Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
359/21.6T8PRG.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
REQUISITOS
ALEGAÇÃO E PROVA
DOENÇA SÚBITA DE MANDATÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I Para que uma cirurgia oral a que foi submetido o mandatário de uma das partes, no dia anterior ao da realização da audiência de julgamento, e impeditiva do exercício da prática profissional por um período de 5 dias, conforme requerimento e atestado médico juntos no próprio dia, dê lugar ao adiamento da audiência por justo impedimento, é necessário que sejam alegadas as circunstâncias que rodearam o acontecimento que se diz no requerimento ter tido carater de urgência.
II A falta de alegação e prova dessas circunstâncias impede de se considerar que estamos perante uma situação imprevista e por isso impeditiva da adoção das medidas necessárias a evitar o adiamento; sequer que o ilustre mandatário não pudesse ter diligenciado por subestabelecer.
III Desse modo, não afastou a sua culpa apreciada pelos critérios do artº. 487º, nº. 2, C.C., uma vez que cabe à parte que não praticou o acto alegar e provar a sua falta de culpa, isto é, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior –artº. 799º, nº. 1, do C.C..
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I   RELATÓRIO (seguindo o elaborado em 1ª instância).

F... – Construções, Lda., número de identificação de pessoa colectiva ..., com sede no ..., ... e tecnologia, S/N, ...
Intentou a presente acção declarativa, que segue a forma de processo comum, contra
AA, titular do número de identificação fiscal ..., residente na Rua ..., ..., ..., ...,
Pedindo a condenação do Réu no pagamento da quantia de € 5.252,10 referente a trabalhos efectuados, acrescida de juros e de outras despesas incorridas com o presente processo.
Para tanto, alegou que celebrou com o Réu um contrato de empreitada para execução de pintura de paredes e tectos de habitação e que executou tais trabalhos conforme convencionado com o réu e com o material escolhido por este e que este não pagou a factura emitida no valor de € 5.252,10.
O Réu foi regulamente citado tendo apresentado contestação e reconvenção, alegando que perante a dimensão dos trabalhos ainda por concluir e as deficiências por reparar não se mostrou disponível para pagar a factura peticionada nestes autos. Mais acrescentou que a Autora não cumpriu o contrato celebrado com o Réu não tendo concluído e rectificado os trabalhos a que se comprometeu. O Réu apresentou ainda reconvenção na qual alegou que teve de contratar uma outra empresa para rectificar as deficiências e imperfeições da pintura executada pela Autora pagando o valor de € 3.690,00 e ainda para terminar os trabalhos o que comportou um custo de € 10.332,00.
A Autora respondeu em sede de réplica à reconvenção apresentada tendo negado que a tivesse abandonado os trabalhos contratados, não os concluindo ou rectificado. Alegou ainda que a Autora executou os trabalhos nas áreas possíveis, tendo informado o Réu que era necessário rectificar os emassamentos realizados, tendo apresentado um orçamento.
Foi dispensada a realização de audiência prévia, admitida a reconvenção, atribuído à ação o valor de € 19.274,21, elaborado o despacho saneador e fixados o objeto do litígio e os temas da prova. Foi ainda designada data para realização de audiência final.
A data foi alterada na respetiva véspera face a requerimento do ilustre mandatário da A. informando os autos que se encontrava a cumprir o período de isolamento por ter testado positivo à COVID-19, solicitando o adiamento da audiência de julgamento. Foi agendada nova data tendo em conta que também a Srª juiz se encontrava nessa situação.
O ilustre mandatário do R. solicitou a alteração da data por coincidir com outra diligência que lhe foi marcada, o que foi deferido.

O ilustre mandatário da A. apresentou requerimento, do seguinte teor:

“1.- O subscritor encontra-se, na presente data, impedido de exercer a sua
actividade profissional por um período de 5 dias, conforme atestado médico que
se junta como doc. ....
2.- Isto porque o subscritor foi submetido a uma cirurgia oral e não se encontra
apto para o exercício da sua actividade profissional.
3.- Assim, requer de V.ª Exa. que seja reconhecido o justo impedimento para a prática de quaisquer actos no processo em epígrafe, o que se requer ao abrigo do disposto no art. 140.º do CPC, designadamente para a audiência de julgamento agendada para o dia de amanhã, cujo adiamento igualmente se requer.”
Juntou atestado médico que refere a incapacidade por 5 dias devido a cirurgia oral.

Sobre esse requerimento incidiu o seguinte despacho:
“O ilustre mandatário da Autora veio solicitar o adiamento da diligência agendada para o dia de hoje, com fundamento em justo impedimento, por se encontrar doente, juntando atestado médico com a indicação de cirurgia oral no dia de ontem.
Apreciando, de acordo com a definição legal plasmada no art. 140.º, n.º 1 do CPC, «considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto».

Para haver justo impedimento é preciso que se verifiquem os seguintes requisitos cumulativos: i) a normal imprevisibilidade do evento (exige-se às partes que procedam  com a diligência normal prevendo ocorrências que a experiência comum teve como razoavelmente previsíveis); ii) estranho á vontade da parte; iii) que determine a impossibilidade da prática do acto no prazo legal pela parte ou mandatário (deve verificar-se entre o evento imprevisível e a impossibilidade da prática tempestiva do acto uma relação de causa e efeito). Encontra-se sumariado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06.12.2017, processo n.º 1734/13.5TBTVD.L1-7, in www.dgsi.pt:

“1.– O advogado que pretenda adiar o julgamento por motivo de doença súbita e inesperada que não lhe permita estar presente em audiência final deverá, antes do início dessa diligência, requerer o seu adiamento justificando aí logo a verificação duma situação de justo impedimento (Art. 603º n.º 1 e Art. 140º n.º 1 do C.P.C.); 2.– A prova dessa situação é feita, por regra, pela apresentação de atestado médico, que deve ser junto com o requerimento de invocação de justo impedimento, atento ao disposto no Art. 140º n.º 2, 1.ª parte, do C.P.C.. Mas se não for logo possível fazê-lo, poderá juntá-lo logo que consiga, justificando então o motivo da sua apresentação posterior; 3.– O juiz deve adiar a audiência final se reconhecer que os factos alegados no requerimento correspondem a um caso de justo impedimento, só assim não fazendo se tiver indícios sérios de que se trata de expediente dilatório para provocar um adiamento injustificado do julgamento; 4.– Se se vier a verificar que afinal não havia justo impedimento, a consequência legal é a condenação da parte como litigante de má-fé ou a responsabilização direta e pessoal do respetivo mandatário (Art. 542.º e 545º do C.P.C.); do litígio e as especificidades do processo não lhes permita, sem aviso prévio e com tempo, exercerem o patrocínio devido à parte em condições de razoabilidade”.
Descendo ao caso concreto, encontrando-se a situação de doença da ilustre mandatária do Autor devidamente comprovada por atestado médico (junto tempestivamente), afigura-se-nos que se encontram reunidos os legais pressupostos do justo impedimento – arts. 603.º n.º 1 e 140.º n.º 1, ambos do CPC – o qual por sua vez constitui fundamento para o adiamento da diligência aprazada.
Assim sendo, fica sem efeito a audiência de julgamento designada para o dia de hoje, e, em sua substituição, designa-se o dia 5 de Dezembro, pelas 9h30, mantendo-se a ordem de produção já determinada e podendo prolongar-se para a parte da tarde
Atendendo que o motivo do adiamento não resulta de impedimento do tribunal notifique as partes pessoalmente do teor do presente despacho.”

Na véspera da data designada o ilustre mandatário da R. requereu o seu adiamento. O requerimento foi deferido em ata por motivo de justo impedimento.

Na véspera da data designada (em 25/01/2023, referência ...59) o ilustre mandatário da A. apresentou o seguinte requerimento:
“1.- O subscritor foi submetido, no dia de hoje, a uma cirurgia oral, de urgência,
que o impossibilita da prática profissional.
2.- Assim, o subscritor não poderá comparecer amanhã no julgamento agendado,
uma vez que se encontra impossibilitado de praticar a sua actividade profissional.
3.- Requer assim que seja adiada a referida audiência, o que requer ao abrigo do
disposto no art. 140.º do CPC.”
Juntou atestado médico com essa mesma data referindo a incapacidade para a sua atividade profissional por 5 dias por motivo de cirurgia oral.

No dia da audiência verificou-se os presentes e faltosos, constando em ata:
“Presentes:
Mandatário do Réu: Dr. BB
Mandatária do Réu: Drª CC (advogada estagiária, com substabelecimento)
Réu: AA (presente na sua casa na ... e vai prestar declarações através dos meios de comunicação à distância - Webex)
Testemunha da Autora e do Réu: DD (presente no Tribunal ...)
Testemunhas do Réu: EE e FF
Faltosos:
Mandatário da Autora: Dr. GG
Legal representante da Autora: HH (notificado)
Legal representante da Autora: II (notificado)
Testemunhas indicadas pelo Réu: JJ; KK e o legal representante da empresa M..., Lda, todas a apresentar, as quais o Sr. Dr. BB prescindiu no ato da chamada.
Pelo mandatário do Réu também foi dito que prescindia do depoimento de parte dos legais representantes da Autora que se encontram a faltar.”
  Sobre aquele requerimento recaiu em ata o seguinte despacho (a que corresponde a referência ...23):
“Por requerimento remetido no dia de ontem, o ilustre mandatário da Autora veio invocar o justo impedimento, requerendo o adiamento da audiência de julgamento designada para o dia de hoje, juntando, para o efeito, relatório médico, com a informação de incapacidade para a sua actividade profissional pelo período de 5 dias, pelo motivo de cirurgia oral.
Antes do tribunal se pronunciar quanto a este requerimento em concreto, cabe descrever as vicissitudes que se têm verificado na realização da presente audiência de julgamento.
No despacho saneador datado de 17.03.2022, foi designado o dia 24 de Maio para a realização da audiência de Julgamento.
Por requerimento datado de 21 de Maio, o ilustre mandatário da Autora veio requerer o adiamento da audiência com fundamento em ter testado positivo à covid-19.
Por despacho datado de 22 de Maio foi o julgamento marcado para o dia seguinte dado sem efeito e designado em sua substituição o dia 27 de setembro.
Notificados os Senhores Mandatários da nova data para a realização da audiência, o mandatário do Reu, ao abrigo do artigo 151.º, n.º 2 do COC, veio requerer a substituição da data.
Nos termos do artigo 151.º, n.º 3 do CPC, foi designado como nova data o dia 4 de Outubro.
Por requerimento datado de 26 de setembro, veio o Senhor Mandatário da Autora, ao abrigo do artigo 140.º do CPC - alegando que foi acometido de doença súbita que o impedia de exercer a sua actividade profissional por um período previsível de dois dias - requerer o adiamento da audiência de julgamento “agendada para o dia seguinte”, juntando um atestado médico.
Sucede que o julgamento não se encontrava designado para o dia 27 de setembro, dia seguinte pelo que nada foi determinado (despacho datado de 27.09.2022).
No entanto, e seguidamente no dia 3 de outubro (datada anterior ao dia que havia sido designado para a realização da audiência de julgamento), veio novamente o senhor mandatário da Autora alegar o justo impedimento, juntando novo relatório médico dentista, no qual refere que o paciente tem uma incapacidade profissional pelo período de 5 dias, pelo seguinte motivo – cirurgia oral.
O julgamento foi novamente adiado para o dia 5 de Dezembro, tendo nessa data sido adiado mais uma vez por doença do mandatário do Réu.
Foi novamente o julgamento marcado para o dia de hoje. No dia de ontem, o senhor mandatário da Autora veio novamente requerer o adiamento por motivo de doença, juntando um relatório médico dentista com o fundamento da incapacidade decorrente de cirurgia oral.
Nos termos do artigo 603.º do Código de Processo Civil, constitui fundamento de adiamento da audiência a falta de algum dos advogados quando «ocorrer motivo que constitua justo impedimento».
Nos termos do artigo 140.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, considera-se justo impedimento o «evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato».
O impedimento é justo quando não permitir, em absoluto, que o acto seja praticado a tempo, o que exclui a simples dificuldade de o levar a cabo, por maior que ela seja; acresce que só tem essa qualidade o acontecimento que não for imputável à parte ou ao seu representante (cfr. Rodrigues Bastos in Notas ao C.P.C., vol. I., 3.ª ed., Lisboa: Almedina, 1999, p. 215).
O actual conceito de justo impedimento faz apelo a que o julgador aprecie casuisticamente se a culpa foi ou não afastada com os factos alegados bastando, para que estejamos perante justo impedimento, que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte ou ao mandatário, por não ter tido culpa na sua produção (cfr. Lebre de Freitas in C.P.C. Anotado, vol. I, Coimbra, 1999, p. 258 e Ac. do S.T.J. de 28 de Setembro de 2000 in B.M.J., n.º 499, pp. 283-286).
O núcleo do justo impedimento passou assim da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário (ou a um auxiliar deste: cfr. artigo 800.º do C.C.). Um evento previsível pode agora excluir a imputabilidade do atraso ou omissão tendo, no entanto, em consideração que cabe à parte que não praticou o acto alegar e provar a sua falta de culpa, isto é, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo (cfr. Lebre de Freitas in op. cit., p. 258).
Segundo Lopes do Rego (cfr. Comentário ao Código de Processo Civil, p. 125) “O que deverá relevar decisivamente para a verificação do “justo impedimento”– mais do que a cabal demonstração da ocorrência de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática atempada do acto – é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário (…) a qual deverá naturalmente ser valorada em consonância com o critério geral estabelecido no nº 2 do art. 487º do CC (…)”.
Assim, as situações de doença súbita da parte ou do mandatário constituem uma situação normal de justo impedimento quando configurem um obstáculo razoável e objectivo à prática do acto, tidas em conta as condições mínimas de garantia do exercício do direito em causa (cfr. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre in C.P.C. Anotado, vol. I, 3.ª ed., p. 275 e 276).
A doença de Advogado só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato (cfr. Ac. da R.E. de 19-03-2013 in www.dgsi.pt., proc. n.º 1323/11.9TBSLV.E1).
Quando o evento é conhecido do interessado ou este tem condições, de acordo com a normalidade das coisas, para o prever, há negligência do interessado sempre que este não adoptar as atitudes de que é capaz e que em condições normais são possíveis e devidas para evitar as consequências do evento – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 07.10.2021, processo n.º 517/21.3T8AMT.P1.
Por outro lado, não basta qualquer evento. É necessário que o evento constitua um obstáculo à prática do acto até ao momento em que o evento cessa, isto é, que seja tal que impeça o interessado de praticar o acto. Não importa se para o praticar o interessado necessita de exercer alguma diligência acrescida que noutras condições não seria necessária, porquanto esse acréscimo de diligência se justifica pelo benefício da prática do acto fora do prazo e pela colocação em situação de vantagem face à parte contrária.
A figura do justo impedimento deve ser aplicada pelos tribunais de modo cauteloso para evitar o seu exercício abusivo e o prejuízo decorrente para a segurança e a celeridade da tramitação processual
No seguimento do exposto, o justo impedimento pressupõe um evento súbito e imprevisível. No caso em apreço o mandatário da autora por quatro vezes invocou o justo impedimento com fundamento em doença e as últimas duas com a justificação de cirurgia oral. Daqui decorre que a situação de doença que implique cirurgia oral já se prolonga pelo menos desde Outubro de 2022.
Tratando-se de uma doença do foro dentário iniciada, pelo menos em Outubro de 2022 (daí a existência de dois atestados médicos dentários), tem características de doença prolongada e não de doença súbita.
Temos assim por evidente que o evento aqui em causa não é súbito porque se verifica desde Outubro, nem é imprevisível na medida em que o ilustre mandatário dispunha de tempo suficiente para, em face da situação de doença, substabelecer num colega ou garantir de outro modo o patrocínio da parte que representa. Acresce que do alegado pelo senhor mandatário não resultam factos de que a cirurgia a que teria sido submetido é tão grave que o impossibilite de todo de praticar o acto ou de avisar o seu constituinte.
No caso dos presentes autos, não desprezando a situação de doença do ilustre mandatário da Autora entendesse não se estar, neste momento, perante qualquer doença súbita e imprevista que configure um obstáculo à pratica da audiência final. Assim, e mais do que provar a ocorrência de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática atempada do acto é a inexistência de culpa do mandatário, o que não se verifica nos presentes autos, considerando o que foi alegado pelo senhor mandatário. A doença do foro dentário do mandatário verifica-se desde Outubro de 2022 pelo que ao manter-se esta doença na presente data revela que ou o evento é conhecido do interessado ou este tinha condições, de acordo com a normalidade das coisas, para o prever que o evento se poderia repetir.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, indefere-se a requerida arguição do justo impedimento, procedendo-se à audiência de julgamento.”

De seguida foi produzida prova com inquirição dos presentes.

Notificado do despacho, o ilustre mandatário da A. apresentou o seguinte requerimento em 6/2/2023, referência ...22:

“1.- A A. foi notificada do despacho proferido a indeferir o requerimento de adiamento da audiência de julgamento agendada para o dia 26.01.2023 com base em justo impedimento do mandatário subscritor, tendo sido ainda notificada da respectiva ata de julgamento.
2.- A audiência de julgamento dos presentes autos encontrava-se agendada para o dia 26.01.2023.
3.- Por requerimento datado de 25.01.2023, o subscritor requereu:
“1.- O subscritor foi submetido, no dia de hoje, a uma cirurgia oral, de urgência, que o impossibilita da prática profissional.
2.- Assim, o subscritor não poderá comparecer amanhã no julgamento agendado, uma vez que se encontra impossibilitado de praticar a sua actividade profissional.
3.- Requer assim que seja adiada a referida audiência, o que requer ao abrigo do disposto no art. 140.º do CPC.”
4.- Com o requerimento enviado ao Tribunal, o subscritor, mandatário da A., juntou aos autos o competente ATESTADO MÉDICO, tendo referido que a cirurgia oral a que foi submetido teve carácter urgente.
5.- A cirurgia oral a que o mandatário da A. foi submetido no dia anterior ao julgamento impossibilitou, obviamente, o mesmo, de praticar a sua actividade profissional, uma vez que sendo cirurgia oral e impedindo o subscritor de falar, tal impediria o exercício da sua actividade profissional, pelo menos, por um período de 5 dias, como refere o atestado médico junto aos autos.
6.- Muito menos estaria o subscritor em condições de falar na referida audiência, o que impossibilita de forma óbvia o exercício do mandato forense que lhe foi conferido pela A. para a audiência de julgamento.
7.- O requerimento de justo impedimento, com a cópia do atestado médico, foi enviado para o Tribunal logo após a cirurgia a que o mandatário foi submetido, pelas 17h37, o que inviabilizava que se conseguisse substabelecer num outro Colega para uma audiência agendada para o dia seguinte, no ..., pelas 09h30.
8.- No dia 26 de Janeiro de 2023, pelas 10h00, o escritório do subscritor recebeu uma chamada do Tribunal, feita por um funcionário e atendida pela colaboradora do subscritor onde o referido funcionário “sugeriu” que enviassem alguém do escritório para o julgamento, tendo a colaboradora do subscritor informado que não trabalhava ali mais nenhum Advogado e que tal era impossível.
9.- O funcionário informou de imediato que a audiência se iria realizar, como se já tivesse conhecimento do despacho que ainda não havia sido proferido segundo o mesmo.
10.- O subscritor encontrava-se, nessa hora, em casa, a recuperar e sem conseguir sequer falar.
11.- A Mma. Juíza, perante o sucedido, com atestado médico junto e informada certamente que mais nenhum Advogado trabalhava no escritório do subscritor, e perante toda a prova junta, decidiu, de forma no mínimo surpreendente (para não dizer mais), numa acção com um valor de € 19.274,21, proferir o seguinte despacho:
(…)
12.- A Mma. Juíza entendeu que não se verificava o justo impedimento pelo facto de a audiência ter sido adiada, em 03 de Outubro de 2022, ou seja, quase quatro meses antes, por cirurgia oral, tendo referido a Mma. Juíza, sem saber de que doença se trata, que a doença que assolou de forma súbita (repare-se no requerimento de 25.01.2023 que se refere o carácter urgente) o subscritor no dia 25 de Janeiro era a mesma que o assolou no dia 03.10.2022!
13.- Vejamos: o mandatário do R. requereu o adiamento da audiência por 2 vezes, uma delas por doença, o mandatário da A. requereu o adiamento uma vez por infecção de Covid 19 e duas por cirurgia oral, a última das quais quase QUATRO MESES depois da primeira e com carácter de URGÊNCIA, como referido no requerimento.
14.- Entendeu o Tribunal deduzir que a doença invocada como fundamento do justo impedimento requerido em 03 de Outubro era a mesma de 26 de Janeiro do ano seguinte, ignorando o carácter de urgência da intervenção em causa e sem suscitar qualquer esclarecimento.
15.- Mais se refere no mesmo despacho que “o evento aqui em causa não é súbito porque se verifica desde Outubro, nem é imprevisível na medida em que o ilustre mandatário dispunha de tempo suficiente para, em face da situação de doença, substabelecer num colega ou garantir de outro modo o patrocínio da parte que representa. Acresce que do alegado pelo senhor mandatário não resultam factos de que a cirurgia a que teria sido submetido é tão grave que o impossibilite de todo de praticar o acto ou de avisar o seu constituinte.”
16.- Ou seja, entendeu a Mma. Juíza que o evento das duas cirurgias era o mesmo, e ainda que o subscritor poderia substabelecer num Colega (requerimento enviado às 17h37 de um dia com julgamento às 09h30 do dia seguinte no ...), ou garantir de outro modo o patrocínio da A. (sabe-se lá como e de que forma) e ainda que não há factos que provem que a cirurgia é tão grave que impossibilitasse o subscritor de praticar o acto ou avisar o cliente.
17.- Perguntamo-nos: com uma cirurgia oral seria possível praticar o acto, realizando a inquirição de testemunhas e alegações orais? Numa cirurgia oral não será normal que tal não possa ser particado? E avisar o constituinte de quê? Que iria faltar? Isso o subscritor fez, pois a constituinte não compareceu no Tribunal.
Esperar-se-ia que a constituinte fosse contratar um Advogado no dia anterior à noite que estudasse todo o processo e comparecesse no dia seguinte no ... às 09h30 da manhã preparado para fazer o julgamento? Com todo o respeito, não será preciso sequer responder a nenhuma das questões de forma elaborada dada a obviedade das mesmas.
18.- Perante o exposto, é inegável que o despacho proferido, tendo optado pela realização da audiência de julgamento, com a anuência do Ilustre Mandatário do R., que à mesma não se opôs, violou, de forma grosseira no entendimento da A., os mais elementares direitos da A.
19.- Algo que sucedeu de forma verdadeiramente surpreendente, diga-se, e que nunca havia sucedido ao subscritor.
20.- Requer assim ao Tribunal que declare a nulidade da audiência de discussão e julgamento e de todo o processado subsequente, fundada na violação do dever de publicidade (arts. 606º, 1, 195º, 1, CPC) e na violação da exigência de documentação em acta da prova/gravação da audiência (arts. 155º, 1 e 7, 195º, 1, CPC).
21.- Requer ainda que, atendendo à violação das correspondentes regras legais (arts. 140º, 1, 603º, 1, CPC), se julguem verificados os pressupostos do “justo impedimento” e se ordene a revogação/reforma do despacho proferido e, em consequência, se determine a repetição da audiência final ou, subsidiariamente, a reabertura da audiência para o efeito de serem inquiridas as testemunhas da Autora (“repetição/renovação da prova da A.”).
P.E.D.,”
A parte contrária apresentou oposição a este requerimento.
*
De seguida foi proferido o seguinte:
“Por requerimento com a ref. ...22 veio a Autora requer que (i) Tribunal que declare a nulidade da audiência de discussão e julgamento e de todo o processado subsequente, fundada na violação do dever de publicidade (arts. 606º, 1, 195º, 1, CPC) e na violação da exigência de documentação em acta da prova/gravação da audiência (arts. 155º, 1 e 7, 195º, 1, CPC). Requereu ainda que, (ii) atendendo à violação das correspondentes regras legais (arts. 140º, 1, 603º, 1, CPC), se julguem verificados os pressupostos do “justo impedimento” e se ordene a revogação/reforma do despacho proferido e, em consequência, se determine a repetição da audiência final ou, subsidiariamente, a reabertura da audiência para o efeito de serem inquiridas as testemunhas da Autora (“repetição/renovação da prova da A.”).
O Réu notificado do requerimento apresentado pela Autora exerceu o seu direito ao contraditório.
Cumpre apreciar e decidir.
Quanto à alegada nulidade da audiência de discussão e julgamento e de todo o processado subsequente por violação do dever de publicidade e na violação da exigência de documentação em acta da prova /gravação da audiência refira-se desde já que a audiência, como não poderia deixar de ser, foi pública e todos os actos foram registados no sistema áudio, inclusive o despacho que se pronunciou quanto à invocação do justo impedimento, pelo que se cumpriu quer o disposto no artigo 606.º, n.º 1 e artigo 155.º, n.º 1, do CPC, não se verificando qualquer uma da nulidade invocada.
Relativamente ao invocado justo impedimento, cumpre referir que o Tribunal já se pronunciou quanto à questão suscitada no momento próprio, isto é, no início da audiência de julgamento, indeferindo-o com os fundamentos exarados em acta, os quais aqui se dão por inteiramente reproduzidos. Em síntese, o Tribunal sublinhou que o artigo 603.º, n.º 1 do CPC apenas permite o adiamento se ocorrer motivo que constitua justo impedimento. Ora, neste caso em concreto e dadas as circunstâncias subjacentes ao requerimento apresentado pelo ilustre mandatário, concluiu-se que não se encontravam verificados os pressupostos objectivos de que depende o justo impedimento, pelo que o tribunal realizou a audiência de julgamento, a qual se encontrava previamente agendada e todas as pessoas regularmente convocadas para o acto, com quem se encontrava presente. Em suma, o despacho ora posto em crise está bem fundamentado de facto e de direito, cumpre todos os requisitos legais, e não padece de nenhuma nulidade, pelo que se decide mantê-lo nos seus precisos termos.
Pelo exposto, não subsiste a nulidade alegada pelo Autora, razão pela qual pelo vão indeferidas as arguidas nulidades e o pedido de revogação/reforma do despacho proferido, com as legais consequências.
Custas do incidente a cargo da autora, fixando-se a taxa de justiça em 1UC.
Notifique.
=Sentença=”
Seguiu-se a elaboração desta peça –sentença- que terminou com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, decide-se julgar a acção e a reconvenção improcedentes, e em conformidade absolver o Réu dos pedidos formulado pela Autora, e a Autora dos pedidos formulados pelo Réu.
Custas da acção ficam a cargo da Autora e as custas da reconvenção ficam a cargo do Réu.”

A A. apresentou recurso com alegações que terminam com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que se reproduzem)

“1.- A Recorrente não se conforma com o teor da sentença proferida nos autos em epígrafe com a referência CITIUS ...68 e com o despacho com a referência ...23, interpondo recurso dos mesmos e requerendo a repetição da audiência de julgamento com a produção de prova da Autora.
2.- No dia 25.01.2023, pelas 17h37, o Mandatário da A. dirigiu um requerimento aos autos (com a referência ...59), em que requereu o adiamento da audiência de julgamento do dia 26.01.2023, invocando o justo impedimento por cirurgia oral de carácter urgente, juntando o competente atestado médico que atestou uma incapacidade para a prática da actividade profissional do subscritor pelo período de 5 dias, após o dia .../.../2023, demonstrando a imprevisibilidade do evento que obstou à prática do acto.
3.- No dia da audiência de julgamento, a 26.01.2023, a Mma. Juiz a quo (cfr. a ata de audiência de julgamento do dia 26.01.2023 com a referência ...23) – despacho de que igualmente se recorre – decidiu indeferir a requerida arguição do justo impedimento, procedendo-se à audiência de julgamento.
4.- Isto porque, no entendimento não fundamentado nem com base factual sequer da Mma. Juiz, o evento que obstou à presença do subscritor na audiência de julgamento (cirurgia oral, de carácter urgente) foi o mesmo que o subscritor invocou em Outubro de 2022, quando foi submetido a uma outra cirurgia oral!
5.- Confrontado com esse despacho, o subscritor decidiu invocar a nulidade do mesmo através de requerimento com a referência ...22, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
6.- Foi então proferida a sentença da qual se recorre na parte do despacho, que aqui se transcreve:
“Por requerimento com a ref. ...22 veio a Autora requer que (i) Tribunal que declare a nulidade da audiência de discussão e julgamento e de todo o processado subsequente, fundada na violação do dever de publicidade (arts. 606º, 1, 195º, 1, CPC) e na violação da exigência de documentação em acta da prova/gravação da audiência (arts. 155º, 1 e 7, 195º, 1, CPC). Requereu ainda que, (ii) atendendo à violação das correspondentes regras legais (arts. 140º, 1, 603º, 1, CPC), se julguem verificados os pressupostos do “justo impedimento” e se ordene a revogação/reforma do despacho proferido e, em consequência, se determine a repetição da audiência final ou, subsidiariamente, a reabertura da audiência para o efeito de serem inquiridas as testemunhas da Autora (“repetição/renovação da prova da A.”).
O Réu notificado do requerimento apresentado pela Autora exerceu o seu direito ao contraditório.
Cumpre apreciar e decidir.
Quanto à alegada nulidade da audiência de discussão e julgamento e de todo o processado subsequente por violação do dever de publicidade e na violação da exigência de documentação em acta da prova /gravação da audiência refira-se desde já que a audiência, como não poderia deixar de ser, foi pública e todos os actos foram registados no sistema áudio, inclusive o despacho que se pronunciou quanto à invocação do justo impedimento, pelo que se cumpriu quer o disposto no artigo 606.º, n.º 1 e artigo 155.º, n.º 1, do CPC, não se verificando qualquer uma da nulidade invocada.
Relativamente ao invocado justo impedimento, cumpre referir que o Tribunal já se pronunciou quanto à questão suscitada no momento próprio, isto é, no início da audiência de julgamento, indeferindo-o com os fundamentos exarados em acta, os quais aqui se dão por inteiramente reproduzidos. Em síntese, o Tribunal sublinhou que o artigo 603.º, n.º 1 do CPC apenas permite o adiamento se ocorrer motivo que constitua justo impedimento. Ora, neste caso em concreto e dadas as circunstâncias subjacentes ao requerimento apresentado pelo ilustre mandatário, concluiu-se que não se encontravam verificados os pressupostos objectivos de que depende o justo impedimento, pelo que o tribunal realizou a audiência de julgamento, a qual se encontrava previamente agendada e todas as pessoas regularmente convocadas para o acto, com quem se encontrava presente. Em suma, o despacho ora posto em crise está bem fundamentado de facto e de direito, cumpre todos os requisitos legais, e não padece de nenhuma nulidade, pelo que se decide mantê-lo nos seus precisos termos.
Pelo exposto, não subsiste a nulidade alegada pelo Autora, razão pela qual pelo vão indeferidas as arguidas nulidades e o pedido de revogação/reforma do despacho proferido, com as legais consequências.”
7.- O Mandatário da A. juntou aos autos o atestado médico comprovativo do justo impedimento invocado, reforçando a imprevisibilidade do evento, falta de culpa e impossibilidade da prática do acto, referindo o carácter urgente da cirurgia em causa.
8.- O atestado médico junto refere que a cirurgia oral a que o mandatário da A. Foi submetido teve lugar no dia anterior ao julgamento e que a mesma impossibilitou o Mandatário de praticar a sua actividade profissional por um período de 5 dias.
9.- Claro que a cirurgia oral, se impeditiva da prática da actividade profissional pelo Mandatário subscritor, originou que o mandato não estivesse em condições de ser exercido na audiência de julgamento agendada, sendo impossível praticar o Mandato Forense numa audiência de julgamento sem inquirir testemunhas e fazer alegações orais, por exemplo.
10.- O requerimento, acompanhado do atestado médico, foi enviado para o Tribunal logo após a cirurgia oral a que o mesmo mandatário foi submetido, pelas 17h37, sendo de todo impossível substabelecer os poderes forenses conferidos para outro Colega, quando a audiência estava agendada para o dia seguinte, no ..., pelas 09h30.
11.- Foi referido ainda pelo subscritor que no dia da audiência, a 26 de Janeiro de 2023, pelas 10h00, o escritório do subscritor recebeu uma chamada do Tribunal, feita por um funcionário e atendida pela colaboradora do subscritor onde o referido funcionário “sugeriu” que enviassem alguém do escritório para o julgamento, tendo a colaboradora do subscritor informado que não trabalhava ali mais nenhum Advogado, tendo o mesmo funcionário informado de imediato que a audiência se iria realizar, tendo revelado já conhecimento do despacho que ainda não havia sido proferido!
12.- O subscritor estava de todo impedido de participar na audiência de julgamento agendada tendo invocado correctamente o justo impedimento.
13.- O motivo que a Mma. Juiz referiu para não reconhecer o justo impedimento foi o facto de a audiência ter sido adiada, em 03 de Outubro de 2022, ou seja, quase quatro meses antes, por cirurgia oral, tendo referido a Mma. Juíza, sem saber de que doença se tratava sequer, que a doença que assolou de forma urgente o subscritor no dia 25 de Janeiro era a mesma que o assolou no dia 03.10.2022, sem qualquer prova ou indício disso mesmo.
14.- Sendo inegável que o Ilustre Mandatário do R. requereu o adiamento da audiência por 2 vezes, uma delas por doença, razão que levou, aliás, ao adiamento anterior da mesma audiência.
15.- Como se não bastasse, a Mma. Juiz ainda referiu que o evento de uma cirurgia oral não era grave o suficiente que impedisse a prática do acto (ignorando o teor do atestado médico) e que o evento das duas cirurgias era o mesmo, sugerindo ainda a possibilidade de um substabelecimento num Colega (sem se saber quem, sequer) na noite do dia anterior ao julgamento!
16.- Perante o exposto, existiu uma nulidade processual atípica ao abrigo do disposto no art. 195.º.1 do CPC, em conexão com os arts. 603.º, n.º 1, e 140.º, n.º 1, do CPC e com actuação das consequências processuais determinadas pelo art. 195.º, n.º 2, do CPC, o que se requer que seja declarado, determinando-se a anulação dos despachos recorridos que julgaram não verificado o justo impedimento.
17.- Deve assim ser anulado o julgamento realizado no dia 26.01.2023 e todos os actos e termos processuais subsequentes, o que se requer seja decidido, devendo a Mma. Juiz de 1.ª instância marcar nova data para a audiência final, com a consequente produção de prova pela A, assim se fazendo acostumada Justiça!
18.- Normas jurídicas violadas: arts. 195.º.1 e 2 do CPC, em conexão com os arts. 603.º, n.º 1, e 140.º, n.º 1, do CPC.”
*
O R. apresentou contra-alegações que terminam com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que se reproduzem)

“1. A A. vem alegar e requerer que o despacho que julgou improcedente o justo impedimento seja anulado e, em consequência, seja o julgamento anulado e repetido para produção de prova pela A..
2. Sucede que o Mandatário da A. em 3/10/2022, juntou requerimento a pedir adiamento da sessão de julgamento que estava agendada para o dia imediatamente a seguir, uma vez que o mandatário da A. foi sujeito a cirurgia oral e como tal estava com uma incapacidade profissional pelo período de 5 dias.
3. Posteriormente, a 25 de janeiro de 2023, com julgamento agendado para o dia seguinte, o mandatário da A. requer novo adiamento em virtude de ter sido sujeito a cirurgia oral de urgência, alegando para isso o justo impedimento nos moldes do artigo 140.º do C.C.
4. Para que se verifique uma situação de justo impedimento exige o artigo 140.º do C.P.C. que estejam preenchidos vários requisitos, a saber: o facto seja imprevisível; dependa de culpa da parte ou do mandatário da parte; e que seja de tal forma grave que impeça, em absoluto, a prática do ato em tempo.
5. No caso concreto, não estamos perante uma doença súbita e imprevisível, mas sim doença prolongada que se verifica desde outubro de 2022.
6. Desde logo, as cirurgias orais são um tipo de intervenção médica diferente, muito específica e que compreendem um conjunto muito amplo de intervenções, umas mais invasivas e outras mais simples e inócuas. No entanto, qualquer que seja a cirurgia oral, dizem-nos as regras da experiência comum, bem como, o critério do homem médio, é sempre uma intervenção que depende de prévio agendamento. A necessidade de marcação é implícita no próprio conceito de cirurgia oral.
7. Neste sentido, já seria do conhecimento do Mandatário da A. a data da intervenção pelo que poderia, atempadamente, diligenciar no sentido de informar os autos da sua situação impeditiva e assim, propor datas alternativas, substabelecer em colega da sua confiança ou garantir por qualquer outro modo o patrocínio. Não estamos perante um caso fortuito ou de força maior, pelo que a imprevisibilidade não está verificada.
8. Acresce que o lapso temporal que decorreu entre as cirurgias (3 meses), não é de maneira nenhuma, critério para certificar que não se trata de uma mesma situação clínica/doença. Aliás, parece-nos até bastante comum, atendendo às práticas da medicina dentária, que o intervalo de tempo referido possa estar relacionado com o mesmo problema clínico.
9. Contudo, poderia e deveria o Mandatário da A. esclarecer alguns destes pontos essenciais e que estavam no cerne da questão principal. Entende o R./Recorrido que esta era uma obrigação da A., dependia apenas e tão só da parte que invocou o justo impedimento clarificar a situação, o que não sucedeu em nenhum dos momentos oportunos para o fazer, não nos permitindo por isso afastar a censura devida.
10. Em alternativa, sempre podemos considerar que o atestado médico deveria ser mais completo, dentro dos limites permitidos, referindo o tipo de cirurgia a que foi submetido e o grau de intervenção a que foi sujeito, acompanhado de outros meios de prova. Dessa forma, seria possível clarificar o tribunal quanto ao facto de estarmos ou não perante dois episódios de justo impedimento, totalmente independentes entre si e que não se reportam à mesma doença.
11. Uma vez conhecedor da data em que ia ser sujeito à intervenção cirúrgica oral, devia informar atempadamente os autos dessa impossibilidade, dando cumprimento ao especial dever de diligência e organização que compete ao profissional do foro. A. e respetivo Mandatário não se acautelaram contra aquele evento previsível sibi imputet.
12. Assim sendo, o retardamento da informação impeditiva ficou a dever-se a negligência séria, imputável ao Mandatário da A. que atempadamente poderia prover pelas diligências necessárias. Cabia àquela parte alegar e provar a sua falta de culpa, o que não sucedeu, ficando o atraso na prestação da informação a dever-se a uma escolha do Mandatário, que deve ser apreciada à luz do artigo 487.º. n.º 2 do C.C..
13. Acresce que não resultou dos factos que a cirurgia em causa foi tão grave que impossibilitou, por completo, o Mandatário da A. de praticar o ato em tempo. Aliás,desconhece-se por completo o grau de intervenção da cirurgia, uma vez que também essa informação foi omitida tanto pela parte, que em momento algum se prontificou a prestar esse esclarecimento, nem tal se pode extrair do atestado médico.
14. Não sendo a cirurgia oral estranha ao controlo do Mandatário da parte A., uma vez que é previsível e decorre da sua negligência séria, não se qualifica como um facto que obsta à prática atempada do ato. A parte deveria diligenciar pelo cumprimento das formalidades processuais, de forma a que daí não resultasse uma perda do direito.
15. Contudo, e apesar da omissão relevante do atestado médico, aceita-se e não se põe em causa que a doença referida seja suscetível de retirar ao ilustre advogado as condições físicas e psíquicas básicas para conseguir exercer o mandato. Entendemos que qualquer pessoa na sua situação não gozaria da plenitude da sua concentração e capacidades para, por si próprio, elaborar a inquirição e alegação.
16. Não pode o R./Recorrido deixar de destacar que apesar da ausência dos legais representantes e Mandatário da A., a Mma. Juiz a quo assegurou e garantiu o contraditório, inquirindo, oficiosamente, a única testemunha arrolada pela A., e presente.
17. Num sério e empenhado esforço, o tribunal a quo conseguiu, perante as circunstâncias invulgares do momento, garantir o equilíbrio entre as partes e procurou apurar a verdade material dos factos de forma isenta, tendo em vista uma decisão de facto e de mérito, justa.
18. Por todo o exposto, entende o R./Recorrido que não se verificam os pressupostos cumulativos para a verificação do justo impedimento, pelo que deve ser negado provimento ao recurso interposto pela A. e a decisão do tribunal a quo deve ser mantida.”
***
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo, o que foi confirmado por este Tribunal, conforme despacho proferido pela relatora.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II   QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1 (ex vi 663º, nº. 2), 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos. Todavia, não pode o Tribunal conhecer questões que não tenham previa e/ou oportunamente sido suscitadas, uma vez que o nosso sistema recursivo visa apenas (re)apreciar decisões proferidas, com respeito pelo trânsito em julgado que sobre as demais tenha recaído –artºs. 627º e 628º do C.P.C..
Impõe-se a apreciação de uma questão prévia relativa à temática da apelação.
A recorrente manifesta a sua intenção de recorrer da sentença, com a mesma não se conformando.
Lidas as alegações de recurso (e mantendo-se as contra-alegações no mesmo objeto) elas não visam efetivamente “atacar” a decisão do mérito da ação proferida nos autos, após produção de prova. A recorrente insurge-se contra os despachos que antecedem a sentença, e que supra já destacamos, e que incidiram sobre a apreciação dos seus requerimentos de 25/1/2023, referência ...59, e de 6/2/2023, referência ...22, reproduzidos no relatório.
Veja-se a propósito do âmbito do recurso assim interposto e o confronto entre os nºs. 3 e 4 do artº. 644º do C.P.C., e a necessidade de interpor recurso da sentença embora o mesmo não se funde em vício intrínseco da mesma, mas sim na impugnação da decisão interlocutória com função instrumental e prejudicial relativamente ao resultado final, António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, pag. 205 da 4ª edição, citando Nuno Pissarra, “O Direito”, ano 144º, Vol. II, pag.s 261 a 264; e José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes, e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 3º, pag. 124 da 3ª edição.
Ainda algumas considerações serão de fazer.
Foi através do requerimento de 25/01/2023, referência ...59, que o ilustre mandatário da A. suscitou o adimento da audiência com base em justo impedimento –invoca o disposto no artº. 140º do C.P.C. para o efeito. Esse requerimento foi indeferido em ata, no dia 26; o despacho então proferido, além disso, determinou a realização da audiência com a produção de prova.
De acordo com o artº. 613º, nº. 1, do C.P.C., que se aplica às sentenças e aos despachos por força do seu nº. 3, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (nº. 1), sendo porém lícito ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes (nº. 2).
O princípio do esgotamento do poder jurisdicional que nesse artigo vem consagrado justifica-se pela necessidade de evitar a insegurança e incerteza que adviriam da possibilidade de a decisão ser alterada pelo próprio tribunal que a proferiu, funcionando como um obstáculo ou travão à possibilidade de serem proferidas decisões discricionárias e arbitrárias. Proferida uma decisão, “…o tribunal não a pode revogar, por perda de poder jurisdicional. Trata-se, pois, de uma regra de proibição do livre arbítrio e discricionariedade na estabilidade das decisões judiciais. (...) Graças a esta regra, antes mesmo do trânsito em julgado, uma decisão adquire com o seu proferimento um primeiro nível de estabilidade interna ou restrita, perante o próprio autor da decisão” (Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, pag. 174).
Da extinção do poder jurisdicional decorre que o juiz não pode, motu proprio, voltar a pronunciar-se sobre a matéria apreciada (cfr. Ac. da Rel. de Coimbra, de 17/4/2012, relator Henrique Antunes, www.dgsi.pt). Ressalvados os casos de retificação, reforma ou suprimento de nulidades, por força do esgotamento do poder jurisdicional fica vedada a possibilidade de essa decisão ser alterada pelo próprio tribunal que a proferiu. O Tribunal não pode em caso algum revogar a sua própria decisão, como suscita a recorrente ao pedir a revogação/reforma da decisão.
“Da extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão decorrem dois efeitos: um positivo, que se traduz na vinculação do tribunal à decisão que proferiu; outro negativo, consistente na insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, pag. 734).
A retificação de erros materiais, suprimento de nulidades e reforma da sentença, vem previsto nos artºs. 614º a 617º, C.P.C..
A reforma da decisão em matéria que não respeita a custas e multa, consagra um desvio à regra do esgotamento do poder jurisdicional, constituindo seus pressupostos, nos termos do nº. 2 do artº. 616º que não haja lugar a recurso, tenha ocorrido lapso manifesto, e esse lapso manifesto refere-se à determinação da norma aplicável ou à qualificação jurídica dos factos ou à omissão de consideração de documentos ou outros meios de prova plena que, só por si, implicassem decisão diversa da proferida.
Se houver recurso, a situação em causa tem de ser integrada no erro de julgamento aí invocado.
Aplicando ao caso, significa isto que perante o despacho que indeferiu o adiamento da audiência por justo impedimento a A. “apenas” podia ter recorrido, já que a decisão admitia recurso ordinário, verificados os respetivos pressupostos, nomeadamente atento o critério do valor da causa (artº. 629º, nº. 1, C.P.C.), e desde que tempestivamente apresentado; no caso, não cabendo nas situações previstas no nº. 2 do artº. 644º, teria de ser com ou após a decisão final, conforme autores que já citamos.
Porém apresentou em 6/2 novo requerimento, em que pede se “…declare a nulidade da audiência de discussão e julgamento e de todo o processado subsequente, fundada na violação do dever de publicidade (arts. 606º, 1, 195º, 1, CPC) e na violação da exigência de documentação em acta da prova/gravação da audiência (arts. 155º, 1 e 7, 195º, 1, CPC).
21.- Requer ainda que, atendendo à violação das correspondentes regras legais (arts. 140º, 1, 603º, 1, CPC), se julguem verificados os pressupostos do “justo impedimento” e se ordene a revogação/reforma do despacho proferido e, em consequência, se determine a repetição da audiência final ou, subsidiariamente, a reabertura da audiência para o efeito de serem inquiridas as testemunhas da Autora (“repetição/renovação da prova da A.”).”
Do que dissemos decorre que quanto a este pedido formulado em 21 –verificação de justo impedimento e adiamento da audiência, ou que seja a sua repetição ou reabertura que no caso visam o mesmo efeito- o Tribunal a quo já não se podia pronunciar, se baseado nos mesmos factos, como foi.
E na verdade, apesar da referência final menos rigorosa relativa ao indeferimento do pedido de revogação/reforma, o Tribunal no despacho referido não voltou a apreciar a questão e não tratou como se fosse um verdadeiro pedido de reforma pois não alude sequer aos pressupostos do artº. 616º, nº. 2, do C.P.C., já que começa por dizer que já se pronunciou quanto à questão suscitada no momento próprio, isto é, no início da audiência de julgamento, indeferindo-a com os fundamentos exarados em ata, os quais dá por reproduzidos, e que repete apenas para frisar que não se verifica qualquer nulidade. Fê-lo na sequência do pedido de verificação de nulidade do ato que consistiu na realização da audiência de julgamento; fê-lo porque a recorrente coloca como seu pressuposto (da nulidade) a verificação de justo impedimento tendente a justificar o adiamento da audiência nos termos do artº. 603º, nº. 1, C.P.C.; no modo de ver da recorrente, se bem interpretamos, constitui preterição do princípio da publicidade, e conduz a nulidade, a sua realização, sem que o mesmo pudesse estar presente, inquirisse as testemunhas e fizesse alegações orais.
E como manteve a sua decisão, também não se colocaria a violação do caso julgado formado (se o fizesse teria de ser aplicado o artº. 625º do C.P.C.).
Vejamos a situação numa outra perspetiva.
Não obstante o recurso ser admissível, a A. apresentou pedido de reforma. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (“Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 3ª edição, pag. 742), parecem integrar nos casos em que não cabe recurso da decisão também as situações em que ambas as partes renunciaram antecipadamente aos recursos, ou a parte interessada na reforma renunciou ao recurso depois de proferida a decisão, aceitou expressa ou tacitamente a decisão proferida, desistiu do recurso interposto.
Ora, a opção pela via da reforma não é reveladora de qualquer dessas situações.
Apenas na hipótese de o Tribunal recorrido ter interpretado o pedido de reforma como uma renúncia ao recurso, e nesse o sentido tê-lo apreciado, indeferindo-o, então com isso não se abriria “nova porta” para a apreciação do mérito do despacho proferido em ata já que essa decisão seria definitiva para a A. que pediu a reforma de acordo com o disposto no artº. 617º, nº. 6, C.P.C. (só não seria assim para a parte contrária no caso de alteração da decisão, nos termos também aí previstos).
Como não se nos afigura ter sido este o caso, iremos apreciar o mérito do despacho que indeferiu o justo impedimento.
*
Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir:
-se ao ter indeferido o requerimento apresentado pelo ilustre mandatário da A. e realizado a audiência de julgamento na sua ausência foi cometida “uma nulidade processual atípica ao abrigo do disposto no art. 195.º.1 do CPC, em conexão com os arts. 603.º, n.º 1, e 140.º, n.º 1, do CPC e com actuação das consequências processuais determinadas pelo art. 195.º, n.º 2, do CPC”; o que passa pela prévia questão da apreciação da verificação de justo impedimento.
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III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Assim delimitado o objeto da apelação, os factos a atender são os que constam do relatório e que se reportam à tramitação processual, que decorre da consulta do processo.
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IV MÉRITO DO RECURSO.

Dispõe o artº. 603º, nº. 1, C.P.C., que verificada a presença das pessoas que tenham sido convocadas, realiza-se a audiência de julgamento, salvo se (…) faltar algum dos advogados sem que o juiz tenha providenciado pela marcação mediante acordo prévio ou ocorrer motivo que constitua justo impedimento.
Considera-se “justo impedimento” o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato –artº. 140º, nº. 1, C.P.C.. E diz o nº. 2 desse artigo que  “A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.”
De acordo ainda com o artº. 151º, nº. 5, do C.P.C., os mandatários judiciais devem comunicar prontamente ao tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença.
Dispõe o art.º 108º, nº. 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, quanto ao seu dever de diligência, nos termos do qual “O advogado deve, em qualquer circunstância, actuar com diligência e lealdade na condução do processo.”
Por sua vez institui o artº. 7º do nosso C.P.C. o princípio da cooperação, dizendo que “1 - Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
2 - O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência.”
De seguida o artº. 8º consagra o dever de boa fé: “As partes devem agir de boa-fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior.”
Relativamente a esta figura do “justo impedimento” o Tribunal recorrido teceu comentários que se mostram pertinentes, com citação de doutrina e jurisprudência, que seria fastidioso aqui repetir.
Recorremos por isso apenas ao Ac. desta Relação de 8/4/2021, em que a aqui relatora foi 2º adjunto do mesmo (e sua relatora Anizabel Sousa Pereira, publicado em www.dgsi.pt, como todos os que se citam sem indicação de outra fonte), em que nos revemos e que diz o seguinte: “ Lebre de Freitas e Isabel Alexandre ( in CPC anotado, Vol I, p. 298) afirmam que, «à luz do novo conceito, basta, para que estejamos perante o justo impedimento, que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte ou ao mandatário, por ter tido culpa na sua produção. (...) Passa assim o núcleo do conceito de justo impedimento da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário. Um evento previsível pode agora excluir a imputabilidade do atraso ou da omissão. Mas, tal como na responsabilidade civil contratual, a culpa não tem de ser provada, cabendo à parte que não praticou o acto alegar e provar a sua falta de culpa, isto é, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo (art. 799-1 CC): embora não esteja em causa o cumprimento de deveres, mas a observância de ónus processuais, a distribuição do ónus da prova põe-se nos mesmos termos.»
Uma das situações que pacificamente vem sendo admitida como fundamento para a existência de justo impedimento é a doença súbita e incapacitante do Exmo. Mandatário de uma das partes, situação mais comum e corrente nos tribunais, mas que não ocorre no caso vertente.
Por aplicação das regras gerais do ónus da prova, cabe à parte interessada alegar e provar a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo da prática atempada do ato processual.
O justo impedimento, tal como especificamente determinado pelo n.º 1 do art.º 603.º do CP Civil, aplica-se, também, no âmbito da audiência final, como forma de legitimar um direito subjetivo de adiamento da mesma.
Assim, deve entender-se que o justo impedimento capaz de justificar o adiamento da audiência final tem que ser feito em momento anterior ou, quando muito, coincidente com o do início aprazado para esta, através de comunicação ao tribunal com alegação do motivo imprevisto ou de força maior impeditivo da presença do advogado e apresentação da respetiva prova.
Na eventualidade de o justo impedimento não poder ser invocado em momento anterior ou contemporâneo com o da audiência final, já se tratará diversamente da invocação de uma nulidade processual.
Seguindo a explicação de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª Edição, 2014, Almedina, pág. 571) : “Não tendo o justo impedimento sido invocado antes do momento em que a audiência teve lugar, deverá a parte reclamar da nulidade processual em que se traduz a prática de um acto que a lei não admite (art.º 195.º, n.º 1) – realização da audiência ocorrendo justo impedimento. O impedimento é aqui invocado como pressuposto constitutivo do direito de obter a declaração de nulidade do acto – relativa: art.º 197.º, n.º 1 – e não do direito de adiamento da audiência ou do direito de praticar um acto para além do prazo fixado.”
Nesta situação, a parte interessada terá que provar, para além da ocorrência do motivo imprevisto ou de força maior impeditivo da presença do advogado em audiência, igualmente a impossibilidade de o ter comunicado antes da audiência, apresentando a respetiva prova.”
Nesta ordem de ideias sumariou-se: “- A incapacidade ou impossibilidade do advogado se deslocar ao tribunal para estar presente na audiência de julgamento, declarada, através de atestado médico, dias antes da data da diligência e quando já resulta de um prolongamento de tal estado, causador anteriormente de uma alteração à data do julgamento, não constitui justo impedimento, se não está demonstrado que esse facto era impeditivo da adoção de providências necessárias à prática do ato, nomeadamente procedendo-se ao necessário substabelecimento.
- Não é impeditivo do substabelecimento a circunstância do advogado exercer em prática individual, nomeadamente quando, como no caso, se tinha tempo para adotar as medidas necessárias para impedir que os seus constituintes não fossem prejudicados.”
Neste sentido pode ver-se o Ac. da Rel. do Porto de 24/9/2019 (relatora Lina Baptista).
Diz-se ainda no Ac. da Rel. do Porto Acórdão de 15/10/12 (relator António Ramos): “A doença do advogado da parte só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato. O justo impedimento do mandatário tem de ser imprevisível, pois que se era de previsão normal e não tomou as necessárias cautelas incorreu em negligência. Não constitui justo impedimento um caso em que o mandatário, aquando do contacto da Ré para organizar a defesa, cujo prazo já decorria, já se encontrava na invocada situação de doença impeditiva de exercer o mandato e era previsível a manutenção daquela situação para além do prazo legalmente concedido para apresentação daquela defesa.”
Por último, recorremos às palavras do Ac. da Rel. de Lisboa de 14/7/2022 (relatora Isabel Salgado): “…na situação de o advogado pretender adiar o julgamento por motivo de doença súbita e inesperada que não lhe permita estar presente em audiência final, deverá, antes do início dessa diligência, requerer o seu adiamento justificando a verificação duma situação de justo impedimento; e essa prova deverá, em regra, ser aprestada no caso de doença, através do competente atestado médico, e junto com o requerimento de invocação de justo impedimento, como dispõe o artigo 140º n.º 2, 1.ª parte, do C.P.C..
Ao juiz competirá, por conseguinte, no quadro normativo indicado, recebida a comunicação e a justificação do impedimento e, eventualmente, o comprovativo da causa de justificação anunciada e descrita nessa comunicação pelo advogado, ponderar mediante um juízo casuístico sobre a seriedade e a verosimilhança do facto impeditivo da sequência da audiência final - artigos 140.º, n.º 2, 151.º, n. os 3 e 5, do CPC.”
De tudo o exposto cremos que a tónica da questão coloca-se na exigência a fazer quanto à alegação e prova do caráter subido, imprevisto e urgente, que origina a cirurgia oral; uma cirurgia pode ser algo previamente programado, mas também pode ser um procedimento de urgência.
Neste caso, o ilustre mandatário alegou no seu requerimento a urgência, mas não identificou ou relatou as circunstâncias dessa situação; tão pouco o atestado refere a necessidade de intervenção naquela concreta data. O seu requerimento refere o carater urgente (sem qualquer explicação), mas o atestado não, o que não basta para que se dê como apurada essa situação; não permite que o Tribunal emita qualquer juízo sobre a mesma (conforme última citação feita).  Alega a realização da cirurgia nesse dia, embora o atestado não diga a data da mesma, nem a hora –o que é diferente da hora de entrada do requerimento, sendo que também é óbvio que cirurgia e atestado são prévios ao requerimento em que de ambos se dá conta.
Mostram-se a nosso ver inteiramente acertadas as considerações a esse propósito apresentadas nas contra-alegações de recurso.
Cremos que não se mostra sustentada a ilação que o Tribunal tirou que desde outubro de 2022 o mandatário padecia desta situação; o facto de ter sido intervencionado em outubro não significa necessariamente que esta nova cirurgia fosse algo previsível ou sequente, ou ocorrida num quadro de doença prolongada.
Também não cremos, agora por outro lado, que os princípios da cooperação e da boa fé impusessem outras diligências ao Tribunal, que, como se refere nas alegações de recurso, no dia e antes da abertura da audiência contactou o escritório na tentativa de resolução da situação através de um substabelecimento. E, como já citamos, na falta de alegação de concretas circunstâncias que tornassem inconveniente a passagem do caso para um colega, porque de algum modo melindrava ou prejudicava a posição do cliente, não ficando devidamente assegurada a sua defesa, ou violava os deveres do profissional nomeadamente de lealdade, ou ainda a impossibilidade de o fazer ou de o fazer tempestivamente, a prática da advocacia individual não basta para justificar tal impossibilidade.
Igualmente não podemos questionar, face ao teor do atestado que não foi posto em causa, que o ilustre mandatário estava impedido de exercer a prática, por um período de 5 dias, contados da véspera da audiência; não se pode discutir se a gravidade era tal que a isso obstava ou não. Temos por assente que sim.
A questão aqui coloca-se na falta de alegação e prova das circunstâncias que rodearam o acontecimento, o que impede de se considerar que estamos perante uma situação imprevista e por isso impeditiva da adoção das medidas necessárias a evitar o adiamento; sequer que o ilustre mandatário não pudesse ter diligenciado por subestabelecer. Portanto, não afastou a sua culpa face aos critérios do artº. 487º, nº. 2, do C.C..
Ainda que se entendesse que o ilustre mandatário cumpriu os ditames da boa fé e da colaboração com o tribunal, avisando previamente da sua falta de modo a tentar evitar atos inúteis, possibilitando o adiamento, e se fosse o caso, podia requerer e remeter melhor alegação e prova para momento posterior, caso não estivesse em condições e na posse de elementos para o efeito. Não o fez, juntou logo o atestado naqueles termos, e nem quando suscitou a nulidade apresentou mais argumentos ou melhor prova, momento em que o poderia fazer.
Apenas uma ponderação podia ser aqui motivo de alteração por este Tribunal do decidido no sentido de aceitar a justificação do adiamento da audiência: o facto de, com base em atestado semelhante (em que no requerimento respetivo sequer se alegava urgência, e que reportava uma cirurgia realizada no dia anterior ao próprio requerimento), e na base da falência do argumento de que esta situação é o prolongamento da primeira e por isso previsível, estarmos perante o mesmo quadro que levou ao adimento na primeira situação. Poderá isto ser considerado uma espécie de violação do princípio da confiança?
Não podemos enveredar por esse caminho. Se assim fosse estaríamos por essa via a dar cobertura a decisões erradas, só porque transitaram. A primeira, ainda que incorreta (a nosso ver) transitou, logo impõe-se que em situações futuras idênticas se decida de igual forma (errada) –não pode ser, a nosso ver. Não se coloca a questão do caso julgado formal (artº. 620º do C.P.C.) porque são situações idênticas mas outro ato processual, que podem ser analisadas de diferente prisma (como foram, nomeadamente face á reiteração da conduta processual). E podem ser analisadas de diferente prisma não só porque o mesmo juiz as interpreta de forma diversa, como outro juiz pode ter um entendimento jurídico diferente sobre a mesma questão. Portanto, o Tribunal da Relação não está vinculado a decidir o requerimento apresentado em 25/01/2023 conforme se decidiu com trânsito em julgado o requerimento de 4/10/2022. Veja-se a propósito da atuação da Administração o sumário do Ac. do STA de 18-06-2003.
Este caso não tem paralelo, a nosso ver, com situações em que está em causa a apreciação do mesmo ato processual, conforme foi tratado no Ac. do STJ de 2/5/2019 (relatora Maria da Graça Trigo), em que se ponderou a violação dos princípios da cooperação e boa fé, prolação de decisão surpresa (respetivamente artºs. 7º e 8º, e 3º, nº. 3, C.P.C.) e inclusive o princípio constitucional da garantia de tutela jurisdicional efectiva (cfr. art. 20º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa).
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Resta por isso a arguição de nulidade da audiência por violação do princípio da publicidade e exigência de documentação, tempestivamente arguida junto do Tribunal recorrido, sendo o despacho que incidiu sobre a sua apreciação suscetível de recurso. De facto, se é proferido um despacho judicial a apreciar uma nulidade processual, designadamente sob requerimento de alguma das partes, a questão deixa de ter o tratamento das nulidades processuais para seguir o regime do erro de julgamento, por a infração praticada passar a estar coberta pela decisão proferida, ficando esgotado, quanto a ela, o poder jurisdicional, nos termos do art. 613.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Daí o aforismo “das nulidades reclama-se; dos despachos recorre-se”. (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 4.ª edição, pag. 404, e conforme José Alberto dos Reis, “Comentário”, II, pags. 507 a 513).
Sucede que quanto ao recurso do indeferimento da nulidade por falta de publicidade e de documentação da audiência a recorrente não oferece qualquer argumento. A publicidade não tem que ver com a presença ou ausência de determinados participantes, tem a ver com a possibilidade de assistência á mesma audiência, conforme decorre do artº. 606º, nº. 1, do C.P.C., e emana do artº. 206º da Constituição da República Portuguesa, do artº. 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e do artº. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Nada é dito em ata donde resulte que assim não foi, nem a recorrente o diz.
A audiência foi documentada/gravada conforme imposto e nos termos do artº. 155º do C.P.C. e consta da ata respetiva, o que a recorrente não põe em causa.
Todos os argumentos apresentados reportam-se ao mérito da decisão relativa ao justo impedimento.
Assim sendo, não há nos autos matéria que importe qualquer nulidade processual, nomeadamente que possa ser integrada no artº. 195º C.P.C., ou atípica como invoca a recorrente, pelo que são de manter as decisões que concluíram pela improcedência da pretensão da A., não havendo motivo para anulação e repetição da audiência de julgamento.
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V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso da A. totalmente improcedente, e em consequência, negam provimento à apelação, mantendo as decisões (despachos) recorridas.
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Custas a cargo da A./recorrente (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C.).
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Guimarães, 10 de julho de 2023.
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Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Eugénia Pedro
2º Adjunto: José Carlos Pereira Duarte
(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)