Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4527/21.2T8VNF-E.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO INDISPONÍVEL
ALTERAÇÃO POSTERIOR DO RENDIMENTO DO INSOLVENTE
AUSÊNCIA DE RENDIMENTO
MODO DE CÁLCULO
SUSTENTO MINIMAMENTE DIGNO DO DEVEDOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
A entrega ao fiduciário do valor disponível não pode sacrificar o sustento minimamente digno do devedor consagrado no art.º 239º, n.º 3, b), i), CIRE.
A ponderação desse dever deve orientar-se pelo respeito do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no seu art.º 1º da Constituição da República Portuguesa, bem como pela aplicação do princípio da igualdade que obriga a tratar de forma diferente situações diferentes, nomeadamente da igualdade na dignidade social consagrado no art.º 13º, n.º 1 da mesma.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I RELATÓRIO (com consulta eletrónica dos autos principais).
 
Nos presentes autos foi declarado insolvente por decisão de 12/11/2021, transitada em julgado, AA.
Na apresentação à insolvência, o insolvente requereu a exoneração do passivo restante.
O Administrador da insolvência nada opôs.
Foi proferido despacho inicial em 14/02/2022 que decidiu pela admissão do pedido de exoneração do passivo restante e fixou em 1 salário mínimo nacional, o montante necessário ao sustento digno para o insolvente.

Teve como factos assentes que:
“1) O insolvente é divorciado.
2) Vive de favor em casa do seu filho.
3) Encontra-se desempregado, não auferindo qualquer rendimento.”
Por decisão de 8/06/2022 o processo foi encerrado.
Em 5/01/2023 o fiduciário veio apresentar o relatório anual -1º ano –referindo que o insolvente nada entregou e não tem qualquer rendimento.
Em 24/01/2024 o fiduciário veio apresentar o relatório anual -2º ano, de fevereiro 2023 a janeiro de 2024- referindo que o insolvente nada entregou. Diz, além do mais, que:
“. o devedor insolvente exerceu funções como “Agricultor” na empresa EMP01..., Unipessoal Lda., auferindo de vencimento base o valor de 760,00€/mensais, acrescido de subsídio de refeição, subsídios de férias e natal em duodécimos, ajudas de custo, e sujeito aos impostos legais;
 analisados os recibos de vencimento do devedor insolvente, constata-se que em diversos meses este auferiu de rendimento mensal valores superiores ao valor do rendimento mensal fixado, nomeadamente, o valor de 1.763,90€, não tendo procedido à entrega de qualquer quantia para a fidúcia, cfr. doc. n.º ...;
 neste seguimento, o signatário procedeu à notificação, via correio eletrónico, do mandatário do insolvente, para a reposição dos valores em dívida, cfr. doc. n.º ...;
 atualmente, o devedor insolvente encontra-se desempregado;
 não houve alterações ao agregado familiar.”
Juntou o seguinte mapa:
Em 12/2/2024 o insolvente apresentou requerimento em que defendeu nada dever, mediante a aplicação do critério anual.
O AI/fiduciário disse nada ter a opor.

Foi proferido o seguinte despacho:
“Req de 24-1 e 12-2: Notifique pessoalmente o insolvente para entregar a quantia em falta à fidúcia, sob pena de cessação da exoneração do passivo.
Na verdade, o artigo 239º, nº4, c) CIRE é perentório: “Durante o período de cessão o devedor fica ainda obrigado a entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão”. Não é, assim, no final de cada ano de cessão que se apura a média dos rendimentos, posição que não tem qualquer amparo legal.”
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Inconformado, veio o insolvente interpor recurso apresentando alegações com as seguintes
-CONCLUSÕES- (que se reproduzem)

“I. Por despacho no competente processo de insolvência, foi determinado como rendimento a ceder ao fiduciário o auferido acima do salário mínimo nacional
II. Sendo que, o processo de insolvência, visa sobretudo a reabilitação financeira do insolvente e a sua reeducação económica, sendo neste contexto que surge o instituto de exoneração do passivo restante.
III. Neste seguimento, e de acordo com as finalidades deste instituto e do processo de insolvência, o insolvente deve ceder todos os valores auferidos que excedam o montante definido pelo tribunal como necessário a uma subsistência condigna.
IV. Privilegiando-se o cumprimento das obrigações creditórios, mas nunca em detrimento
do princípio da dignidade humana e do direito a um sustento condigno.
V. Sucede que, terminado o segundo ano de cessão, e remetidas ao fiduciário todas as informações relativas a esse período – em pleno cumprimento das obrigações que incumbem ao insolvente – veio este notificado do relatório do fiduciário que conclui pelo dever de cessão de rendimentos no montante de €1.763.90, decisão reconhecida pelo tribunal pese embora o requerimento apresentado pelo insolvente.
VI. Sendo que, maioritariamente o insolvente, esteve desempregado tendo auferido somente de maio de 2023 a setembro do mesmo ano alguns rendimentos, ainda que acima do salário mínimo.
VII. O certo é que, o excesso nesses meses recebido, servem para compensar os meses em que não auferiu qualquer rendimento, equilibrando assim as contas da família.
VIII. Ora, tem entendido alguma jurisprudência que a redação do art. 239.º, n.º 4, al c) do CIRE – “imediatamente” – é incompatível com a pretensão de que o valor dos rendimentos a ceder deverá se analisado numa perspetiva anual, uma vez que esta pressupõe uma entrega imediata do rendimento objeto de cessão.
IX. Não obstante se assuma que o insolvente tem a obrigação de entregar imediatamente tudo quanto for objeto de cessão, o teor da norma não permite concluir nem por um cálculo efetuado tendo por referência o rendimento anual, nem tão pouco mensal.
X. Pelo contrário, apenas permite concluir com certeza pela preocupação acrescida em garantir que o insolvente, ainda que seja obrigado a ceder parte do seu rendimento, dispõe de meios económicos necessários à satisfação das suas necessidades elementares, motivo pelo qual incumbe aos tribunais a determinação do rendimento indisponível face às concretas circunstâncias do insolvente, dentro dos limites balizados pelo art. 239.º, n.º 3, al. b) i) do CIRE, em plena consagração do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
XI. Considera, pois, a recorrente que da entrega imediata dos rendimentos objeto de cessão não decorre a presunção de que tudo o que exceda mensalmente o montante definido pelo tribunal deve ser entregue ao fiduciário, decorre sim, única e plenamente, a obrigação de entrega imediata dos rendimentos sejam eles apurados anual ou mensalmente.
XII. Na verdade, de acordo com as finalidades do processo de insolvência (reeducação do insolvente), só uma perspetiva anual dos rendimentos permitirá ao visado uma boa gestão das suas finanças, poupando nos meses em que mais recebe e menos tem que despender para compensar os meses em que menos recebe e mais tem que despender, até porque as despesas não se caracterizam por estanques, existindo as que se repetem mensalmente e as outras, que porque extraordinárias, obrigam a uma gestão numa perspetiva global e não mensal.
XIII. A interpretação efetuada pelo tribunal que obriga à cedência de todos valores que, mensalmente considerados, ultrapassem o limite estabelecido, além de incongruente com o montante fixado pelo próprio é geradora de situações de desigualdade e debilidade na esfera financeira própria da insolvente – não despindo a veste de órgão de soberania para se colocar na posição do cidadão que luta diariamente para garantir a subsistência daqueles que tem a seu cargo.
XIV. Um tal entendimento, incompatível com as finalidades do processo de insolvência, implica na prática que a insolvente reste à mercê da sorte do que auferir todos os meses, e in casu, resulta na violação daquele que é o rendimento indisponível da recorrente, com perda efetiva de poder económico para fazer face às despesas do seu agregado.
XV. Pelo que não se pode concordar com o período de referência mensal, antes sim anual, posição que já tem sido a ser perfilhada nos tribunais superiores – veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22.09.2020 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 17.01.2019.
XVI. Na senda do aí perfilhado, a obrigação de cessão apenas existiria quando ultrapassado o valor fixado pelo tribunal como rendimento indisponível anualmente considerado, à laia do que sucede com o apuramento dos impostos sobre os rendimentos.
XVII. Note-se que o entendimento sufragado pela recorrente não colide em momento algum com o dever de entrega imediata do rendimento objeto de cessão consagrado no art. 239.º, n.º 4, al. c) do CIRE, pois que tal obrigação apenas surgirá aquando da transposição do rendimento definido na sua conceção anual.
XVIII. Assim, interpretar os arts. 239.º, n.º 3, al. b) i) e 239.º, n.º 4, al.) c do CIRE no sentido de obrigar o insolvente a ceder parte do seu rendimento sob uma forma de cálculo que considera o rendimento indisponível numa cadência mensal, e não na análise do rendimento anual, é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1.º da CRP), da igualdade (art. 13.º da CRP), e da proporcionalidade (art. 18.º da CRP), na medida em que tal interpretação resulta na violação do rendimento indisponível fixado pelo Tribunal, colocando em causa a sobrevivência condigna do insolvente, e bem assim, exige cessão de rendimentos distintos de insolventes que se encontram na mesma posição de circunstâncias, resultando a diferença de tratamento apenas da fórmula de cálculo utilizada, independentemente de se tratarem de situações factualmente idênticas.
39. Pelo exposto, deverão V. Exas. revogar o despacho ora recorrido, substituindo-o, porque violador dos arts. 239.º, n.º 3, al. b) i) e 239.º, n.º 4 do CIRE, e dos arts. 1.º, 13.º
e 18.º da CRP.»”

Pede que o recurso seja julgado procedente e, consequentemente, seja revogada a decisão recorrida, substituindo-se a mesma por outra que reconheça que os cálculos no período de cessão sejam anuais e não mensais.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foi atribuído ao recurso o valor de € 30.000,01.
O recurso foi admitido como apelação com subida imediata, em separado, e efeito devolutivo, o que foi confirmado por este Tribunal.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.

Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir se:
-o rendimento disponível deve ser calculado mensalmente ou anualmente, nomeadamente no caso concreto. 
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III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A factualidade a considerar é a que consta do relatório supra.
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IV O MÉRITO DO RECURSO.

O processo de insolvência é tido como um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores ou pela forma prevista num plano de insolvência, ou, quando este se não se mostre possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores –artº. 1º do DL nº. 53/2004 de 18/3 com as respetivas alterações (CIRE).
O CIRE prevê medidas excecionais de proteção do devedor pessoal singular, sendo uma delas e a que está refletida na decisão sob recurso a exoneração do passivo restante.
Sendo o devedor pessoa singular, após o seu património ter sido liquidado para pagamento aos credores, ou decorridos cinco anos após o encerramento do processo (período da cessão), as obrigações que, apesar dessa liquidação ou após o decurso do dito prazo, não puderem ser satisfeitas, em lugar de subsistirem, são tidas como extintas –artº. 235º do CIRE. Desse modo o devedor não fica vinculado até que fosse atingido limite do prazo de prescrição, o qual no máximo pode chegar aos vinte anos (artº. 309º do C.C.).
Visa-se possibilitar ao insolvente uma nova vida económica, sem dívidas que subsistam. Neste âmbito já estamos numa medida de proteção ao insolvente, e fora do contexto de satisfação dos interesses dos seus credores.
Aquele período de cinco anos foi reduzido para três por força da alteração operada no CIRE pela Lei nº. 9/2022 de 11/01, e nos processos de insolvência de pessoas singulares pendentes à data de entrada em vigor da presente lei, nos quais haja sido liminarmente deferido o pedido de exoneração do passivo restante e cujo período de cessão de rendimento disponível em curso já tenha completado três anos à data de entrada em vigor da presente lei, considera-se findo o referido período com a entrada em vigor da presente lei (artº. 10º que dispõe quanto ao regime transitório da lei).
Esta medida foi concedida ao recorrente.
Nesse período, o insolvente tem entregar ao fiduciário, para satisfação dos direitos dos credores e encargos do processo, o seu rendimento disponível, integrado por todos os recursos patrimoniais que aufira, a qualquer título, exceto os créditos previstos que tenham sido cedidos a terceiro e o que seja razoavelmente necessário para o sustento do devedor e do seu agregado familiar, com o limite do triplo da remuneração mínima mensal garantida, para o exercício da sua atividade profissional e para outras despesas que, a requerimento do devedor, venham a ser consideradas pelo juiz, no próprio despacho inicial ou em momento ulterior (artigo 239º do CIRE). Nesse contexto, cabe ao juiz, logo no despacho inicial, definir “o que seja razoavelmente necessário para um sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar”. É um conceito aberto, que procede do reconhecimento do princípio da dignidade humana, de sagração constitucional (artigo 1º), a partir do qual se afere o montante pecuniário indispensável a uma existência condigna, a avaliar face às particularidades da concreta situação do devedor, numa efetiva ponderação casuística do quantitativo excluído da cessão dos rendimentos disponíveis –cfr. Ac. da Rel. do Porto de 22/5/2019 (wwwdgsi.pt).
Não obstante a indeterminação do conceito, o legislador dá uma orientação: o valor fixado não deve exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional –cfr. artº. 239º, nº. 3, CIRE (…).
Portanto, por um lado o rendimento disponível é o montante a ceder ao fiduciário; o rendimento indisponível é o montante que se reserva para o insolvente e seu agregado familiar poderem ter uma vida condigna. E o que se deve fixar é o montante indisponível, já que o disponível é tudo o resto.
No caso dos autos foi fixado como rendimento indisponível precisamente quantia equivalente a uma retribuição mínima mensal garantida; não é isso que está em causa, já que o respetivo despacho transitou, mas antes o modo de cálculo.
Ora, sucede que também quanto ao modo de cálculo –concretamente se mensal ou anual-, questão trazida a este recurso, a relatora do presente acórdão já tomou posição – acórdão proferido em 13/7/2022, proferido no processo n.º 6299/19.1T8VNF.G1, secundando um outro -3028/17.8T8GMR-F.G1, aí citado, na esteira da posição do Ac. do STJ de 9/3/2021 (relator José Rainho, www.dgsi.pt).
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Isto posto, verificamos uma evolução da jurisprudência, nomeadamente desta Relação e seção, no sentido de flexibilizar este critério. O Ac. de 1/02/2024 (processo n.º 6360/20.0T8VNF-C.G1, www.dgsi.pt) dá conta das várias decisões proferidas, sendo que esse mesmo acórdão tem um voto de vencido exatamente no sentido daquilo que perfilhamos e expusemos supra. Por isso se constata que, não obstante, não há ainda unanimidade na apreciação da questão.
Entendemos também nós que há casos em que a interpretação rígida que propugnamos pode conduzir a resultados que não são aqueles que se esperavam quando foi proferida a decisão de fixação do valor indisponível.
E passemos de imediato ao caso concreto.
Quando a decisão foi proferida o insolvente encontrava-se desempregado, portanto não havia qualquer valor de referência quanto a um salário auferido ou expectável.
Sucede que a situação alterou-se no 2º ano de cessão, aqui em causa, mas alterou-se apenas por um período de 5 meses do ano. Destaque-se ainda o facto de se ter como assente que o vencimento base do insolvente é de facto no valor de 760,00€/mensais – o que foi fixado como indisponível, no que respeita ao período aqui em causa, e com exceção do mês de janeiro de 2024 face à subida do salário mínimo nacional -, resultando o acréscimo a esse valor da soma de refeição, subsídios de férias e natal em duodécimos, ajudas de custo, subtraídos que foram os impostos legais.
Estamos por isso perante uma situação limite em que o insolvente durante 7 meses do ano não obteve qualquer rendimento, tal como nada aufere à data da apresentação do relatório anual.
Nesta particular situação, que nem estava cogitada quando foi proferido o despacho liminar, nem se trata de um caso para o qual a norma foi pensada, há que fazer uma adaptação.
De facto, nem se trata de um caso de rendimentos irregulares ou incertos, em que em determinados meses o rendimento é superior, noutros inferior ao valor fixado no despacho liminar, em que a jurisprudência tem vindo a ponderar a possibilidade de se fazerem acertos anuais.
Não se trata sequer de alterar o critério mensal como orientação. Trata-se apenas de filtrar esse dever pelo respeito do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no seu art.º 1º da Constituição da República Portuguesa, bem como pela aplicação do princípio da igualdade que obriga a tratar de forma diferente situações diferentes, nomeadamente da igualdade na dignidade social consagrado no art.º 13º, n.º 1 da mesma.
Estamos perante uma situação em que o sustento do insolvente, a sua dignidade, podem estar em causa caso se determine a entrega do valor de € 1.763,90.
Por esse motivo, salvaguardado que fica, nos meses em que obteve rendimento, o valor de € 760,00 de vencimento, o mais auferido deve igualmente destinar-se a permitir ao insolvente suportar algumas das suas despesas; aliás, nada sabemos sobre os recursos do agregado que integra, com o seu filho.
Assim, porque a mera aplicação da norma com esse resultado, poderia violar princípios consagrados constitucionalmente, entende-se admitir outra leitura no caso concreto, que os salvaguarde, pois que terá de se ter como facto notório (art.º 5º, nº. 2, c), C.P.C. ex vi art.º 17º, n.º 1, CIRE) que, neste particular caso, o valor em causa é necessário ao sustento minimamente digno do devedor (cfr. o interesse defendido/consagrado no art.º 239º, n.º 3, b), i), CIRE), que não pode ser sacrificado.
Por tudo o exposto deve proceder o presente recurso de apelação.
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Não havendo vencido, as custas serão a cargo do recorrente por ter obtido proveito, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário (artº. 527º, nº. 1, C.P.C.).
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V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, concedem provimento à apelação e revogam o despacho recorrido, considerando que o insolvente nada deve entregar ao Sr. fiduciário no que respeita ao 2º ano de cessão.
Custas serão a cargo do recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário (artº. 527º, nº. 1, C.P.C.).
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Guimarães, 29 de maio de 2024.
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Os Juízes Desembargadores

Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Alexandra Viana Lopes
2º Adjunto: José Carlos Pereira Duarte
(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)