Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2346/23.0T8VCT.G2
Relator: MARIA LEONOR BARROSO
Descritores: BENEFÍCIO DE REFORMA
FUNDO DE PENSÕES
EXTINÇÃO DO FUNDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/22/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - A criação a favor dos trabalhadores dos EMP01... de um plano de pensões resultou de acto unilateral da empresa, mediante titulo constitutivo de um “Fundo de Pensões”.
II - Nos termos do regime de constituição e funcionamento dos fundos de pensões (Dec. Lei 12/2006, de 20/01 com posteriores alterações): o Fundo de Pensões é um património autónomo distinto do património da empresa; é obrigatoriamente gerido por uma entidade externa; os títulos representativos dos valores mobiliários que lhe pertencem são objecto de depósito separado em instituição de crédito; o funcionamento do fundo e as suas vicissitudes são objecto de regulação e sujeitas a escrutínio e supervisão de várias entidades, bem como a publicação. Há, assim, toda uma clara preocupação legal de separar o património do Fundo do da empresa que o cria e financia.
III - Segundo o respectivo regime, em caso de insuficiência financeira grave do Fundo de Pensões, este é extinto e o património liquidado, obedecendo a distribuição do produto a uma ordem legal de preferência e de rateio, dando-se maior protecção aos beneficiários com pensões em pagamento relativamente aos trabalhadores com direitos “em formação”.
IV - As responsabilidades advindas do Fundo de Pensões são unicamente garantidas através do património adstrito ao Fundo de Pensões.
V - No caso, o Fundo de Pensões EMP01... foi extinto por lei especial (Dec. Lei 62/20015, de 23/04), a qual apenas assegurou os direitos dos beneficiários com pensões em pagamento (ou seus herdeiros, no caso das pensões de sobrevivência), entrevendo-se no diploma que o património sobrante não era capaz de provisionar sequer todas estas responsabilidades - 8º, 3, b). O autor não foi abrangido por à data não ser detentor de um direito vencido nos termos referidos.
VI - O património da antiga empregadora, EMP01... (nem correlativamente o Estado, que a substitui) não responde directamente perante o trabalhador pelo direito a um benefício de reforma de renda vitalícia, inexistindo vínculo directo de “complementação” entre o trabalhador e a empresa.
VII - O património da empregadora só responderá directamente perante o trabalhador pelo pagamento de complementos e/ou benefícios de reforma num quadro destacável de frustração do princípio da confiança e de comportamentos de má fé, que no caso não se equaciona.
Decisão Texto Integral:
I – RELATÓRIO

AA intentou a presente acção declarativa com processo comum contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, pedindo a condenação do réu a reconhecer que:

a) A partir de ../../2014 o A. adquiriu o direito a usufruir de um beneficio calculado e definido, equivalente ao valor actual de uma renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma em 13 pagamentos mensais;
b) Que para o direito desse beneficio ou renda vitalícia, deve considerar-se o salário base mensal acrescido das diuturnidades de antiguidade ilíquidas, correspondente  ao vencimento  da    categoria verificada  no    mês imediatamente anterior à data cessação do contrato de trabalho, respectivamente, 1.801,16 € e 60,02 €;
c) Condenar-se o Réu a reconhecer que esse beneficio a atribuir ao A., à presente data corresponde ao montante de 139,60 € x 13 meses, num montante anual de 1.814,80 €;
d) Condenar-se o Réu a adquirir e entregar ao A., no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida, uma apólice de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma ou unidade de participação do fundo de pensões PPR ou de seguro PPR, com referência à data da cessação do vinculo laboral, que lhe garanta um rendimento equivalente ao valor actual mensal de 139,60 €.
e) Condenar-se o Réu a actualizar essa apólice, com referência à data da reforma do A., declarada pela Segurança Social, por idade ou invalidez permanente, de harmonia com  a   desvalorização   da moeda que, entretanto, ocorrer até essa data.
Causa de pedir. Alega-se que:
Com antiguidade reportada a 1999, autor foi trabalhador da empresa EMP01... S.A., doravante EMP01..., tendo em 2014 sido algo de despedimento colectivo (que contestou, em acção ainda pendente), quando tinha à data 44 anos de idade e a categoria de montador de engenheiro nº 4, especialista, com remuneração base mensal de 1.801,16 €; 
Os EMP01... haviam celebraram, em ../../1987, com a Companhia de Seguros EMP02... (...) actualmente EMP03..., um contrato constitutivo de um fundo designado por “Fundo de Pensões EMP01...” a favor dos trabalhadores; o fundo suportava os encargos inerentes ao pagamento do complemento de pensão de reforma por velhice ou invalidez dos trabalhadores; em caso de cessação do contrato de trabalho, os trabalhadores que se encontrassem no activo e que tivessem sido admitidos nos quadros permanentes dos EMP01... antes de 1 de Novembro de 2008, com um mínimo de 15 anos de serviço, e cujo contrato cesse  por causa involuntária por parte do trabalhador, como foi o caso do autor, adquiriam o direito a usufruir de um beneficio de reforma;
Conforme disposto no nº 2, aliena a) do Anexo I do contrato constitutivo do Fundo de Pensões publicado no Diário da República nº 9, II Série de 12/01/1998: “
a) O benefício a atribuir, equivalente ao valor actual de uma renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma, com 13 pagamentos mensais, cujo valor foi determinado nos termos da alínea anterior, será utilizado na aquisição, a título único, de uma apólice de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma ou de unidades de participação do fundo de pensões PPR ou de seguro de vida PPR - docs. nºs 12, 13, 21 e 22; b) A subscrição deste contrato será reportada à data da cessação do vinculo laboral”.
 Nunca foi colocado à disposição do A. a apólice de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma ou unidades de participação do fundo de pensões PPR ou seguro de vida PPR que lhes assegurasse um complemento mensal de reforma, em 13 pagamentos anuais, em caso de velhice ou invalidez permanente, não obstante, o A., à data do despedimento, reunir as necessárias condições.
Entretanto, a empresa EMP01... foi liquidada e extinta, tendo por único acionista o Estado; as relações jurídicas de que aquela era detentora à data do encerramento e da sua liquidação não se extinguiram, antes se transmitiram para o Estado, único acionista, sobre quem impende a obrigação de garantir o pagamento do benefício - 162º, 163º e 164º, CSC;
o Fundo de Pensões dos EMP01... que foi gerido pelo Banco 1... foi declarado extinto pelo D.L. nº 62/2015 de 23/04 (em vigor a partir de 1-05-2015), operando-se a transferência para a Caixa Geral de Aposentações, I.P. da totalidade das responsabilidades então a cargo do Fundo de Pensões gerido pelo Banco 1...; contudo, de acordo com a definição do seu âmbito subjectivo,  para a CGA não foram transferidas as responsabilidades relativas a eventuais direitos de participantes que, em 31 de Dezembro de 2014, não reuniam as condições de que dependia o direito a um complemento de pensão (a reforma); o Estado até à data não garantiu ao autor o referido benefício.
Contestação- o réu defendeu-se por excepção e impugnação.
Excecionou a prescrição do direito reclamado, excepção declarada procedente na primeira instância, mas revogada por este tribunal da Relação após apelação (com fundamento de que o crédito não se encontra prescrito, por não ter natureza laboral, mas sim previdencial, apenas estando em condições de ser exercido quando se verificassem os seus pressupostos - reforma), o que determinou o prosseguimento dos autos.
Impugnou com os seguintes argumentos (síntese): as responsabilidades emergentes do Plano de Pensões EMP01... estavam integralmente transferidas para um Fundo de Pensões, quer se tratasse do complemento de pensão de reforma, por velhice e por invalidez, ou de pensão de sobrevivência, quer do benefício de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma; só o fundo respondia por estes benefícios; à data da cessação do contrato de trabalho por despedimento colectivo, o benefício reclamado pelo autor tinha efeitos diferidos para a idade da reforma; o Fundo de Pensões EMP01... foi extinto em 2005, pelo DL nº 62/2015, de 23-04, muito antes da verificação cumulável das condições de que dependia a atribuição ao A. da referida renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma; o diploma referido procedeu à transferência para a Caixa Geral de Aposentações da responsabilidade pelo pagamento dos complementos de pensão do Fundo de Pensões dos EMP01..., excluindo os benefícios que à data não reunisse todas as condições de que dependia o direito a um complemento/benefício.

DECISÃO RECORRIDA - foi proferido despacho saneador sentença, ora objecto de apelação, julgando a acção totalmente improcedente e absolvendo o Réu do pedido.

FOI INTERPOSTO RECURSO PELO AUTOR –CONCLUSÕES:
[…]
26. A douta sentença recorrida faz uma errónea interpretação e aplicação do artigo 10º do DL n.º 62/2015, de 23/04 uma vez que julga extintas as obrigações que impendiam sobre os EMP01..., quando a redação do mencionado artigo 10º apenas determina a extinção das obrigações dos EMP01... perante os reformados e pensionistas referidos no artigo 3º do referido decreto-lei, cuja responsabilidade foi transferida e assumida pela Caixa Geral de Aposentações, o que não inclui o Autor, ora Recorrente.
27. Não sendo transferida para a Caixa Geral de Aposentações a responsabilidade relativa aos direitos adquiridos após ../../2014, como é o caso do Autor, é sobre o Réu Estado Português, enquanto único acionista dos EMP01..., que impende a responsabilidade pelo pagamento dos complementos de pensão de reforma reclamados e peticionados pelo Autor, tal como é evidenciado na douta sentença recorrida.
28. No modesto entendimento do Recorrente, a extinção do Fundo de Pensões EMP01... não extingue o direito de o Autor receber uma apólice de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma ou de unidades de participação de fundo de pensões PPR ou de seguros PPR, com referência à data de cessação do vínculo laboral (../../2014), que lhe garanta um rendimento equivalente ao valor actual mensal de 139,60€,  pois que a responsabilidade quanto aos direitos adquiridos após ../../2014, não foi transferida para a Caixa Geral de Aposentações e, por conseguinte, não operou a extinção das responsabilidades dos EMP01....
29. Por todos os fundamentos supra expostos, o Réu é o único sujeito da obrigação de pagamento que o Autor invoca porquanto a obrigação de garantir a aquisição de uma apólice de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma ou de unidades de participação de fundo de pensões PPR ou de seguros PPR, com referência à data de cessação do vínculo laboral (../../2014), que lhe garanta um rendimento equivalente ao valor actual mensal de 139,60€, foi assumida pela entidade patronal (EMP01...) e a responsabilidade pelo cumprimento dessa obrigação, concretamente o pagamento dos complementos de pensão de reforma, impende e recai sobre o devedor, neste caso, sobre o Réu Estado Português na qualidade de único acionista dos EMP01....
30. A douta decisão recorrida violou por errada interpretação e aplicação o disposto no artigo 574º nº 2 do Cód. Proc. Civil e o disposto nos artigos 3º alínea a) e nos artigos 4º, 5º, 6º e 10º, todos do Decreto-Lei n.º 62/2015, de 23/04.

NESTES TERMOS e mais de direito aplicáveis que V. Exas. melhor e doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência:

a) Deve ser declarada e julgada procedente a nulidade por omissão de pronúncia nos termos e ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 615º do Cód. Proc. do Trabalho, aplicável por força do disposto no artigo 77º do Cód. Proc. do Trabalho e, em consequência, deve ser ordenada a baixa do processo para a 1ª instância, com as legais consequências;
Caso se entenda que os autos dispõem dos elementos necessários para colmatar e suprir a invocada nulidade por omissão de pronúncia, ou, caso se entenda que a douta sentença ora recorrida não padece da nulidade por omissão de pronúncia:
b) Deve ser julgada procedente a impugnação da matéria de facto dada como provada e, em consequência, devem ser dados comos provados e incluídos/aditados na matéria de facto dada como provada os factos alegados nos artigos 8º, 24º, 30º, 31º 36º e 47º da petição inicial uma vez que os mesmos configuram factos constitutivos da causa de pedir invocada pelo Autor, não foram impugnados pelo Réu na sua contestação, e devem ser considerados assentes e admitidos por acordo nos termos do nº 2 do artigo 574º do Cód. Proc. Civil, conforme decidido por douto despacho proferido em 05/09/2024, já transitado em julgado.
c) Deve ser revogada a douta sentença proferida em 1ª instância, e ser substituída por outra que condene o Réu Estado Português, na qualidade de único acionista dos EMP01..., nos pedidos formulados nas alíneas a) a e) do petitório da petição inicial.”

CONTRA-ALEGAÇÕES - sustenta-se a improcedência da apelação.
O recurso foi apreciado em conferência – art. 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR [1]: nulidade da sentença; impugnação da matéria de facto: saber se o réu Estado, na vez da extinta empresa EMP01..., Sa, está obrigado a garantir ao autor, antigo trabalhador, um benefício equivalente ao valor de uma renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma, calculada e definida nas condições referidas na petição inicial.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS PROVADOS

1 – O A. foi admitido, em 3/1/1999, ao serviço da empresa designada por EMP01... S.A. (EMP01...), entretanto dissolvida e liquidada, NIPC ...27, com sede na Avenida ..., ... ..., para exercer por sua conta, ordem e interesse a actividade profissional de engenheiro metalo-mecânico.
2 - Esta sociedade tinha como único accionista o Estado Português, tendo sido constituída em 03/06/1944 e a sua dissolução verificou-se em 5 de Maio de 2015, por decisão do respectivo Conselho de Administração, e o encerramento da sua liquidação verificou-se em 27/04/2018.
3 - O seu escopo era a actividade de construção e reparação de navios, bem como o exercício de todas as actividades comerciais e industriais com ela conexas.
4 - Por carta enviada, em 23 de Abril de 2014, recebida pelo A. no dia 30 seguinte, a empresa EMP01..., sua entidade patronal, comunicou-lhe o seu despedimento, no âmbito de um despedimento colectivo que se estendeu a mais onze (11) trabalhadores.
5 - À data do despedimento, o A. tinha a categoria profissional de engenheiro especialista (4ª) e auferia a retribuição base de €1.801,16.
6 - À data em que lhe foi comunicado o despedimento, o A. tinha 44 anos de idade, pois que nasceu em ../../1970.
7 - À data do despedimento, ao A. e à sua entidade patronal EMP01..., aplicava-se o C.C.T. para a indústria metalúrgica e metalomecânica, celebrado entre a AIMMAP, o SINDEL (Sindicato Nacional da Industria e Energia), FETESE (Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços), o SITESC (Sindicato de Quatros, Técnicos Administrativos, Serviços e Novas Tecnologias) e o Sindicato dos Técnicos de Vendas do Sul e Ilhas, publicado no B.T.E. nº 10 de 15 de Março de 2010.
8 - Os EMP01..., S.A., celebraram em ../../1987 com a Companhia de Seguros EMP02... (...) actualmente EMP03... um contrato constitutivo de um fundo designado por “Fundo de Pensões EMP01...” destinado a suportar os encargos inerentes ao pagamento do complemento de pensão de reforma por velhice ou invalidez dos trabalhados admitidos nos EMP01... até ../../2008 e do complemento de sobrevivência por óbito dos trabalhadores da referida empresa que se tenham reformado após ../../1993 - docs. nºs 21 e 22 juntos com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9 - À data do despedimento (a 14 de Julho de 2014), nem os EMP01..., nem o Fundo de Pensões e nem o Banco 1... S.A., puseram à disposição do A. e dos demais trabalhadores a apólice de renda vitalícia, as unidades de participação do Fundo de Pensões PPR ou seguro de vida PPR, que lhe garanta na reforma por idade ou invalidez, uma pensão complementar de harmonia com o Anexo I nº 1 alíneas a) e b) da alteração ao contrato constitutivo do Fundo de Pensões.
11 - O Fundo de Pensões dos EMP01..., que foi gerido pelo Banco 1..., foi declarado extinto pelo D.L. nº 62/2015 de 23/04, com entrada em vigor em 01/05/2015.
***
B) NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA - 615º, d, CPC:

Refere-se nulidade por omissão de pronúncia quanto ao conhecimento e apreciação dos pedidos formulados nas alíneas a), b) e c) do pedido e quanto a determinados factos que alegou na petição inicial, que terão sido admitidos por falta de impugnação (acordo) e sobre os quais o tribunal não de pronunciou.
Segundo o artigo 615º, 1, do CPC, a sentença é nula quando:…d) “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”

Quanto aos factos que o recorrente diz que “faltam”:
É entendimento uniforme que só uma situação extrema de absoluta ausência de discriminação de factos constitui nulidade de decisão- José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, Vol. 2, 4ª ed., Almedina, pág.
A acontecer essa total omissão, faltaria parte do corpo da sentença (607º, 4, CPC), os factos, que são a âncora do Direito. Não se pode concluir que ao caso é aplicável a norma X ou instituto Y se antes não consta aquilo que factualmente aconteceu. Tratar-se-ia, nesse caso, de vício de falta de fundamentação e não de omissão de pronúncia (615º,1, b), CPC), afectando a estrutura da sentença, na medida em que lhe faltaria uma parte sem a qual não sobrevive.
Não é o caso dos autos em que a decisão contém a discriminação dos factos, e, diga-se, os bastantes para se decidir o conflito.
Fora da referida situação extrema, a omissão de factos deve ser arguida com recurso à impugnação da matéria de facto- 640º CPC. Mais à frente voltamos a este ponto.
Quanto à omissão de pronúncia sobre certos pedidos:
A omissão de pronúncia sobre “questões” refere-se aos pedidos deduzidos, causas de pedir e excepções, e não aos argumentos das partes, conforme tem sido decidido uniformemente pela jurisprudência (por exemplo pelo STJ, acórdãos de 13-01-2005, 12-05-2005 e 6-11-2019, www.dgsi.pt.) e acolhido pela doutrina. Não há assim que confundir o significado de “questões” com as razões, a retórica ou os motivos invocados pelas partes para alicerçarem a sua pretensão (vd Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito de Processo Civil, vol. II, 2ª ed., p 437).
Não é exigível (nem desejável) que se disseque toda a argumentação da parte (a decisão deve centrar-se no relevante e demonstrar as suas premissas), nem que se esmiúce pedido a pedido, sobretudo se estes estão todos interligados e interdependentes, não sobrevivendo, nem tendo utilidade, de modo independente.
Condensando: o autor pretende essencialmente que o réu seja condenado a reconhecer-lhe o direito a usufruir de um beneficio equivalente ao valor de uma renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma (al. a), calculada do modo que indica (al. b), no valor concreto que indica (al. c), entregando-lhe a respectiva apólice (al. d) e actualizando-a (al. e).
Todos estes pedidos estão completamente conexionados e o seu julgamento depende da mesma questão: saber se o Estado, na vez da empresa EMP01... entretanto dissolvida, é responsável pelo cumprimento de benefícios de reforma originados pela constituição de um Fundo de Pensões que, através de acto normativo, foi extinto, tendo as suas obrigações sido apenas parcialmente transferidas para a CGA relativamente aos direitos dos beneficiários com pensões em pagamento.
Ora, da leitura da sentença decorre que esta questão (causa de pedir) foi analisada, teve resposta negativa e, consequentemente, todos os pedidos improcederam.
Veja-se a título de exemplo as seguintes passagens da sentença:
O Fundo de Pensões dos EMP01..., gerido pelo Banco 1..., foi declarado extinto pelo D.L. nº 62/2015 de 23/04, operando-se a transferência para a Caixa Geral de Aposentações, I.P. da totalidade das responsabilidades então a cargo do mesmo.”

Depois de enunciar as normas legais aplicáveis diploma, referiu-se que:
“O que daqui resulta é, desde logo, que o R., na qualidade de único accionista dos EMP01..., só poderia eventualmente responder pelas responsabilidades que não foram transferidas para a CGA, ou seja, as responsabilidades relativas a eventuais direitos de participantes que, em ../../2014, não reunissem as condições de que dependia o direito a um complemento de pensão.”

Depois citaram-se as cláusulas do contrato constitutivo do fundo e concluiu-se:

Só que, até por força do disposto no D.L. 12/2006, o direito a este benefício por parte dos trabalhadores que vissem o seu contrato de trabalho terminado antes de adquirirem o direito ao complemento de reforma, exige necessariamente a existência de um Fundo de Pensões.
Sublinhe-se este ponto que nos parece fundamental: o pagamento dos complementos de reforma ou a entrega de uma apólice de renda vitalícia ou outra qualquer forma de realização daquele benefício apenas poderia ser efectuada por um Fundo de Pensões ou entidade similar e nunca pela entidade empregadora.
Ora, o D.L. nº 62/2015 de 23/04, já supra citado, procedeu a duas operações:
- em primeiro lugar, extinguiu o Fundo de Pensões;
- transferiu para a CGA algumas das responsabilidades do referido Fundo, deixando de fora outras.
O legislador não podia ignorar que as restantes responsabilidades, a partir do momento em que o Fundo era extinto, deixavam de ter suporte legal.
O que só nos pode impor a conclusão de que a intenção do legislador foi a de apenas manter os direitos que foram transferidos para a CGA, extinguindo todos os outros.
Na realidade, repete-se, não nos parece que possa fazer sentido uma interpretação no sentido de que, relativamente a tudo o que não foi transferido para a CGA, o legislador pretendeu que essas obrigações revertessem para a entidade empregadora, a qual, aliás, viria a ser dissolvida alguns dias depois.
A única interpretação razoável aponta no sentido que a intenção foi a de manter apenas os direitos dos trabalhadores que, naquela data, já tinham adquirido o direito ao complemento de reforma e seus eventuais beneficiários, fazendo cessar todas as outras regalias que constavam do contrato constitutivo do Fundo extinto, em particular a que consta do nº. 2 do seu Anexo I, ou seja, o direito a usufruir de um benefício calculado e definido nos termos ali indicados.”

Finalmente, decidiu-se que o autor não tem direito ao reconhecimento dos direitos reclamados, indeferindo-se totalmente os pedidos.
Não ocorre, assim, qualquer omissão de pronúncia, o que acontece é apenas uma discordância de Direito, que respeita ao recurso sobre a matéria de direito- 639º, 2, CPC.
***
C) IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

Refere o recorrente que devem ser dados como provada os factos alegados nos artigos 8º, 24º, 30º, 31º 36º e 47º da petição inicial uma vez que os mesmos configuram factos constitutivos da causa de pedir por ele invocada, que não foram impugnados pelo Réu na sua contestação
Os artigos têm o seguinte teor:

8ª -    Em 16 de Outubro de 2014, o A., conjuntamente com mais 9 colegas envolvidos naquele despedimento colectivo promovido pelos EMP01..., intentou no Tribunal de Trabalho de Viana do Castelo uma acção comum emergente de contrato de trabalho sob o nº 544/14...., não só contra a sua identificada entidade patronal, mas ainda contra: 1. EMP04..., LDA.,.... 2. EMP05... S.A., ... FUNDO DE PENSÕES DOS EMP01..., cujo...4. Banco 1... S.A. ....
24º - Os EMP01..., o Fundo de Pensões dos EMP01... e o Banco 1... S.A. foram absolvidos da instância relativamente ao pedido formulado pelo A. da entrega de uma apólice de renda vitalícia de participação do Fundo de Pensões PPR ou seguro de vida PPR que lhe garanta, em caso de reforma, por idade ou invalidez, uma pensão complementar de reforma, actualmente correspondente a 139,60 € x 13 meses, devidamente actualizada, de harmonia com a desvalorização da moeda, caso se venha a verificar a condição do seu pagamento - reforma.
30º - O A., foi trabalhador efectivo da Ré EMP01..., desde ../../1999 até ../../2014,
31º - À data do despedimento (../../2014), o A. exercia, ininterruptamente, actividade profissional por conta, ordem e no interesse dos EMP01... há 15 anos, 6 meses e 14 dias.
36º -  o A., à data do despedimento, tinha mais de quinze anos de serviço na empresa e aquele despedimento foi-lhe unilateralmente imposto pelos EMP01....
47º - o Estado Português, o único accionista da empresa EMP01..., S.A., dissolvida, liquidada e extinta em 27/04/2018, não garantiu ao A. os complementos de reforma devidos pelo Fundo de Pensões dos EMP01..., a partir de ../../2014, bem ainda àqueles que venham a ser elegíveis do direito a uma pensão complementar de sobrevivência após aquela data, em resultado  do falecimento de algum dos seus beneficiários, conf. artigo 3º, alínea b) do citado Dec. lei 62/2015. Deste modo..”
        
A alegação e selecção da matéria de facto é norteada pelo princípio da utilidade tendo em conta as várias soluções plausíveis de direito que ao caso podem ser aplicadas. O autor deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir. O réu tem de tomar posição definida perante estes factos. Não é qualquer facto alegado que interessa à causa. Mas tão só os que tenham relevo para a decisão, por integrarem causa de pedir e excepções  - Estes princípios estão aflorados nos art.s  5º, 552º, 1, d), 572º, b, c), 574º, 1 e 2, CPC.
Ora, a matéria dos pontos 8º e 24º não respeita aos presentes autos, para os quais é inócua.
A matéria dos pontos 30º, 31º e 36º (antiguidade, cessação do contrato por despedimento...) já se encontra provada sob os art.s 1º, 4 e 5º.
A matéria do ponto 47º na parte factual que releva já se encontra plasmada nos pontos 2, 9º e 11º.
O não reconhecimento por parte do réu Estado do direito ao benefício e à apólice de que o autor se arroga, nos termos em que está colocado, não é um elemento factual, é antes o entendimento jurídico do Réu, é por isso que existe a controvérsia. O ponto não contém outro circunstancialismo concreto que possa relevar.
É de indeferir a impugnação da matéria de facto.
*
D) ENQUADRAMENTO JURÍDICO:

Está em causa saber se o autor tem direito ao benefício  equivalente ao valor de uma renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma, calculada e definida nas condições referidas na petição inicial, beneficio instituído pela antiga empregadora EMP01... a favor de trabalhadores admitidos na empresa até ../../2008 com, pelo menos, 15 anos de antiguidade[2], cujo contrato cesse  por causa involuntária por parte do trabalhador, como foi o caso do autor.
A questão já foi apreciada em diversos arestos do TRG onde era peticionada a atribuição de complementos de reforma em vez do benefício de renda deferida para a idade de reforma, aspecto que em nosso entender não interfere com o fundo da questão, tendo ambos por fonte um fundo de pensões e seu regime,  pelo que seguiremos o mesmo raciocínio com as alterações que ao caso se imponham - vd ac. da RG de 6-02-2025, proc.2118/23.02T8VRG.G2, www.dgsi.pt
*
Não sofre dúvidas que o autor tinha mais de 15 anos de serviço, que tinha sido admitido muito antes de 2008 e que a cessação do vínculo contratual com os EMP01... não lhe foi imputável por decorrer de despedimento colectivo.
As dúvidas prendem-se, antes, com as consequências da extinção do Fundo de Pensões EMP01..., instrumento que financiava o plano de pensões instituído pela empregadora em 1987. Importa saber se a antiga empresa empregadora EMP01..., Sa (e consequentemente o réu, que a substitui, em razão da sua extinção[3]), na inexistência do “Fundo de Pensões”, pode ser diretamente responsabilizada pelo benefício  de renda deferida para a idade de reforma  que o autor reclama.
***
O tribunal a quo julgou a acção improcedente, em suma porque o pagamento de complementos ou benefícios de reforma de renda vitalícia, qualquer que seja a forma de realização deste benefício, pressupõe a existência de um Fundo de Pensões, não sendo a entidade empregadora responsável por tais prestações. Ora, o D.L. nº 62/2015 de 23/04 extinguiu o Fundo de Pensões e somente transferiu para a CGA as responsabilidades pelos complementos de reforma já vencidos, o que não era o caso do autor. Acrescendo que a entidade empregadora viria a ser dissolvida pouco depois da extinção do fundo.
Na essência, concordamos.
***
Analisando:
O autor reclama do réu o reconhecimento de um beneficio, equivalente ao valor actual de uma renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma com 13 pagamentos mensais (a utilizar na aquisição de uma apólice de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma, ou de unidade de participação do fundo de pensões PPR, ou de seguro de vida PPR).
 Quanto à fonte deste direito refere que esse benefício foi instituído pela empregadora EMP01..., Sa através da criação de um Fundo de Pensões destinado a suportar os encargos inerentes ao pagamento de complementos e benefícios de pensão de reforma por velhice ou invalidez dos trabalhadores (e de sobrevivência dos herdeiros dos trabalhadores) que reunissem certos requisitos. Estes benefícios abrangem os casos de cessação do contrato de trabalho por motivo não imputável ao trabalhador, que logo adquire o direito ao beneficio dilatado para a idade da reforma.
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A questão demanda pequena introdução sobre a natureza e regime geral dos “complementos de pensão” (privados) e, mais amplamente, sobre o que se denomina de “segurança social”.
A protecção dos cidadãos perante debilidades inevitáveis como a velhice, invalidez, morte de familiares e diminuição de meios de subsistência (citando-se apenas alguns eventos danosos) constitui actualmente um encargo do Estado[4], a concretizar através do denominado sistema de “Segurança Social” (ou “previdência”), incumbindo àquele a respectiva organização, coordenação e subsidiação.
Veja-se art. 63º CRP “Segurança Social e Solidariedade “2. Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários.3. O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.”)
É um direito do cidadão com protecção de dignidade constitucional (63º, 1 CRP “1. Todos têm direito à segurança social.) e 2º Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro (lei de bases gerais da segurança social).
Sem prejuízo desse encargo fundamental, o Estado apoia, regula e fiscaliza regimes alternativos assegurados por outras entidades com vista à prossecução de objectivos de solidariedade social - 63º, 5, CRP.
Desenvolveram-se diversos sistemas de segurança social privada, alguns a título principal, outros complementares, em face da ineficiência e incapacidade económica (cálculos atuariais desajustados) de prover todos os encargos, bem como de outras alterações mais gerais, como a mudança de esperança de vida, maiores encargos, contribuição dependentes da flutuação do mercado de desemprego/emprego, etc. Em certas actividade profissionais, como o sector bancário ou advocacia, alcançaram expressão principal, embora na maioria das profissões tenham sido instituídos como complementares do sistema público, assumindo diversas formas (complementos de pensão, benefícios titulados por apólices, etc) como aconteceu no caso dos autos.
As bases em que se alicerça a segurança social e as iniciativas particulares “de fins análogos” encontram-se em diploma ordinário, a Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, doravante LBGSSS, 1º. Com maior interesse para o caso, dela se destacam os princípios da universalidade que consagra o acesso de todas as pessoas à proteção social assegurada pelo sistema, o princípio da responsabilidade pública que consagra como dever do Estado a criação de condições necessárias à efetivação do direito à segurança social, à organização, coordenação e subsidiação do sistema de segurança social e o princípio da complementaridade que consagra a articulação entre as várias formas de proteção social mormente públicas, sociais, mutualistas e privadas com o objetivo de melhorar a cobertura das situações e de fomentar partilha- 6º, 14º, 15º LGBSSS
Importa ainda atentar no princípio da contributividade do sistema previdencial (autofinanciamento) - 50º e ss LGBSSS. O qual significa que a inscrição e a obrigação contributiva dos trabalhadores e, quando for caso disso, das respetivas entidades empregadoras são condições de acesso ao sistema previdencial de prestações substitutivas de rendimentos de trabalho, mormente em casos de velhice, invalidez ou morte.
Destacamos ainda que, além de competir ao Estado administrar a componente pública da segurança social, a ele incumbe igualmente “uma adequada e eficaz regulação, supervisão prudencial e fiscalização” dos regimes complementares de natureza não pública- 24º LBGSS.
A LGBSSS dedica ainda uma secção específica aos “Regimes complementares de iniciativa coletiva e individual” - 83º a 86º.
Dela colhe-se que: os regimes complementares de iniciativa coletiva são regimes de instituição facultativa a favor de um grupo determinado de pessoas, onde se integram os regimes profissionais complementares, que abrangem, entre outros,  trabalhadores por conta de outrem - 83º, 1, 2, 3, LGBSS; ao contrário do sistema público de segurança social,  os regimes profissionais complementares privados são financiados pelas entidades empregadoras, sem prejuízo de eventual pagamento de quotizações por parte dos trabalhadores por conta de outrem- 83º, 4, LGBSS; aspecto importante respeita à administração dos regimes profissionais complementares em que esteja  em causa a atribuição de prestações nas eventualidades de invalidez, velhice e morte, referindo-se que  a “ respectiva gestão tem de ser concedida a entidade jurídica distinta da entidade que o instituiu”, cremos nós, para efeitos  de maior objectividade, isenção e garantia - 85º, 1, LBGSSS
Finalmente, lendo as demais normas desta secção constatamos que os sistemas de segurança social privada são objecto de controlo do Estado, mormente no que respeita à sua criação e modificação, impondo-se ao Estado a tarefa de os regulamentar, mormente quanto a aspectos essenciais como o seu âmbito, condições de atribuição, direitos garantidos, mecanismos de garantia, supervisão e fiscalização. Para este efeito a LGBSSS remete para lei própria (utilizando expressões como “A lei prevê.”, “...são definidas por lei”, “...é exercida nos termos da lei”) - 86º, LBGSSS.
Do exposto decorre que, nada obstando à existência de regimes privados de segurança social, mormente complementares do sistema público, pelo contrário, estimulando-se a sua existência, o respectivo regime é objecto de tutela do Estado, quer ao nível da regulamentação, quer da fiscalização, por revestir nítido interesse público. O que se repercute em qualquer análise que se faça do caso concreto.
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Os regimes privados de pensões e benefícios de reforma, em regra complementares do público, têm sido usualmente constituídos pelas empresas (“associados”, na expressão legal) com recurso a instrumento jurídico denominado “fundo de pensões”, que apresenta um regime algo complexo. Daí que, como refere Pedro Romano Martinez “a intervenção do Estado no controlo dos sistemas privados de segurança social tenha tido particular incidência quanto aos fundos de pensões”, teoricamente para protecção de direitos e expectativas - pág. 2073, RIDB ano 2 (2003) nº 3.
É precisamente o caso dos autos, como decorre da própria alegação do autor: o direito que se arroga nasce da instituição pelos EMP01... de um Fundo de Pensões.
Importa fazer breve apreciação do seu regime, bem como do acto ou negócio jurídico que está a montante da constituição do fundo de pensões.
Quanto a este último aspeto, o autor nada mais alegou, com excepção de que os benefícios complementares de reforma que ora reclama têm por causa o acto unilateral dos EMP01... de constituição de um fundo de pensões.
A instituição de fundos de pensões, por regra unicamente alimentados pelas empresas (como é o caso dos autos) e afectos ao cumprimento de planos de pensões complementares, normalmente têm origem, ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho (acordo de empresa), ou em acto unilateral do empregador instituindo vulgo uma “regalia”. Neste último caso, a empresa, por si, decide constituir o fundo, ainda que precedido de eventuais contactos e compromissos informais - sendo pouco comum acordos bilaterais ao nível do contrato de trabalho (vislumbrando-se como mais normal que este possa referenciar um regime que pré-exista com outra causa), realidade que não está em causa nos autos.
No caso, como aludimos, os factos apontam para constituição de fundo de pensões por acto unilateral do empregador, sem precedência de qualquer vinculação directa entre a empresa e os trabalhadores, ou sequer de compromissos prévios ainda que informais. O autor, a este propósito, refere apenas o contrato constitutivo do “Fundo de Pensões EMP01...”.
Limitando-nos ao âmbito que ora nos interessa, e entrando na terminologia que contende com o caso, a lei permite que os fundos de pensões fechados (no caso respeitam apenas a um associado, os EMP01...) possam, precisamente, ser constituídos por iniciativa de uma empresa no âmbito sócio-profissional, ou por acordo entre associações patronais e sindicais - 13º, 2, do Regime Jurídico de Constituição e Financiamento dos Fundos de Pensões e Entidades Gestoras de Fundos, doravante RJFP, Dec. Lei 12/2006, de 20 de janeiro com sucessivas alterações. O regime é aplicável aos fundos de pensão já constituídos, conforme art.  100º, 2, RJFP-  embora se anote que os conceitos-chave abaixo elencados são similares nos regimes antecedentes, mormente Dec. Lei n.º 396/86, de 25 de novembro[5], bem como nos posteriores.
O “fundo de pensões” é definido como o património autónomo exclusivamente afecto à realização de planos de pensões - 2º, c), do RJFP.
Um “plano de pensões”, por sua vez, é definido como o programa onde se definem as condições em que se acede ao direito ao recebimento de uma pensão ou benefícios de reforma por invalidez, por velhice ou sobrevivência.
O “associado”, na terminologia do diploma, é a entidade colectiva que financia o fundo de pensões afecto ao cumprimento do plano de pensões.
O” participante” é a pessoa singular em função de cujas circunstâncias pessoais e profissionais se definem os direitos consignados no plano de pensões, independentemente de contribuir ou não para o seu financiamento.
O “Beneficiário» é a pessoa singular com direito aos benefícios estabelecidos no plano de pensões ou no plano de benefícios de saúde, tenha ou não sido participante- 2º, a), d), e), RJFP.
Os “planos de pensões não contributivos”” são os exclusivamente financiados pelo associado (e não pelos participantes) - 7º, 2, RJFP. O plano de pensões financiado pelo Fundo dos EMP01... era não contributivo.
Veja-se que a noção de “beneficiário” é diferente da de “participante”. O “beneficiário” é detentor do direito à pensão ou benefício, por já se terem verificado todos os requisitos dos quais depende a sua concessão. Naturalmente, terá uma protecção muito mais forte do que aquele que ainda não atingiu os requisitos de atribuição do direito (nem se sabe se os atingirá). Ao invés, o “participante”, desde o momento da constituição do fundo até atingir (eventualmente) a condição (idade de reforma pelo sistema público), é detentor de uma expectativa jurídica.  Isto porque, a aquisição do direito de crédito (complemento de pensão ou benefício de renda vitalícia) está dependente da ocorrência de uma condição, que é um “acontecimento futuro e incerto”, do qual depende a produção dos efeitos do negócio jurídico - 270ºCC.
 No caso, o direito ao benefício depende cumulativamente, além dos demais já verificados referentes à antiguidade e causa de cessação do contrato, da condição de o trabalhador atingir a idade de reforma - 6º, 1, RJFP.
Trata-se, assim, de um direito eventual cuja aquisição, deferida no tempo, é incerta, desconhecendo sequer se se vem a verificar. Ou seja, os trabalhadores que vêm o contrato involuntariamente cessado, mas que ainda podem continuar no activo  a trabalhar para outras entidades, futuros reformados, têm um direito ainda “em formação” que só se torna certo quando ocorre o facto cumulativo que leva à sua aquisição - a idade de reforma.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em diversos arestos afirmou esta distinção fundamental entre direitos às prestações e expectativas jurídicas, negando que o trabalhador tenha direitos adquiridos antes de se verificar a ocorrência da condição que atribuiu o direito de crédito.

Veja-se, ac. STJ, 29-01-2014, proc.  354/11.3TTVCT.S1, em cujo sumário consta:

 “2 – A aquisição do direito aos benefícios mencionados no número anterior decorre da verificação das ocorrências previstas no n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, não sendo os participantes no fundo de pensões em causa, titulares de qualquer direito adquirido àqueles benefícios antes da verificação daqueles factos;”.
Invariavelmente no mesmo sentido podem consultar-se os ac. do STJ:  de 14-09-2011, p. 791/08.0TTVCT.P1.S1 (“III - A aquisição do direito ao complemento de pensão de reforma apenas acontece quando, além do mais, o trabalhador passe à situação de invalidez pela Segurança Social, sendo o complemento atribuível apenas a partir dessa data”)

E de 21-01-214, p. 847/10.0TTVCP.P1.S1:
 “II - A aquisição do direito ao complemento de pensão de reforma apenas acontece quando o trabalhador passe à situação de reforma atribuída pela Segurança Social, sendo o complemento atribuível apenas a partir dessa data, pelo que os participantes dum fundo de pensões criado para assumir o seu pagamento não são titulares de qualquer direito adquirido daquele benefício antes da verificação daquele facto.

é certo que, nesse entretanto, o trabalhador, futuro pensionista, está mais exposto a vicissitudes negativas, mormente decorrentes da alteração das condições do plano de pensões e do título constitutivo do fundo de pensões, ou do não aprovisionamento, liquidação ou extinção do fundo, extinção da empresa associada, etc...
Mas repare-se que a atribuição aos trabalhadores de um regime complementar de previdência significa a assunção de uma responsabilidade pesada para a empresa, quer pela sua abrangência (por vezes, centenas de trabalhadores), quer pelo facto de se tratarem de encargos deferidos no tempo, muitas vezes vencidos apenas vinte ou trinta anos depois da sua assunção, quer pela dificuldade em antever a conjuntura que se segue, as condições mais ou menos favoráveis de mercado, etc. O que se pode repercutir na capacidade de a empresa continuar a contribuir e a manter o fundo de pensões. A saúde da empresa não interessa apenas ao empresário que com ela lucra, mas afeta também os demais trabalhadores no activo. A pujança das empresas é também importante factor de emprego e de prosperidade geral. Do outro lado há, também, que pesar e equilibrar as expectativas dos trabalhadores no activo, futuros reformados, que poderão ter optado por permanecer na empresa contado com a regalia proporcionada pelo plano de pensões.
Também por isso, a lei se ocupou em regulamentar os fundos de pensões, procurando “separar águas” entre o património da empresa e o património afecto à garantia do cumprimento dos planos de pensões.
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A constituição do fundo de pensões e a sua modificação obedece a regras.
A começar, a constituição do fundo de pensões observa a forma escrita e tem de ser objecto de publicação. Os sujeitos contratantes são os associados fundadores (no caso EMP01...) e uma sociedade gestora, já que, nos termos acima aflorados na LGBSSS, o fundo de pensões tem de ser gerido por entidade diferente da financiadora para maior objectividade e isenção. O contrato constitutivo deve conter determinadas menções consideradas essenciais, mormente identificação de várias entidades como contratantes, associados, participantes, plano de pensões a financiar, definição dos direitos dos beneficiários e participantes em caso de certas vicissitudes, causas de extinção do fundo, etc. - 3º, 21º, RJFP.
Para além do contrato constitutivo inicial, tem de ser celebrado um contrato de gestão entre o associado e a sociedade gestora, também com observância de menções obrigatórias, mormente a denominação do fundo de pensões, condições em que são concedidas as pensões, se directamente pelo fundo ou através de contratos de seguro, obrigações e funções das entidades gestoras, etc- 22º RJFP.
Acresce um terceiro contrato, de depósito, a celebrar entre a sociedade gestora e a instituição de crédito destinado a cobrir o depósito obrigatório dos títulos e documentos dos valores mobiliários que integrem o fundo de pensões - 48º RJFP.
O regime contém, ainda, normas destinadas a garantir solidez económica ao fundo de pensões para que se possa cumprir o respectivo plano de pagamento instituído pela empresa, referindo-se que “O património, as contribuições e os planos de pensões devem estar em cada momento equilibrados de acordo com sistemas actuariais de capitalização que permitam estabelecer uma equivalência entre, por um lado, o património e as receitas previstas para o fundo de pensões e, por outro, as pensões futuras devidas aos beneficiários e as remunerações de gestão e depósito futuras.”- 12º RJFP.

Ao nível da dinâmica de funcionamento do “fundo de pensões”, além das referidas regras de equilíbrio financeiros e “prudencial”” , assiste-se à intervenção do Instituto de Seguros de Portugal (actualmente ASF) na supervisão de diversos aspectos de funcionamentos dos fundos, bem como de uma comissão de acompanhamento do cumprimento do plano e da gestão do fundo de pensões, constituída por representantes dos “associados”, “participantes” e “beneficiários” com funções diversas, mormente verificação da boa observância das disposições legais, pronúncia sobre alteração aos contratos constitutivos e de extinção de fundos, além da instituição de regras de transparência, publicidade e informação, com o objectivo de atribuir ao regime maior solidez e garantia - vg. 53º, 60º, 61º, 62º, 64º RJFP
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Agora um apontamento particular que respeita à possibilidade de modificação do contrato constitutivo do fundo de pensões e extinção do fundo de pensões. Tendo sido unilateralmente instituído, nada obsta à sua modificação para futuro, desde que observados os trâmites “processuais” do RJFP (vg autorização do ISP, agora ASF). Este diploma aflora por várias vezes a possibilidade de alteração, bem como de extinção do fundo de pensões por decisão do associado/entidade gestora, ou em consequência de extinção do próprio associado, ou em caso de insuficiência de financiamento do plano de pensões- 21º, 2, o), 24º, 1, 30º, 2, 61º, 3, 78º, RJFP
A título de curiosidade, na redacção do RJFP em vigor[6] à data em que o Fundo de Pensões EMP01... foi extinto ( por força do DL 62/2015, de 23 de abril) vedava-se que as alterações do contrato constitutivo atingissem as pensões em pagamento e os direitos adquiridos- 24º, 2,  Assim, a contrario, não eram abrangidos os acima designados de “direitos em formação” dos trabalhadores no activo relativamente aos quais não se verificasse a condição de que dependia a atribuição do direito a pensão complementar.
Na posterior redacção do RJFP[7],  passou-se a abranger os direitos “em formação” no que se respeita a alterações ao plano, no que não nos vamos deter, sobretudo porque a extinção do “Fundo de Pensões EMP01... decorreu de acto legislativo anterior (Dec. Lei 62/2015, de 23 de abril, lei especial, com entrada em vigor em 1-05-2015), não decorrendo de decisão do associado e entidade gestora que tivesse se ser submetida ao regime jurídico dos fundos de pensões.
Recordamos, ainda, para melhor compreensão da solução a dar ao caso, que no âmbito do RJFP, a extinção dos fundos de pensões é obrigatória: (i) ocorrendo insuficiência grave de financiamento do plano de pensões por parte do associado, acto que compete à entidade gestora do Fundo de Pensões; (ii) caso ocorra a extinção do associado e não se proceda à substituição deste - 30º e 78º RJFP. Donde, a extinção do fundo de pensões, se ocorrer no âmbito do respectivo regime jurídico, pode resultar de negócio jurídico escrito entre a empresa associada e a entidade gestora, ou de resolução unilateral pela entidade gestora mormente por insuficiência de financiamento por parte do associado - 30º, RJFP
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Para fechar: segundo o regime legal de fundos de pensões quem responde pelo pagamento das obrigações decorrentes do plano de pensões é o “Fundo de Pensões” enquanto património autónomo. O fundo é alimentado pela empresa. A obrigação da empresa associada é “apenas” de financiamento do fundo, sendo a entidade gestora quem lhe pode exigir a regularização - 33º, d, 78º, 4, RJFP. Paralelamente, há uma separação quer do património do fundo, quer da sua gestão/administração que é, nos termos supra ditos, entregue a entidade externa à empresa.
O cumprimento do plano de pensões é, pois, assegurado pelo património do “Fundo de pensões” e não pelo património da empresa, salvo situações excecionais dolosas que possam ter outra causa indemnizatória.
O que decorre em especial do seguinte conjunto de normas do RJFP, algumas delas já mencionadas:

Artigo 2º, c)
“Fundo de pensões» o património autónomo exclusivamente afecto à realização de um ou mais planos de pensões

 Artigo 3º  Gestão e depósito dos fundos de pensões
“ Os fundos de pensões são geridos por uma ou várias entidades gestoras, e os valores a eles adstritos são depositados em um ou mais depositários, de acordo com as disposições do presente decreto-lei.”

Artigo 11º Autonomia patrimonial
“1.... o património dos fundos de pensões está exclusivamente afecto ao cumprimento dos planos de pensões, ao pagamento das remunerações de gestão e de depósito que envolva...
2-  Pela realização dos planos de pensões constantes do respectivo contrato constitutivo, regulamento de gestão ou contrato de adesão responde única e exclusivamente o património do fundo ou a respectiva quota-parte, cujo valor constitui o montante máximo disponível, sem prejuízo da responsabilidade dos associados, participantes e contribuintes pelo pagamento das contribuições e da entidade gestora pelo rendimento mínimo eventualmente garantido.”

Artigo 31º Liquidação
“1 - A entidade gestora deve proceder à liquidação do património de um fundo de pensões ou de uma quota-parte deste nos termos fixados no negócio jurídico de extinção ou na resolução unilateral....
2 - Na liquidação do património de um fundo de pensões ou de uma quota-parte deste, o respectivo património responde, até ao limite da sua capacidade financeira, por:....”

Artigo 66º Património
Constituem receitas de um fundo de pensões:
“a) As contribuições em dinheiro, valores mobiliários ou património imobiliário efectuadas pelos associados e pelos contribuintes;
b) Os rendimentos das aplicações que integram o património do fundo;
c) O produto da alienação e reembolso de aplicações do património do fundo;
d) A participação nos resultados dos contratos de seguro emitidos em nome do fundo;
e) As indemnizações resultantes de seguros contratados pelo fundo ...;
f) Outras receitas decorrentes da gestão do fundo de pensões.”
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Caso haja extinção do fundo de pensões o seu património é liquidado pela entidade gestora. Sendo unicamente aquele a responder pelo devido “até ao limite da sua capacidade financeira”, incluindo pensões contributivas, pensões não contributivas já em pagamento, responsabilidades com direitos adquiridos ou direitos em formação. Em caso de insuficiência de património para pagar a todos, a lei elenca “preferentes” e rateio - 31º RJFP.
O que aponta, mais uma vez, para a conclusão de que a instituição de um Fundo de Pensões origina um património autónomo, que responderá, só ele, pelo cumprimento do plano de pensões e, em caso de extinção do fundo, os “credores” (beneficiários, participantes) verão os seus direitos satisfeitos até ao limite do valor que restar do produto da liquidação.
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Aqui chegados importa frisar um aspecto subentendido no que vimos expondo.
A pensão complementar privada ou o benefício de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma não tem origem no contrato individual de trabalho, nem goza da protecção laboral de irredutibilidade/imutabilidade inerente à retribuição. A sua origem é previdencial e goza sim dos direitos conferidos pelos diplomas dos fundos de pensões, mormente da criação de um fundo patrimonial autónomo, gerido por entidade externa e sujeito a parâmetros de actuação supervisionados por entes diversos.
Demonstra a realidade que, ainda assim, não se consegue uma tutela absoluta. Mas seguramente está instituído um regime menos exposto ao risco do que para os trabalhadores resultaria caso o garante fosse apenas a própria empresa e não um Fundo.
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Estamos em condições de enfrentar a questão concreta.
No caso dos autos o autor tinha uma expectativa de vir a receber um benefício de renda vitalícia diferido para a idade da reforma, que ainda não atingiu. Contudo, no entretanto o Fundo de Pensões EMP01... foi extinto.
Dá-se o caso de a extinção do Fundo de Pensões EMP01... ter resultado, não das acima referidas” típicas” formas legais, mas em decorrência da publicação e entrada em vigor, em 1-05-2015, de diploma especial, a saber o Dec. Lei 62/2015, de 23 de abril.
O referido diploma procede à transferência para a CGA, IP. das responsabilidades pelos complementos de pensões em pagamento dos antigos trabalhadores dos EMP01..., S. A., considerando que esta empresa se encontrava a concluir um processo que conduziria à sua liquidação e extinção. E determina a extinção automática do Fundo de Pensões EMP01..., sem necessidade do cumprimento de quaisquer outras formalidades, de natureza legal ou regulamentar, após a integral transferência do seu património para a CGA, I. P - art. 9º do referido diploma.
Atribuiu-se, mesmo, imperatividade ao regime instituído (artigo 10º do mesmo diploma “O disposto no presente decreto-lei tem natureza imperativa, não podendo ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho e prevalecendo sobre todas as normas legais ou convencionais em contrário.”
De acordo com  seu artigo 8º, 3, a), a totalidade do património do Fundo de Pensões EMP01... foi transferido para a CGA, IP para assegurar as pensões em pagamento[8]  e as despesas de comissão de gestão. Dali consta, quanto às pensões em pagamento (ou as de sobrevivências dos herdeiros), que o valor que se visse a verificar não provisionado pelo Fundo de Pensões dos EMP01... seria assegurado por outras entidades, incluindo o Estado. Entrevendo-se, pois, insuficiência do fundo logo em pagar aos “preferentes” beneficiários de direitos consolidados- 8º, 3, b).
Do que se conclui que, além do Fundo de Pensões EMP01... ser extinto em 2015, a liquidação e distribuição do seu património obedeceu a regras especiais, parcialmente diferentes das contidas no regime jurídico de fundo de pensões. O Fundo de Pensões EMP01... foi unicamente afecto ao cumprimento das pensões em pagamento (prevendo-se a incapacidade do património do fundo em as assegurar, outras entidades garantiriam o seu pagamento).
Nos termos que vimos expondo, o autor, à data (2015), não era detentor de um direito a pensão, nem tão pouco auferia o benefício de renda vitalícia.
Para a CGA IP não foram transferidas responsabilidades referentes a “participantes”, os quais ainda não estavam a receber pensões complementares por não ter ocorrido a respectiva condição (reforma pelo sistema público) - 4º e 5º do diploma especial, Dec. Lei 62/2015, de 23 de abril.

Assim sendo, o autor não tem direito ao beneficio reclamado por várias razões, assim sumariadas:
(i) Sobreveio lei especial que extinguiu o Fundo de Pensões EMP01... e que determinou a liquidação do seu património afectando-o apenas ao cumprimento de pensões em pagamento (e das de sobrevivência dos herdeiros de beneficiários);
(ii) À data o autor não era beneficiário de pensão/benefício em pagamento, pelo que não foi abrangido pela referida lei especial;
(iii) O autor não tem direito ao benefício de renda vitalícia que ora reclama directamente do Estado, em substituição da empregadora EMP01..., porque pelo seu pagamento apenas poderia responder o património autónomo do Fundo de Pensões EMP01..., entidade extinta e liquidada em data anterior. Convoca-se, aqui, tudo o acima dito quanto à separação do património do fundo de pensões e da empregadora.
Por hipótese de raciocínio, ainda que a lei especial, o Dec. Lei 62/2015, de 23-04, não excluísse de protecção os trabalhadores sem pensões em pagamento (meros detentores de direitos “em formação”) e nada mais regulasse,  a verdade é que, extinguindo-se o Fundo EMP01..., na lógica acima relatada, sempre o autor somente poderia exigir pagamento do Fundo e através do que restasse do seu património liquidado e quando chegasse a sua vez, tendo de ser respeitada a ordem e rateio legais previsto no regime de funcionamentos dos fundos. Veja-se que, em situações de insuficiência financeira com extinção e liquidação do fundo, o próprio regime dos fundos de pensões privilegia, compreensivelmente, os beneficiários de pensões em pagamento.
(iv) Inexiste vínculo negocial directo entre o autor trabalhador e os EMP01... antiga empregadora susceptível de tutelar um direito individual a benefício de reforma ou pensão que possam ser garantidos pelo património da própria empresa (ou do que dela reste). O empregador não assume a veste de garante e a sua obrigação é a de “alimentar” o Fundo. A tutela dos direitos de pensão e/ou de benefício de reforma, ao abrigo de regimes “privados”, está na existência do fundo. A expectativa do autor tem por base um acto unilateral do empregador que institui um fundo que é um patrimonial autónomo, sendo o autor terceiro em tal negócio.  Rege o disposto no regime de fundos de pensões (quanto à natureza do fundo) e na referida lei especial (que extingue o Fundo EMP01...), os quais não conferem ao autor o direito reclamado.
(v) O autor deixou de ter assegurado o futuro direito ao benefício de renda por extinção do fundo e, fora deste quadro, só poderá haver lugar a indemnização pelo interesse negativo em situações em que se destaque forte violação do principio da confiança, mormente num contexto de comprometimento/vínculo prévio com os trabalhadores subjacente à constituição do fundo, seguido de frustração de expectativas decorrente de comportamento culposo da empresa.

Como refere BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, Estudos em Homenagem ao Professor Sérvulo Correia, Vol. IV, FDUL, 2010, pág. 224/5:
“O plano de pensões é garantido pelo fundo como património autónomo, a título principal, sendo o fundo a entidade única (e exclusivamente) responsável pelo pensionamento e pelos direitos em formação. Não pode existir nenhuma obrigação directa de complementação a cargo do empregador. É possível a alteração do plano de pensões e correlativamente do fundo, para além da plena aplicação do princípio da alteração das circunstâncias. Também é possível a extinção e liquidação do Fundo, pela recusa do associado em financiar, tendo os pensionistas trabalhadores e beneficiários participantes direito à respectiva quota de liquidação....
“A vinculação só existe com a criação do fundo, ainda que criação de expectativas e de confiança e a actuação de má fé do empregador (principalmente pela não constituição, dotação ou não alimentação do fundo) possam dar lugar a indemnizações (mormente pelo interesse negativo).”
Não é esse o quadro dos autos, nem tal é sequer invocado.
É de manter a decisão final.

III– DECISÃO

Acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.
Notifique.
22-05-2025

Maria Leonor Barroso (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Vera Sottomayor


[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza oficiosa.
[2] Relevam apenas as últimas alterações ao plano de pensões.
[3] Decorre dos factos que a empresa EMP01..., Sa (EMP01...) foi dissolvida (2015) e liquidada. O Estado foi demandado na acção, enquanto único acionista desta sociedade.
[4] Desenvolveu-se na segunda metade do sec. XX como encargo estatal, com consagração na CRP de 1976.
[5] Actualmente, os fundos de pensões são regidos pela Lei 27/2020, de 13 de julho. Tem-se como aplicável a este caso concreto o diploma anterior, tendo como referência a data em que o fundo de pensões se extinguiu, na medida em que, posteriormente, não ocorreu qualquer outro facto que altere o quadro em análise.
[6] Ou seja, antes da alteração introduzida ao artigo 24º do RJFP, pela Lei 147/2015, de 9 de setembro.
[7] Dada pela Lei 147/2015, de 9 de setembro.
[8] E as de sobrevivência de herdeiros do já beneficiários que vissem a ser atribuídas.