Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5054/21.3T8VNF.2.G1
Relator: FRANCISCO SOUSA PEREIRA
Descritores: AÇÃO EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
INCAPACIDADE
AGRAVAMENTO DA LESÃO
REVISÃO DA INCAPACIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
O sinistrado ou o responsável pela reparação do acidente podem requerer a revisão da incapacidade uma vez em cada ano civil, nos termos do art. 70.º n.º 3 da LAT, independentemente do tempo decorrido desde a data da sentença (ou da data do seu trânsito em julgado) que decidiu um anterior pedido de revisão.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

Por requerimento de 07.12.2024 (dirigido ao processo especial emergente de acidente de trabalho n.º 5054/21....), AA, melhor identificado nos autos e na qualidade de sinistrado, veio deduzir incidente de revisão da incapacidade, contra a seguradora EMP01... - Companhia de Seguros, S. A., alegando o agravamento de lesão que deu origem à reparação e requerendo que, a final, seja fixada “a data da consolidação médico-legal das lesões, uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) superior à até então fixada e uma Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) de acordo com o período que vier a ser determinado.
Em consequência, requer a V. Exa. que seja a Entidade Responsável condenada no pagamento da pensão que vier a ser fixada a título de IPP, bem como no pagamento de indemnização a título de ITA, ambos acrescidos de juros à taxa legal desde a data do pedido de revisão até efetivo e integral pagamento.”
Juntou relatório pericial de avaliação do dano corporal.

O Tribunal recorrido proferiu então a seguinte decisão:
Através do requerimento datado de 07.12.2024, veio o sinistrado AA requerer a revisão da incapacidade fixada.
Acontece que, por sentença proferida em 16.01.2024, foi julgado procedente o pedido de revisão da pensão efectuado pelo sinistrado em 09.02.2023.
*
Nos termos do disposto no artigo 70.º da Lei 98/09, de 4 de Setembro, quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações poderem ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.
Esta revisão pode ser requerida pelo sinistrado ou pelo responsável uma vez em cada ano civil (nºs 2 e 3).
Para efeitos de revisão, temos que a data da fixação da pensão revista corresponde à data do trânsito em julgado da sentença que a fixou, no caso, o dia 01.02.2024.
Assim, no decurso deste ano civil (2024) não pode o sinistrado requerer a revisão da IPP fixada.
Em face do agora exposto, indefiro a requerida revisão da incapacidade.

Inconformado com esta decisão, dela veio o autor/sinistrado interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam, mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):

“A) O douto despacho recorrido considerou o dia 01-02-2024 (data do trânsito em julgado da sentença que julgou procedente o último pedido de revisão de incapacidade apresentado pelo Recorrente em 09-02-2023) para aferir da legitimidade e tempestividade do Recorrente para deduzir o presente pedido de revisão em 06-12-2024.
B) O tribunal a quo deveria ter considerado o dia em que foi deduzido o último pedido de revisão para aferir da legitimidade e tempestividade do Recorrente (dia 09-02-2023), independentemente da data em que foi decidido tal pedido (dia 16-01-2024) e da data em que essa decisão transitou em julgado (01-02-2024).
C) De acordo com o disposto no nº 3 do artigo 70º da LAT a “revisão pode ser requerida uma vez em cada ano civil” [sublinhado e negrito nossos] e, tendo o último pedido de revisão do Recorrente sido apresentado em 09-02-2023, nada o impede de apresentar outro pedido de revisão em 06-12-2024, isto porque são anos civis diferentes.
D) Do no nº 3 do artigo 70º da LAT não resulta a limitação temporal preconizada pelo tribunal a quo, sendo a única limitação prevista pelo legislador a que de a revisão (apenas) pode ser requerida uma vez em cada ano civil, o que o Recorrente cumpriu,
E) pelo que o entendimento do tribunal recorrido não tem o mínimo de correspondência verbal na letra da lei, não podendo ser considerado ao abrigo do disposto do nº 2 do artigo 9º do Código Civil.
F) Neste sentido, veja-se o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 28-05-2015 no âmbito do processo 806/11.5TTBRG.G1: “A lei (n.º 3 do art.º 70.º da LAT) limita apenas o número de vezes em que o requerimento de revisão das prestações pode ser efetuado em cada ano civil (de 01.01 a 31.12). A data em que o sinistrado ou a entidade responsável pela reparação do acidente pode requerer a revisão das prestações, depende do momento em que se verifica a alteração para melhor ou para pior da incapacidade permanente anteriormente atribuída ao sinistrado. O número de vezes que o pode fazer é o de uma vez por cada ano civil. Se por absurdo o sinistrado ou o responsável efetuarem um requerimento de revisão das prestações em 31 dezembro e em 01 de janeiro do ano seguinte, implica que durante este último ano não pode ser renovado o pedido de revisão, face ao limite prescrito no n.º 3 do art.º 70.º da LAT” [sublinhado e negrito nossos].
G) Vide também o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 11-05- 2015 no âmbito do processo 1529/12.3TTPRT-A.P1: – “O art. 70º, nº 3, da Lei 98/2009 apenas introduz uma única limitação à dedução do pedido de revisão, qual seja a de esta ser requerida (apenas) uma vez em cada ano civil, nele não se impedindo que o seja no próprio ano em que é fixada a pensão, nem nele se impõe que decorra um período mínimo de tempo entre esta data e a do pedido de revisão” [sublinhado e negrito nossos].
H) O douto despacho recorrido violou o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, uma vez que impede o Recorrente de aceder ao direito e aos tribunais para defender os seus direitos e interesses legalmente protegidos, designadamente o seu direito à integridade pessoal, o seu direito à proteção da sua saúde e dever de a defender e promover e o seu direito à (justa) reparação de danos emergentes de acidente de trabalho, em manifesta violação do consagrado nos artigos 20º, 25º, 64º e 59º nº 1 alínea f) da CRP, 283º nº 1 do CT e 1º nº 1, 2º e 70º nº 3 da LAT.
I) O douto despacho recorrido deverá ser revogado e substituído por um outro que admita o requerimento de revisão apresentado em 06-12-2024, com as legais consequências, só assim se fazendo JUSTIÇA!”

Não foram apresentadas contra-alegações.
           
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da procedência do recurso.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 640.º, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enuncia-se então a questão que cumpre apreciar:

a) Saber se para aferir da tempestividade para deduzir o pedido de revisão é relevante a data do trânsito em julgado da sentença que julgou o último pedido de revisão de incapacidade apresentado pelo sinistrado ou, ao invés, a data em que foi deduzido o último pedido de revisão (independentemente da data em que foi decidido tal pedido, ou do seu trânsito).

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a decisão da causa são os que resultam do relatório supra.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Os art.s 145.º e ss do CPT (Código de Processo do Trabalho) regulam os requisitos a que deve obedecer o respectivo requerimento e a tramitação em juízo do incidente de revisão da incapacidade.
Já o art. 70.º da LAT (Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais), sob a epígrafe Revisão estabelece que: “1 - Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada. 2 - A revisão pode ser efectuada a requerimento do sinistrado ou do responsável pelo pagamento. 3 - A revisão pode ser requerida uma vez em cada ano civil.” (realçamos)
A propósito da interpretação deste n.º 3 do art. 70.º da LAT (ou melhor, do n.º 2 do art. 25.º da Lei 100/97 de 13.9, mas cuja redacção era, para o que interessa apurar, semelhante à daquele actual n.º 3 – “2 - A revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.”) já se pronunciou esta Relação, por Ac. de 28-05-2015, de cujo Sumário consta: “O sinistrado ou o responsável pela reparação do acidente podem requerer a revisão das prestações uma vez em cada ano civil, desde que aleguem factos que se enquadrem em algum dos pressupostos referidos no art.º 70.º n.º 1 da LAT, independentemente do tempo decorrido desde a data da última fixação das prestações.[1]
Da mesma altura e no mesmo sentido, Ac. RP de 11-05-2015, constando também do respectivo Sumário: “O art. 70º, nº 3, da Lei 98/2009 apenas introduz uma única limitação à dedução do pedido de revisão, qual seja a de esta ser requerida (apenas) uma vez em cada ano civil, nele não se impedindo que o seja no próprio ano em que é fixada a pensão, nem nele se impõe que decorra um período mínimo de tempo entre esta data e a do pedido de revisão.”[2] (também realces nossos)
Na fundamentação deste acórdão faz-se uma resenha histórica da origem do preceito, aí se consignando nomeadamente:
Salvo o devido respeito, entendemos que a interpretação correcta do normativo legal em causa é a de que a revisão pode ser requerida, nos dois primeiros anos, uma vez em cada um dois seis meses seguintes ao da fixação das prestações, sem necessidade de deixar decorrer seis meses sobre a data da anterior fixação das prestações. É esse o sentido que naturalmente decorre do elemento literal da norma e que o elemento histórico confirma. Com efeito, comparando o teor do n.º 2 do art. 25.º da Lei n.º 100/97, que é igual ao teor do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2.127, com o teor do art. 24.º da Lei n.º 1.942, de 27/7/36, não podemos deixar de concluir que o legislador quis alterar, com a Lei n.º 2.127, o regime anteriormente consagrado na Lei n.º 1.942 que no seu art. 24.º admitia a revisão das pensões “durante o prazo de cinco anos, a contar da data da homologação do acordo ou do trânsito em julgado da sentença, (...) desde que, sobre a data da fixação da pensão ou da última revisão, tenham decorrido seis meses pelo menos.”
Como refere Carlos Alegre (Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Almedina, 2.ª edição, pág. 128 e 129) a Base XXII introduzira, deliberadamente, uma redacção que afastava, por completo, qualquer interpretação que se assemelhasse à condição imposta no preceito da lei anterior e o art. 25.º, n.º 2, da lei actual não pretendeu coisa diferente. A razão de ser deste novo posicionamento do legislador (continua aquele autor) surge da verificação da experiência médica quotidiana de que os agravamentos como as melhorias têm uma maior incidência nos primeiros tempos. Porém, é do conhecimento comum, que o legislador não podia ignorar, que tais alterações no estado de saúde dos sinistrados não esperam o decurso de seis meses ou de um ano, após a última eclosão, para ocorrerem Acontecem quando calha e o legislador apenas para impor alguma ordem e evitar eventuais abusos decidiu dividir o largo período de dez anos em quatro semestres e oito anos, dentro de cada um dos quais é lícito requerer a revisão.
A favor da interpretação perfilhada, diz Carlos Alegre, milita ainda o argumento literal que resulta da comparação do n.º 2 com o n.º 3 do art. 25. da Lei n.º 100/97 (como antes acontecia com os n.ºs 2 e 3 da Base XXII da Lei n.º 2.127), uma vez que no primeiro se diz “uma vez por ano” e no segundo (relativo às doenças profissionais de carácter evolutivo) se diz que a revisão pode ser requerida a qualquer tempo, mas nos dois primeiros anos só poderá ser requerida “uma vez no fim de cada ano” (sublinhado nosso).
Deste modo, tal como Carlos Alegre, entendemos que o único entendimento possível é o que permite requerer a revisão uma vez cada seis meses ou um ano, sem que tais prazos tenham como limite antecedente a última fixação ou alteração da pensão. Em nossa opinião, é possível requerer a revisão da pensão cinco dias ou cinco meses depois da sua inicial fixação ou da última revisão.
No mesmo sentido, vide Cruz de Carvalho, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Petrony, 1980, pág. 100.
           
Afigura-se-nos que este é o entendimento correcto.
Em primeiro lugar, é a interpretação que melhor se coaduna com a letra da lei, ponto de partida de toda a interpretação: a revisão pode ser requerida uma vez em cada ano civil. – cf. art. 9.º/2/3 do Código Civil.
E a história do preceito – o elemento histórico com guarida no n.º 1 do mesmo artigo – supra evidenciada na citação da fundamentação do acórdão referido em segundo lugar, milita igualmente no sentido aí apontado, pois que a partir da entrada em vigor da Lei 2127, de 03.08.1965 - que na Base XXII/2 previa que “2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos” – houve uma clara inflexão no modo de contagem do prazo para deduzir o incidente de revisão, pois que até então, nos termos, bem diversos, do art. 24.º da Lei n.º 1942, previa-se que “Qualquer interessado pode [podia] requerer a revisão (…) desde que, sobre a data da fixação da pensão ou da última revisão, tenham decorrido seis meses, pelo menos”.
E, salvo melhor entendimento, nem o elemento teleológico é mais abonatório da tese perfilhada no despacho recorrido. Com efeito, se pode defender-se que a estipulação do decurso de um período mínimo desde a decisão de fixação inicial da pensão e/ou da decisão da última revisão se justifica por durante tal período não ser expectável ocorrer uma alteração de capacidade digna de tutela, também é, quiçá com mais propriedade, defensável que o legislador quis, com aquela mudança na lei, garantir que o sinistrado (ou a entidade responsável) possa, sempre e independentemente das possíveis delongas de um anterior incidente de revisão, requerer uma nova avaliação do seu estado uma vez por ano.

No caso presente o sinistrado havia efectuado um pedido de revisão da incapacidade em 09.02.2023 (conquanto a respectiva sentença tenha sido proferida em 16.01.2024, transitada em julgado em 01.02.2024), tendo vindo a deduzir novo incidente de revisão da incapacidade em 07.12.2024. Em outro ano civil, pois.
Assim, e não tendo sido suscitada qualquer outra questão, o despacho recorrido não pode subsistir, merecendo provimento o recurso.
           
V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, devendo o Tribunal recorrido proferir despacho que admita o deduzido incidente de revisão da incapacidade.
Sem custas.
Notifique.
Guimarães, 02 de Abril de 2025

Francisco Sousa Pereira (relator)
Antero Veiga
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso


[1] Ac. RG de 28-05-2015, Proc. 806/11.5TTBRG.G1, Moisés Silva, www.dgsi.pt
[2] Proc. 1529/12.3TTPRT-A.P1, Paula Leal de Carvalho, www.dgsi.pt ; sufragando idêntico entendimento, pode ver-se por ex. Ac. RP de 10.5.2004, Sousa Peixoto, in CJ, Tomo III, págs. 225 e ss