Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
247/22.9GAVLP.G1
Relator: PAULO CORREIA SERAFIM
Descritores: CRIME DE DETENÇÃO DA ARMA PROIBIDA
TIPICIDADE OBJECTIVA
REGIME DE PERMANÊNCIA DA HABITAÇÃO
AUSÊNCIAS PARA A ACTIVIDADE PROFISSIONAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - Atento o teor da tipificação do crime de detenção de arma proibida, é de qualificar o mesmo como constituindo um crime de perigo abstracto porquanto a respetiva consumação prescinde da verificação de algum perigo em concreto, antes se bastando com a suscetibilidade de os materiais ali descritos gerarem algum perigo para a segurança da comunidade.
II - O tipo objetivo do crime em apreço exige que a detenção da arma ou outra conduta tipificada ocorra à margem da legalidade administrativa, outrossim que o objeto em causa tenha capacidade agressiva, independentemente de o detentor/possuidor o destinar a ser usado como arma de agressão e, muito menos, que o use dessa forma.
III – No caso vertente, inexiste atipicidade da conduta, em virtude da alegada insignificância da respetiva ilicitude e tolerância social que o caso supostamente mereceria, sendo impertinente para o efeito aquilatar se a detenção e uso da arma proibida pelo arguido, nas circunstâncias em que sucedeu, causou ou não receio e efetivo risco para as demais pessoas presentes no local, desse modo suscitando alarme social. Ademais, o grau de ilicitude do facto cometido pelo arguido não é diminuto ou insignificante, antes supera o mediano, porquanto ele não se limitou a deter a arma e munição proibidas em apreço, o que por si só consubstancia um efetivo ataque ao bem jurídico protegido pela incriminação, bem assim usou tal arma e uma outra munição de que dispunha para efetuar um disparo de projétil em local público e não se coibiu de exibir a arma em local público e na presença de várias pessoas, o que acentua sobremaneira o desvalor da conduta e o inerente juízo de censurabilidade ético-social que incide sobre a mesma.
IV - A norma do art. 43º, nº3, do Código Penal, que prevê no âmbito da execução de pena de prisão em regime de permanência na habitação a excecional concessão na decisão de autorização para as ausências da habitação do condenado que sejam necessárias ao exercício da sua atividade profissional, pressupõe que este desenvolva uma atividade laboral estruturada, fixa, estável, temporalmente previsível e delimitada, o que não sucede in casu, porquanto o arguido somente executa trabalhos esporádicos, de ocorrência e duração incerta.
V – Encontrando-se igualmente provado que o arguido raramente contribui financeiramente para as despesas do orçamento doméstico, conclui-se que a decisão recorrida, de determinação de cumprimento da pena de prisão em permanência na habitação, não afeta, pelo menos de modo relevante, a capacidade de ganho do arguido e, mormente, a sua contribuição para o bem-estar de familiares eventualmente dependentes desse fator.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO:
           
I.1 No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 247/22...., do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real - Juízo de Competência Genérica de ..., por sentença proferida e depositada no dia 14.07.2023 (referências ...83 e ...51, respetivamente), foi decidido:

“A. Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alíneas j) e x), 3.º, n.ºs 1 e 2, alínea l) e 86.º, n.º 1, alínea c), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 (um) ano de prisão efetiva, cuja execução ocorrerá em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância a implementar pela DGRSP, em caso de viabilidade;
B. Declarar perdidos, a favor do Estado, a arma de alarme calibre 8mm, alterada para arma de fogo de calibre 6.35mm, marca ..., cor preta, o carregador para munições de calibre 6.35 mm e a munição de calibre 6.35 mm, marca desconhecida, a fls. 25, e, consequentemente, determinar a sua entrega à Polícia de Segurança Pública, que promoverá pelo seu destino;
C. Declarar perdido, a favor do Estado, um invólucro detonado de calibre 6.35mm e consequentemente, determinar a sua destruição;
D. Condenar o arguido AA no pagamento das custas criminais do processo, fixando-se em 2 UC’s (duas unidades de conta) a respetiva taxa de justiça inicial.”

I.2 Inconformado com a mencionada decisão, o arguido AA interpôs recurso, que, na motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório (referência ...77):

A) O Recorrente, acusado pela prática «em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alíneas j) e x), 3.º, n.ºs 1 e 2, alínea l) e 86.º, n.º 1, alínea c), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na sua redação atual.» foi condenado em julgamento «na pena de 1 (um) ano de prisão efetiva, cuja execução ocorrerá em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância a implementar pela DGRSP, em caso de viabilidade».
 
B) Não se conforma com a predita decisão, recorrendo de Direito, dado que, dos factos julgados provados de itens 1 a 9 conjugados com a fundamentação de facto da sentença, o Tribunal a quo denota laborar em erro quanto à fundamentação de Direito vertida da sentença e extrapolou os seus poderes no que concerne à livre apreciação da prova.

C) É que, a decisão recorrida, foi alicerçada entre o mais, no meio de prova testemunhal «declarações de BB e CC, Militares da Guarda Nacional Republicana, a prestar serviço no Posto ..., DD, Militar da Guarda Nacional Republicana, a prestar serviço no Pelotão de Intervenção de ..., e EE, testemunha aditada no decurso da audiência de julgamento.» para julgar provados os factos de itens 1 a 9, todavia, destes factos e destes meios de prova não resultam as conclusões vertidas na fundamentação de Direito da decisão, que levaram o Tribunal a quo a afastar o paralelismo entre os presentes autos e o Ac. TRE de 17/09/2013 e, a não absolver o Recorrente na égide de causas de atipicidade penal, que excluem a tipicidade da conduta ou a culpa do agente. Vejamos:

D) Na fundamentação de Direito da decisão foi invocado inexistirem, ao contrário daquele aresto do TRE, causas de justificação que excluam a ilicitude, nem causas de desculpação que excluam a culpa do Recorrente, porque «a arma de fogo que o arguido detinha, apesar de estar em mau estado de conservação, está em condições de disparar» sendo que «não se limitou a entregar a arma a terceiros: exibiu-a num local público e disparou-a, num ato de exibicionismo» e «não se diga que não gerou alarme social porque as pessoas que se encontravam na Associação não fugiram - pelo menos uma pessoa ficou receosa, ao ponto de denunciar o que ali se passava à Guarda Nacional Republicana, e houve a necessidade de solicitar a intervenção do Pelotão de Intervenção de ... para abordar o arguido, o que denota as cautelas adotadas na situação em causa.»

E) Tal fundamentação é incompatível com o testemunho dos militares da GNR acorreram ao local, do qual decorre que para além de terem demorado 1:30 a chegar a um local onde pelas regras da experiência comum bastam entre 25 a 35 minutos para chegar, que encontraram o Recorrente no exterior da Associação junto de 4 a 5 indivíduos, que o ambiente era pacato, tinha a arma no bolso e colaborou inteiramente com tudo o que os OPC lhe solicitam, mais sendo certo que desta prova testemunhal não podia o Tribunal a quo concluir pelo alarme social da situação dado alguém ter telefonado para o OPC a reportar a ocorrência, uma vez que os militares ouvidos não atenderam o telefone e não souberam circunstanciar animicamente o interlocutor do telefonema.

F) Por sua vez, a fundamentação de Direito da decisão também é incompatível com as declarações da testemunha EE, dado que não resulta do mesmo, contrariamente à interpretação do Tribunal a quo que o Recorrente ter mostrado a arma fosse um acto exibicionista, que tenha colocado em risco ou causado receio aos presentes – cerca de 10 pessoas – dado que por ser o Recorrente (que todos conheciam e mais não é do que um rapaz por referência aos homens que ali estavam) ninguém demonstrou medo.

G) Pelo que, é passível de ao caso concreto, mediante os factos julgados provados, concluir que, pelo princípio da insignificância e tolerância social do caso em concreto, a punição pelo art.º 86.º n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro deve ser afastada, dado a conduta do Recorrente se encontra excluída daquele tipo de ilícito por ser socialmente tolerada e dada a insignificância do respetivo grau de ilicitude.

H) Se assim não se entender, o que só por mera hipótese se admite, a condenação do Recorrente na «pena de 1 (um) ano de prisão efetiva, cuja execução ocorrerá em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância a implementar pela DGRSP, em caso de viabilidade», não deve ser mantida, dado que, por um lado, o Tribunal a quo, na busca de uma solução de equilíbrio, exara decisão que se afigura “inacabada” sob o ponto de vista do local de cumprimento – morado do TIR – dado que se trata de um concelho rural do interior transmontano, onde, à mingua de ofertas de emprego, a actividade de jornaleiro que aquele desenvolve, sem regularidade, em campanhas sazonais, sem entidade patronal e horário fixo é manifestamente incompatível com os meios de controlo à distância que na decorrência do art.º 43.º/3 do CP se aplicam nos termos da Lei n.º 33/2010 de 2 de setembro.

I) Por outro lado, não foram equacionadas pelo órgão jurisdicional, na ponderação das necessidades de ressocialização, decorrentes da prisão, ainda que executada em contexto habitacional, mas também nos efeitos desta, que seria fracturante para o Recorrente, um jovem que nesta data conta com 32 anos de idade, quer ao nível familiar, laboral e social, na medida em que fica privado de obter rendimentos do trabalho, ainda que sejam parcos em dinheiro ou em espécie, tanto, para além de comprometer o seus sustento, pode comprometer o sustento da sua família, na medida em que, quem vive com pouco, o pouco com que este sujeito vai contribuindo, quer em dinheiro quer em trabalho agrícola, poderá fazer diferença no sustento do todo (de idosos inclusive).

J) E, ainda, esta decisão deixa transparecer uma aparente contradição intrínseca na medida em que obriga o Recorrente a permanecer em casa a tempo inteiro, sem mais, nomeadamente junto de um tio com quem mantém relação menos amistosa, o que por si propicia a prática de novos ilícitos, e, por força da perícia psiquiátrica junta aos autos, ver a sua condição de saúde mental depressiva agravar-se.

K) Ora, é inquestionável que é necessário ultrapassar uma tal contradição, que se apelida de aparente, justamente porque a mesma desaparece se completarmos o raciocínio lógico dedutivo já iniciado pelo Tribunal a quo, do qual resulta evidente que se pretendeu salvaguardar também a inserção laboral, social e familiar do Recorrente quando decidiu que a execução da pena de prisão não ocorreria em contexto prisional.

L) No caso concreto, apenas se conseguem acautelar as exigências legais que dimanam do disposto no art.º 42.º do CP, modificando-se a decisão recorrida, no sentido de, a pena de um ano de prisão aplicada ser substituída, nos termos do art.º 45.º do CP, por pena de multa ou outra pena não privativa de liberdade, uma vez que, por falta de compatibilidade dos meios de controlo à distância com as questões laborais do Recorrente não poder este ser penalizado com a execução da pena em contexto prisional quando o Tribunal a quo realizou um juízo de prognose favorável de cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, dado o órgão jurisdicional ter dado por provado de itens 23, 28 e 28 que o Recorrente demonstra capacidade de trabalho, com o qual, ainda que de forma ténue, contribuiu para a estabilidade familiar de outros elementos do agregado familiar, mormente idosos que não poderão, pela força do trabalho, suprir a falta de rendimentos da ausência do trabalho deste e, como tal, não pode nem deve ser reintroduzido em ambiente prisional para cumprimento de pena.

M) Foram violadas as seguintes disposições legais:

- Art.º 31.º, art. º 42.º, art. º 43.º/3, art. º 45.º do Código Penal;
- Art.º 1.º, al. b) da Lei n.º 33/2010 de 2 de setembro;
- Art.º 30.º/4 da Constituição da República Portuguesa.
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NESTES TERMOS, e nos melhores de direito aplicável deve a Douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, com fundamento nos factos julgados provados e com fundamento no princípio da insignificância e tolerância social do caso em concreto, absolva o Recorrente da punição pelo art.º 86.º n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, dado a sua conduta se encontrar excluída deste tipo de ilícito, por ser socialmente tolerada no meio em que se encontrava e dada a insignificância do respetivo grau de ilicitude.
Se assim não for decidido, o que só por mera hipótese se admite, deve a sentença recorrida ser modificada no que concerne à condenação da pena de prisão efectiva cuja execução ocorrerá em regime de permanência na habitação, com recurso a meios técnicos de controlo à distância, devendo ser exarada decisão que acautele as exigências legais que dimanam do disposto no art.º 42.º do CP, substituindo-se a pena de um ano de prisão, nos termos do art.º 45.º do CP, por pena de multa ou outra pena não privativa de liberdade, uma vez que, por falta de compatibilidade dos meios de controlo à distância com as questões laborais do Recorrente não poder este ser penalizado com a execução da pena em contexto prisional, assim se realizando INTEIRA JUSTIÇA!!!”

Na primeira instância, o Digno Magistrado do Ministério Público, notificado do despacho de admissão do recurso apresentado pelo arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou doutas contra-alegações em que defende a manutenção da sentença recorrida (referência ...65).
Formulou as seguintes conclusões:
“- A Douta Sentença, a nosso ver, encontra-se assertiva, justa, adequada aos factos dados como provados, e não deve ser revogada nem substituída por outra, porquanto não há, de todo, qualquer insignificância e tolerância social quanto ao crime pelo qual o arguido foi, e bem, condenado.
- A conduta do arguido é típica, ilícita e culposa, logo, punível, é grave, numa sociedade civilizada onde há Lei que todos devemos cumprir.
- Não se verifica qualquer violação dos artigos 31.º, 42.º, 43.º, n.º 3, 45.º do Código Penal; do artigo 1.º, alínea b), da Lei n.º 33/2010 de 2 de setembro, e artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
- Também não deve a sentença recorrida ser modificada, no que concerne à condenação da pena de prisão efectiva, cuja execução deverá ocorrer em regime de permanência na habitação, com recurso a meios técnicos de controlo à distância.”

I.3 Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, para efeitos do disposto no art. 416º/1 do CPP, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso (referência ...51).

Cumprido o disposto no art. 417º, nº2 do CPP, o arguido/recorrente deduziu resposta ao sobredito parecer em que reitera os fundamentos e posição explanados e sufragados nas alegações de recurso (referência ...22).
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
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II – ÂMBITO OBJETIVO DO RECURSO (QUESTÕES A DECIDIR):

É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (ulteriormente designado, abreviadamente, CPP)[1].

Assim sendo, no caso vertente, as questões que importa dilucidar são as seguintes:
a. Atipicidade da conduta do arguido, atento o insignificante grau de ilicitude.
b. Errada escolha da espécie da pena, que deve ser de multa ou outra pena não privativa da liberdade.
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III – APRECIAÇÃO: 

III.1 – Dada a sua relevância para o enquadramento e decisão das questões suscitadas pelo ajuizado recurso, importa verter aqui a factualidade que o Tribunal a quo deu como provada [transcrição]:

Da acusação pública:
1) No dia 08 de Outubro de 2022, cerca das 14:15 horas, o arguido encontrava-se na localidade da aldeia de ..., junto à Associação da referida localidade, quando exibiu uma arma de fogo perante populares.
2) Após, e solicitada a intervenção da Guarda Nacional Republicana por referidos populares, uma vez que tinha sido ouvido um tiro nas imediações, deslocou-se ao local o Pelotão de Intervenção da GNR, bem como uma Patrulha da GNR de ....
3) Chegados ao local, cerca das 15:45 horas, os militares do Pelotão de Intervenção isolaram o arguido, que se encontrava junto à Associação, tendo-lhe sido efetuada uma revista.
4) Verificaram os militares da Guarda Nacional Republicana que o arguido tinha na sua posse, no bolso direito, uma arma de fogo de marca ..., de calibre de 8mm, transformada para 6,35mm.
5) A arma encontrava-se municiada, no carregador, com uma munição de calibre de 6,35mm.
6) No local, mais precisamente nas traseiras da Associação, foi encontrado um invólucro deflagrado no solo.
7) As armas e as munições foram apreendidas nos autos.
8) O arguido conhecia as características da arma de fogo transformada, de marca ..., de calibre de 8mm, transformada para 6,35mm, bem como da munição de calibre de 6,35mm, objetos que detinha, bem sabendo que a sua posse/detenção não é legalmente permitida.
9) O arguido detinha a arma de fogo transformada, e as munições, agindo, assim, com o propósito concretizado de deter os referidos objetos, ciente das suas características, bem sabendo que a arma que detinha, por ter sido transformada, não era legalmente permitida a sua detenção, e quanto à munição, porque não se encontrava legalmente autorizado, ou em contrário das prescrições da autoridade competente, sabendo de igual modo que a sua detenção fora das condições legais não é legalmente permitida.
10) Do Certificado do Registo Criminal junto aos autos – fls. 33 a 47 - resulta que o arguido foi condenado, entre outras condenações, por decisão datada de 03/07/2019, transitada em julgado em 17/09/2019, na pena de 10 meses de prisão efetiva, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo disposto nos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, por referência ao 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, por factos praticados em 09/04/2019, no âmbito do processo sumário n.º 21/19...., que correu termos no Juízo de Competência Genérica de ....
11) O arguido já foi anteriormente condenado por crime doloso, com pena de prisão efetiva superior a seis meses, relevando o facto que entre a data da prática dos factos objeto nos presentes autos - 08/10/2022 -, e a data referente ao último dos factos datados - 09/04/2019 -, pelos quais o arguido foi condenado na pena de 10 meses de prisão efetiva, tendo a pena sido cumprida e declarada extinta em 21/11/2020, não tinham decorrido mais de cinco anos entre a prática do crime anterior (último dos crimes) e a prática do crime seguinte (dos presentes autos).
12) Em tudo, o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Condições pessoais:
13) Em audiência de julgamento, o arguido não prestou declarações quanto às suas condições económicas.
14) O arguido cresceu no agregado familiar dos avós maternos, que se constituíram como uma referência afetiva no seu processo educativo.
15) Posteriormente, foi residir com a sua mãe e o novo companheiro desta.
16) No 2.º ciclo escolar registou diversas reprovações e começou a apresentar mau comportamento e absentismo escolar, o que motivou a intervenção da CPCJ ....
17) Inicialmente, foi aplicada a medida de apoio junto da avó mas, devido ao insucesso da medida, o Tribunal aplicou a medida de acolhimento residencial na Escola ..., em ....
18) A sua adaptação à instituição foi negativa, com registo de fugas, comportamentos agressivos e prática de delitos, o que motivou o encaminhamento do arguido para uma instituição em regime mais fechado na zona de ..., todavia, por insistência da avó materna, foi entregue aos seus cuidados.
19) O arguido abandonou os estudos durante a frequência do 7.º ano de escolaridade.
20) Devido à verificação de comportamentos aditivos, o arguido foi acompanhado, durante a adolescência, pelo Centro de Respostas Integradas ... e esteve internado oito dias numa clínica em ....
21) Posteriormente, deu continuidade ao tratamento no regime de ambulatório e tem sido abstinente aos opiáceos.
22) Com cerca de 26 anos de idade, iniciou os consumos de bebidas alcoólicas, que refere serem ocasionais, mas que têm interferido negativamente na relação com os outros, apesar de não o reconhecer.
23) Teve alguns trabalhos informais no setor agrícola e da construção civil.
24) Atualmente, reside com a avó materna, os tios e o primo, em casa própria da família, e com condições de habitabilidade.
25) Mantém um bom relacionamento com toda a família, à exceção do tio, devido ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas por parte deste.
26) A morte da mãe, há cerca de um ano, foi um momento marcante da sua vida.
27) O arguido não possui uma ocupação profissional estruturada, trabalhando em função das campanhas sazonais agrícolas e outros trabalhos elaborados que vão surgindo ao longo do ano.
28) O arguido raramente contribui financeiramente para as despesas do orçamento doméstico, apesar de o fazer a título de mão de obra, cortando lenha e auxiliando na preservação da propriedade agrícola familiar.
29) A subsistência do agregado familiar é garantida através da pensão de sobrevivência auferida pela avó e pelo salário da tia, que é auxiliar na Santa Casa da Misericórdia ....
30) A problemática do consumo excessivo de bebidas alcoólicas não é reconhecida pelo arguido, apesar de o ser pela comunidade.
31) O arguido denota uma atitude pró-criminal e necessita de interiorizar o desvalor da sua conduta e reconhecer a problemática aditiva enquanto tal.
32) Tem tendência para o isolamento, dificuldades de relacionamento interpessoal e de estabelecimento de vínculos afetivos.
33) É desconfiado, inibido, distante envolve-se minimamente em relações pessoais e obrigações.
34) Apresenta capacidade intelectual de nível médio inferior.
35) O seu estilo de pensamento é confuso e voltado para o mundo da fantasia, não sendo possível descartar confusão mental e delírios de grandeza, que poderão interferir no contacto com a realidade.
36) Tem sentimentos de inferioridade, é apreensivo, nervoso, indeciso e inquieto e tende a reagir exageradamente.
37) É impulsivo, de humor instável, irresponsável e mentalmente desorganizado.
38) Apresenta baixa tolerância à frustração, dificuldade em seguir orientações e suprimir impulsos e demonstra fraco potencial de mudança.
39) Não denota preocupação pelas consequências negativas que as suas ações possam ter em terceiros.
40) Existe um risco de violência moderado devido à violência prévia, inadaptação precoce, instabilidade nos relacionamentos, problemas de inserção profissional, ausência de objetivos realistas, uso de substâncias, impulsividade, falta de apoio pessoal e exposição a fatores de stress.
41) O arguido não padece de qualquer doença mental, estando ausentes sintomas que possam distorcer o sentido da realidade objetiva e que o próprio não domine ou sejam independentes do controlo da sua inteligência e vontade.
42) Tem consciência do bem e do mal.
43) O arguido prestou consentimento para um eventual cumprimento de pena de prisão no regime de permanência na habitação, sujeito a vigilância eletrónica.
44) O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:
i. Por decisão proferida a 17/03/2010, transitada em julgado a 26/04/2010, no âmbito do processo n.º 443/08...., que correu termos no Juízo de Competência Genérica de ..., o arguido foi condenado pela prática, a 28/11/2008, de um crime de furto qualificado, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na execução pelo mesmo período, mediante regime de prova (extinta pelo cumprimento após prorrogação pelo prazo de um ano);
ii. Por decisão proferida a 10/03/2015, transitada em julgado a 19/10/2015, no âmbito do processo n.º 54/13...., que correu termos no Juízo de Competência Genérica de ..., o arguido foi condenado pela prática, a 25/07/2013, de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efetiva (extinta pelo cumprimento);
iii. Por decisão proferida a 03/10/2011, transitada em julgado a 09/11/2011, no âmbito do processo n.º 544/10...., que correu termos no Tribunal Judicial de Chaves, o arguido foi condenado pela prática, a 28/08/2010, de um crime de roubo, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na execução pelo mesmo período, mediante regime de prova (extinta pelo cumprimento);
iv. Por decisão proferida a 03/10/2011, transitada em julgado a 02/11/2011, no âmbito do processo n.º 542/10...., que correu termos no Tribunal Judicial de Chaves, o arguido foi condenado pela prática, a 27/08/2009, de um crime de roubo, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na execução pelo mesmo período, mediante regime de prova (extinta pelo cumprimento);
v. Por decisão proferida a 03/10/2016, transitada em julgado a 02/11/2016, no âmbito do processo n.º 62/14...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – Juízo Central Criminal, o arguido foi condenado pela prática, a 18/06/2014, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na execução pelo mesmo período, mediante regime de prova (extinta pelo cumprimento);
vi. Por decisão proferida a 03/17/2019, transitada em julgado a 17/09/2019, no âmbito do processo n.º 21/19...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – Juízo de Competência Genérica de ..., o arguido foi condenado pela prática, a 09/04/2019, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 10 meses de prisão efetiva (extinta pelo cumprimento).” 
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III.2 – Análise e decisão do thema decidendum:

III.2.1 – Da invocada atipicidade da conduta:

Neste conspecto, o arguido/recorrente AA invoca, resumidamente [conclusões D), E), F) e G)], que:
- A prova testemunhal considerada pelo Tribunal a quo não permite as conclusões vertidas na sentença de que a conduta do arguido causou alarme social, que a exibição da arma foi um ato exibicionista, que tenha colocado em risco ou causado receio aos presentes;
- No caso concreto, mediante os factos julgados provados, é possível concluir que, pelo princípio da insignificância e tolerância social do caso, a punição pelo art.º 86.º n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, deve ser afastada, dado que a conduta do Recorrente se encontra excluída daquele tipo de ilícito por ser socialmente tolerada e dada a insignificância do respetivo grau de ilicitude.
Conhecendo.
O arguido foi acusado e condenado pela prática, como autor material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alíneas j) e x), 3.º, n.ºs 1 e 2, alínea l) e 86.º, n.º 1, alínea c), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.
O art. 2º, nº1, al. j), da Lei nº 5/2006 – Regime Jurídico das Armas e Munições (RJAM) –, na redação conferida pela Lei nº 50/2019, de 24.07 – define «arma de fogo automática» como “a arma de fogo que após cada disparo se recarregue automaticamente e que, mediante uma única pressão do gatilho, possa fazer uma série contínua de vários disparos.”
De acordo com a al. x) do mesmo normativo legal, na redação dada pela Lei nº 17/2009, de 06.05, «arma de fogo transformada» “é o dispositivo que, mediante uma intervenção mecânica modificadora, obteve caraterísticas que lhe permitem funcionar como arma de fogo”.
As armas de fogo automáticas, assim como as armas de fogo modificadas ou transformadas pertencem à Classe A – art. 3º, nº2, alíneas b) e l), do RJAM.
São proibidas a venda, a aquisição, a cedência, a detenção, o uso e porte de armas, acessórios e munições da Classe A – art. 4º, nº1, do RJAM.   
Estatui o art. 86º, nº1, al. c), do RJAM:
“1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desativar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo:
[…]
c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objeto, arma de fogo fabricada sem autorização ou arma de fogo transformada ou modificada, bem como as armas previstas nas alíneas ae) a ai) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias; […]” – negrito nosso
Os bens jurídicos protegidos pela norma incriminadora são a ordem, segurança e tranquilidade pública – neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21.06.2017, Processo nº 24/16.6JAGRD.G1, relatado pelo Exmo. Desembargador José Eduardo Martins, disponível em www.dgsi.pt.
Conforme se menciona no Acórdão da Relação de Lisboa de 12.11.2019, Processo nº 100/18.0PCPDL.L1-5, relatado pela Exma. Desembargadora Anabela Simões, disponível em www.dgsi.pt,  «O que se pretende com a incriminação em causa, punindo a detenção ilegal de arma, é assegurar o controlo do Estado sobre a existência de armas em poder de particulares, obviando, assim, à disseminação destas pela sociedade, de forma indiscriminada e incontrolável, assim se prevenindo a lesão de bens jurídicos que podem ser postos em causa com esse tipo de comportamento (cf. neste sentido, o Ac. da Relação de Lisboa de 05.06.2007, Processo nº 3994/2007-5, in www.dgsi.pt.).»
Atento o teor da tipificação do crime de detenção de arma proibida, é de qualificar o mesmo como constituindo um crime de perigo abstracto porquanto a respetiva consumação prescinde da verificação de algum perigo em concreto, antes se bastando com a suscetibilidade de os materiais ali descritos gerarem algum perigo para a segurança da comunidade.
Assim tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência, citando-se a título exemplificativo o expendido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.11.2010, Processo nº 145/10.9JAPRT.P1.S1, relatado pelo Exmo. Conselheiro Raúl Borges, disponível em www.dgsi.pt: «O crime de detenção de arma proibida constitui um crime de perigo comum. Os crimes de perigo caracterizam-se pela não exigência típica de efectiva lesão do bem jurídico tutelado, razão pela qual a consumação se basta com o risco (efectivo ou presumido) de lesão do bem jurídico, risco que se consubstancia numa situação de perigo, a qual só por si é tutelada. O crime em causa é um crime de perigo, porque não existe ainda qualquer lesão efectiva para a vida, a integridade física ou para bens patrimoniais de grande valor; e de perigo comum, porque é susceptível de causar um dano incontrolável sobre bens juridicamente tutelados de natureza diversa.»  
O tipo objetivo do crime em apreço exige que a detenção da arma ou outra conduta tipificada ocorra à margem da legalidade administrativa.
Por outro lado, é necessário que o objeto em causa tenha capacidade agressiva, independentemente de o detentor/possuidor o destinar a ser usado como arma de agressão e, muito menos, que o use dessa forma.
O elemento subjetivo do crime consubstancia-se no dolo do agente, em qualquer das suas modalidades previstas no artigo 14º do CP.
A punibilidade do agente impõe ainda a verificação do denominado elemento subjetivo especial (ou, para quem assim o entenda, a consciência da ilicitude) que se exprime no conhecimento por aquele de que a conduta por si livre e voluntariamente empreendida afronta a lei e é por esta punida, permitindo-se assim formular sobre ele um juízo de censurabilidade ético-jurídica por não ter atuado doutra maneira, podendo e devendo fazê-lo.  
Assim sendo, convocando para o caso sub judice as sobreditas sumárias noções jurídicas, e perante a materialidade dada como assente na sentença recorrida, entendemos estarem preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do ilícito criminal de detenção de arma proibida, imputado ao arguido/recorrido.
Com efeito, encontrando-se provado que o arguido, no circunstancialismo de tempo, modo e lugar descritos nos pontos 1 a 5, detinha uma arma de fogo transformada, em condições de funcionamento, ou seja, apta a disparar projéteis, assim como uma munição, cuja detenção não lhe era permitida por lei, estão preenchidos os elementos objetivos do crime de detenção de arma proibida p. e p. no art. 86º, nº 1, al. c), da Lei nº 5/2006, de 23.2.
Por outro lado, apurou-se que o arguido sabia que não lhe era permitida a detenção daquela arma, cujas características, composição e modo de funcionamento conhecia, assim como a sua impossibilidade de legalização, e, ainda assim, não se inibiu de o fazer, tendo igualmente agido de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era prevista e punida por lei – pontos 8, 9 e 12 da factualidade provada. Donde, estão também preenchidos os elementos subjectivos do tipo legal do crime.
Acresce que não se verifica qualquer causa de exculpação ou de exclusão da ilicitude.
Contrariamente ao que sustenta o recorrente, inexiste atipicidade da sua conduta em virtude da insignificância da respetiva ilicitude e tolerância social que o caso merece.
Diga-se, desde logo, que, em conformidade com o sobredito e como também nota a Exma. Procuradora-Geral Adjunta na pronúncia sobre o recurso que lavrou nos autos, sendo o ilícito penal pelo qual o arguido foi condenado um crime de perigo comum, que se caracteriza pela não exigência típica de uma efetiva lesão do bem jurídico tutelado - a segurança da comunidade -, é irrelevante o argumentário apresentado a este propósito na motivação de recurso.
Na verdade, não é pertinente para efeito de subsunção jurídica dos factos ao tipo de crime em apreço, na forma consumada, aquilatar se a detenção e uso da arma proibida pelo arguido, nas circunstâncias em que sucedeu, causou ou não receio e efetivo risco para as demais pessoas presentes no local, desse modo suscitando alarme social.
E cabe referir que o grau de ilicitude do facto cometido pelo arguido não é diminuto ou insignificante, como ele pretende, antes supera o mediano. Com efeito, ele não se limitou a deter a arma e munição proibidas em apreço, o que por si só, reitera-se, consubstancia um efetivo ataque ao bem jurídico protegido pela incriminação, bem assim usou tal arma e uma outra munição de que dispunha para efetuar um disparo de projétil em local público e não se coibiu de exibir a arma em local público e na presença de várias pessoas, o que acentua sobremaneira o desvalor da conduta e o inerente juízo de censurabilidade ético-social que incide sobre a mesma.     
Por conseguinte, merece a nossa inteira concordância a decisão recorrida que, julgando procedente a acusação pública, condenou o arguido pela prática, como autor material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alíneas j) e x), 3.º, n.ºs 1 e 2, alínea l) e 86.º, n.º 1, alínea c), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.
  
Soçobra, nesta parte, o recurso.
  
III.2.2 – Da escolha da espécie de pena:

Neste segmento, alega o arguido/recorrente, sucintamente [conclusões H) a L)], que:
- A atividade de jornaleiro que o arguido desenvolve, sem regularidade, em campanhas sazonais, sem entidade patronal e horário fixo é manifestamente incompatível com os meios de controlo à distância que na decorrência do art.º 43.º/3 do CP se aplicam nos termos da Lei n.º 33/2010 de 2 de setembro, à execução da pena de prisão que lhe foi aplicada em regime de permanência na habitação;
- Por outro lado, não foram equacionadas pelo órgão jurisdicional, na ponderação das necessidades de ressocialização, decorrentes da prisão, ainda que executada em contexto habitacional, mas também nos efeitos desta, que seria fraturante para o Recorrente, um jovem que nesta data conta com 32 anos de idade, quer ao nível familiar, laboral e social, na medida em que fica privado de obter rendimentos do trabalho, ainda que sejam parcos em dinheiro ou em espécie, tanto, para além de comprometer o seus sustento, pode comprometer o sustento da sua família, na medida em que, quem vive com pouco, o pouco com que este sujeito vai contribuindo, quer em dinheiro quer em trabalho agrícola, poderá fazer diferença no sustento do todo (de idosos inclusive);
- A decisão obriga o Recorrente a permanecer em casa a tempo inteiro, sem mais, nomeadamente junto de um tio com quem mantém relação menos amistosa, o que por si propicia a prática de novos ilícitos, e, por força da perícia psiquiátrica junta aos autos, ver a sua condição de saúde mental depressiva agravar-se; deve salvaguardar-se a inserção laboral, social e familiar do Recorrente, em conformidade com a decidida a execução da pena de prisão fora de contexto prisional;
- No caso concreto, apenas se conseguem acautelar as exigências legais que dimanam do disposto no art.º 42.º do CP, modificando-se a decisão recorrida, no sentido de a pena de um ano de prisão aplicada ser substituída, nos termos do art.º 45.º do CP, por pena de multa ou outra pena não privativa de liberdade, uma vez que o Tribunal a quo realizou um juízo de prognose favorável de cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, dando por provado nos itens 23, 28 e 28 que o Recorrente demonstra capacidade de trabalho, com o qual, ainda que de forma ténue, contribuiu para a estabilidade familiar de outros elementos do agregado familiar, mormente idosos que não poderão, pela força do trabalho, suprir a falta de rendimentos da ausência do trabalho deste e, como tal, não pode nem deve ser reintroduzido em ambiente prisional para cumprimento de pena.
Vejamos.
O crime de detenção de arma proibida cometido pelo arguido é punível com pena de prisão de um a cinco anos ou com pena de multa de 10 a 600 dias (cf. art. 47º, nº1, do Código Penal (CP) e art. 86º, nº1, al. c), do RJAM).
O art. 70º do CP determina que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Conforme decorre do art. 40º, nº 1, do Código Penal, a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº2 do art. 40º do C.P.).
Segundo Figueiredo Dias[2], quanto aos fins das penas, predomina «a ideia de que só as finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reações específicas. Num contexto em que a prevenção geral assume o primeiro lugar, como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação, do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida, em suma, na expressão de Jackobs, como estabilização contrafática das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida».   

O mesmo insigne autor, após expor a teoria penal por si defendida no que tange ao problema dos fins das penas, conclui do seguinte modo[3]:

«(1) Toda a pena serve as finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; (2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; (3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; (4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais».      
Idêntico ensinamento é fornecido por Maria João Antunes, in “Penas e Medidas de Segurança”, Almedina, 2020 (reimpressão), p. 45, nos seguintes termos:
«A medida da pena tem de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, em face do caso concreto, num sentido prospetivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida. Um critério de necessidade da pena que não fornece, contudo, um quantum exato de pena. Fornece somente a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expetativas comunitárias e o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função de tutela do ordenamento jurídico. Ponto que não tem de coincidir com o limite mínimo da moldura legal, podendo situar-se acima dele. Neste sentido, é a prevenção geral positiva (e não a culpa) que fornece uma moldura dentro da qual vão atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que, em última instância, vão determinar a medida da pena. Constituindo a culpa o limite inultrapassável de quaisquer considerações preventivas – em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, nº2, do CP) -, a culpa fornece somente o limite máximo da pena.»
Assim, na proteção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afetem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).
As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objetivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.

No caso concreto, a finalidade de tutela e proteção de bens jurídicos há de constituir o motivo fundamento da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afetados.
Por seu turno, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há de ser casuisticamente prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.
Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização deverá ser encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, como vimos, nos termos do art. 40º, nº 2, do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena.
No caso vertente, o Tribunal a quo fundamentou a escolha do tipo de pena aplicada ao arguido nos seguintes termos:
«Considerando que ao crime identificado é aplicável, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, cabe ao Tribunal proceder à escolha da pena a aplicar.
Para tanto, alicerçamo-nos no artigo 70.º do Código Penal, que estabelece a preferência pelas penas não privativas da liberdade sempre que estas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, reitere-se, plasmadas no artigo 40.º do Código Penal.
Refletindo toda a filosofia subjacente ao sistema punitivo do Código, a escolha da pena é, sempre feita casuisticamente, relevando, exclusivamente, considerações de prevenção geral e especial positivas, sendo-lhe alheia qualquer referência à culpa – cuja relevância será determinante em sede de determinação concreta da medida da pena.
Reportando-nos ao reforço da consciência jurídica comunitária e ao sentimento de segurança face à violação da norma, as exigências de prevenção geral são elevadas, atentando à necessidade de reprimir comportamentos que coloquem em crise a segurança da comunidade, como a circulação de armas proibidas, potencialmente lesivas.
No que diz respeito às necessidades de prevenção especial positiva, são muito elevadas, considerando que, conforme se extrai dos factos provados em 14) a 44), o arguido denota uma atitude pró-criminal e necessita de interiorizar o desvalor da sua conduta e reconhecer a problemática aditiva enquanto tal; atualmente não tem uma ocupação profissional fixa, mas dispõe de alguma retaguarda familiar.
Acresce que o arguido já foi condenado pela prática de dois crimes de furto qualificado (por factos praticados em 2008 e 2013), em pena de prisão suspensa na sua execução e efetiva; dois crimes de roubo (por factos praticados em 2009 e 2010), em penas de prisão suspensas na sua execução; um crime de ofensa à integridade física simples, praticado em 2014, numa pena de prisão suspensa na sua execução, e um crime de ofensa à integridade física qualificada, praticado em 2019, numa pena de prisão efetiva.
Posto isto, resulta clarividente que a aplicação de uma pena de multa está afastada, não sendo idónea a reforçar a eficácia das normas penais e a fazer com que o arguido interiorize o desvalor da sua conduta, pelo que será condenado numa pena de prisão.»
E adiante, no que tange à não substituição da pena de um ano de prisão por outra pena não privativa da liberdade:
«Na sequência da aplicação de uma pena curta de prisão, cumpre apreciar, in casu, a possibilidade da sua substituição por uma pena não detentiva da liberdade ao arguido
Ora, no caso concreto, foi aplicado ao arguido a pena de um ano de prisão, que, abstratamente, poderá ser substituída pelas penas substitutivas enunciadas nos artigos 45.º, 50.º e 58.º, ambos do Código Penal
Porém, atentos os contornos do caso concreto, sobretudo as condenações anteriores do arguido, cremos que só a suspensão de execução da pena de prisão aplicada, em detrimento das demais penas de substituição, satisfaria as balizadoras finalidades punitivas, previstas no artigo 40.º do Código Penal
Com efeito, dispõe o artigo 50.º do Código Penal que o Tribunal suspende a pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta posterior e anterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.
“Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, a esperança de que ele sentirá a condenação como uma advertência e que não voltará no futuro a delinquir. / O tribunal deverá correr um risco prudente – esperança não é seguramente certeza (…) / Nessa prognose deve atender-se à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, ou seja, devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornem possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, atendendo somente às razões da prevenção especial, não sendo de excluir liminarmente do benefício da suspensão da execução da pena determinados grupos de crimes” (Simas Santos, Manuel e Leal-Henriques, Manuel, Noções de Direito Penal, 4ª edição, Rei dos Livros, 2011, pág. 200)
Resultou provado que o arguido já foi condenado pela prática de dois crimes de furto qualificado (por factos praticados em 2008 e 2013), numa pena de prisão suspensa na sua execução e efetiva; dois crimes de roubo (por factos praticados em 2009 e 2010), em penas de prisão suspensas na sua execução; um crime de ofensa à integridade física simples, praticado em 2014, numa pena de prisão suspensa na sua execução, e um crime de ofensa à integridade física qualificada, praticado em 2019, numa pena de prisão efetiva
É, portanto, patente que o arguido ignorou todas as advertências que lhe foram feitas, mostrando completa indiferença pelas normas e pela ordem jurídica, o que o leva a cometer novos crimes, contra variados bens jurídicos
Todo este circunstancialismo revela uma clara insensibilidade ao efeito dissuasor das penas que lhe têm vindo a ser aplicadas, pelo que se conclui que as mesmas não constituíram suficiente prevenção contra o crime, pois o arguido não alterou o seu comportamento.
Na verdade, substituir-lhe a pena de prisão aplicada, mais uma vez, seria permitir que a arguida acreditasse que existe sempre mais uma oportunidade para continuar a delinquir, afetando também o sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada.
Ora, afigura-se-nos não ser possível fazer-se um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a simples ameaça da pena de prisão seja adequada e suficiente para permitir a sua reintegração na sociedade e, bem assim, a proteção dos bens jurídicos tutelados pela norma incriminadora.
Por tudo isto, entendemos que só a pena efetiva de prisão poderá assegurar o efeito essencial de prevenção geral e satisfazer a necessidade de socialização do arguido, motivo pelo qual se determina que a pena de um ano de prisão seja efetivamente cumprida.»
Concordamos plenamente com a exemplar e cabal fundamentação aduzida pela Meritíssima Juíza.
Efetivamente, as prementes exigências de prevenção geral e especial verificadas in casu, consideradas agora na vertente negativa ou securitária de asseguramento da finalidade de afastamento do condenado e demais membros societários da prática de crimes, impedem a aplicação de outra pena que não seja uma pena privativa da liberdade (cfr. art. 45º, nº1, do CP).
            O trilho criminógeno que vem sendo trilhado reiteradamente pelo arguido há longo tempo e desde jovem idade (desde que atingiu a maioridade), com a prática plúrima de crimes, atentatórios de distintos e relevantes bens jurídicos – contra as pessoas e/ou o património alheio –, as sucessivas condenações judiciais que sofreu, em penas de prisão, em reclusão prisional ou com execução suspensa, atestam a sua personalidade desconforme ao Direito e particularmente violenta e demonstram o seu desinteresse ou a sua incapacidade para se deixar influenciar pelo cumprimento das sanções penais e inverter o seu comportamento delinquente de modo a conformá-lo com as regras da sã convivência social. 
Ademais, encontra-se provado que o arguido tem uma problemática aditiva decorrente do consumo excessivo de bebida alcoólicas, que não reconhece, porém influencia negativamente o seu relacionamento com os outros – factos nºs 22 e 30.
Apurou-se ainda que o arguido tende a reagir exageradamente, é impulsivo, de humor instável, irresponsável e mentalmente desorganizado, apresenta baixa tolerância à frustração, dificuldade em seguir orientações e suprimir impulsos e demonstra fraco potencial de mudança; não denota preocupação pelas consequências negativas que as suas ações possam ter em terceiros – factos nºs 36 a 39.
Conforme pericialmente diagnosticado, “existe um risco de violência moderado devido à violência prévia, inadaptação precoce, instabilidade nos relacionamentos, problemas de inserção profissional, ausência de objetivos realistas, uso de substâncias, impulsividade, falta de apoio pessoal e exposição a fatores de stress” – facto nº 40.
Note-se ainda que o próprio recorrente, de modo temerário, invoca no recurso a possibilidade de vir a cometer novos crimes só porque, em execução da pena cominada, terá de conviver com um tio com quem mantém uma relação menos amistosa, o que bem denota o caráter antissocial da personalidade do arguido e a sua propensão para a violação das normas jurídicas e de jaez social.
Assim, no caso, atenta a manifesta impossibilidade de formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, no sentido de que não cometerá novos ilícitos criminais, urge concluir que a aplicação a este de uma pena substitutiva de multa ou de prestação de trabalho a favor da comunidade revela-se insuficiente e inidónea para atingir as sobreditas finalidades preventivas da pena.
Quanto ao mais, a Mma. Julgadora fundamentou assim a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação:
«Cabe, por fim, equacionar a possibilidade de a pena de prisão ser cumprida em regime de permanência na habitação, previsto no artigo 43.º, n. º1, alínea a), do Código Penal, que dispõe:
Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos.
Acrescenta o n. º2 que o regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.
A pena de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, foi introduzida no ordenamento jurídico-penal português com a Lei n.º 59/2007, de 29/08, sendo a mesma entendida como uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão, que visou densificar o princípio fundamental de um sistema penal democrático, assente em princípios humanistas e ressocializadores da pena, nomeadamente da pena de prisão tout court, entendida como ultima ratio (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06/06/2012, processo n.º 31/11.5PEPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Para que a pena de prisão possa ser cumprida em regime de permanência na habitação, é necessário a verificação dos requisitos constantes da alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do Código Penal: pena de prisão aplicada não superior a dois anos, o que acontece no presente caso, e a conclusão de que tal forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Compulsada a factualidade provada, verificamos o seguinte:
- O arguido reside com a avó materna, os tios e o primo, em casa própria da família, e com condições de habitabilidade;
- Mantém um bom relacionamento com toda a família, à exceção do tio, devido ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas por parte deste;
- O arguido não possui uma ocupação profissional estruturada, trabalhando em função das campanhas sazonais agrícolas e outros trabalhos elaborados que vão surgindo ao longo do ano;
- Raramente contribui financeiramente para as despesas do orçamento doméstico, apesar de o fazer a título de mão de obra, cortando lenha e auxiliando na preservação da propriedade agrícola familiar;
- O arguido prestou consentimento para um eventual cumprimento de pena de prisão no regime de permanência na habitação, sujeito a vigilância eletrónica;
- A subsistência do agregado familiar é garantida através da pensão de sobrevivência auferida pela avó e pelo salário da tia, que é auxiliar na Santa Casa da Misericórdia ....
Deste modo, uma vez que o arguido está familiarmente inserido e expressamente consentiu, entendo que a execução da prisão efetiva aplicada ao arguido poderá ocorrer em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, considerando que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão.
Assim, deverá a DGRSP apurar a viabilidade de cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, colhendo os necessários consentimentos, nos termos do artigo 19.º da Lei n.º 33/2010 de 2 de Setembro.»
Também nesta parte a decisão recorrida não merece censura.
Não colhe a objeção recursiva de que a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância impede a possibilidade de o arguido prestar a sua atividade profissional e, dessarte, ajudar monetariamente à provisão das suas despesas e do agregado familiar em que se insere.
Como sagazmente refere o Exmo. Magistrado do Ministério Público nas contra-alegações apresentadas em primeira instância, «(…) considerando que o arguido não tem uma ocupação profissional estruturada, trabalhando em função das campanhas sazonais agrícolas e outros trabalhos que vão surgindo ao longo do ano, não se vê, com ausência de trabalho contínuo, definido, como é que o Tribunal poderia convocar o disposto no artigo 43.º, n.º 3 do Código Penal, isto porque a norma prevê que “O Tribunal pode autorizar as ausências necessárias para … ou para actividade profissional…”.»
A predita norma, prevendo a excecional concessão na decisão de autorização para as ausências da habitação do condenado que sejam necessárias ao exercício da sua atividade profissional pressupõe que este desenvolva uma atividade laboral estruturada, fixa, estável, temporalmente previsível e delimitada, o que não sucede in casu, porquanto o arguido somente executa trabalhos esporádicos, de ocorrência e duração incerta (cf. facto nº 27).  
Acresce que se encontra provado que o arguido raramente contribui financeiramente para as despesas do orçamento doméstico (facto nº 28), pelo que a decisão recorrida não afeta, pelo menos de modo relevante, a capacidade de ganho do arguido e, mormente, a sua contribuição para o bem-estar de outrem eventualmente dependentes desse fator.
Assim sendo, a decisão do Tribunal a quo revela-se absolutamente adequada, proporcional e equitativa.      

Improcede, também neste segmento, o recurso do arguido, pelo que é de manter a douta sentença recorrida, que não violou qualquer preceito legal ou constitucional, nomeadamente os invocados pelo recorrente.
*
IV - DISPOSITIVO:

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em conformidade, manter a douta sentença recorrida.

Custas a cargo do arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (arts. 513º e 514º, ambos do Código de Processo Penal, arts. 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este diploma legal), sem prejuízo da eventual proteção jurídica na respetiva modalidade de que beneficie.

Notifique (art. 425º, nº6 do CPP).
*
Guimarães, 21 de maio de 2024,

Paulo Correia Serafim (Relator)
[assinatura eletrónica]
Anabela Varizo Martins (1ª Adjunta)
[assinatura eletrónica]
José Júlio Pinto (1º Adjunto)
[assinatura eletrónica]

(Acórdão processado e integralmente revisto pelo relator, com recurso a meios informáticos – cfr. art. 94º, nº 2, do CPP)



[1] Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, UCE, 2008, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1030 e 1031; M. Simas Santos/M. Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2004, p. 696; Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 335; Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que mantém atualidade.
[2] “Direito Penal Português II, As Consequência Jurídicas do Crime”, 1993, pp. 72-73.
[3] “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pp.78-85.