o dever jurídico de dar um conselho, recomendação ou informação existe, mas é incorretamente dado. K. Do mesmo modo, a aplicação do disposto no artigo 486.º do CC depende da existência de um dever, legal ou contratual, de prática de um ato que foi omitido, sendo certo que a Recorrente não alegou e não resulta da matéria de facto considerada provada pelo Tribunal a quo que tal dever existisse. L. Da matéria de facto provada não resulta que a Recorrida estivesse vinculada a contactar a Recorrente para que procedesse à substituição do radiador ... (sendo certo que não ficou sequer demonstrado que tal componente padecesse de um defeito de fabrico – cf. matéria de facto não provada, págs. 8 e 9 da sentença). CONCLUSÕES RESPEITANTES À AMPLIAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO OBJECTO DO RECURSO I. Subsidiariamente, e ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 2, do CPC, requer- se a ampliação do objeto do recurso nos seguintes termos: II. A Recorrida entende que existe uma contradição lógica entre o facto provado n.º 18 (“A Ré tinha conhecimento de que o QB tinha o referido defeito e que era urgente a substituição daquele componente;”) e os factos provados n.os 36 (“A circunstância de o veículo ter estado abrangido pela referida acção técnica, não implica, sem mais, a necessidade de substituição do radiador ...;”) e 37 (“A acção técnica implica a necessidade de verificação e, após análise concreta de cada um dos veículos visados pela acção técnica, a determinação da necessidade, ou não, da substituição daquele componente;”). III. Contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, o facto n.º 18 não resultou provado por estar assente por acordo das partes; pelo contrário, a Recorrida impugnou-o expressamente no artigo 47.º da contestação. IV. No mais, resulta da prova produzida pelos depoimentos prestados pelas testemunhas CC (cf. minutos 00:20:37 a 00:22:59) e DD (cf. minutos 00:06:58 a 00:08:33) na sessão da audiência de julgamento do dia 17.11.2021 que a circunstância de o Veículo se encontrar abrangido por uma ação técnica não implicava, sem mais, a existência de um defeito de fabrico, sendo, pelo contrário, necessário levar a cabo uma análise casuística de determinação da necessidade de substituição do radiador .... V. Semelhante conclusão se pode extrair do conteúdo dos Docs. n.os ... e ... juntos com a petição inicial, nos quais se pode ler “O seu B..., Ldª está abrangido pelas seguintes Ações Técnicas: ...00 – Urgente – Verificar/ Reequipar Radiador ... (…)” (cf. Doc. n.º ...) e “Verificar e, se necessário, trocar o radiador de recirculação dos gases de escape” (cf. Doc. n.º ...). VI. A sanação de contradição acima referida passa pela eliminação do facto n.º 18 do elenco dos factos provados e a sua passagem para o elenco de factos não provados. Nestes termos, e demais de Direito que V. Exas., Venerandos Desembargadores, não deixarão de suprir, deve: a) Ser julgado totalmente improcedente o recurso interposto pela Recorrente e, consequentemente, mantida a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo. Subsidiariamente, b) Ser admitida a ampliação do objeto do presente recurso nos termos requeridos pela Recorrida. * O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo. Mais foi admitida a ampliação do seu objecto feita pela recorrida, nos termos do artigo 636º n.2 do CPC. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. * II. Objecto do recursoNos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso. Assim, será seu objeto: - Saber se é aplicável à situação dos autos o Decreto Lei nº 383/89 de 6.11 (se a autora é considerada consumidor); - saber se os danos invocados pela autora/recorrente são enquadráveis no âmbito desse diploma; - saber se é possível invocar em sede de recurso um novo enquadramento jurídico quanto à responsabilidade invocada na acção e, em caso afirmativo, se se verificam os requisitos para a responsabilidade da ré, agora nos termos do disposto pelo artigo 485º n.2 e 486º, do C.C. * III – Fundamentação fáctica. A factualidade consignada na decisão da 1ª instância alvo da presente apelação e não colocada em causa no recurso, é a seguinte: Factos provados 1- A Autora, no dia 29 de Novembro de 2018, era dona e legítima possuidora do veículo com a matrícula ..-QB-.., número de quadro ..., modelo ... ... – cfr. documento nº ... junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 2- O referido veículo é da marca ..., modelo ... ..., foi fabricado pela B..., Ldª, assim como todos os seus componentes, e comercializado em Portugal pela Autora; 3- O referido veículo QB foi adquirido pela Autora, para satisfazer todas as necessidades de transporte dos colaboradores da Autora, concretamente de AA, para as suas deslocações diárias; 4- O referido AA usava o referido veículo QB todos os dias da semana, para as suas deslocações pessoais e de lazer; 5- No dia 29 de Novembro de 2018, o colaborador da Autora, AA, conduzia o veículo QB pela autoestrada A...5, no sentido ... – ...; 6- A uma velocidade não superior a 80 km/h; 7- O tempo encontrava-se frio (cerca de 8º) húmido, e com precipitação; 8- Sem que nada o fizesse prever, pelas 12h18m, ao chegar ao nó Sul em ..., km 95.5 da A ...5, deflagrou um incêndio no veículo QB, no compartimento do motor; 9- De imediato, o condutor do veículo QB, AA, encostou o veículo à berma do lado direito (atento o sentido que conduzia), e imobilizou o veículo QB; 10- Saiu do referido veículo devido ao fumo na sua parte frontal; 11- Ligou para a linha de socorro 112, que accionou os meios de socorro, e enviaram dois carros do corpo de bombeiros de ... – cfr. documento nº ... junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 12- Antes da chegada dos carros do corpo de bombeiros, o condutor de um veículo pesado que circulava na A...5, ao aperceber-se do que estava a suceder, de imediato imobilizou o seu veículo e auxiliou o condutor do veículo QB; 13- Com a ajuda de dois extintores, que possuía o condutor do veículo pesado, conseguiu controlar o incêndio do veículo QB, atenuando-o e evitando que as chamas se propagassem; 14- Após, chegaram os dois carros do corpo de bombeiros de ..., que extinguiram o incêndio no veículo QB; 15- Como consequência directa e necessária do incidente térmico, o veículo QB ficou danificado na sua parte frontal, nomeadamente, no compartimento do motor – cfr. documentos nºs ..., ... e ... juntos com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 16- O veículo foi retirado do local e enviado para o concessionário de automóveis B..., Ldª, em ...; 17- O veículo QB tinha uma ordem de acção interna n.º ...00, com carácter urgente, para ser recolhido pela B..., Ldª, para verificar o radiador ... e, se necessário, ser trocado; 18- A Ré tinha conhecimento de que o QB tinha o referido defeito e que era urgente a substituição daquele componente; 19- A Ré não contactou a Autora para que fizesse deslocar o BQ para substituir o referido componente; Assente; 20- No dia 12 de Novembro de 2018, o BQ esteve na oficina da Ré a fim de proceder à revisão do veículo, denominada pela Ré “manutenção Standard” – cfr. documento nº ... junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 21- Nessa data não deu conhecimento à Autora da necessidade de verificação e eventual substituição do referido componente; 22- E não procedeu à sua substituição; 23- O sinistro foi participado à concessionaria da Ré – B... car de ... a 5 de Dezembro de 2018, onde foi realizada a última revisão do veículo; 24- Assim como foi participado para a respectiva sede da Ré em Portugal, na mesma data – cfr. documento nº ...0 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 25- No dia 10 de Dezembro de 2018 foi solicitado à Autora, através do seu colaborador AA, que respondesse a um questionário, para preenchimento do formulário de averiguação; 26- Ao qual respondeu no dia 11 de Dezembro de 2018 – cfr. documento nº ...1 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 27- Em 18 de Janeiro de 2019 AA recebeu um e-mail da ..., com o seguinte teor: “Caro Sr. AA, Na sequência do sinistro ocorrido com a V/ viatura, foi efetuada uma análise dos danos pelo ... Técnico da B.... Da análise efetuada constatou-se que a maior concentração de temperatura terá ocorrido no compartimento do motor do lado direito do motor da viatura e, como tal, o foco do incidente térmico terá ocorrido em torno da zona de escape. Caso pretenda um relatório de peritagem, aos danos da viatura, sugerimos que contacte entidades especializadas, presentes no mercado português, na analise desta tipologia de sinistros.” – cfr. documento nº ...2 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 28- No entanto, AA recebeu, a 23 de Agosto de 2019, um e-mail da aqui Ré, com o seguinte teor: “Estimado AA, Acusamos a recepção da comunicação remetida à B..., que mereceu a nossa melhor atenção, aproveitando a oportunidade para o informar que somos responsáveis pelo tratamento e acompanhamento dos processos ocorridos em Portugal. De acordo com a data do primeiro registo do veículo e dos elementos que se lograram apurar junto do Concessionário ..., concluiu-se que o incidente térmico não resultou de uma anomalia na válvula .... Nesse sentido, e não obstante lamentar profundamente o sucedido, não pode a B... assumir qualquer responsabilidade pela situação descrita na comunicação sob resposta. Caso pretenda, poderá realizar a análise técnica ao veículo junto de uma entidade devidamente especializada e independente, sendo da exclusiva responsabilidade do proprietário o transporte e diagnóstico do veículo. Admite-se que tenha uma expectativa de nível elevado sobre o veículo ... e os seus componentes, e compreendemos que a situação descrita na comunicação sob resposta o possa afectar. Contudo, ainda que não desejáveis, são situações que ocasional e lamentavelmente podem ocorrer, sem que tal seja devido a anomalia ou defeito do veículo como produto. Com os melhores cumprimentos, B...” – cfr. documento nº ...3 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 29- A B... dedica-se a actividades de importação, distribuição, comércio, reparação e manutenção de veículos, nomeadamente automóveis e motociclos, incluindo peças e acessórios, bem como outras actividades com estas, directa ou indirectamente, relacionadas ou conexas – cfr. documento nº ... junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 30- No exercício da sua actividade e prossecução do seu objecto social, a B... não fabrica viaturas automóveis; importa-as e vende-as aos seus concessionários, e estes, por sua conta e risco, procedem à venda das mesmas aos seus clientes finais; 31- O veículo ..-QB-.. tem data de primeira matrícula de 20 de Abril de 2012; 32- À data da última operação de manutenção de que tem registo, realizada em 12 de Novembro de 2018, havia percorrido 284.442 quilómetros; 33- Existem veículos da marca ... relativamente aos quais foi detectada a eventual necessidade de substituição do radiador de recirculação de gases de escape (radiador ...); 34- Existem veículos abrangidos por acções técnicas referentes a este componente; 35- O veículo QB esteve abrangido pela acção técnica nº ...00; 36- A circunstância de o veículo ter estado abrangido pela referida acção técnica, não implica, sem mais, a necessidade de substituição do radiador ...; 37- A acção técnica implica a necessidade de verificação e, após análise concreta de cada um dos veículos visados pela acção técnica, a determinação da necessidade, ou não, da substituição daquele componente; 38- Na sequência da reclamação apresentada pela Autora no dia 5 de Dezembro de 2018, a B... contactou o concessionário no sentido de obter informação relativa ao incidente térmico ocorrido no veículo; 39- Após análise de fotografias do veículo, remetidas pelo concessionário, a B... concluiu que o incidente térmico não teve origem no lado do compartimento do motor onde ser encontra o radiador ...; 40- De acordo com as fotografias disponibilizadas à B... pelo concessionário, em particular, ao capot do veículo, foi possível concluir que a maior concentração de temperatura ocorreu do lado direito do motor (lado do escape) – cfr. fotografias juntas como documento n.º ... com a contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 41- O radiador ... encontra-se localizado no lado esquerdo do motor, na zona de admissão; 42- A maior concentração de temperatura ocorreu do lado oposto ao do radiador ...; 43- Não sendo detectados indícios de defeito de fabrico causador do incidente térmico, a B... informou o cliente de que, caso pretendesse uma análise técnica ao veículo, deveria suportar os custos da mesma, junto de um Concessionário da marca ..., ou de uma qualquer outra entidade terceira por si seleccionada; 44- Essa análise técnica não foi pedida a nenhum concessionário da marca ...; 45- Antes da “manutenção standard” realizada no dia 12 de Novembro de 2018, o veículo foi colocado, no dia 11 de Maio de 2018, na oficina do concessionário, também para realização de trabalhos de manutenção; 46- Por ocasião dessa deslocação, a Autora foi informada pelo concessionário de que seria necessário proceder à substituição do filtro de partículas – cfr. ordem de reparação junta com a contestação como documento n.º ... e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 47- Componente cuja vida útil, de aproximadamente 200.000 quilómetros, já havia sido ultrapassada; 48- O concessionário procedeu à orçamentação do respectivo serviço; 49- O filtro de partículas foi substituído noutra oficina; 50- Em consequência do incidente térmico, o veículo ficou no estado retratado nas fotografias juntas aos autos a fls. 15, 16, 53 e 54 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 51- Após a ocorrência do incidente térmico, em 23 de Setembro de 2019, o veículo foi transmitido a EE; 52- A matrícula associada ao veículo não foi cancelada – cfr. fls. 59 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. * Factos não provados (nos quais introduziremos alíneas para melhor percepção)a. Num concessionário oficial da Ré o colaborador AA foi informado que o referido veículo QB tem um defeito a nível do radiador ..., responsável pela recirculação dos gases de escape. b. Que o mau funcionamento desse radiador ... (ou também vulgarmente designado EGR), provoca o o mau funcionamento do módulo de recirculação dos gases de escape. c. E que em casos extremos, devido às fugas de líquido de refrigeração que se acumulam e, quando combinados com sedimentos de óleo e carvão, aquele líquido pode tornar-se combustível. d. E devido às altas temperaturas dos gases de escape naquela unidade, estes depósitos podem inflamar e provocar incêndios em alguns dos motores a gasóleo. e. A Ré tinha conhecimento que o BQ corria o risco de incendiar e causar danos no veículo e nos passageiros e bens transportados. f. A função do radiador ..., de controlar o fluxo dos meios complementares directamente ligados ao sistema de gestão do motor, comprometia, como comprometeu a segurança do condutor do veículo e dos demais utilizadores da via pública. g. O referido defeito no radiador ... comprometeu o bom funcionamento do motor do veículo, e gerou um incêndio no mesmo. h. O defeito de que padecia o radiador ... fez com que, o veículo adquirido pela Autora não oferecesse a segurança com que legitimamente se podia contar. i. Como consequência directa e necessária do defeito que possuía o radiador ... do veículo QB, ocorreu o sinistro referido – incêndio na viatura de matrícula ..-QB-.., ficando completamente danificado e inutilizável. j. A Autora sofreu um prejuízo no valor de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros). k. O QB tinha, à data do sinistro, um valor real e de mercado não inferior a € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros). l. Ficando totalmente destruído e sem qualquer valor económico. * IV. Fundamentação de Direito: Através da presente acção pretende a autora, S... - Soluções de Reabilitação e Construção Unipessoal, Lda., a condenação da ré B..., Ldª, no pagamento àquela de uma indemnização no montante de 24.000,00€, correspondente ao valor do veículo ..., que em consequência directa e necessária de um defeito de fabrico num componente do veículo- radiador ...- se veio a incendiar, ficando totalmente destruído, convocando para tal a responsabilidade da ré pelo defeito do radiador ..., na qualidade de “produtora”, ao abrigo do regime legal estabelecido no D.L. 383/89 de 6 de Novembro (doravante DL 383/89) - (Responsabilidade Decorrente de Produtos Defeituosos). Na sentença recorrida entendeu-se, para além do mais, que não sendo o lesado consumidor e tendo o veiculo sido adquirido com um fim profissional, não lhe é aplicável o DL 383/89, o qual tem por escopo assegurar a adequada protecção ao consumidor. A recorrente insurge-se contra tal entendimento arguindo que o regime da responsabilidade do produtor prevista no D.L.383/89 se aplica à autora, já que o veículo apesar de adquirido por uma sociedade comercial se destinava ao uso pessoal de um colaborador da mesma, sustentando-se no ponto 4. da matéria de facto. Vejamos: A responsabilidade civil do produtor por produtos defeituosos, surge no nosso ordenamento jurídico através do Decreto-Lei n.º 383/89, de 06 de novembro em virtude da transposição da Diretiva n.º 85/374/CEE do Concelho, de 25 de julho de 1985. Este diploma teve como propósito proteger os lesados no âmbito da compra e venda de produtos defeituosos, consagrando o princípio da responsabilidade objetiva do produtor, independentemente de culpa, complementando o direito comum e assegurando desse modo uma maior eficácia na protecção do consumidor (art. 13º n.1 do cit. D.L.). Com efeito, diz o artigo 1º do D.L. 383/89, o seguinte: «O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação.» O facto gerador da responsabilidade objectiva do produtor não é a sua conduta deficiente mas o defeito do produto que põe em circulação[1]. Como se salienta no Ac. R.C. de 27.05.2014, in www.dgsi.pt «A natureza objectiva da responsabilidade do produtor não produz qualquer refracção às regras gerais do ónus da prova: é ao lesado pelo produto defeituoso que tem de provar, além do dano, o defeito – e o nexo causal entre um e outro. A única coisa que o lesado não terá de provar é a culpa ou sequer a ilicitude da conduta do produtor, dado que nem uma nem outra são elementos constitutivos da responsabilidade objectiva que o vulnera o último.» (…) In casu, não resulta contestada a qualidade de “produtor” da ré, pelo que a questão suscitada se centra em aferir o âmbito de aplicação do diploma quanto ao lesado, ou mais concretamente, se este tem que revestir a qualidade de consumidor final, designadamente segundo a definição prevista no art. 2º da Lei 24/96 de 31 de Julho, ou se se aplica também às relações comerciais entre empresários. A decisão recorrida entendeu não aplicar o citado regime, por entender que: «O escopo da Directiva 85/374/CEE não abrange a responsabilidade do produtor pela colocação no mercado de produto defeituoso quando o lesado não é consumidor. Por conseguinte, o Decreto-Lei n.º 383/89 também não abrange relações entre profissionais. Encontramos a definição de consumidor na Lei 24/96 de 31 de Julho, no seu artigo 2º: Aí se define consumidor como “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise obtenção de benefícios.”. No caso em apreço, o veículo da marca ..., modelo ... A, com a matrícula ..-QB-.., chassis número ... foi adquirido por uma sociedade comercial, a aqui Autora, com o propósito de satisfazer todas as necessidades de transporte dos colaboradores da Autora, concretamente de AA, para as suas deslocações diárias. Neste contexto, não nos parece existirem dúvidas de que o veículo foi adquirido com um fim profissional. A aquisição do veículo teve em vista a sua utilização por colaboradores, ou seja, foi o mesmo afeto ao exercício da actividade profissional da empresa. A Autora não tem a qualidade de consumidora. Assim sendo, resulta demonstrada a inaplicabilidade do DL nº 383/89 à aqui Autora.» Esta é também a posição defendida na contestação e nas contra-alegações de recurso pela recorrida que defende que tal regime apenas pode abarcar as pessoas singulares, o que não é o caso da autora, sendo certo que o veículo foi por esta adquirido para ser utilizado pelos seus colaboradores. Desde já adiantamos, que entendemos assistir-lhe razão. Apreciemos: Resulta incontestável que a autora é uma pessoa colectiva, extraindo-se da factualidade provada e, designadamente, dos factos indicados nos pontos 3 a 5 e 8, que o veículo QB (marca ... foi adquirido pela Autora, para satisfazer todas as necessidades de transporte dos seus colaboradores, concretamente de AA, para as suas deslocações diárias; o referido AA usava o referido veículo QB todos os dias da semana, para as suas deslocações pessoais e de lazer; no dia 29 de Novembro de 2018, o colaborador da Autora, AA, conduzia o veículo QB pela autoestrada A...5, no sentido ... – ... quando neste deflagrou um incêndio, no compartimento do motor. Resulta também claro que, independentemente de estarem ou não contemplados no citado regime os danos cujo ressarcimento é peticionado, estes são indiscutivelmente danos materiais – valor do veículo danificado pelo incêndio-. Quanto ao âmbito dos danos ressarcíveis diz-nos o artigo 8º do citado diploma que: «São ressarcíveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino.» Ou seja, o regime previsto apresenta dois âmbitos de aplicação distintos: - por um lado, nos danos pessoais (morte ou lesão corporal) são ressarcíveis todos os danos sejam patrimoniais ou não patrimoniais (artº 496 do Código Civil), sendo a tutela disponibilizada a toda e qualquer pessoa, profissional ou consumidor. - por outro, nos danos materiais (danos causados em coisas), apenas são reparáveis os danos causados em coisa diversa do produto defeituoso e apenas se protege o “consumidor” que o utilizava para uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente esse destino, com dedução de uma franquia de 500,00€ (artigos 8º m. 1 e 9º do DL 383/89). Ou seja, a sua reparação fica na dependência da finalidade atribuída ao produto, utilização fora do âmbito comercial. Como se refere no Ac. R. C de 27.05.2014, in www.dgsi.pt « O contraste entre os danos da morte ou na lesão pessoal e a danificação de coisas revela, no plano subjetivo, esta diferença fundamental: ao passo que no plano danos pessoais a tutela é disponibilizada a qualquer pessoa, ainda que seja um profissional que utiliza o produto no exercício da sua profissão, no domínio dos danos em coisas, apenas se protege o consumidor em sentido estrito, i.e., aquele utilizava a coisa destruída ou danificada pelo produto defeituoso, para um fim privado, pessoal ou doméstico e não para um fim profissional (artº 2 nº 1 da Lei nº 24/96, de 31 de Julho).» Da análise do exposto, resulta evidenciado que o âmbito de protecção da norma se mostra circunscrito apenas ao uso ou consumo privativo, pois como se salienta no Ac. STJ de 13-01-2005[2] «A ratio essendi dessa última estatuição normativa é proteger apenas o consumidor em sentido estrito, ou seja, aquele que utilize a coisa destruída ou determinada pelo produto defeituoso para um fim privado, pessoal, familiar ou doméstico, que não para um fim profissional ou um actividade comercial.» Nessa medida o presente regime especial da responsabilidade do produtor, previsto no DL n.º 383/89, como se salienta no Ac. R.L. de 11.02.2020 in www.dgsi.pt : «apesar de proteger todo e qualquer lesado que tenha sofrido danos com um produto defeituoso, tem, segundo o Acórdão da Relação do Porto de 17/6/2004 (consultado na “internet” em www.dgsi.pt), dois âmbitos de aplicação bastante distintos. Ou seja, apresenta “um para os danos pessoais, aplicando-se a toda e qualquer pessoa, profissional ou consumidor, contratante ou terceiro, outro para os danos materiais, aplicando-se somente aos consumidores, ficando de fora os profissionais ou aqueles que usam o produto no âmbito de uma actividade comercial”. O que significa que este regime não foi somente criado para proteger os consumidores, mas também, os profissionais, quando estejam em causa danos pessoais, como determina o artº 8º do Decreto-Lei nº 383/89, de 6/11, ao preceituar que “são ressarcíveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente esse destino”. Nesta medida, ficam excluídos do círculo de aplicação do regime, quanto aos danos materiais, todos aqueles que tenham adquirido um determinado produto para um fim profissional ou no âmbito de uma actividade comercial e não aqueles que tenham adquirido um produto para um fim privado, pessoal, familiar ou doméstico, como indica o Acórdão do S.T.J. de 13/1/2005 (consultado na “internet” em www.dgsi.pt). Ademais, o Acórdão da Relação de Lisboa de 9/7/2003 (consultado na “internet” em www.dgsi.pt) cita Calvão da Silva (in “Responsabilidade Civil do Produtor”, 1990, pg. 698) para exemplificar que “será coisa de uso privado, um frigorífico utilizado em casa, mas já não, se utilizado numa fábrica ou numa empresa, será coisa de uso privado o automóvel que um empresário utiliza habitualmente na sua vida privada, ainda que, danificado numa ocasional viagem ao serviço da empresa, mas já não o automóvel da empresa, acidentado numa viagem de interesse privado do empresário”.». Em suma, aqui chegados, julgamos evidenciado que o campo de aplicação do regime quanto aos danos materiais pressupõe a aquisição de um produto para um fim privado, pessoal, familiar ou doméstico, ficando excluídos do círculo de aplicação do regime, todos aqueles que tenham adquirido um determinado produto para um fim profissional ou no âmbito de uma actividade comercial. Na senda do que vem exposto, e a propósito do conceito de consumidor, diz-nos o artº 2º da Lei nº 24/96, de 31/7 (Lei de Defesa do Consumidor), que o define, como: “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados ao uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios” . No Dec. Lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro (Direitos do Consumidor na Compra e Venda de bens, Conteúdos e Serviços digitais) que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva (UE) 2019/771, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019 ( o qual revogou o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril), define-se no artigo 2º , alínea g) consumidor como «uma pessoa singular que, no que respeita aos contratos abrangidos pelo presente decreto-lei, atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional» (negrito nosso) Consumidor será assim para efeitos da referida lei qualquer pessoa singular que não destine o bem ou serviço adquirido a um uso profissional ou um profissional (pessoa singular), desde que não actuando no âmbito da sua actividade e desde que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar.[3] A propósito da noção de consumidor e designadamente da prevista no artigo 1ºB al. a) do revogado D.L. 67/2003, de 8 de abril, que estabelecia que a noção de consumidor correspondia à constante da LDC no art. 2.º, n.º1[4]., refere Maria Miguel dos Santos Alves[5] que «De facto, não se pode aceitar que sejam considerados como consumidores as pessoas colectivas. Em primeiro lugar, porque estas actuam no âmbito de uma actividade profissional e económica, pelo que apenas têm capacidade para adquirir bens no âmbito da sua actividade e de acordo com e o seu escopo. Em segundo lugar, porque também resulta da Directiva[6], que serve de base a este diploma, uma noção de consumidor restrita às pessoas singulares, pelo que de acordo com o princípio da interpretação conforme sempre chegaremos à conclusão que consumidor será sempre uma pessoa singular.» Ora, a noção de consumidor prevista na Directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio (artigo 1º n.2 al. a)), veio a ser acolhida nos seus precisos termos ( contrariamente ao que sucedia no DL 67/2003), no D.L. n.º 84/2021, de 18 de Outubro (que transpôs a Diretiva (UE) 2019/771), e que, se bem vemos, no seu artigo 2º al. g)., ao expressamente referir que consumidor é uma pessoa singular que, no que respeita aos contratos abrangidos pelo presente decreto-lei, que atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional, dissipou as dúvidas que antes se podiam colocar quanto à definição de consumidor. Deste modo e em suma, resulta evidenciado, a nosso ver, que o conceito de consumidor se reporta necessariamente a uma pessoa singular, neste não se incluindo em caso algum as pessoas colectivas[7]. Perante o exposto, entendemos que outro não poderá ser o âmbito subjectivo de aplicação do regime previsto no D.L. 383/89 quanto ao lesado, designadamente, e para o que ora interessa, para efeito de ressarcibilidade dos danos materiais decorrentes de produto defeituoso. Em suma, sendo a autora, S... - Soluções de Reabilitação e Construção Unipessoal, Lda., uma sociedade comercial, não lhe é aplicável o regime previsto no D.L. 383/89, sendo certo, para além do mais, que o veículo ... foi adquirido por esta no âmbito da sua actividade e para satisfazer a necessidade de transporte dos seus colaboradores, pelo que parece manifesto que não obstante o uso pessoal que o seu colaborador também lhe conferia, que o destino do bem não pode deixar de se enquadrar fora do uso/consumo privado. Deste modo, a apelação resta votada ao insucesso quanto à aplicação do dito regime, sendo despiciendas quaisquer outras considerações sobre o âmbito dos danos indemnizáveis, por prejudicadas face à inaplicabilidade do dito regime. No recurso vem ainda a apelante sustentar, que ainda que se entenda não se mostrarem verificados os pressupostos para a aplicação do D.L. 383/89, deverá ser considerado que por força do disposto nos artigos 485º e 486º do Código Civil, a ré deve ser responsabilizada por pagar à autora a indemnização peticionada. Considera que as omissões também são fonte de responsabilidade e a ré tinha o dever jurídico de informar a autora que o seu veículo estava abrangido por uma intervenção técnica de caracter urgente para ser verificado o seu radiador ..., de forma a evitar qualquer incidente. Apesar de ter duas oportunidades para comunicar a A. no ano de 2018, e de ter o dever de proceder com diligência e cuidado, a R. deliberadamente não informou a A., agiu com má fé, pois não adoptou todos os comportamentos necessários para evitar uma situação de perigo. Conclui que o art. 486º deve assentar no princípio de que um comportamento que deixa de ser observado quando fosse exigido pelas regras da boa fé que fosse adotado, pode igualmente constituir uma omissão capaz de gerar ressarcimento – é um comportamento contrário às regras da boa fé, e nessa medida a ré deve ser condenada a indemnizar a autora. Nas suas contra-alegações a ré/recorrida insurge-se contra a pretensão da recorrente, desde logo por entender que tal questão agora alegada, constitui uma questão nova (um novo fundamento de responsabilidade), não tendo sido invocada nos articulados da acção pela autora, nem alvo de apreciação pelo tribunal recorrido, e por isso, não pode agora ser suscitada no recurso. Vejamos: É entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, o de que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação e tratamento na decisão recorrida. Pois, de facto, os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, constituindo, o objecto e o conteúdo material da decisão recorrida, o limite do âmbito da intervenção e do julgamento (os poderes de cognição) do tribunal de recurso. Deste modo, no recurso não podem ser suscitadas questões novas que não tenham sido submetidas e constituído objecto específico da decisão do tribunal a quo, donde não pode o tribunal ad quem pronunciar-se e decidir ex novo sobre matéria que não tenha sido objecto da decisão recorrida, salvo quando estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis, como se alcança do disposto nos artigos 627º nº 1, 635º nºs 2 e 3 e 639º nº 1 do CPC. FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA in “Direito Processual Civil”, Vol. II, 2.ª Ed., Almedina, 2019, p. 468. refere: “No nosso sistema processual (no que concerne à apelação e à revista) predomina o «esquema do recurso de reponderação: o objeto do recurso é a decisão impugnada, encontrando-se à partida, vedada a produção de efeitos jurídicos “ex-novo”. Através do recurso, o que se visa é a impugnação de uma decisão já ex ante proferida, que não o julgamento de uma qualquer questão nova.” Por seu turno Rui Pinto “O Recurso Civil. Uma Teoria Geral”, AAFDL, 2017, p. 69, explicita o sistema de reponderação nos seguintes termos: “não se admitem nem novos factos, nem novos fundamentos de ação ou de defesa, nem novas provas. A estes recursos dá-se a qualificação de recursos de reponderação: a decisão impugnada é reavaliada no quadro do seu próprio objeto e em razão dos seus vícios específicos, pelo que o objeto do pedido é na parte da revogação a própria decisão e na substituição a matéria que fora objeto da decisão revogada, tal e qual fora conhecida pelo tribunal a quo.” Importa, não obstante, ter em consideração que o tribunal não está sujeito à alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito quanto à factualidade alegada e provada na acção (art. 5º n.3º CPC). Feitos estes considerandos, reportando-nos à situação dos autos, desde já adiantamos que em nosso entender pese embora se admita estarmos numa situação de fronteira, a arguição efectuada não configura, verdadeiramente, uma questão nova. Expliquemos: Como se evidencia do já exposto, a autora peticiona na acção a condenação da ré numa indemnização destinada a reparar os prejuízos decorrentes do incêndio ocorrido no veículo da autora alegadamente causado por um defeito num componente-radiador ...- desse veículo. Para tal, a autora alegou diversa factualidade atinente às circunstâncias em que assentou o fundamento da responsabilidade da ré, entre as quais e para além do mais, a circunstância de ser do conhecimento da ré B..., Ldª que o veículo da autora tinha uma ordem de acção interna com carácter urgente para ser recolhido pela B..., Ldª para ser verificado o radiador ..., e se necessário ser trocado, como tinha conhecimento que o veículo – devido a defeito no ...- não oferecia segurança e corria o risco de se incendiar e causar danos, nunca tendo, não obstante, informado dessa situação e contactado a autora para que o fizesse deslocar, a fim de, se necessário, substituir tal componente. É certo que a autora convoca a responsabilidade da ré pela reparação dos danos que peticiona, na sua qualidade de “produtora” ao abrigo do regime de responsabilidade decorrente de produtos defeituosos previsto no D.L. n.º 383/89 de 6 de Novembro, a que acima já fizemos alusão. Todavia, o facto de a autora ter apenas convocado na petição o regime de responsabilidade objectiva do produtor (independente de culpa), não conduziu a que o tribunal perante a factualidade alegada e dada como provada e não provada na acção, deixasse de proceder na sentença à análise do respectivo enquadramento também na perspectiva da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (responsabilidade subjectiva), nos termos do disposto pelo artigo 483º do C.Civil, concluindo que também por essa via a acção estava votada ao insucesso por falta de prova dos respectivos pressupostos. Ou seja, o tribunal não se limitou a aferir do enquadramento jurídico da situação no âmbito do regime previsto pelo DL 383/89 convocado pela autora na acção, mas atentando no objecto do litígio[8] e perante a factualidade alegada[9] e que mereceu objecto de discussão na acção, conheceu da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos (responsabilidade extracontratual na qual, como sabemos, facto/conduta tanto pode resultar de uma ação como de uma omissão) e, pese embora não tenha feito alusão aos preceitos que a recorrente indicou no recurso para neste fundamentar a responsabilidade da ré (artigos 485º e 486º do Código Civil), cremos não estar perante uma questão nova cuja apreciação se mostre vedada a este tribunal (exercido que foi o direito ao contraditório sobre a mesma), designadamente porque perante os factos articulados e discutidos na acção (mormente os atinentes à alegada falta de prestação de informação e conduta omissiva na não substituição do componente) e o pedido de reparação de danos por responsabilidade civil da ré – constituindo a causa de pedir o conjunto de factos legalmente exigidos para que surja o direito à indemnização e correspondente obrigação- o enquadramento factual na responsabilidade objetiva do produtor ou, não se verificando os respectivos pressupostos, na responsabilidade comum extracontratual por factos ilícitos, se trata de uma questão de direito, de conhecimento oficioso do tribunal, não sendo a qualificação jurídica feita pelas partes vinculativa para o tribunal (art. 5º n.3 do CPC). Posto isto e aqui chegados, vejamos então: Na sentença recorrida escreveu-se a propósito da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, após algumas considerações sobre a natureza e requisitos da mesma, o seguinte: «Voltando ao caso em apreço, para que se equacionasse a responsabilidade civil da Ré, mostrava-se necessário que a Autora alegasse e lograsse provar que a Ré praticou um facto ilícito, culposo e causador de danos (dos danos peticionados). Ora, tendo presente a factualidade que se apurou, é forçoso concluir que a Autora não demonstrou que o veículo aqui em causa apresentava um defeito de fabrico no radiador ..., como também não demonstrou que o incidente térmico teve origem no aludido componente. Mais uma vez, tendo em conta o factualismo apurado, é forçoso concluir que não se apurou nenhum facto que traduza a culpa da Ré e, de igual modo, não se apurou nenhum facto que traduza o concreto prejuízo alegadamente sofrido. Não se apurou nenhum facto que sustente o pedido de indemnização no valor de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros). Não se mostram, pois, preenchidos os pressupostos legais. Nestes termos, sem necessidade de mais considerações, impõe-se a improcedência da acção.» De facto e como bem refere a recorrente, o disposto pelos artigos 485º e 486º do Código Civil, não se lê isoladamente, mas em conjunto com o artigo 483º do C.C., sendo que no domínio da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos são pressupostos, cumulativos, dessa responsabilidade (que impõe ao lesante a obrigação de indemnizar): a existência de um facto voluntário praticado pelo agente lesante, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, pressupostos esses cujos ónus de alegação e prova impende ao lesado, nos termos do disposto pelo artigo 342ºn. 1, do C.C.. A apelante sustenta que a ré tinha o dever jurídico de a informar que o seu veículo estava abrangido por uma intervenção técnica de carácter urgente para ser verificado o seu radiador ..., considerando que a boa fé subjectiva implica que quem cria uma situação de perigo tenha de adoptar todos os comportamentos necessários para o evitar, pelo que ao ignorar a intervenção técnica pela qual o seu veículo estava abrangido e ao não prestar qualquer informação violou esse dever agindo com negligência e de ma-fé. Vejamos: O artigo 485.º do CC prevê o seguinte: “1. Os simples conselhos, recomendações ou informações não responsabilizam quem os dá, ainda que haja negligência da sua parte. 2. A obrigação de indemnizar existe, porém, quando se tenha assumido a responsabilidade pelos danos, quando havia o dever jurídico de dar o conselho, recomendação ou informação e se tenha procedido com negligência ou intenção de prejudicar, ou quando o procedimento do agente constitua facto punível.» E o art. 486.º do CC, prevê: “As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido.» Reportando à factualidade dada como provada e não provada na acção e que não foi questionada pela apelante, resulta para nós clara a falta de fundamento do alegado, já que concordando com a sentença recorrida não logrou a autora provar qualquer dos requisitos exigíveis para a responsabilização da ré. Na verdade, ainda que em abstracto se considerasse a existência de um dever jurídico de praticar o acto omitido[10], o que a factualidade provada não permite evidenciar como resulta do que ira ser dito infra, sempre se dirá que para a imputação de responsabilidade civil decorrente de informação prestada (ou, no caso, falta desta e da intervenção) sempre seria necessário demonstrar que esta omissão resultou de um facto ilícito culposo[11] e actuou como causa adequada aos prejuízos cuja indemnização se pede[12]. É inquestionável que no dia indicado nos autos deflagrou um incêndio no veículo QB, no compartimento do motor (facto 8.). Mais se mostra apurado (factos 17 a 19) que o veículo QB tinha uma ordem de acção interna n.º ...00, com carácter urgente, para ser recolhido pela B..., Ldª, para verificar o radiador ... e, se necessário, ser trocado (só após análise concreta de cada veículo visado pela acção técnica se verificaria da necessidade de substituição daquele componente- factos 34 a 37), o que era do conhecimento da ré a qual não contactou a Autora para tal efeito. No entanto, compulsados os factos da acção que mereceram resposta de provado e não provado (vide, designadamente, alíneas b) a i) dos factos não provados), linearmente se extrai não se mostrar apurada a existência de defeito de fabrico no radiador ... do veículo e, portanto, muito menos que tenha sido este que foi causa do incidente térmico (incêndio); do mesmo modo, inexiste factualidade provada que sustente que a falta de contacto/informação pela ré à autora da necessidade de intervenção no veículo para aferir da necessidade de substituição do componente – radiador ...- caso se verificasse existir defeito no aludido componente (aliás não provado que o mesmo fosse causa potencial de incêndio do veículo ou que colocasse em causa a sua segurança, como se verifica das alíneas b) a h)) se mostre causa adequada do evento, para além de que se mostra indemonstrada a existência de dano (prejuízos) da autora (facto não provado nas alíneas j) a l)), o que, sem necessidade de outros considerandos, não poderia deixar de conduzir à decisão proferida pelo tribunal a quo quanto à falta de prova dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos e consequente absolvição da ré. A decisão é assim de manter. Em suma, nenhum dos fundamentos invocados na apelação encontra acolhimento, razão pela qual o recurso improcede, o que em consequência, acarreta o não conhecimento da ampliação subsidiária do objecto do recurso feita pela recorrida, nos termos do artigo 636º n.2 do CPC. V- Decisão: Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida. Custas da apelação a suportar pela apelante. Guimarães, 15 de Dezembro, de 2022 Elisabete Coelho de Moura Alves (Relatora) Fernanda Proença Fernandes Anizabel Sousa Pereira
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