Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5266/22.2T8GMR-A.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: VALOR DA CAUSA
RECONVENÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A regra geral estabelece que na fixação do valor da causa se deve tomar em conta o momento em que a acção é proposta, sendo que uma das excepções expressamente previstas é o caso de ter sido deduzido pedido reconvencional (cfr. art. 299º/1 do CPC).
II – No caso de os pedidos da acção e da reconvenção se apresentarem distintos, deve ser somado o seu valor (cfr. art. 299º/2 do CPC).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

1 RELATÓRIO

Na presente Acção de Processo Comum[1] - para efetivação de responsabilidade civil decorrente de facto ilícito (criminal) - em que é A. AA e RR. BB, Fundo de Garantia Automóvel e EMP01..., S.A., com pedido de citação urgente, concluiu aquele a petição inicial, nos seguintes termos:

Nestes termos e nos melhores de direito, requer-se a V. Exa:
A) a citação prévia dos RR.;
B) a ação seja julgada procedente, por provada, e em consequência, o 1º e 2º RR. solidariamente condenados a pagarem ao A. o que se segue, caso inexista contrato de seguro válido e ineficaz e oponível ao A., e, subsidiariamente, a 3ª R. condenada a pagar ao A. igualmente o que se segue, caso exista contrato de seguro válido e eficaz ou, ainda que seja inválido, a invalidade em causa não seja oponível ao A.:
b.1) a quantia de € 511.833,28 (quinhentos e onze mil e oitocentos e trinta e três euros e vinte e oito cêntimos);
b.2) o montante referente aos danos provados, não completamente apuráveis, comprováveis e/ou liquidáveis, cuja liquidação tenha eventualmente de deixar-se para fase posterior à presente ação;
b.3) tudo acrescido dos juros de mora calculados à taxa legal que se vencerem desde a citação até integral pagamento; e
b.4) com custas, procuradoria e o mais legal.”.
Tendo indicado para a acção, o valor de € 511.833,28 (quinhentos e onze mil e oitocentos e trinta e três euros e vinte e oito cêntimos).

Todos os RR. contestaram, sendo que a EMP01..., S.A. também deduziu reconvenção contra o A. AA e CC, relativamente ao qual requereu a intervenção principal provocada, bem como do Instituto da Segurança Social, IP/Centro Nacional de Pensões, tendo atribuído à reconvenção o valor da acção. Concluiu o pedido reconvencional, nos seguintes termos:

A reconvenção deve ser julgada procedente e, por via disso:
a. deve ser declarado nulo e de nenhum efeito o contrato de seguro titulado pela apólice ...05 e os reconvindos condenados a reconhecerem a invalidade desse contrato de seguro para todos os efeitos legais, com a consequente exoneração da Reconvinte do dever pagar qualquer prestação prevista nesse contrato, absolvendo-se esta dos pedidos.

Subsidiariamente
b. caso assim não se entenda, deve ser declarado que o contrato de seguro titulado pela apólice ...05 cessou os seus efeitos em data anterior ao sinistro e os reconvindos condenados a reconhecerem a cessação dos efeitos desse contrato de seguro para todos os efeitos legais, com a consequente exoneração da Reconvinte do
dever pagar qualquer prestação prevista nesse contrato, absolvendo-se esta dos pedidos.”.

O A. apresentou réplica à reconvenção.

Conclusos os autos, foi proferido o seguinte despacho:
Cumpra o disposto no art. 1º do D.L. 59/89, de 22 de fevereiro, notificando o autor para indicar o numero de beneficiário da segurança social e as entidades pelas quais se encontra abrangido. Após cite as entidades que o autor venha a indicar para deduzirem, querendo, o seu pedido de reembolso.
Ouçam-se as partes quanto à intervenção principal de CC, requerida na contestação da Ré.
 
Posteriormente foi admitida a intervenção principal de CC e citado o chamado (art. 319º/1 e 2 do CPC).

O Centro Distrital de ... do Instituto de Segurança Social, I.P. deduziu pedido de reembolso do montante de subsídio de doença pago ao A., contra os RR., no valor de € 1.742,85 (mil, setecentos e quarenta e dois euros e oitenta e cinco cêntimos).

O Fundo de Garantia Automóvel apresentou contestação ao pedido do Centro Distrital de ... do Instituto de Segurança Social, I.P.

Também a EMP01..., S.A. apresentou contestação ao pedido do Centro Distrital de ... do Instituto de Segurança Social, I.P., tendo igualmente deduzido pedido reconvencional.

 O chamado CC veio apresentar a sua contestação, fazendo seus os articulados apresentados pelo Réu BB.

O Centro Distrital de ... do Instituto de Segurança Social, I.P. veio apresentar réplica ao pedido reconvencional contra si feito pela EMP01..., S.A.

Foi designada data para uma audiência prévia, tendo-se revelado inviável a conciliação das partes.

Repetida a citação do Instituto da Segurança Social, IP, veio este deduzir pedido de reembolso de prestações da Segurança Social pagas ao A., contra os RR. Fundo de Garantia Automóvel e EMP01..., S.A., no valor de € 49.960,58 (quarenta e nove mil novecentos e sessenta euros e cinquenta e oito cêntimos).

O Fundo de Garantia Automóvel apresentou contestação ao pedido do Instituto da Segurança Social, IP.

Também a EMP01..., S.A. apresentou contestação ao pedido do Instituto da Segurança Social, IP, tendo igualmente deduzido pedido reconvencional.

Foi elaborado despacho saneador, tendo, além do mais, sido admitido o pedido reconvencional da R. EMP01..., S.A. e fixado o Valor da reconvenção, correspondendo ao valor do prémio: € 175,94, bem como o Valor da ação: € 561.986,80 (pedido principal, reconvenção e reembolso do ISS).

Inconformada com o despacho que fixou o valor à reconvenção, apresentou a R. EMP01..., S.A. recurso de apelação, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

I- Visando a Ré com a sua reconvenção, além do mais, a sua exoneração da obrigação de indemnizar, a vantagem económica que procura com essa reconvenção corresponde ao valor dos pedidos contra si deduzidos, dos quais se pretende ver desonerada.
II- Assim, o valor da reconvenção não pode ser outro senão o dos pedidos contra si deduzidos (563.536,71€)
III- Por outro lado, os pedidos formulados pela Ré na sua reconvenção são distintos dos formulados pelo Autor e intervenientes.
IV- De facto, não é pedida na ação a declaração da validade, ou eficácia da apólice de seguro celebrada com a Recorrente, pelo que os pedidos formulados em sede de reconvenção visam um efeito jurídico distinto do que é visado com os pedidos formulados pelo demandante e intervenientes.
V- Assim, entende a Recorrente que, na determinação do valor da causa, se deve somar o valor da reconvenção (que deve ser o de 563.536,71€), com o valor do pedido do Autor (511.833,28€), do Centro Distrital de ... da Seg Social (1.742,85€) e do ISS, IP (49.960,58€), o que tudo perfaz 1.127.073,42€ (um milhão cento e vinte e sete mil e setenta e três euros e quarenta e dois cêntimos)
VI- Face ao exposto, deve ser revogado o douto despacho que fixou à causa o valor de 561.986,80€, atribuindo-se antes à ação o valor de 1.127.073,42€ (um milhão cento e vinte e sete mil e setenta e três euros e quarenta e dois cêntimos)
VII- Se assim não se entender, sempre seria a decisão proferida nula, por ausência de fundamentação, nulidade essa que, expressa e subsidiariamente, se invoca, nos termos do disposto no artigo 615º n.º 1, alínea b) do CPC.
VIII- Pelo que, caso não seja atendido o que acima se sustentou, deve a decisão em causa ser anulada, ordenando-se que o processo regresse ao Tribunal de Primeira Instância para que seja devidamente fundamentada, o que, subsidiariamente, se requer.
IX- A douta decisão sob censura violou as normas dos artigos 154º, 299º nº 2 e 530 n.º 3 do CPC
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se ou anulando-se a decisão proferida e decidindo-se antes nos moldes apontados, como é de inteira e liminar
JUSTIÇA
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 Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, a subir em separado, providenciando pela sua subida a este Tribunal. Pronunciou-se sobre a arguida nulidade[2].
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
 
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, para além da suscitada questão subsidiária da nulidade da decisão, pretende que seja revogado o douto despacho que fixou à causa o valor de 561.986,80€, atribuindo-se antes à ação o valor de 1.127.073,42€.
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3 – OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Pretende a apelante que se revogue a decisão recorrida que fixou à causa o valor de 561.986,80€, atribuindo-se antes à ação o valor de 1.127.073,42€.
Vejamos:
Para além de impugnar os factos articulados pelo A., ou de contra eles deduzir excepção dilatória ou peremptória, o R. pode aproveitar o articulado de defesa para operar uma modificação objectiva da instância, deduzindo um pedido que seja autónomo relativamente ao pedido do A., “visando através dele obter a condenação do autor nesse novo pedido, ultrapassará uma postura ou atitude simplesmente defensional, pois que acrescentará algo de inovatório (relativamente ao pedido principal), dizendo em tal eventualidade que se defendeu, ou melhor, que contra-atacou através de reconvenção[3].
De facto, conforme resulta do disposto no nº 1 do art. 266º do CPC, o R. pode deduzir pedido reconvencional, apresentando uma contra-pretensão contra o A., nos casos previstos no nº 2 do mesmo art.
De harmonia com o disposto no nº 3 do art. 266º do CPC, não é admissível a reconvenção quando ao pedido do R. corresponda forma de processo diferente da do pedido do A., salvo se o juiz a autorizar, nos termos do art. 37º/2 e 3 do CPC, com as necessárias adaptações.
O R. deve observar, na dedução do pedido reconvencional, determinados requisitos processuais legalmente exigidos para a obtenção de uma decisão de mérito, como sejam:
- A verificação dos pressupostos processuais relativos à competência absoluta do tribunal (em razão da matéria, nacionalidade e hierarquia) – cfr. art. 93º/2 do CPC;
- A verificação dos pressupostos processuais relacionados com a forma do processo (cfr. art. 266º/3 do CPC);
- A dedução na contestação, de modo separado, discriminado e destacado ou isoladamente (no caso de não existir contestação-defesa) e com subordinação a artigos como qualquer outro articulado, devendo conter as indicações e elementos constantes do art. 552º/1, c), d) e e) do CPC (cfr. art. 583º/1 do CPC);
- A indicação do valor da reconvenção (cfr. art. 583º/2 do CPC).
Para além dos requisitos processuais e conforme resulta do disposto no nº 2 do art. 266º do CPC, o exercício do direito de reconvir depende ainda da verificação de requisitos de ordem substancial ou material, apenas sendo admissível em situações em que exista uma certa conexão entre o pedido do A. e o formulado pelo R.
A reconvenção é admissível nos casos elencados no art. 266º/2 do CPC, a saber:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou a despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; e
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
A reconvenção pode ainda ser deduzida a título eventual – reconvenção subsidiária – para o caso de o pedido originário do A. vir a ser julgado procedente[4].
Conforme ensina Miguel Teixeira de Sousa[5], “o que caracteriza a reconvenção subsidiária é isto: o réu formula o pedido principal de absolvição do pedido; para o caso de este pedido não ser julgado procedente, formula um pedido reconvencional. Isto mostra que apenas um dos pedidos apresentados pelo réu pode ser considerado procedente: ou o pedido (principal) de absolvição do pedido ou o pedido reconvencional (subsidiário) (…)”.
O referido A.[6] distingue a reconvenção subsidiária da reconvenção dependente, considerando que, enquanto, na primeira, se verifica que o R. quer obter, antes do mais, a improcedência da acção (pedido principal) e apenas, se tal não suceder, pretende a procedência do pedido reconvencional (pedido subsidiário), já na segunda figura (reconvenção dependente) o R. utiliza a procedência ou improcedência do pedido formulado pelo A. como objecto prejudicial face à reconvenção que deduz.
Relativamente à al. a) do nº 2 do art. 266º do CPC, referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[7] que a correspondente previsão pressupõe que o pedido reconvencional se funde na mesma causa de pedir, total ou parcialmente, que o pedido do A. (de acordo com a teoria da substanciação, importando a causa de pedir integrada pelos factos concretos que caraterizam a norma/instituto jurídico invocados).
Assim, “a dedução de um pedido reconvencional fundado na mesma causa de pedir do pedido do autor, pressupõe que aquela seja entendida à luz da teoria da substanciação, isto é, integrada pelos factos concretos que concretizam a norma ou o instituto jurídico invocado, não valendo para o efeito a abstracta invocação pelo réu dos mesmos norma ou instituto jurídicos, quando consubstanciados por factos absolutamente diferentes e distintos dos primitivos (arts. 266º, nº 1 e nº 2, al. a), e 581º, nº 4, ambos do C.P.C.)[8].
Sobre a mesma al. a) reportam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[9] que, “[o] facto jurídico que serve de fundamento à ação (al. a)) constitui o ato ou relação jurídica cuja invocação sustenta o pedido formulado, como ocorre com a invocação de um direito emergente de um contrato, o qual também pode ser invocado pelo réu para sustentar uma diversa pretensão dirigida contra o autor. O facto jurídico que serve de sustentação à defesa envolve essencialmente a matéria de exceção, mas poderá igualmente assentar em factos que integrem a impugnação especificada dos fundamentos da ação. Nestes casos, o réu aproveita a defesa não apenas para se defender da pretensão do autor, mas ainda para sustentar nos mesmos factos uma pretensão autónoma contra aquele”.
Conforme evidencia Mariana França Gouveia[10], “a causa de pedir, para efeitos de admissibilidade de reconvenção, deve ser definida através do facto principal comum a ambas as contra pretensões”, ou seja, que “os factos alegados devem ser selecionados através das normas jurídicas alegadas, assim se determinando quais são os principais. Estabelecidos estes, se um deles for principal para a ação e para a reconvenção, haverá identidade de causa de pedir e, logo, estará preenchido o requisito” previsto na al. a) do nº 2 do art. 266º do CPC.
Assim:
A admissibilidade da reconvenção pressupõe uma conexão objectiva entre as duas ações, um nexo entre os objectos da causa inicial e da causa reconvencional.
O pedido reconvencional do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação se existir identidade, total ou parcial, de ambas as causas de pedir, a da ação e da reconvenção.
O pedido reconvencional do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa quando faz nascer uma questão prejudicial em relação à causa principal, ou seja, produza ‘efeito útil defensivo’, capaz de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor[11].
Isso mesmo se expressou, igualmente, no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 06-05-2021[12], no qual se referiu o seguinte:
A primeira parte da al. a) do n.º 2 do art. 266 carece de ser interpretada no sentido de que a reconvenção é admissível quando o pedido reconvencional se funda na mesma causa de pedir (ou parte desta) em que o Autor funda o direito que invoca. Já a segunda parte daquela alínea tem o sentido de que só é admissível a reconvenção quando o réu-reconvinte invoque como meio de defesa qualquer acto ou facto jurídico que tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelo autor e com base nesse acto ou facto – ou parte dele - que serve de fundamento à sua defesa, deduza o pedido reconvencional. Isto porque, tratando-se de uma contra pretensão, conquanto dentro do mesmo processo, a reconvenção, embora com um pedido autónomo, deve ter certa compatibilidade com a causa de pedir do autor, pelo que o pedido reconvencional tem de ter necessariamente a sua génese na causa de pedir invocada pelo Autor-reconvindo, ou a factualidade na qual o Réu-reconvinte estriba a sua defesa em relação a essa causa de pedir invocada pelo Autor-reconvindo. Por sua vez, a defesa por excepção consiste, antes, num ataque lateral ou de flanco, com a alegação de factos novos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos alegados pelo autor, socorrendo-se o réu de factos diversos daqueles em que se funda a petição”.
Assim, a primeira parte da mencionada alínea a) só poderá ter o sentido de a reconvenção ser admissível quando o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir da acção, isto é, o mesmo facto jurídico (real ou concreto) em que o A. fundamenta o direito que invoca, de modo a concluir-se que o pedido cruzado do R. resulte naturalmente, ou até se contenha, na causa de pedir do A. Pedida, por exemplo, a condenação do R. no pagamento do preço da compra e venda, o R. pede a condenação do A. na entrega da coisa (o mesmo contrato é, simultaneamente, causa do pedido do A. e do R.).
Por seu turno, a segunda parte da al. a) do nº 2 do art. 266º do CPC tem o sentido de a reconvenção ser admissível quando o R. invoque, como meio de defesa, qualquer acto ou facto jurídico que, a verificar-se, tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do A., em termos de tal pretensão do R. ser normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa[13]. Pedida, por exemplo, a condenação do R. no pagamento de remanescente do preço de empreitada, o R. excepciona a anulabilidade do contrato por dolo e pede a condenação do A. na restituição do que pagou e em indemnização (a causa de pedir da reconvenção assenta nos factos que sustentam a anulabilidade do contrato e o seu incumprimento pelo A.).
De todo o modo, tem que existir uma conexão entre o pedido do A. e do R. e esta tem de ser “uma conexão forte, não bastando uma ténue ligação entre os objectos da acção e da reconvenção, já que a lei optou, como vimos, por um sistema restritivo de admissibilidade da reconvenção, o que implica, por parte do juiz, uma análise minuciosa das causa de pedir alegadas nas duas demandas cruzadas[14].
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, temos que o pedido reconvencional em questão, não ocorrendo nenhuma das circunstâncias previstas nas als. b) a d) do nº 2 do art. 266º do CPC, é passível de enquadrar na al. a), ou seja, quando o pedido do R. emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção, tal como bem se concluiu no despacho que admitiu a reconvenção.
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Questiona-se o valor fixado à causa, por ter sido deduzido pedido reconvencional.
A regra geral estabelece que na fixação do valor da causa se deve tomar em conta o momento em que a acção é proposta, sendo que uma das excepções expressamente previstas é o caso de ter sido deduzido pedido reconvencional (cfr. art. 299º/1 do CPC), devendo no caso de os pedidos da acção e da reconvenção se apresentarem distintos, o que é o caso dos presentes autos apenas no que concerne ao pedido de declaração da validade ou eficácia da apólice de seguro celebrada com a Recorrente, ser somado o seu valor (cfr. art. 299º/2 do CPC). Já o valor dos pedidos deduzidos contra a R. reconvinte, na medida em que o pedido da R. emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção, não configura um pedido distinto[15], pelo que o valor da reconvenção é o correspondente ao valor do prémio - € 175,94 - como assertivamente se decidiu (cfr. art. 301º do CPC).
Todavia, atendendo a que existe um lapso no valor fixado para a acção, pois não se considerou o valor do reembolso do Centro Distrital de ... da Seg. Social, já que na determinação do valor da causa se devem somar os valores do pedido principal (€ 511.833,28), da reconvenção (€ 175,94) e dos reembolsos do Centro Distrital de ... da Seg. Social (€ 1.742,85) e do ISS, IP (€ 49.960,58), temos que tudo perfaz o valor de € 563.712,65 (quinhentos e sessenta e três mil e setecentos e doze euros e sessenta e cinco cêntimos), o que deve ser rectificado.

Improcede, pois, a apelação.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, com a rectificação do valor fixado para a acção, que perfaz € 563.712,65 (quinhentos e sessenta e três mil e setecentos e doze euros e sessenta e cinco cêntimos), acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedente o recurso de apelação interposto e consequentemente manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente (art. 527º do CPC).
Notifique.
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Guimarães, 23-05-2024

(José Cravo)
(Carla Maria da Silva Sousa Oliveira)
(Ana Cristina Duarte)



[1] Tribunal Judicial da Comarca de ..., Guimarães - JC Civel - Juiz ...
[2] O que fez nos seguintes termos, ainda que com referência aos dois admitidos recursos, estando aqui em causa apenas um:
“Para os efeitos previstos no artigo 617.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aqui se mantém as decisões proferidas, indeferindo a nulidade arguida, que a Recorrente sustenta por falta de fundamentação/falta de pronúncia, uma vez que entende que o Tribunal se pronuncia sobre todas as questões e no essencial se encontram fundamentadas.”
[3] Vd. Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 149.
[4] Neste sentido, vd., entre outros, na doutrina, Manuel de Andrade; Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 153; Miguel Teixeira de Sousa; “Reconvenção subsidiária, valor da causa e responsabilidade pelas custas”, in Cadernos de Direito Privado, ISSN 1645-7242, n.º 7, 2004, pp. 11-18; Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 158; e, na jurisprudência, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 20-05-2004, in Pº 0432573; de 05-07-2011, in Pº 7830/10.3TBVNG-A.P1; de 21-11-2019, Pº 1414/18.5T8PVZ.P1; e de 13-10-2020, Pº 3393/18.0T8PNF.P2, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
[5] Vd. “Reconvenção subsidiária, valor da causa e responsabilidade pelas custas”, in Cadernos de Direito Privado, ISSN 1645-7242, n.º 7, 2004, pp. 12-13.
[6] In loc. cit., p. 13.
[7] In Código de Processo Civil Anotado; Vol. 1.º, 4.ª Edição, Almedina, p. 531.
[8] Cfr. Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 10-07-2018, in Pº 1630/17.7T8VRL-A.G1, acessível in www.dgsi.pt.
[9] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 302.
[10] In A Causa de Pedir na Ação Declarativa; Almedina, 2019, p. 270.
[11] Cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-03-2020, in Pº 590/19.4T8GRD-A.C1, acessível in www.dgsi.pt.
[12] In Pº 2103/19.9T8VNF-A.G1, acessível in www.dgsi.pt.
[13] Cfr., neste sentido, entre outros, Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, II, p. 28 e os acórdãos do STJ de 05-03-1996, in BMJ 455.º, p. 389 e de 27-04-2006, Pº 06A945, este acessível in www.dgsi.pt e do Tribunal da Relação do Porto de 16-09-1991, CJ, ano XVI, tomo IV, p. 247 e de 05-07-2011, Pº 7830/10.3TBVNG-A.P1, este acessível in www.dgsi.pt.
[14] Cfr. Marco António de Aço e Borges; A Demanda Reconvencional; Quid Juris, 2008, p. 43.
[15] Neste sentido, cfr. Alberto dos Reis, Comentários III, pág. 652/653.