Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2355/17.9T8VNF-A.G1
Relator: JOSÉ FLORES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
ADQUIRENTE DE CRÉDITO LITIGIOSO
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (1):

- Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 550.º, a execução da decisão condenatória no pagamento de quantia certa segue a tramitação prevista para a forma sumária, havendo, no entanto, lugar à notificação e não à citação do executado, após a realização da penhora;
- O adquirente de crédito litigioso, seja ele o exequente ou um terceiro, no caso em que o devedor não cumpra voluntariamente a obrigação de depósito do crédito, podem invocar como título executivo (comumente denominado impróprio), o título de aquisição do crédito, tal como decorre do art. 777º, nº 3, in fine, do Código de Processo Civil;
- Sem essa transmissão formalizada, o exequente só pode executar o devedor incidental com algum dos restantes títulos previstos nessa mesma norma, que pressupõem o reconhecimento da dívida ou a omissão de pronúncia sobre a mesma após a prévia notificação.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES NA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

I – Relatório

Recorrente(s): Y – Representação de Equipamentos de Escritório,Lda.;

- Recorrido/a(s): “X, Lda.”.
*
Os presentes embargos são dependência do processo executivo desencadeado em 9.3.2017 pela Recorrida, visando a cobrança coerciva de crédito pecuniário que esta alega deter sobre a W – Brindes Publicitários, Lda.”, sociedade comercial de direito angolano, com sede na Rua …, em Luanda, Angola, declarado em sentença judicial datada de 6.2.2007, mais precisamente de “a quantia de €12.690,96, acrescida de juros de mora contados desde a data constante de cada uma das facturas supra mencionadas até integral pagamento, às taxas legais em cada momento em vigor.”
Seguiu-se, além de mais, a tramitação infra apurada em III.1.

Em 30.4.2020 a aqui Apelante deduziu oposição ao abrigo do disposto no art. 728º, do C.P.C..
Em 23.6.2020 foi registada nos autos a “citação” postal da W (após penhora), que veio devolvida em 1.7.2020 com a menção de endereço suficiente.
Em 7.7.2020 foi proferida sentença no processo de embargos deduzidos pela Apelante, que os julgou improcedentes.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs a Embargante o presente recurso de apelação, em cujas alegações formula as seguintes
Conclusões:

A) Entendemos que salvo melhor opinião, a exequente não cumpriu o disposto na alínea e), n.º 1 do art.º 724 CPC, ao que estaria obrigado.

B) Constatamos nos autos, que âmbito do processo executivo, não foi cumprido o disposto no art.º 855 e seguintes do CPC.

C) A ora Executada nunca foi citada ao longo de todo o processo da Execução Sentença conforme melhor se constata nos autos.

D) Assim sendo, após a notificação de penhora de direito, deveria ter sido feita a citação da Executada W Lda.

E) Donde que, a falta de citação da ora Executada gera a nulidade.

F) Revestindo natureza incidental e instrumental, a presente execução estará dependente e sujeita a quaisquer vicissitudes que aconteçam na acção executiva principal.

G) Donde que, a execução incidental só possa ser movida contra terceiro quando se encontrem previamente assegurados os deveres da Exequente e os direitos do Executado na execução principal.

H) Pelo que, entendemos que na falta do cumprimento do procedimento legalmente exigível, se terá operado uma nulidade.

I) Desse modo o prosseguimento da execução será atentatório relativamente aos princípios consagrados no art.º 20 da CRP.

J) De igual modo, foi violado o disposto no art.º 3 do CPC.

K) Consequentemente o exercício do contraditório era essencial e foi omitido no caso em apreço, o que se realça.

L) A ora Executada W nunca foi colocada em situação de se poder pronunciar ao longo da execução.

M) A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao Réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender. ( cfr. art. 219º, nº1 do CPC).

N) Donde que, de acordo com o disposto no artigo 191º, nº1 do CPC, quando na sua realização não hajam sido observadas as formalidades prescritas na lei, a citação é nula.

O) Entendemos que mal andou o Tribunal ao não ter considerado a falta de citação com consequente nulidade da citação.

P) A nulidade da citação foi arguida pelo Executado Incidental aquando da oposição, e a referida nulidade deverá ser atendida porquanto tal falta cometida prejudicar a defesa do citado no caso vertente.

Q) O documento junto pela Exequente não serve de base à execução, com efeito, o documento é identificado como “outro documento autenticado” e tem a designação de “certidão”.

R) Porém, a dita “certidão” não é título executivo, impugna-se o documento em causa, dado que o seu conteúdo não revestir prova de factos essenciais e não traduzir o registo completo de factos, omitindo elementos essenciais como a contestação da dívida reconhecida pela própria AE em 22.03.2017 nos autos principais.

S)Por outro lado, nem tão pouco os elementos constantes na execução principal podem formar um título judicial impróprio, de que a exequente necessita para poder vir a prosseguir com esta execução.

T) Assim sendo, não existem elementos que revistam as características necessárias para tal efeito, o sobredito documento não pode servir de base à execução.

U) Diremos pois, que o título não se formou, e a ora Exequente pretende recorrer ao regime de penhora de créditos, em conformidade com o disposto no art.º 773º do CPC.

V) Porém salientamos, que não foram respeitados os respectivos trâmites legais, pelo que não será possível fazê-lo, tal como anteriormente mencionamos, faltam alguns dos pressupostos para que o título judicial impróprio se pudesse via a formar.

X) A ora Oponente não declarou, nem reconheceu tão pouco que o sobredito direito de crédito existia.

Z) Quando foi notificada para os efeitos do disposto no art.º 773º do CPC, a ora oponente pronunciou-se, tendo declarado:... “Informamos que o processo n.º 243/13.7TBCSC a correr termos no 3º Juízo Cível do Tribunal de Cascais instaurado pela W – BRINDES PUBLICITÁRIOS, LDA, ainda não se encontra findo, estando ainda em fase de recurso, motivo pelo qual, não existindo trânsito em julgado, nesta fase, a executada ainda não é titular de qualquer crédito exigível. Por conseguinte, por agora, informamos ainda que a Para efeitos que considerar W não é detentora de qualquer crédito a seu favor.

AA) Para os efeitos tidos por convenientes, destacaremos : Que pela Executada Incidental foi prestada a informação de que, por apenso aos autos supra indicados, se encontrava uma garantia bancária passada pelo banco ... à ordem do Tribunal para poder vir a satisfazer, qualquer eventual crédito a favor da W no âmbito do aludido processo judicial.

BB) Tomando em conta tal sentido, foi feita recomendação para que a Exequente pudesse dirigir a sua comunicação ao Tribunal Judicial de Cascais, em ordem a poder fazer valer o seu crédito sobre a W Lda, o que não veio a fazer por motivos que ignoramos completamente, estranhando a sua conduta inadequada....”

CC)Todavia não obstante tal informação prestada pela Executada Incidental, a Executada não utilizou aquela informação prestada, não tendo requerido a competente penhora de direito junto do indicado Tribunal, como deveria ter feito para fazer valer o seu crédito perante a Executada W Lda.

DD) Acresce significar e destacar, que estando em causa um direito litigioso, cabia à ora Exequente declarar se queria manter a penhora.

EE) Ora, a AE F. D., mediante referência interna do Processo :PE/32/2017, acerca do Fundamento da Notificação, notificou na pessoa do mandatário da ora Exequente: Fica pela presente notificado, nos termos do disposto no nº1 do artigo 775º do Código de Processo civil, que o devedor contestou a existência do crédito, conforme requerimento anexo, pelo que deve, no prazo de Dez Dias, pronunciar-se quanto ao mesmo, devendo declarar se mantém a penhora ou desiste dela.-Cfr.Doc. nº1, que aqui se reproduz integralmente-

FF) Em 22.03.2017 (Cfr. Ref.ª CITIUS 152397165 – Notificação da contestação do devedor) a ora Exequente foi notificada para os efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 775º do CPC, tomando conhecimento de que o devedor contestou a existência do crédito, pelo que deve no prazo de DEZ DIAS pronunciar-se quanto ao mesmo, devendo declarar se mantém a penhora ou desiste dela. - (Cfr. Doc nº 1)

GG) Porém, sucedeu que transcorrido que foi o citado período de 10 dias concedido, a ora Exequente não veio declarar que pretendia manter a penhora, ao que estava obrigado a fazer, com consequentes reflexos jurídicos pela sua omissão e inércia. (Cfr.Doc nº 1)

HH) O incumprimento do disposto no n.º 1 do art.º 775 do CPC, gerou o efeito preclusivo, atento o ora exposto, operou-se a caducidade.

II) A ora Exequente não pode vir agora exercer um direito crédito após o seu longo e sepulcral silêncio ocorrido na sequência da notificação datada de 22-03-2017, sem que nada tenha vindo dizer aos autos, relativamente à sua pretensão de declarar se mantém a penhora ou desiste dela, o que deveria ter feito imperativamente no prazo de 10 dias a contar daquela data em que se operou a citada notificação feita pela AE- (Cfr. Doc nº 1)

JJ) Desse modo, o exercício do direito crédito pela ora Exequente é assim intempestivo e consequentemente ferido na sua validade.

KK) Transcorridos que foram dois anos após a data da sobredita notificação realizada em 22-03-2027, pela Agente de Execução, a ora Exequente não pode querer agora vir beneficiar da sua falta de diligência, porquanto como bem sabemos e resulta comprovado nos autos nada veio dizer no período de DEZ DIAS que lhe foi determinado.- (Cfr. Doc nº 1)

LL) De igual modo, não ficou demonstrada a exigibilidade ou sequer a exequibilidade do direito de crédito, e pela Exequente, não foi cumprido o disposto no art.º 775 do CPC, o que é do perfeito e inequívoco conhecimento do Tribunal.

MM) A ora Oponente não é parte legítima na Execução, enquanto Executada Incidental, porquanto não estarem verificadas as condições e pressupostos legais necessários, bem como a mesma não configurar no título.

NN) Dado não se verificar o preenchimento dos pressupostos necessários e exigíveis, tal inviabiliza o prosseguimento da execução a título cumulativo contra a ora Oponente (Executado Incidental), o qual é totalmente alheio à relação subjacente entre a ora Exequente e a Executada W.

OO) Direi que, o título invocado pela ora Exequente é manifestamente inválido.

PP) Deveremos pois destacar e salientar, que muito mal andou o Tribunal ao não ter tomado em consideração o que resultou da Exequente não haver dado cumprimento ao disposto no artigo 775º, nº1 do CPC, quando foi notificado em 22-03-2027, e deveria ter-se pronunciado no prazo de DEZ DIAS, declarando se mantinha ou desistia da penhora. (Cfr. Doc nº 1)

QQ) A deliberação não respeitou o contraditório, previsto no artigo 3º do CPC.

RR) Saliente-se que a decisão proferida pelo Tribunal na sua douta sentença proferida em 07 de Julho de 2020, faz menção e apelo numa declaração da Exequente em manter a penhora de acordo com o disposto no artigo 775º, nº1 do CPC, a qual não consta do Citius porquanto nunca ter ocorrido de facto. (Cfr.Doc nº 1)

SS) O comportamento da AE, e as suas comunicações ao longo do processo vão nesse sentido, porquanto numa primeira fase ter informado a ora Exequente que a Executada Incidental (Y) não reconheceu qualquer crédito, tendo posteriormente vindo comunicar que a Y tinha reconhecido o direito de crédito. (Cfr. Doc nº 1)

TT) Salvo melhor opinião e entendimento, em última análise considerando-se a existência de “crédito litigioso”, seria essencial e fundamental que a ora Exequente juntasse aos autos documentos, bem como existisse fundamento para poder prosseguir com a execução, designadamente fazendo prova da sua exigibilidade.

UU)O comportamento da exequente configura abuso do direito.(Cfr. Art.º 334 do CC), e Exequente exerce o seu direito excedendo os limites exigíveis impostos pela boa-fé.

VV) Com efeito, a Exequente exerce o seu direito contra a ora oponente sem assegurar os requisitos da obrigação exequenda contra a Oponente. (Cfr. Art.º 713 CPC)

XX) Conhecendo do direito litigioso, a Exequente não declarou querer manter a penhora, quando para tal foi notificada em 22-03-2017, nos termos do disposto no artigo 775º, nº1 do CPC, e lhe foi concedido um prazo de DEZ DIAS, para se pronunciar e declarar se mantinha a penhora ou desistia dela. (Cfr. Doc nº 1)

ZZ) O não exercício do direito de forma tempestiva configura abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium. (Cfr. Doc nº 1)

AAA) A ora Exequente exerce o seu direito crédito, quando evidenciou comportamento contrário. (Cfr. Doc nº 1)

BBB) Além disso, transcorrido que foi um período significativo de dois anos após a declaração da ora Oponente sem que a Exequente tenha reagido, criou-se na Oponente a expectativa legítima de que o direito crédito não iria ser exercido. (Cfr. abuso de direito na modalidade de supressio)

BBB) A ora Exequente não desconhecia, o teor da comunicação via notificação que lhe fora feita pela AE em 22.03.2017, e lhe foi determinado que no prazo de DEZ DIAS, deveria ter declarado se mantinha ou desistia de penhora, o que não fez. (Cfr. Doc nº 1)

CCC) A actuação da ora Exequente é inadmissível e contrária à boa-fé, na exacta medida em que traiu a confiança gerada na ora Oponente, que contestou em tempo oportuno a existência do direito de crédito, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 773 do CPC e colaborou com a Exequente.

DDD) Qualquer declaração que não tenha sido realizada por meio de transmissão electrónica de dados não é legalmente admissível, devendo considerar-se ineficaz oi inválida, e a pretensa e aludida peça processual “ou declaração” conforme melhor se colhe dos autos, não consta da plataforma Citius.

EEE) De forma muito anómala e estranha no mínimo, a Exequente requer na sua douta contestação “notificação da Sra AE, para vir juntar aos autos os documentos que não estejam já juntos. (caso existam).

FFF) Em suma diremos pois, que o silêncio e inércia da Exequente não pode vir agora a beneficiar e aproveitar o Exequente que como sabemos não reagiu à notificação da AE datada de 22-03-2027. (Cfr. Doc nº 1)

GGG) Por último sempre diremos que a “garantia bancária” não era um direito de crédito, não se tendo conhecimento da existência de qualquer notificação da AE a ordenar a penhora no processo em causa.

HHH) A Exequente pretende fazer uso nesta execução de um suposto titulo judicial impróprio que não se formou por falta de impulso e preenchimento dos pressupostos do artigo 775º, nº1 do CPC. (Cfr. Doc nº 1).

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE A DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA SER REVOGADA, E EM CONSEQUÊNCIA SER ORDENADA A EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO CONTRA A EXECUTADA INCIDENTAL, BEM COMO O LEVANTAMENTO DA PENHORA DE CRÉDITOS.

A Recorrida apresentou contra-alegações para pedir a improcedência do recurso.

II – Delimitação do objecto do recurso e questões prévias a apreciar:

Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do C.P.C. (Código de Processo Civil), as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. (2) Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas (3) que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. (4)

As questões enunciadas pela recorrente podem ser sintetizadas da seguinte forma:
- O incumprimento do disposto no art. 724º, nº 1, al. e), do C.P.C.;
- A falta de citação da Executada W, Ldª.;
- A falta de título executivo;
- O incumprimento do disposto no nº 1 do art. 775 do C.P.C.;
- O abuso de direito da Exequente.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos

1. Factos provados com relevância para a decisão da causa:

1.- No dia 09-03-2017, a exequente requereu a penhora de: “Crédito que a executada tem a receber de "Y-Equipamentos de Escritório, Lda.", com sede na Quinta dos …, lote …, Loja …, nipc ………, proveniente do processo nº 243/13.7TBCSC do 3º Juízo Cível do Tribunal de Cascais”.
2.- Notificada para os efeitos do disposto no art.º 773.º do C.P.C., a embargante pronunciou-se por carta datada de 20-03-2017, nos seguintes termos: “(...) Informamos que o processo n.º 243/13.7TBCSC a correr termos no 3º Juízo Cível do Tribunal de Cascais instaurado pela W – BRINDES PUBLICITÁRIOS, LDA. Ainda não se encontra findo, estando ainda em fase de recurso, motivo pelo qual, não existindo transito em julgado, nesta fase, a executada ainda não é titular de crédito exigível. Por conseguinte, por agora, informamos ainda que a W não é detentora de crédito a seu favor. Para efeitos que considerar convenientes, informamos que, por apenso aos autos supra indicados, encontra-se garantia bancária passada pelo banco Millenniumbcp à ordem do tribunal para satisfazer eventual crédito a favor da W no âmbito do processo. Nesse sentido, recomendamos a V. Exa. que dirige a sua comunicação ao Tribunal Judicial de Cascais. ....”, conforme documento junto aos autos de execução pelo agente de execução no passado dia 01-07-2020, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
3.- Por missiva datada de 22-03-2017, a agente de execução notificou a ora embargada/exequente nos seguintes termos: “Fica pela presente notificado, nos termos e para efeito do disposto no nº 1 do artigo 775º do Código do Processo Civil (CPC) que o devedor contestou a existência do crédito, conforme requerimento anexo, pelo que deve, no prazo de DEZ DIAS, pronunciar-se quanto ao mesmo, devendo declarar se mantém a penhora ou desiste dela.”
4.- A este ofício, respondeu a exequente no dia 23-03-2017 nos seguintes termos: (…) 1- Pretende manter a penhora do crédito indicado; 2-Deverá notificar-se a entidade devedora do crédito penhorado de que a penhora se mantém e se tornará efectiva quando a decisão judicial transitar em julgado; 3-Deverá notificar-se o processo nº 243/13.7TBCSC do 3º Juízo Cível de Cascais, de que o crédito da A. ficará penhorado à ordem destes autos, garantindo tal penhora a garantia bancária existente nos autos.”, conforme documento junto aos autos de execução pelo agente de execução no passado dia 01-07-2020, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
5.- Por missiva datada de 02-07-2019, a agente de execução notificou a ora embargante nos seguintes termos: Na sequência da notificação para penhora de créditos da executada W – Brindes Publicitários, Lda, NIF. …......, que detém no âmbito do processo nº 243/13.7TBCSC do 3º Juízo Cível do Tribunal de Cascais, cuja cópia da V/ resposta se anexa para melhor esclarecimento, venho pela presente, na qualidade de agente de execução solicitar a V. Exa. que se dignem informar, o estado do referido processo, designadamente se já houve decisão do recurso e em caso afirmativo qual o teor dessa decisão. Grata pela atenção dispensada ao assunto, subscrevo-me na expectativa das V/ breves noticias, Atentamente.
5.- Por missiva datada de 05-08-2019, o agente de execução notificou a ora embargante nos seguintes termos “(…) Não tendo sido satisfeito o solicitado a n/ ofício, cuja cópia se remete para melhor esclarecimento, vimos novamente junto de V. Exa. solicitar no sentido de, tão urgente quanto possível, ser satisfeita a n/ pretensão, designadamente informar se já houve decisão do recurso e em caso afirmativo qual o teor dessa decisão”.
6.- Por missiva datada de 03-10-2019, a agente de execução notificou a embargante nos seguintes termos: “(…) Na sequência da notificação para pagamento do crédito penhorado à executada “W – Brindes Publicitários, Lda., NIF …......, que se junta em anexo para melhor esclarecimento, e verificando-se que até à presente não foi recepcionado qualquer pagamento, fica(m) V. Exa.(s) expressamente notificado(s) para no prazo de cinco (5) dias juntar aos presentes autos o comprovativo do pagamento, utilizando os dados da referência multibanco indicados na notificação para penhora de crédito. Fica(m) ainda expressamente advertido(s) de que findo referido prazo sem que se mostre o pagamento, será extraída certidão do facto para o exequente querendo, instaurar execução contra V. Exa(s).”
7.- No âmbito do processo n.º 243/13.7TBCSC, que correu seus termos no 3º Juízo Cível do Tribunal de Cascais instaurado pela W – BRINDES PUBLICITÁRIOS, LDA., contra a ora embargante, esta foi condenada a pagar à W – BRINDES PUBLICITÁRIOS, LDA.”, uma quantia monetária.
8.- Até à presente data, a embargante não depositou qualquer valor à ordem dos presentes autos.

Além do exposto, considerado pelo Tribunal recorrido, resulta assente, por estar documentado nos autos e ser relevante (art. 662º, nº 1, do C.P.C.) o que acima se relatou em I. e ainda o seguinte:
9. Na sequência da notificação de 3.10.2019, a Apelante reclamou desse acto da A.E., alegando que não era executado e não tinha reconhecido o crédito.
10. Exequente e A.E. pronunciaram-se, tendo esta última, em correio electrónico junto sob registo de 18.11.2019, defendido que, afinal, sic: “Portanto, está perfeitamente explícito nas afirmações da devedora que ao declarar “por agora” e “ainda não é” está reconhecer tacitamente que o crédito naquela data não se encontra líquido nem vencido, mas que poderá vir a ser (liquido e vencido). - E se poderá vir a ser, a devedora/reclamante, por uma questão de elementar prudência deveria sempre acautelar esse crédito.”
11. Foi então, em 20.11.2019, proferido despacho que culmina com as seguintes declarações:
“Partindo deste regime legal, temos com indiscutível, atento os documentos juntos aos autos, que o agente de execução procedeu à penhora de um crédito litigioso, conforme reconheceu expressamente a ora reclamante. Efectuada a dita penhora de créditos, apenas resta apurar se o dito crédito já está vencido e é líquido ou ainda é tido como “litigioso”. Neste contexto, é manifesto que a reclamante é responsável pelo depósito do dito crédito a partir do momento em que e se o mesmo perdeu essa natureza “litigiosa”. Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada nos autos, sem prejuízo do oportuno requerimento de execução desse crédito.”
12. Entretanto, sem mais, em 4.3.2020, foi junto requerimento executivo da aqui Apelada contra a Apelante, reclamando o pagamento da quantia de 17100 euros, referindo como título executivo: “outro documento autenticado”.
13. Junto com este requerimento junta-se um único documento com o seguinte teor certificado: F. D., Agente de Execução nomeada nos autos acima identificados, CERTIFICA que no seu escritório correm termos uns autos de Execução Comum (Ag. Execução) com o n.O 2355/17.9T8VNF, em que são: Exequente(s): X, Lda, contribuinte fiscal n.º …….., com sede na Rua …, Barcelos; Executado(s): W - Brindes Publicitários, Lda, contribuinte fiscal n.? ………, com sede na Praceta . - Amadora; MAIS CERTIFICA a) Que foi notificada a devedora Y Representação de Equipamentos de Escritório, Lda, contribuinte fiscal n.? ……… com sede na Rua …, QUinta dos …, …, para penhora do crédito proveniente do processo nO 243/13.7TBCSC, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Cascais - Juízo Central Cível de Cascais - Juiz 1, até ao montante de 17.100,00€(dezassete mil e cem euros). b) A referida devedora foi notificada da penhora desse crédito na data de 16.03.2017, através de citação postal com aviso de recepção c) Até à presente data não procedeu ao pagamento do crédito penhorado tendo decorrido o respectivo prazo para o fazer. É quanto me cumpre certificar em face do que dos autos consta e aos quais me reporto em caso de dúvida, destinando-se a presente certidão para efeitos de cumprimento da obrigação do devedor, nos termos do nO 3 do art° 777.° do Cod. Proc. Civil, tendo sido solicitada pelo(a) ilustre mandatário(a) do (a) exequente Dr. O. V, com escritório no Campo … Barcelos. Por ser verdade e para que conste vai por mim assinada e autenticada, Barcelos, 25 de Fevereiro de 2020”.
14. Foi de seguida, em 6.3.2020, proferido o seguinte despacho liminar: “Admito a cumulação de execução nos termos peticionados. Cite-se.”

2. Direito

2.1. Incumprimento do estipulado no art. 724º, nº 1, al. e), do C.P.C.

A Apelante, repetindo a afirmação lacónica do seu requerimento inicial de embargos, inicia as suas conclusões com a afirmação de que a Exequente não cumpriu o previsto nesta norma processual.
Todavia não concretiza nas suas alegações essa afirmação de direito, nem retira daí nenhum efeito útil para a sua pretensão, pelo que, uma vez que não estamos perante matéria de conhecimento oficioso e tal questão nem foi apreciada pela decisão recorrida, consideramos desde já improcedente essa conclusão.

2.2. Falta de citação da Executada principal
Já nesse seu r.i. de embargos, a Embargante suscitou também a questão da alegada falta de citação da Executada W, afirmando que não foi cumprido o disposto no art. 855º, do C.P.C. e que isso viola o disposto nos arts. 20º da Constituição da República Portuguesa e 3º do C.P.C., repetindo aquilo que dizia no seu articulado inicial.
Nessa decisão o Tribunal recorrido defendeu a inexistência da apontada nulidade por falta de citação considerando o seguinte, sic: No caso vertente, temos como indiscutível que a não citação da executada primitiva até ao presente momento, atenta a forma de processo, em nada belisca a validade da citação da embargante nem sequer prejudica o seu direito de defesa. Assim, por se considerar que a não citação da executada primitiva até à presente data, atenta a forma de processo sumário, em nada beliscou o “direito de defesa” da embargante, julga-se a identificada “nulidade” improcedente.
A Apelada secundou esta posição.
Vejamos…
O presente processo executivo, em que se pretende a cobrança de determinada quantia pecuniária, segue uma forma especialíssima decorrente da previsão conjugada dos arts. 550º, nº 2, al. a), e 626º, nº 2, do C.P.C.: Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 550.º, a execução da decisão condenatória no pagamento de quantia certa segue a tramitação prevista para a forma sumária, havendo lugar à notificação do executado após a realização da penhora.
Posto isto, haverá com certeza algum equívoco quando a Apelante, insiste que a Executada nestes autos deve ser “citada” quando a previsão acima exposta aponta para uma forma mais simples e ágil de dar-lhe a conhecer o processo, a notificação, com o formalismo previsto nos arts. 247º e ss., do C.P.C..
Recorda-se que, apesar de os Tribunais especializados importarem uma tramitação distinta, a acção executiva não deixa de ser desencadeado no próprio processo declarativo, tal como decorre do disposto no art. 85º, do C.P.C., razão pela qual não estamos perante um novo processo mas sim a continuação do processo declarativo em que, por isso, basta a notificação da parte requerida nos termos expostos.
Deste modo, carece de qualquer sentido a invocação da nulidade prevista no art. 191º, nº 1, do C.P.C., que de resto é coisa distinta do vício consistente na alegada e pura falta de citação, prevista sim nos arts. 187º e 188º, do mesmo Código, e de conhecimento oficioso, conforme dita o seu art. 196º.
O que subsistia nos autos à data do requerimento da arguente seria apenas uma falta da “notificação” prevista no art. 626º, do C.P.C., que poderia, em tese configurar uma nulidade prevista no art. 195º, do mesmo Código, vício este que, diversamente da alegada falta de citação, a Apelante não teria legitimidade para invocar, tendo em conta o disposto no art. 197º, do mesmo Código.
Ainda que assim não se entendesse, atente-se que esta Recorrente interveio e foi notificada do decurso dos autos, após a penhora em Março de 2017, sem arguir esse vício, pelo que sempre se deveria considerar o mesmo sanado (cf. art. 196º, do C.P.C.) ou até tacitamente renunciada a sua arguição após cerca de 3 anos de inércia nessa matéria (cf. art. 197º, nº 2, do C.P.C.).
Deste modo, fica prejudicada a arguição, por essa via, da violação do disposto no arts. 20º da Constituição da República Portuguesa, e do art. 3º, do C.P.C., que a Apelante alega tomando de forma inadmissível (como vimos supra) a posição da Executada principal, e sem qualquer prejuízo, aliás não concretizado, para a sua própria defesa.

2.3. A falta de título executivo

No que diz respeito às conclusões Q) e ss., expressa aí a Apelante o entendimento de que não foi cumprido o disposto no art. 773º, do C.P.C., e que o título não se formou, alegando que a certidão junta não contém todos os factos relevantes, nomeadamente a sua contestação do crédito penhorado.

O Tribunal a quo entendeu rejeitar essa excepção afirmando, em suma, ser indiscutível que, se no momento em que o crédito da executada primitiva foi penhorado, o mesmo tinha natureza litigiosa, no entanto, porque confessado, essa “natureza litigiosa” já cessou e o valor em causa era efectivamente um crédito da executada primitiva devido pela ora embargante.
Neste contexto, conclui que esse crédito, penhorado nos autos de execução, é, na presente data, indubitavelmente devido pela ora embargante porquanto já cessou essa “natureza litigiosa”, como confessa a embargante. E sendo devido esse crédito à executada primitiva, acrescenta que a ora “embargante” tem obrigatoriamente de depositar esse valor, sob pena de prosseguimento da execução nos termos já peticionados pela exequente.

A Apelada segue, também aqui, de perto a interpretação da decisão em crise.
Posto isto, impõem-se algumas clarificações.
A primeira é a de que, no regime do actual Código de Processo Civil, a penhora de créditos é realizada através da notificação ao devedor do executado, nos termos previstos no seu art. 773º, nº 1.
Segue-se a reacção desse devedor, que ditará os ulteriores termos dessa penhora e seu aproveitamento nos autos.
De entre as várias atitudes possíveis por parte do devedor, que se mencionam nos arts. 773º e ss., do mesmo C.P.C., importa aqui destacar duas que aparentam estar confundidas nos presentes autos.
Uma das reacções possíveis é a de reconhecer expressamente o crédito, caso em que se deverá seguir o oportuno e voluntário depósito da respectiva importância, nos termos do art. 777º, nº 1, al. a, do mesmo C.P.C., ou, em caso de incumprimento dessa obrigação, a possibilidade de cobrança, nos próprios autos, com base em título que será consubstanciado pela “declaração de reconhecimento do devedor” – cf. art. 777º, nº 3, do C.P.C..
Outra posição, será a de negar ou contestar a existência do crédito, situação perante qual, na circunstância em que o exequente mantenha a penhora, o mesmo será adjudicado ou transmitido como litigioso, tal como estipula o art. 775º, nº 2, do C.P.C..
Neste contexto, caberá ao adquirente do crédito litigioso propor a competente acção declarativa ou executiva contra o seu devedor.
Esse adquirente pode muito bem ser o exequente, v.g., por via da adjudicação prevista no art. 795º, do C.P.C..
O adquirente desse crédito litigioso, seja ele o exequente ou um terceiro podem assim invocar como título (comumente denominado impróprio), no caso em que o devedor não cumpra voluntariamente a obrigação de depósito, pura e simplesmente o título de aquisição do crédito, tal como decorre do mesmo art. 777º, nº 3, in fine.

No caso, como afirmou o Tribunal a quo, é indubitável que o crédito penhorado foi classificado como litigioso, nos termos do art. 775º, do Código de Processo Civil. E se ocorressem dúvidas sobre isso, há que recordar aqui que esse mesmo Tribunal o ditou no seu despacho de 20.11.2019, que formou caso julgado sobre essa questão (cf. art. 620º, do C.P.C.). (5)
Dito isto, não se encontra na decisão recorrida fundamento legal para transmutar esse crédito litigioso em crédito não litigioso e reconhecido pela Apelada pelo simples decurso do tempo, nem nos parece que a melhor interpretação do art. 777º o admita ou preveja.
Além disso, atendendo ao que acima ficou dito, constata-se que pelo Tribunal recorrido, porventura equivocado, foi admitido que a A.E. ultrapassasse a fase da transmissão do bem em causa (v.g., adjudicação ou venda) e atribuísse, sem mais, ao Exequente, a titularidade do crédito apreendido para este o executar cumuladamente, como se depreende do seu despacho liminar.
Mais, admitiu que servisse de título executivo, ao abrigo do disposto no art. 777º, nº 3, do C.P.C., uma certidão que regista factos que, em qualquer uma das circunstâncias previstas nessa norma, não servem, por si só, para consubstanciar o título executivo aí previsto, v.g., a simples notificação da devedora aí atestada, desacompanhada da certificação de uma suposta e cumulativa “falta de declaração”, que neste caso não poderia ser admitida dado o que ficou apurado em III.1.2., supra, e, inexplicavelmente, a Srª. A.E. não fez constar.
Neste conspecto, embora a argumentação da Apelante também falhe na medida em que pressupõe a inexistência da declaração apurada em III.1.4., supra, sem ter impugnado essa matéria (cf. art. 640º, do C.P.C.), não podemos deixar de lhe dar razão quando conclui que não foi apresentado qualquer título executivo válido contra si, pelo que, à luz do disposto nos arts. 729º, al. a), e 730º, do C.P.C., deve a apelação proceder, com prejuízo para o conhecimento dos demais argumentos esgrimidos (cf. art. 608º, nº 2, do C.P.C.), devendo, em consequência, a presente execução incidental improceder, sem prejuízo da correcta e oportuna formação desse título, cumprido que seja o preceituado no processo civil em vigor.

IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente a apelação e, em conformidade, revogar a decisão recorrida e, em sua substituição, julgar os presentes embargos procedentes, com a consequente extinção da presente execução incidental.

Custas dos embargos e da presente apelação pela Embargada/Exequente (cf. art. 527º, do Código de Processo Civil).
N.
*
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Guimarães,

Relator – Des. José Flores
1º Adj.- Des. Sandra Melo
2º Adj. - Des. Conceição Sampaio



1. Da responsabilidade do relator – cf. art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.
2. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106.
3. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efectivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
4. Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107.
5. É, portanto, impertinente qualquer discussão sobre o sentido da reacção da devedora/apelante em 20.3.2017, diversamente do que entendeu a Srª. AE na sua exposição de 18.11.2019 e considerou o Supremo Tribunal de Justiça, noutro contexto, no seu Ac. de 22.2.2018, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/51c22f82005c3f648025823c005d9ce7?OpenDocument