Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3628/22.4T8VCT-A.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: DIREITO À PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O direito à prova não é absoluto nem ilimitado, antes contém limitações de natureza intrínseca e extrínseca.
II - Numa ação em que está em causa a ilisão da presunção estabelecida no art. 1724º do Cód. Civil, não é de admitir a junção aos autos, pelo réu, de duas missivas endereçadas à autora pelo seu pai, sem o consentimento do remetente e da destinatária, se tais missivas, além de revestirem um conteúdo circunscrito ao âmbito familiar, filial e privado – abrangido, portanto, pelo direito à reserva da intimidade da vida privada e do sigilo da correspondência (arts. 26º, n.º 1 e 34º da CRP) – não se revelarem o único meio tendente a provar a facticidade controvertida, nem se afigurarem de valor probatório fundamental para a prova dos factos controvertidos.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA intentou contra BB, no Juízo Central Cível ... - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca ..., acção declarativa, sob a forma de processo comum, peticionando:
- Ser declarado a titularidade da autora das participações sociais das sociedades EMP01..., Gabinete de Psicologia e Gestão de Recursos Humanos, Lda e da EMP02..., Limitada, condenando-se o Réu a reconhecê-lo como tal e determinando-se o registo respetivo.
- Julgar provado que a casa de morada de família foi adquirida na proporção de um terço, com dinheiro que era próprio da autora, devendo por isso ser ilidida a presunção de meação da titularidade e ser declarado que a autora é proprietária de dois terços do imóvel sito na Rua ..., ..., ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...62º da União das Freguesias ... (... e ...) e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... ...43/..., com o valor patrimonial tributário de € 224.974,75
- Julgar provado que o imóvel correspondente ao prédio rústico, composto por bouça de mato e pinheiros, sito no lugar ..., ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...56º da União das Freguesias ..., ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...36/..., é bem próprio da autora procedendo-se ao registo respetivo
- Julgar provado que os veículos automóveis foram adquiridos na constância do casamento, que por isso são bens comuns.
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Citado, contestou o Réu, pugnando pela total improcedência da acção e a sua consequente absolvição dos pedidos contra si formulados pela autora (ref.ª ...38).
Nos arts. 59º a 64º da contestação alegou:
«59º
Com data de .../... de 2007 o pai da autora endereçou à filha a seguinte comunicação que ora se transcreve na íntegra, com mágoa do réu:
“AA perdoa este desabafo.
Sofro muito ao ver a vida que fazeis e com tanta instabilidade.
Tu e o BB trabalhais demais.
Eu o reconheço.
Gostava que trabalhasses menos e fizesses uma vida calma, pacata, tranquila e segura e para isso bastava poupar um pouquinho sem tantas saídas para amigos, que às vezes não são mais do que vossos inimigos.
Essa tranquilidade e segurança passava para os vossos filhos, eles um dia agradeceriam o exemplo.
Compreendo que a vida não se deve fazer a 8 nem 80, mas a 40 estaria melhor.
Trabalhei, trabalhamos e poupamos tanto para vos proporcionar uma vida melhor era essa, sempre foi nossa intenção.
afinal …
enganei-me …
desculpai.
Recebei um abraço do tamanho do mundo, deste pai que vós rejeitais, mas que é sempre amigo do coração, mesmo quando está zangado.
..., aos .../... de 2007.
CC” – doc.... que ora se junta e dá por integralmente reproduzido.
60º
Com data de .../.../2018 o pai da autora escreveu uma carta, da qual se transcreve o seguinte excerto:
“Compraram casa no local onde sempre sonhei para eles; abrigada dos ventos frios do Norte no sopé do monte de ....
A casa interiormente foi decorada que mais parece magia!
Desde os móveis, até às peças + pequenas, tudo tem um lugar certo de estar, fazendo um conjunto harmonioso de bom gosto e tranquilidade.” – doc. ...0 que ora se junta e dá por integralmente reproduzido.
61º
O teor do acabado de descrever não tem qualquer consonância com o que consta da declaração emitida em 30/06/2020.
62º
O que resulta desse teor é precisamente o oposto do que consta da sobredita declaração.
63º
De forma totalmente inequívoca e espontânea o pai da autora assume que tudo foi feito em benefício do então casal, sem qualquer discriminação.
64º
Sendo certo que até se refere em concreto à casa que foi a morada de família quando afirma “compraram casa no local onde sempre sonhei para eles”».
*
A A. apresentou resposta à contestação, na qual requereu o desentranhamento dos autos dos documentos nºs. ... e ...0 juntos com a contestação, por se tratar de correspondência pessoal da autora, bem como que seja dado como não escrito o conteúdo da mesma, vertido nos arts. 59º, 60º, 61º, 62º, 63º e 64º da contestação (ref.ª ...42).
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Realizada audiência prévia, a 26/09/2023, nela foi proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e a regularidade da instância (ref.ª ...80).

De seguida, a Ex.ma Juíza procedeu à identificação do objeto do litígio nos termos seguintes:
«O objeto do processo assenta em apurar se as verbas nºs 4, 5, 6, 7, 61 e 68 da relação de bens que foi apresentada no âmbito do processo nº 2072/21.... são bens próprios da Autora e se as verbas nºs 1 e 2 da dita relação de bens são bens comuns à Autora e ao Réu».
E enunciou os temas da prova nos seguintes termos:
«1. Durante anos foram doados à Autora inúmeros imóveis e dinheiro, o que lhe permitiu constituir duas sociedades, comprar um terreno e ainda comparticipar na compra da casa de morada de família com um valor superior ao do Réu.
2. A A., em data anterior à do seu casamento, tinha um valor em numerário de quatro milhões de escudos.
3. Dinheiro utilizado no momento da constituição da sociedade EMP01..., Lda.
4. Dinheiro utilizado nos aumentos de capital realizados e na aquisição das quotas.
5. Dinheiro utilizado no momento da constituição da sociedade EMP02..., Lda.
6. Dinheiro utilizado na aquisição das quotas.
7. Valor dos suprimentos realizados pela Autora.
8. A parte inicial do preço da casa de morada de família, no montante de quinze milhões de escudos, foi paga com dinheiro da Autora.
9. O terreno de ... foi adquirido com dinheiro da Autora.
10. Os veículos de matrícula ..-OD-.. e ..-HP-.. foram adquiridos pela Autora e pelo Réu durante a constância do matrimónio com dinheiro de ambos».
Quanto à admissão dos meios de prova – na parte que ora releva atinente aos documentos n.ºs ... e ...0 juntos com a contestação –, exarou o seguinte despacho:
«Na sua resposta à contestação, a autora requer o desentranhamento dos autos dos documentos nºs. ... e ...0 juntos com a contestação, por se tratar de correspondência pessoal.
Compulsados ditos documentos, juntos a fls. 195 verso e 196, o Tribunal constata que está em causa correspondência, mas que o teor da mesma não está completo. Constata ainda o Tribunal que na carta consta a seguinte menção (no início): “AA perdoa este desabafo.” Assim sendo, por estar em causa correspondência dirigida a uma das partes e que foi junta aos autos pela contraparte, estando em causa a reserva da correspondência e da intimidade da vida privada, determina-se o desentranhamento dos documentos ... e ...0 em causa e a sua devolução ao réu apresentante».
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Inconformado com esta decisão [que ordenou o desentranhamento do processo dos documentos ... e ...0 juntos com a contestação e a sua devolução ao apresentante], dela apelou o Réu (ref.ª ...60), formulando, no final das respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se reproduzem):

«a) os documentos juntos à contestação com os números 9 e 10, atento o seu teor, não colocam em causa a reserva da correspondência nem, tão pouco, a da intimidade da vida privada da autora;
b) desde logo pelo facto das comunicações não terem como destinatária exclusiva a autora;
c) sem qualquer margem para dúvida, o foco do pai da autora é o casal, sem qualquer discriminação entre os elementos do mesmo;
d) a ajuda, nomeadamente apoio financeiro, foi concedido à autora e réu, sem qualquer diferenciação, expressa de forma eloquente na seguinte expressão: “Trabalhei, trabalhamos e poupamos tanto para vos proporcionar uma vida melhor era essa, sempre foi nossa intenção.”;
e) a manutenção no processo dos documentos juntos à contestação com os números 9 e10 afigura-se relevante e indispensável em termos probatórios;
f) o desentranhamento do processo de tais documentos representaria grave entorse do direito à prova, como garantia do direito à tutela judiciária e ao processo equitativo, princípio estruturante do processo cível;
g) ficaria o réu impedido de aceder à plenitude da prova, prevalecendo apenas aquela que é suscetível de favorecer ou privilegiar uma das partes;
h) o conteúdo das comunicações endereçadas à autora pelo seu pai está intimamente relacionado com o objeto do presente processo;
i) invocar a reserva da correspondência e da intimidade da vida privada quanto o réu é visado tal como a autora o é afigura-se manifestamente deslocado e infundado:
j) atenta a relevância probatória dos documentos juntos à contestação com os números 9 e 10, a sua veracidade e as circunstâncias que rodeiam o caso concreto determinam a sua manutenção no processo, porque fundamentais à concretização do processo equitativo, consagrado constitucionalmente – artigo 20º da C.R.P.
Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Exa. deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho que ordenou o desentranhamento do processo dos documentos ... e ...0 juntos com a contestação, assim se fazendo inteira e esperada justiça.
(…)».
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Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (ref.ª ...14).
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Delimitação do objeto do recurso             

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber se deve ser revogada a decisão que ordenou o desentranhamento do processo dos documentos ... e ...0 juntos com a contestação, com fundamento na ilicitude da prova, por violação da reserva da correspondência e da intimidade da vida privada.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

As incidências fáctico-processuais a considerar para a decisão do presente recurso são as descritas no relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos). 
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V. Fundamentação de direito         
              
1. Da ilicitude da prova referente aos documentos ... e ...0 juntos com a contestação, por violação da reserva da correspondência e da intimidade da vida privada.
1.1. O direito à prova, como tem sido sublinhado, surge como corolário do direito de acção e defesa, consagrado no art. 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que garante a todos «o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (…)»[1].
O direito de acção ou direito de agir em juízo terá de efetivar-se através de um processo equitativo, que, entre outras manifestações, se traduz na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer as suas provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado dessas provas[2].
E se o direito de acesso à justiça comporta, indiscutivelmente, o direito à produção de prova[3], tal não significa, porém, que “o direito subjetivo à prova implique a admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objeto do litígio[4], muito embora a recusa de qualquer meio de prova deva ser, devidamente, fundamentada, na lei ou em princípio jurídico, não podendo o Tribunal fazê-lo de modo discricionário.
É ao juiz que compete o controlo da admissibilidade dos meios de prova, quer das provas pré-constituídas, quer das provas constituendas, sendo facultado à parte o contraditório quanto a tal admissibilidade (art. 415º, n.º 2, do CPC).
Mas a restrição incomportável da faculdade da apresentação de prova em juízo impossibilitaria a parte de fazer valer o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva, tal como vem reconhecido pelo art. 20.º da CRP[5].
Rejeita-se, no entanto, o entendimento que erige o direito à prova como um direito absoluto e incondicionado, «não implicando a total postergação de determinadas limitações legais aos meios de prova utilizáveis ou a imposição de condições à sua utilização, desde que essas limitações se mostrem materialmente justificadas e respeitadoras do princípio da proporcionalidade. A emissão de uma norma restritiva da utilização dos meios de prova, não implica necessariamente um desrespeito do direito acesso à justiça na sua vertente do direito do interessado produzir a demonstração de factos que, na sua ótica, suportam o seu direito ou a sua defesa. Tal desrespeito só se verificará quando se possa concluir que a norma em causa determina para o interessado, na generalidade das situações, a impossibilidade de uma real defesa dos seus direitos ou interesses em conflito»[6].
Nas palavras de Jorge Miranda e Rui Medeiros[7], o direito de acesso aos tribunais não implica necessariamente a admissibilidade de todos os meios de prova permitidos em direito em qualquer tipo de processo e independentemente do objecto do litígio, assim como não exclui em absoluto a introdução de limitações na produção de certos meios de prova, posto que não arbitrárias ou desproporcionadas.
O direito à prova não é, portanto, absoluto nem ilimitado, antes contém limitações de natureza intrínseca e extrínseca.
Estatui o art. 341º do Código Civil (CC) que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.
Nas palavras de Alberto do Reis[8], a prova “é o conjunto de operações ou actos destinados a formar a convicção do juiz sobre a verdade das afirmações feitas pelas partes”.
Quem invoca um direito tem o ónus de fazer a prova dos factos constitutivos desse mesmo direito (art. 342º, n.º 1, do CC), garantindo o art. 346º do mesmo Código o direito à contraprova: “(…) à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova”.
No que ao caso importa, o problema diz respeito à proibição de prova, entendida como limitação legal à produção da prova, e não como limitação legal à valoração da prova. O que está em discussão não é directamente o mérito da prova e sua avaliação, mas sim a questão prévia ou prejudicial da admissibilidade da prova, pois que, na perspectiva do réu, dever-se-ia ter como lícita. No fundo, questiona-se da admissibilidade de determinado meio de prova por o mesmo poder colidir com interesses dignos de proteção (no caso, a reserva da intimidade da vida privada e da correspondência). 
Estamos aqui no âmbito da problemática da prova ilícita, mais concretamente, perante prova documental pré-constituída, consistente em duas missivas (cartas) endereçadas à autora pelo seu pai.
Na definição de João Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa[9], “as provas ilícitas são expressão de um sistema probatório em que a admissibilidade se sobrepõe à relevância da prova: apenas a prova admissível (e não toda a que for relevante) pode ser utilizada em processo. As provas ilícitas são aquelas cuja obtenção ou produção constitui um ilícito (nomeadamente, mas não exclusivamente, por violação de regras constitucionais). Há assim quer proibições de obtenção da prova (que são proibições de métodos probatórios), quer proibições de produção da prova (que são proibições de meios de prova)”.
A prova será ilícita quando o seu modo de obtenção for reprovado pelo direito material, independentemente de a constatação da ilicitude ter ocorrido dentro ou fora da órbita processual[10].
Trata-se de uma questão complexa, havendo doutrina que defende que a prova ilícita é passível de ser sempre admitida em juízo, sem qualquer limites ou restrições, como qualquer meio de prova, baseando-se, de uma forma geral, na finalidade da prova, entendida como a descoberta da verdade[11].
Outra corrente, porém, defende a inadmissibilidade da prova obtida através de um acto ilícito fundada no princípio de que os fins não justificam os meios, já que deve impedir-se que uma das partes consiga ilicitamente o que não obteve por meios lícitos.
Uma terceira posição admite a possibilidade de, em casos excecionais e com determinados limites, a prova ilícita poder ser admitida. A questão deverá ser resolvida casuisticamente, mediante a apreciação das circunstâncias concretas e consoante os valores em jogo[12].
O que está em causa é a conjugação do direito à prova, como garantia do direito à tutela judiciária e ao processo equitativo, nos termos do disposto no art. 20º da CRP, com os demais direitos fundamentais nela consagrados.
E como a concordância prática dos direitos fundamentais em questão deve salvaguardar o âmbito essencial de protecção de cada um deles, o direito à tutela judiciária não pode ser exercido a qualquer preço, designadamente, com o sacrifício dos direitos à integridade moral e psíquica, à não intromissão na vida privada, no domicílio e na correspondência ou à protecção dos dados pessoais.
Como salienta José Lebre de Freitas[13], em “sede de prova, o direito ao processo equitativo implica a inadmissibilidade de meios de prova ilícitos, quer o sejam por violarem direitos fundamentais, quer porque se formaram ou obtiveram por processos ilícitos”.

No campo do processo civil, as provas podem ser ilícitas por terem sido obtidas por recurso a métodos proibidos (através de práticas violadoras de direitos fundamentais) ou por terem sido obtidas em resultado de violação de regras processuais, sendo que a lei processual civil não se refere expressamente à inadmissibilidade da prova ilícita, contrariamente ao que ocorre na lei processual penal (cfr. art. 125º do Código de Processo Penal[14]), prevendo apenas situações de recusa no que diz respeito ao dever de cooperação para a descoberta da verdade, nos termos previstos no art. 417º do CPC[15], designadamente, no seu n.º 3, nos termos do qual:
3 - A recusa é, porém, legítima se a obediência importar:
a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;
b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;
c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4”.
Em termos resumidos, seguindo de perto Carlos Castelo Branco[16], e no que diz respeito às provas obtidas em violação do direito substantivo (no caso não foi suscitada a questão de obtenção de prova por violação de regras processuais, nem tal questão se coloca à luz dos factos acima referenciados), podemos distinguir entre provas ilícitas absolutas e provas ilícitas relativas, dizendo as primeiras respeito àquelas que são obtidas mediante tortura, coação, ou ofensa da integridade física ou moral das pessoas, em violação dos arts. 16º, 18º, 24º e 25º da CRP, por isso absolutamente proibidas, que devem considerar-se inexistentes, e suscetíveis de serem subsumíveis à previsão da alínea a), do referido n.º 3, do art. 417º do CPC; reportando-se as segundas àquelas que são obtidas em violação de outros direitos fundamentais, como o direito à intimidade da vida privada ou familiar, o direito à inviolabilidade do domicílio, ao segredo de correspondência ou das telecomunicações, o direito à imagem (cf. arts. 26º e 34º da CRP), e que podem ser subsumidas à al. b), do n.º 3, daquele mesmo art. 417º. Relativamente a este tipo de provas, o consentimento do titular pode ser relevante, no sentido de retirar ilicitude ao ato lesivo e, consequentemente, à prova; ocorrendo, porém, recusa de consentimento, o juiz será confrontado com um conflito, que deverá resolver, efetuando uma ponderação dos direitos em confronto, podendo decidir pela cedência do direito ao segredo da correspondência, por exemplo, face ao direito de produção de prova, quando os elementos probatórios em causa se revelem essenciais à justa composição do litígio.
No tocante às causas relativas da ilicitude, como seja a intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, a prova só é ilícita se essa intromissão for abusiva (art. 32º, n.º 8, da CRP), sendo que a valoração quanto ao caráter abusivo da intromissão feita a propósito do processo penal tem de manter-se no âmbito do processo civil[17] [18].
Contudo, a ilicitude da prova pode ser excluída por uma causa de exclusão dessa ilicitude, o que ocorre, nomeadamente, nos casos de prova subjetiva ou objetivamente difícil. Todavia, para que a ilicitude da prova se encontre excluída é ainda necessário que se vise proteger um interesse mais relevante, do que aquele que é violado, ou seja, é necessário que o bem que se procura tutelar através da ação na qual a prova é utilizada seja superior ao desvalor decorrente daquela intromissão[19].
A Constituição consagra, em diversos preceitos, um conjunto de direitos que protegem o que, lato sensu, se pode considerar a esfera da vida pessoal dos cidadãos.
É o caso do disposto no art. 26º, n.º 1, que reconhece o "direito à reserva da intimidade da vida privada", do art. 34º que garante a inviolabilidade do "sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada" (n.º 1) e proíbe "toda a ingerência das autoridades públicas (...) nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em processo criminal" (n.º 4) e do art. 32º, n.º 8, que, no âmbito das garantias do processo criminal, fulmina com a nulidade "todas as provas obtidas mediante (...) abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações"[20].
O art. 26º, n.º 1, da CRP estabelece que a todos é reconhecido o direito à reserva da intimidade da vida privada. Conforme resulta do art. 18º, n.º 1, da CRP, tal preceito é directamente aplicável (e exequível por si mesmo, sem necessitar pois da intervenção da lei ordinária[21]), e vincula entidades públicas (a começar pelos tribunais) e privadas.
A respeito da força vinculativa imediata de entidades privadas em relação a certos direitos fundamentais, o TC, no Acórdão n.º 198/95, afirmou que “independentemente do preciso significado que deva atribuir-se em geral, ou no âmbito de outros direitos fundamentais, à extensão da vinculatividade de tais direitos também às entidades privadas, o que é dizer, às relações jurídico-privadas (artigo 18.º, n.º 1, da Constituição), afigura-se indiscutível que o direito ao sigilo da correspondência é um daqueles que, por sua natureza, não pode deixar de ter um alcance erga omnes, impondo-se não apenas ao poder público e aos seus agentes, mas igualmente no domínio das relações entre privados”.
Nos termos do art. 32º, n.º 8, da CRP, é nula – logo necessariamente ilícita e proibida – a prova obtida mediante abusiva intromissão na vida privada. Esta norma, conquanto formalmente prevista para o processo penal, deve ser tida como aplicável em todo e qualquer processo, e reporta-se tanto à prova obtida tanto pelas entidades públicas como pelas entidades particulares[22].
A respeito do direito à inviolabilidade da correspondência, previsto no art. 34.º da CRP, Gomes Canotilho e Vital Moreira referem[23]:
O conteúdo do direito ao sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação privada abrange toda a espécie de correspondência de pessoa a pessoa (cartas postais, impressos), cobrindo mesmo as hipóteses de encomendas que não contêm qualquer comunicação escrita, e todas as telecomunicações (telefone, etc )”.
(…)
A inviolabilidade da correspondência impõe-se naturalmente também fora das relações estado-cidadão, vinculando toda e qualquer pessoa a não devassar a correspondência ou comunicações de outrem.
(…)
O direito ao sigilo da correspondência e restantes comunicações privadas implica não apenas o direito de que ninguém as viole ou as devasse, mas também o direito de que terceiros que a elas tenham acesso não as divulguem. É o que ocorre, desde logo, com o destinatário de cartas-missivas confidenciais (Ccivil, art. 75º)”.
No direito civil, o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada é reconhecido pelo art. 80.º do CC, nos termos do qual:
1. Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem. 
2. A extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas.”
A regulamentação específica das cartas-missivas e outros escritos pelo Código Civil (arts. 75.º a 78.º, incluída na secção relativa aos direitos de personalidade) é também, em certa medida, emanação do segredo de correspondência e do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada. Tal regime protege este aspecto da vida privada, entendida em sentido formal, uma vez que os escritos podem, na realidade, não dizer respeito, pelo seu conteúdo, à vida privada da pessoa, continuando a ser confidenciais[24]
Importa ter ainda presente – seguindo o ensinamento de Rabindranath Capelo de Sousa[25] – que a tutela da reserva (resguardo e sigilo) da vida privada “abrange não só o respeito da intimidade da vida privada, em particular a intimidade da vida pessoal, familiar, doméstica, sentimental e sexual, mas ainda o respeito de outras camadas intermédias e periféricas da vida privada, como as reservas do domicílio (…), da correspondência e de outros meios de comunicação privada (…)”.
E no que concerne à reserva da correspondência, tal tutela abrange não só o sigilo face a terceiros da correspondência (cartas, postais, impressos e encomendas), dos outros meios de  comunicação privada (v.g. telefone), e de memórias familiares ou pessoais e outros escritos confidenciais (v.g. diários, cadernos de memorias, agendas ou notas pessoais) – art. 77º do CC –, mas também o sigilo face aos próprios remetentes e destinatários de cartas-missiva-confidenciais (arts 75º e 76 da CC), e de telecomunicações confidenciais (por analogia dos arts 75º e 76 do CC), bem como o resguardo face a cartas missivas não confidenciais (art. 78º do CC) e a  telecomunicações não confidenciais. Este resguardo implica que o destinatário só possa usar de cartas-missivas e de telecomunicações não confidenciais em termos que não contrariem a vontade presumível do autor ou que não contrariem quer as restrições expressas pelo autor quanto ao seu uso quer as limitações que resultam implicitamente do conteúdo e da natureza da carta[26].
Acrescenta o autor que vimos citando[27] que o segredo das cartas missivas confidenciais (arts. 75º e 76º do CC) protege não só a liberdade de expressão do pensamento pela correspondência, mas também os sentimentos, as opiniões pessoais, os factos personalizados e as informações contidas nessas cartas. Tal segredo pressupõe um animus confidendi, que tem de ser declarado, expressa ou tacitamente, pelo remetente ao destinatário da carta. A declaração tácita da natureza confidencial da carta tem de deduzir-se de factos que, com toda a probabilidade, a revelem (por analogia com o art. 217º, n.º 1, do CC, relativo às declarações negociais), v.g., a natureza tida normalmente como confidencial da narração (máxime, quando expresse sentimentos e opiniões muito intimas do narrador ou verse sobre matérias assaz delicadas ou que afectem gravemente os correspondentes ou terceiros), o carácter reservado do confidente expresso na carta ou conhecido do destinatário, o modo de transmissão da carte a (lacragem, registo ou envio por mensageiro especial) a formulação narrativa de receios ou apreensões pela eventualidade de a carta poder ser lida por terceiros ou o pedido de destruição da carta após a leitura do destinatário. 
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1.2. Vejamos, agora, o caso concreto.

A autora, ora recorrida, na ação declarativa que instaurou pretende ver reconhecida: i) a titularidade a seu favor das participações sociais de duas sociedades comerciais que identifica; ii) que a casa de morada de família foi adquirida na proporção de um terço, com dinheiro próprio da autora, devendo por isso ser ilidida a presunção de meação da titularidade e ser declarado que a autora é proprietária de dois terços do imóvel, descrito na Conservatória do Registo Predial ... ...43/...; iii) que o imóvel correspondente ao prédio rústico, composto por bouça de mato e pinheiros, sito no lugar ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...36/..., é bem próprio da autora, procedendo-se ao registo respetivo; iv) que os veículos automóveis foram adquiridos na constância do casamento, que por isso são bens comuns.
Através da referida ação da qual emerge o presente recurso pretende a autora demonstrar que as descritas verbas descritas – com exceção da verba n.º 1 e 2 da reclamação (veículos), que é comum –, são bens próprios da autora, propondo-se para tanto ilidir a presunção estabelecida no art. 1724º do Cód. Civil.
Entre outros meios de prova indicados, a autora juntou aos autos, com a sua petição inicial, uma declaração, datada de 30 de junho de 2020, subscrita pelos pais, na qual estes declaram os bens que doaram às suas filhas durante a vigência dos seus casamentos (cfr. documento de fls. 35 e 36 do recurso).
O réu, no sentido de contrariar a veracidade do ter da aludida declaração emitida pelos pais da autora, juntou com a contestação, entre o mais, duas missivas endereçadas à autora pelo pai desta (intitulados documentos nºs. ... e ...0), sendo uma delas datada de .../... de 2007 e uma outra, incompleta, da qual não se evidencia a data (cujas cópias constam de fls. 73 e 74 do recurso).
Opôs-se a autora à junção das duas missivas, alegando tratar-se de correspondência pessoal da demandante e que a conduta do réu é violadora dos princípios de privacidade de correspondência e dos direitos da autora.
Esta posição veio a ser acolhida na decisão recorrida, tendo a Mm.ª Juíza “a quo” considerado «estar em causa correspondência dirigida a uma das partes e que foi junta aos autos pela contraparte, estando em causa a reserva da correspondência e da intimidade da vida privada», pelo que determinou o desentranhamento dos documentos em causa e a sua devolução ao réu apresentante.
Do assim decidido discorda o Réu e daí a dedução do presente recurso.
Urge desde logo questionar: estaremos perante uma situação de “prova ilícita em si mesma”, ou seja, aquela cuja utilização, independentemente do modo de obtenção, suscita problemas de ilicitude?
Como já vimos, no caso sub júdice estão em causa duas missivas (cartas) endereçadas à autora pelo seu pai.
Desconhece-se como tais missivas entraram na posse do réu, alegando este que a correspondência em causa foi do seu conhecimento directo e pessoal, ao passo que a autora indica que o réu se apropriou dessa correspondência pessoal recebida dos seus pais, sem o seu consentimento.
Tais missivas não foram endereçadas com a expressa menção de confidencialidade – tendo em consideração o que delas resulta.
Contudo, como já vimos, a natureza confidencial da carta não tem necessariamente de resultar de forma expressa, podendo essa declaração ser tácita, nos termos do disposto no art. 217º, n.º 1, do CC.
A favor da natureza confidencial das missivas sobreleva desde logo o tom intimista, pessoal e privado que às mesmas subjaz, sendo o doc. ... encabeçado como se de um “desabafo” do remetente se tratasse pelo qual pede desculpa, em que o pai da autora, dirigindo-se à autora, tece variadas considerações sobre o modo de vida do casal, revelando angústias e inquietações e não deixando de apelar aos afectos/coração. Trata-se de uma missiva que tem subjacente o relacionamento afetivo entre o progenitor e a descendente, em que aquele, no fundo, em jeito de desabafo, enuncia preocupações que lhe vão na alma.
A segunda missiva (doc. ...0) tem também um caráter intimista e pessoal, aludindo a características e/ou atributos que o remetente atribui à autora – “sempre soube escolher os amigos (…)”; “é amiga fiel do seu marido (…)” –, à família que a autora e o então marido constituíram – desse amor “nasceram dois filhos que são para eles e para os avós a grande esperança (…)” –, bem como ao facto do casal ter adquirido casa em local onde o remetente sempre sonhou para eles e de a decoração interior da casa traduzir «um conjunto harmonioso de bom gosto e tranquilidade»  e que “mais parece magia”.
Diversamente do propugnado pelo recorrente, as duas missivas não têm como destinatários ambos os membros do então casal formado pela autora e réu, mas tão só a autora, filha do remetente. Isto não obstante no seu teor se faça menção ao Réu, enquanto membro do casal [“tu e o BB (…)”; “A DD é amiga fiel do seu marido (…)”; “Do Amor da DD e do BB (…)”].
Estão em causa, por conseguinte, duas cartas dirigidas pelo pai à filha cujo conteúdo se circunscreve ao âmbito familiar, filial e privado.
Tendemos, assim, a considerar estarem em causa missivas de natureza confidencial.
Além de que versam sobre a reserva da intimidade da vida privada da autora.
Por outro lado, ao redigi-las, tendo em conta o seu teor e a sua natureza, nomeadamente as angústias, os receios, as emoções e os sentimentos neles expressos, pressupondo um animus confidendi entre o remetente e a destinatária, não é crível que o seu autor tivesse em mente que as mesmas pudessem ser divulgadas ou exorbitar do âmbito pessoal da sua destinatária. Essa convicção sai reforçada se tivermos em consideração que as referidas missivas mais não correspondem do que a um “desabafo” do remetente – como numa delas é expressamente referido – e os desabafos, para mais íntimos, por regra, estão reservados a pessoas que mereçam extrema confiança.
Releva também o facto de as missivas juntas pelo réu serem da autoria de alguém estranho à ação, no caso o pai da autora (então sogro do réu), e não consta que o réu tenha cuidado de obter a anuência ou autorização do autor das mesmas para essa junção, tão pouco da destinatária de tais cartas.
Estando a destinatária (autora) vinculada ao segredo da correspondência, por maioria de razão tal sigilo estende-se a um terceiro, como seja o caso do réu.
Nesta ponderação sobreleva também o facto de as referidas missivas não se revelarem o único meio tendente a provar a facticidade controvertida.
Não está igualmente em causa a aquisição de um meio de prova sobre factos que dificilmente poderiam ser provados por outra forma.
Tão pouco os documentos cuja junção se pretende se afiguram de valor probatório fundamental para a prova dos factos controvertidos e, consequentemente, para o desfecho da acção.
Assim, tal divulgação, por desnecessária, constitui uma abusiva intromissão da vida privada e a violação do direito à correspondência de terceiros (cfr. arts. 75º do CCivil e 26º da Constituição).
Estamos, portanto, neste caso, perante uma situação de utilização injustificada da prova.
Conclui-se desta forma que, para além de se configurar no caso uma abusiva intromissão na vida privada e de violação do sigilo da correspondência, à luz da valoração da prova em causa e da ponderação de interesses não se justifica a junção aos autos dos documentos nºs. ... e ...0 apresentados com a contestação.
Parafraseando o Acórdão desta Relação de 30/04/2009 (relator Manso Rainho), in www.dgsi.pt., nada encontramos no caso vertente que autorize a pensar que o recurso probatório em causa seja imperioso e insubstituível em ordem à demonstração dos factos a que se destina e, como assim, que sem ele o direito de defesa judicial (rectius, de acesso aos tribunais) do réu seja posto em causa. Já ao contrário, é a todos os títulos evidente que o direito da autora à reserva da intimidade da vida privada e do sigilo da correspondência ficaria desguarnecida. A ser assim, como é, não poderiam este últimos direitos ser postos em crise no confronto daquele outro.
Portanto, é nosso entendimento que o Tribunal recorrido decidiu bem, de sorte que o despacho recorrido deve ser mantido.
Improcede, pois, a apelação.
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1.3. As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade do recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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VI. - DECISÃO

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo do apelante (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 19 de dezembro de 2023

Alcides Rodrigues (relator)
José Carlos Dias Cravo (1º adjunto)
Raquel Tavares (2ª adjunta)


[1] Cfr. Sara Rodrigues Campos, (In)admissibilidade de Provas Ilícitas (Dissemelhança na Produção de Prova no Direito Processual?), Almedina, p. 29.
[2] Cfr., Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª ed. revista, Coimbra Editora, p. 415, Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, 1993, p. 379 e Ac. do TC n.º 86/88, de 13/04/1988 (relator Messias Bento), in www.dgsi.pt.
[3] Cfr., Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lisboa, 1995, p. 228 e ss..
[4] Cfr. Acórdão do TC n.º 209/95 de 20/04/1005 (relator Armindo Ribeiro Mendes), proc. n.º 133/93, 1.ª secção, DR, II Série, n.º 295, de 23.12.1995, p. 15380.
[5] Cfr. Ac. da RL de 30/06/2011 (relatora Isabel Tapadinhas), in www.dgsi.pt..
[6] Cfr. Ac. da RC de 21/04/2015 (relatora Maria João Areias), in www.dgsi.pt..
[7] Cfr. Constituição Portuguesa Anotada, Universidade Católica Editora, I, p. 195.
[8] Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª ed. – reimpressão -, Coimbra Editora, 1985, p. 239.
[9] Cfr. Manual de Processo Civil, vol. I, AAFDL Editora, 2022, p. 481.
[10] Cfr. Isabel Alexandre, Provas Ilícitas em Processo Civil, Almedina, 1998, pp. 18 e 19.
[11] A favor da admissão e eficácia de tais provas são também invocados os seguintes argumentos:
- o princípio da autonomia das normas processuais em relação às normas materiais;
- o carácter metajurídico da prova;
- o argumento do “non bis in idem";
- o princípio “factimi infectifierí nequif” (cfr. J. F. Salazar Casanova, Provas Ilícitas em Processo Civil Sobre a Admissibilidade e Valoração de Meios de Prova Obtidos pelos Particulares, pp. 102 a 107, contendo uma enunciação detalhada de tais argumentos).
[12] Na jurisprudência – que nalgumas vezes tem admitido a utilização de provas ilícitas, atendendo à prevalência do direito que com a ação se pretende tutelar (verificada após uma ponderação de interesses), e noutras vezes tem rejeitado essa utilização –, a título exemplificativo veja-se:
i) No Acórdão do TC n.º 263/97 (relator Tavares da Costa), publicado no Diário da República, II Série, de 1 de julho de 1997, estava em causa a junção como prova em processo de divórcio de fotografias de actos de infidelidade cometidos pelo marido, que tinham sido obtidas pela mulher contra a vontade deste, através da revelação não autorizada de um filme fotográfico que pertencia àquele, e era invocada a violação do direito à reserva sobre a vida privada. O TC considerou que fotografias sobre a vida amorosa extra-conjugal do outro cônjuge faziam parte da sua vida privada, mas concluiu que a sua junção em processo de divórcio, com o objectivo de provar a violação do dever de fidelidade, era justificada e que a interpretação normativa em causa não era inconstitucional;
ii) No Acórdão n.º 241/2002 (relator Artur Maurício), publicado no Diário da República, II Série, de 23 de Julho de 2002, o TC julgou inconstitucional a norma ínsita no art. 519.º, n.º 3, al. b), do pretérito CPC (atual art. 417º, n.º 3, al. b), do CPC), «quando interpretada no sentido de que, em processo laboral, podem ser pedidas, por despacho judicial, aos operadores de telecomunicações, informações relativas aos dados de tráfego e à facturação detalhada de linha telefónica instalada na morada de uma parte, sem que enferme de nulidade a prova obtida com a utilização dos documentos que veiculam aquelas informações, por infracção ao disposto nos artigos 26º nº 1 e 34º nºs 1 e 4 da Constituição».
iii) No Ac. da RL de 3/06/2004 (relatora Fátima Galante), in www.dgsi.pt., numa acção em que se pretendia uma indemnização decorrente de ofensas ao bom nome imputadas ao ex-cônjuge foi julgada pertinente a junção de uma gravação audio referente a uma conversa mantida entre a R. e outra pessoa mediante a qual o autor pretendia demonstrar a inveracidade de alegadas cenas de violência domésticas que a R. lhe imputou; ao invés, por falta de pertinência relativamente ao objecto da acção de indemnização, foi indeferida a junção de uma gravação video reportando factos integrantes de uma situação de adultério em que foi interveniente a R., ainda que a gravação tenha sido feita através de um sistema instalado na casa de morada do ex-casal com o conhecimento de ambos, sendo que a tal junção obstaria ainda o facto de a gravação abarcar não apenas a pessoa do ex-cônjuge, mas ainda uma terceira pessoa;
iv) No Ac. da RG de 30/04/2009 (relator Manso Rainho), in www.dgsi.pt., numa acção de divórcio, verificado que uma testemunha adquiriu o seu conhecimento a partir de prova obtida mediante violação do direito à reserva da vida privada da ré – gravação audio –, esse depoimento foi recusado ou, se prestado, tido como nulo.
v) No Ac. da RL de 7/05/2009 (relator José Maria Sousa Pinto), in www.dgsi.pt., numa acção de divórcio, foi decidido não serem admitidos no processo, sem o consentimento do outro cônjuge, documentos obtidos por forma ilícita, podendo esta decorrer da violação do estipulado no art.º 32.º, n.º 8, da CRP, aplicável analogicamente ao processo civil.
vi) No Ac. da RP de 15/04/2010 (relator Teixeira Ribeiro), in www.dgsi.pt., considerou-se constituir «abusiva intromissão na vida privada a gravação de conversas ou contactos telefónicos, sem consentimento do outro interlocutor ou autorização judicial concedida pela forma prevista na lei processual, sendo nulos quanto à sua obtenção os respectivos registos fonográficos e, como tal, inadmissíveis como meio de prova, mesmo no processo civil».
vii) No Ac. do STJ de 19/05/2010 (relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt., decidiu-se que a ilicitude do modo como a prova foi obtida (certidão fiscal relativa à situação tributária dos RR.) se considerava justificada porque a certidão visava a obtenção de prova relevante para o processo sendo essa, exclusivamente, a finalidade prosseguida pela mandatária da autora, mais recusando a aplicação, ao direito probatório processual civil português, do princípio anglo-saxónico dos “frutos da árvore envenenada”;
viii) No Ac. do STJ de 2/03/2011 (relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), in www.dgsi.pt., foi julgada inadmissível a utilização dos dados de tráfego numa acção de separação judicial de pessoas e bens;
ix) No Ac. da RG de 16/02/2012 (relator Manso Rainho), in www.dgsi.pt., foi decidido que, por ser ilícita e nula, não pode ser atendida como prova em processo judicial cível uma gravação de conversação telefónica estabelecida entre as partes;
x) No Ac. da RP de 3/12/2013 (relator José Igreja Matos), in www.dgsi.pt., decidiu-se que o destinatário de uma mensagem telefónica, vulgo SMS, pode fazer uso da mesma em sede probatória uma vez descartada a confidencialidade da mensagem enviada ou algum dever especial de sigilo que possa impender, quer pela natureza da mensagem quer pela qualidade dos intervenientes nessa comunicação electrónica;
xi) No Ac. da RL de 12/01/2016 (relator Roque Nogueira), in www.dgsi.pt., depois de considerar que documentos obtidos através de intromissão na correspondência de uma das partes devem considerar-se obtidos ilicitamente, deferiu, porém, a sua admissão «nos autos, se, mostrando-se relevantes para a decisão, a sua veracidade não foi posta em causa, os mesmos não foram obtidos com violação da integridade física ou moral de quem quer que seja e, atendendo às circunstâncias que rodeiam o caso concreto, se justifica a restrição ao direito fundamental em causa, em nome da descoberta da verdade que interessa ao fim do processo»;
xii) No Ac. da RL de 28/04/2022 (relatora Cristina Lourenço), in www.dgsi.pt., considerou-se que o autor pode apresentar como prova SMS (short message service) que lhe foi remetida pela ré via WhatSapp/Messanger, através de telemóvel e que não contém qualquer referência a caráter confidencial da mensagem e não se refere à intimidade da vida privada da remetente, porquanto, depois de rececionada, lida e guardada, tal comunicação não se distingue de comunicação escrita que tivesse sido enviada por via mais tradicional, por exemplo, uma carta remetida pelos serviços de correio.   
[13] Cfr. Introdução ao Processo Civil - Conceito e Princípios Gerais À Luz Do Novo Código, 4ª ed., Gestlegal, Coimbra, 2017, p. 142/143.
[14] O citado normativo prescreve que “[s]ão admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”.
[15] Cfr. Ac. da RL de 28/04/2022 (relatora Cristina Lourenço), in www.dgsi.pt.
[16] Cfr. “A Prova Ilícita: Verdade ou Lealdade?”, Almedina, pp. 228-232.
[17] Cfr. João Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, p. 481.
[18] Nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, deve ter-se por abusiva a intromissão quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judiciária (art. 34º, n.ºs 2 e 4 da CRP), quando desnecessária ou desproporcionada ou quando aniquiladora dos próprios direitos (art. 18º, n.ºs 2 e 3 da CRP) - Cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., volume I, 2014, Coimbra Editora, p. 524.
[19] Cfr. João Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, p. 482.
[20] Cfr. Acórdão nº 241/02 de 29/05/2002 (relator Artur Maurício), in www.dgsi.pt.
[21] Cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, IV, p. 313.
[22] Cfr. Rabindranath Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, p. 348.
[23] Cfr., obra citada, p. 554.
[24] Cfr. A protecção da vida privada na jurisprudência do Tribunal Constitucional, relatório elaborado pelo Cons. Paulo Mota Pinto, com a colaboração da Assessora do Tribunal Constitucional, Dr.ª Raquel Reis, disponível in chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/conteudo/files/textos/textos0202035.pdf
[25] Cfr. obra citada, pp. 318/320.
[26] Cfr. Rabindranath Capelo de Sousa, obra citada, pp. 321/322 (nota 811).
[27] Cfr. Rabindranath Capelo de Sousa, obra citada, p. 329 (nota 830).