Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ CARLOS DUARTE | ||
Descritores: | CUMULAÇÃO DE PEDIDOS SUBSTANCIALMENTE INCOMPATÍVEIS INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL CONVITE DE SUPRIMENTO DA EXCEPÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/31/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I - Uma excepção dilatória será suprível ou a falta de um pressuposto processual será sanável quando mediante despacho pré-saneador nos termos da a) do n.º 2 do art.º 590º e n.º 2 do art.º 6º, ambos do CPC, seja possível regularizar a situação sem com isso colocar em causa o principio da estabilidade da instância, quanto às pessoas, ao pedido ou à causa de pedir, ou seja, sem com isso gerar qualquer insegurança quanto ao objecto do processo, ou implicar uma nova e completa tramitação do processo. II – A ineptidão da petição inicial por cumulação de pedidos ou causas de pedir substancialmente incompatíveis, é sanável mediante a prolação de pré-saneador a convidar o autor a escolher o pedido que pretendem ver apreciado ou a ordenar os pedidos em relação de subsidiariedade na medida em que não há introdução de uma nova causa de pedir ou de um novo pedido: permite-se ao autor aproveitar o que já existe – os pedidos deduzidos ou causas de pedir invocadas – e que já foi submetido ao contraditório, assim possibilitando o aproveitamento dos actos já praticados, dando execução aos princípios do dispositivo, da auto-responsabilização das partes, da economia processual e da prevalência de uma decisão de mérito sobre uma decisão de forma. III – O n.º 4 do art.º 186º só se aplica se, proferido despacho pré-saneador nos termos referidos em II, a ineptidão se mantiver. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães 1. Relatório AA, BB e CC intentaram acção declarativa de condenação contra EMP01..., SA e Banco 1..., SA, terminando com o seguinte petitório: “Nestes termos deve a presente acção ser julgada provada e procedente e em consequência: a. Deve o contrato de seguro com a apólice n.º ...98 ser declarado válido e eficaz, declarando-se que o mesmo garante os valores titulados pelo contrato de crédito automóvel n.º ...65, celebrado pela falecida DD (30.040,80€). b. Porque não foram lidas, comunica[da]s e explicadas, devem as alegadas cláusulas de exclusão ser consideradas nulas e excluídas do contrato de seguro com a apólice n.º ...98, nos termos do DL 446/85 de 25 de outubro, bem como deve ser declarada não escrita, nula e excluída a alegada declaração de saúde inserta no contrato de seguro, declarando-se o mesmo válido e eficaz, devendo os RR. ser solidariamente condenados a liquidar o contrato de crédito automóvel n.º ...65, bem como condenada a entregar o valor remanescente aos AA. (até ao limite do capital seguro - 30.040,80€), bem como a reembolsar todas as prestações que os mesmos pagaram e continuam a pagar. c. Serem ainda condenadas no pagamento do capital seguro, nos seguintes termos: d. Ser a Ré EMP01... condenada a liquidar, junto Réu Banco 1..., o valor em dívida à data de entrada da presente ação, que perfaz a quantia de 14.743,04€; e. Ser o Réu Banco 1... condenado a receber da Ré EMP01... o valor em dívida à data de entrada da presente ação e condenado a dar como cumprido o pagamento do crédito pessoal concedido à falecida DD; f. E ser a Ré EMP01... condenada a entregar aos AA. o valor remanescente (até ao limite do capital seguro - 30.040,80€), bem como o valor de todas as prestações que estes pagaram e continuam a pagar até liquidação pela Ré EMP01... junto do Réu Banco 1...; g. Devem ainda ser os RR. condenados nas custas e tudo que mais for de lei.” Alegaram para tanto, em síntese (o que significa que este relato não segue a ordem de alegação constante da petição inicial) e no que releva, tendo em consideração o objecto do recurso, que DD - entretanto falecida, sendo os AA. os seus únicos e legítimos herdeiros -, celebrou com o R. Banco 1..., SA, um contrato de crédito automóvel; associado ao referido contrato e por imposição do R. Banco 1..., aderiu a um contrato de seguro de vida, sendo seguradora a Ré EMP01..., SA; as cláusulas do contrato de seguro haviam sido previamente estabelecidas entre os RR.; aquela procedeu ao pagamento das quantias devidas pela referida adesão, incluídas na prestação de empréstimo pagas ao R. Banco 1...; o seguro garantia, à data do óbito, a quantia correspondente ao capital em dívida - € 30.040,80; DD faleceu e foi accionado o referido seguro, para que a Ré EMP01... procedesse à liquidação do capital em dívida junto do R. Banco 1... à data do óbito, atribuísse o remanescente aos AA. e reembolsasse ainda os AA. de todas as prestações que estes têm vindo a pagar ao R. Banco 1...; a Ré EMP01... não efectuou o pagamento de qualquer quantia; após o falecimento de DD em virtude de doença oncológica, os AA. continuaram a liquidar as prestações do contrato de crédito, tendo liquidado a quantia de € 4.524,84, cujo montante deverá ser reembolsado pelos RR. aos AA.; deve a EMP01... ser também condenada a liquidar o capital em dívida junto do R. Banco 1..., que com referência à data da petição inicial perfaz € 14.743,04, bem como a pagar aos AA. a diferença até ao montante contratado de € 30.040,80. A Ré EMP01..., SA contestou por excepção, invocando a ineptidão da petição inicial, dizendo, também aqui em síntese, que o autor pode deduzir vários pedidos cumulativos contra o réu, desde que tais pedidos sejam substancialmente compatíveis; o autor pode também demandar vários réus, pelo mesmo ou por diferentes pedidos, situação que também exige a compatibilidade substancial de pedidos; os AA. pretendem que a EMP01... ou o Banco 1..., solidariamente, amortizem o crédito e lhes entreguem um valor remanescente até ao capital de € 30.040,80; mas se pretendem que o valor reclamado seja utilizado para amortizar o crédito, não pode o Banco 1... saldar-se a si próprio; por outro lado, se o Banco 1... for condenado solidariamente a pagar o seu próprio crédito, nada restará para liquidar e, então, não farão qualquer sentido os pedidos cumulativos formulados nas alíneas d), e) e f) do petitório; há incompatibilidade substancial entre as pretensões que os AA. deduzem contra as RR.; como as pretensões deduzidas se excluem, os pedidos deduzidos cumulativamente pelos AA. são substancialmente incompatíveis entre si, o que acarreta contradição no objecto do processo impeditiva da sua necessária identificação, geradora da ineptidão da petição inicial e absolvição da instância das RR.. Os AA. espontaneamente responderam à excepção, dizendo que os pedidos formulados são subsidiários ou alternativos, em que a cumulação é apenas aparente, na medida em que a apreciação de um excluirá o outro; a Ré compreendeu de forma adequada e conveniente os termos da acção e exerceu o seu direito de defesa relativamente à pretensão deduzida; a incompatibilidade substancial dos pedidos que implica a ineptidão da petição inicial, só releva no âmbito da cumulação real pois, tratando-se de pedidos subsidiários ou alternativos, a cumulação é apenas aparente; caso assim não se entenda, afigurando-se existir uma incompatibilidade substancial de pedidos, tal vício será sanável, através de um convite aos AA. para que optem por um dos pedidos ou esclareçam se os mesmos foram formulados em cumulação real, para serem todos eles atendidos em simultâneo ou, afinal, em cumulação alternativa ou subsidiária, como forma de retificar de forma expedita um simples lapso ou uma mera deficiência na formulação dos pedidos, constituindo resposta adequada ao principio da economia processual e da prevalência das decisões de mérito sobre as formais. Realizou-se audiência prévia, constando da respectiva Ata o seguinte: “Após, pela Mm.ª Juiz foi dada a palavra às partes para que, além da causa de ineptidão da petição inicial já invocada, se pudessem pronunciar quanto à eventual falta de causa de pedir, relativamente à peticionada condenação solidária da Ré, Banco 1..., S.A. (artigo 186.º, n.º1 e 2, al. a) do CPC), que é do conhecimento oficioso. Nesta sequência, pela Ré EMP01..., S.A foi dito que considera que se verifica também a referida causa de ineptidão da Petição Inicial, tendo os AA. e a R. Banco 1..., S.A. dito que nada tinham a requerer a este propósito. Seguidamente, pela Mm.ª Juiz foi proferido o seguinte: (…) Da ineptidão da Petição Inicial (…) Apreciando, considera-se que assiste, de facto, razão à referida Ré, na medida em que os supracitados pedidos formulados pela A. são incompatíveis entre si. Senão vejamos. Por um lado, os AA. pretendem que as RR. sejam solidariamente condenadas a liquidar o contrato de crédito automóvel n.º ...65, entregando o valor remanescente aos AA. (até ao limite do capital seguro - 30.040,80€) e reembolsando todas as prestações que os mesmos pagaram e continuam a pagar. Por outro lado, os AA. peticionam, cumulativamente (pois não estabelecem entre os pedidos qualquer relação de subsidiariedade ou alternatividade, nem sequer no âmbito do requerimento com a ref. CITIUS n.º 14296234, no qual admitem, no entanto, que a apreciação de um destes pedidos exclui a apreciação do outro), que diversamente do indicado na alínea b), a R. EMP01..., S.A. seja condenada a proceder ao pagamento, à R. Banco 1..., S.A. do valor em dívida à data da instauração da ação (14.743,04 euros), sendo esta R. condenada a considerar cumprido o crédito pessoal em causa nos autos, e ainda que a R. EMP01..., S.A. seja condenada a entregar o valor remanescente do capital seguro (até ao limite do capital seguro - 30.040,80€) aos AA., bem como o montante de todas as prestações que estes pagaram e continuam a pagar até à liquidação do crédito pela R. EMP01... junto do R. Banco 1.... Ora, posto isto, é forçoso concluir que a A. cumula dois pedidos que são, de facto, substancialmente incompatíveis, na medida em que a eventual condenação solidária dos RR. no pagamento aos AA. da quantia indicada no ponto b) do petitório implica que se pressuponha que ambos são, em igual medida, responsáveis pelo dano alegadamente causado aos Autores e, por conseguinte, pelo pagamento das quantias peticionadas. Ao invés, os pedidos formulados nos pontos c) a e) do petitório apenas se podem fundar no incumprimento contratual da R. EMP01..., S.A., excluindo assim qualquer responsabilidade da R. Banco 1..., S.A., visto que, nesta hipótese, apenas é peticionada a condenação da referida R. a receber da Ré EMP01..., S.A., o valor em dívida à data de entrada da presente ação e a declarar cumprido o pagamento do crédito pessoal concedido à falecida DD. Em suma, os pedidos formulados em b. e c. a e. do petitório excluem-se entre si e derivam, essencialmente, de contextos factuais e jurídicos distintos. Porém, foram formulados pelos AA. de forma cumulativa, pelo que são absolutamente incompatíveis. Acresce que nada é alegado a propósito de qualquer causa de responsabilidade solidária do R. Banco 1..., S.A. com a R. EMP01..., S.A., responsabilidade essa que não decorre, simplesmente, do preceituado no artigo 79.º do DL n.º 72/2008 de 16 de abril. Ora, dispõe o artigo 186.º, n.º 1 e 2 do CPC que “1 - É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial. 2 - Diz-se inepta a petição: a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis”. Neste caso, pelos supramencionados fundamentos, considera-se que os pedidos expressamente formulados pelos AA. se encontram, de facto, em contradição entre si, não podendo o Tribunal optar pelo pedido que deve apreciar, nem permitir, nesta fase, que os AA. formulem ambos os pedidos, a título subsidiário, o que inviabiliza, desde já, que os autos prossigam a respetiva tramitação (artigo 186.º, n.º 1 e 2, al. c) e n.º 4 do CPC). A isso não obsta que a R. possa ter compreendido devidamente o sentido dos pedidos formulados, visto que o disposto no artigo 186.º, n.º 3 do Código de Processo Civil apenas é aplicável caso a ineptidão decorra do preceituado na alínea a) do n.º1 do artigo 186.º do Código de Processo Civil e não da respetiva alínea c). De resto, julga-se também que o poder vinculado do Tribunal no sentido de dirigir às partes convites ao aperfeiçoamento não pode servir, por falta de fundamento legal, para sanar a nulidade de todo o processo. Efetivamente, “A disciplina prevista no art.º 38º do NCPC não é aplicável à nulidade resultante da ineptidão da petição inicial por cumulação de causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis” – Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 768/21.0T8CVL.C1, relator: Falcão de Magalhães, disponível em www.dgsi.pt. Ademais, tal como se decidiu no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.10.2016, proc. n.º 203848/14.2YIPRT.C1, relator: Manuel Capelo, disponível em www.dgsi.pt: “Não é de convidar à correcção da petição inicial (nos termos do art. 590º, nºs 2, al. b), 3 e 4 do nCPC) quando a petição seja inepta nos termos do art. 186º do mesmo diploma, uma vez que só um articulado que não padeça dos vícios mencionados neste último preceito pode ser objecto desse convite à correcção e isto porque se a parte declinar tal convite tal comportamento de inércia não obsta a que a acção prossiga os seus termos, contrariamente à consequência para a ineptidão que é a de determinar a nulidade de todo o processo”. Salienta-se, de todo o modo, que o pedido de condenação solidária da R. Banco 1..., S.A. sempre padeceria, igualmente, de ineptidão por falta de causa de pedir (artigo 186.º, n.º1 e 2, al. a) e artigo 196.º do CPC) para o pedido concretamente formulado de pagamento solidário do montante correspondente ao crédito automóvel, que não se identifica como poderia decorrer, simplesmente, do preceituado no artigo 79.º do DL n.º 72/2008, de 16 de abril, não se verificando também, neste caso, julga-se, a hipótese prevista no artigo 186.º, n.º 3 do CPC. Pelo exposto, decide-se julgar verificada a exceção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão da Petição Inicial (artigos 186.º, n.º1 e n.º2, al. c), 577.º, al. b), 578.º e 590.º, n.º1 do CPC) e, em consequência, absolver as RR. EMP01..., S.A. e Banco 1..., S.A. da instância. (…)” Os AA. interpuseram recurso, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. Os AA. não se conformam, nem se podem conformar com a decisão proferida no despacho saneador, que julgou verificada a exceção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão da Petição Inicial, e absolveu as RR. da instância. 2. A causa de pedir prende-se com a verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar decorrente de contrato de seguro celebrado, impondo-se apurar o quadro clínico sintomático da falecida em outubro/novembro de 2018 e qual a patologia que determinou a morte; e ainda se foram comunicadas as cláusulas à falecida. 3. Neste último ponto (no que toca à comunicação das cláusulas do contrato de seguro) importa apurar sobre quem impendia o dever de informar e esclarecer o segurado quanto ao conteúdo das cláusulas do contrato de seguro e a quem deve ser oposta a violação dos deveres de informação e esclarecimento. 4. Quanto à causa de pedir, relativamente ao Banco, a mesma consolida-se com todo o alegado na PI, nomeadamente com a celebração do contrato de seguro, comunicação e esclarecimento das respetivas cláusulas. Ora, conforme tem vindo a ser entendimento da jurisprudência, o dever de comunicar e explicar as respetivas cláusulas pertence ao Banco. 5. Dos factos alegados pelos AA.na sua PI e da defesa apresentada pelas RR. nas suas contestações, não pode o Tribunal decidir pela falta da causa de pedir relativamente ao pedido de condenação solidária da R. Banco 1..., S.A., porquanto a mesma consta explicitamente da PI apresentada (uma vez que é entendimento da jurisprudência que a responsabilidade de comunicação das cláusulas do contrato de seguro (tal como alegado na PI) cabe ao Banco, como tomador de seguro, quando se prove que aquele não se mostrou diligente na sua comunicação, explicação e leitura, sendo que tal incumprimento desses deveres que legalmente lhe são impostos e a violação dos mesmos se perfila como fundamento para a sua responsabilização conforme flui do art. 79º do RJCS) – a este respeito ver acórdão do STJ, proferido no processo n.º 418/19.5T8FLG.P1.S1, 7ª Secção, em 18/02/2021, acórdão do TRC, proferido no processo n.º 1531/19.4T8PBL.C1, em 12/10/2020, disponíveis em www.dgsi.pt. 6. O dever de informação e esclarecimento do aderente recai sobre o banco/tomador de seguro, como resulta dos arts. 5º e 6º da LCCG e 78º, nº 3 do RJCS. E não se pode ignorar, porém, que seguradora responde pelo incumprimento de quaisquer obrigações acessórias a que a lei a vincule, conforme se explana no Acórdão do STJ de 25.6.2013 (proc. 24/10.0 TBVNG.P1.S1, relator Lopes do Rego, disponível in www,dgsi,pt.). 7. Acresce que, se os AA. deduzem pedido principal contra dois Réus e demandam apenas um Réu a título subsidiário, demonstra que quer obter decisão no sentido da condenação desse dois Réus (Banco e Seguradora) e que, só na improcedência dessa condenação, é que pretende a condenação da Ré Seguradora. 8. Os AA. peticionam que as clausulas de exclusão sejam consideradas nulas e excluídas do contrato de seguro com a apólice n.º ...98, nos termos do DL 446/85 de 25 de outubro (por não terem sido lidas, comunica[da]s e explicadas), bem como pedem que seja declarada não escrita, nula e excluída a alegada declaração de saúde inserta no contrato de seguro, declarando-se o mesmo válido e eficaz, devendo os RR. (seguradora e banco) ser solidariamente condenados a liquidar o contrato de crédito automóvel n.º ...65, bem como condenados a entregar o valor remanescente aos AA. (até ao limite do capital seguro - 30.040,80€), bem como a reembolsar todas as prestações que os mesmos pagaram e continuam a pagar. 9. Este pedido permite que o Tribunal decida sobre quem impendia o dever de informar e esclarecer o segurado quanto ao conteúdo das cláusulas do contrato de seguro e a quem deve ser oposta a violação dos deveres de informação e esclarecimento. 10. Ora, caso o Tribunal entenda que tal obrigação impenda sobre seguradora, o Tribunal poderá conhecer o pedido da alínea b) na sua totalidade ou apenas parcialmente (e caso o conheça parcialmente, impõe-se que conheça os restantes de forma subsidiária). 11. Caso o tribunal entenda que a obrigação de informar e esclarecer recaia sobre o banco, o conhecimento do pedido da alínea b) excluirá o conhecimento dos restantes (porquanto, permite decidir a causa). 12. As pretensões dos AA. (formuladas nos seus pedidos) não se excluem mutuamente, não são contrárias entre si de tal forma que uma impede o exercício da outra, nem Tribunal se encontra impossibilitado de apreciar o litigio e decidir ainda que se considere ininteligível o pensamento dos AA.. 13. Apenas de pode falar de cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis e geradora de ineptidão da petição no caso de cumulação simultânea de pedidos e não no caso de cumulação subsidiária. 14. Os AA., na sua petição inicial, formularam pedidos subsidiários ou alternativos, com uma cumulação apenas aparente, uma vez que a apreciação de um excluirá o conhecimento do outro, não podendo ser considerados em conjunto. 15. Pelo que, deverá a presente apelação ser julgada procedente e, em consequência, revogada a decisão recorrida que concluiu pela ineptidão da petição inicial e absolveu as RR. da instância. 16. Sem prescindir, afigurando-se existir uma incompatibilidade substancial de pedidos, tal vício será sanável, designadamente através de um convite aos AA. para que optem por um dos pedidos ou esclareçam se os mesmos foram formulados em cumulação real, para serem todos eles atendidos em simultâneo (art. 555.º do C.P.C.), ou, afinal, em cumulação alternativa (art. 553.º do C.P.C.) ou subsidiária (art. 554.º do C.P.C.). 17. Tal convite dirigido ao autor poderá constituir uma forma de retificar, de forma expedita, um simples lapso ou uma mera deficiência na formulação dos pedidos, constituindo resposta adequada ao princípio da economia processual e ao da prevalência das decisões de mérito sobre as formais – a este respeito Ac. do TRL proferido no âmbito do processo 4357/19.1T8LSB.L1-7, em 28-09-2021, disponível em www.dgsi.pt. 18. Termos em que, deve ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal à quo e proferida decisão que consagre o supra exposto. A Ré EMP01... contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida. 2. Questões a apreciar O objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida. O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139). Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, pelo que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida. Nos seus fundamentos a decisão recorrida considerou que a “condenação solidária da R. Banco 1..., S.A. sempre padeceria, igualmente, de ineptidão por falta de causa de pedir (artigo 186.º, n.º1 e 2, al. a) e artigo 196.º do CPC) para o pedido concretamente formulado de pagamento solidário do montante correspondente ao crédito automóvel”. Porém não foi essa a razão de decidir, o fundamento que determinou a decisão. A ratio decidendi da decisão recorrida, ou seja, a razão de decidir, o fundamento que esteve na base, que conduziu, que determinou o julgamento da ineptidão da petição inicial, é a cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis. Assim, são duas as questões que cumpre apreciar: - os AA. cumularam pedidos substancialmente incompatíveis? - em caso afirmativo, a consequência é a ineptidão da petição inicial e, assim, a nulidade do processo, com a consequente absolvição da instância das RR. ou, à luz da lei processual, há lugar à prolação de despacho de convite ao suprimento da excepção dilatória referida? 3. Fundamentação de facto As incidências fácticas relevantes para a decisão são as indicadas no antecedente relatório e que aqui se dão por reproduzidas. 4. Fundamentação de direito 4.1. Enquadramento jurídico Dispõe o art.º 552º, n.º 1, alínea e) do CPC que na petição com que propõe a acção o autor deve formular o pedido. A noção legal de pedido extrai-se do n.º 3 do art.º 581º do CPC: é o efeito jurídico que o Autor pretende obter. No dizer de Miguel Teixeira de Sousa, in Introdução ao Processo Civil, pág. 23, o pedido consiste na forma de tutela jurisdicional que é requerida para determinada situação subjectiva. Mais importante que a qualificação jurídica que, porventura, seja dada pelo autor, deve atender-se ao efeito prático que se pretende alcançar – Anselmo de Castro, in Processo Civil (Declaratório), pág. 160. Nos termos do disposto no art.º 553º, o autor pode formular pedidos alternativos, ou seja, pedidos com relação a direitos que por sua natureza ou origem sejam alternativos, ou possam resolver-se em alternativa. E nos termos do disposto no art.º 554º o autor pode formular pedidos subsidiários, sendo pedido subsidiário aquele que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior. Como decorre do n.º 2 do art.º 554º é possível deduzir pedidos subsidiários, ainda que haja oposição substancial entre eles. Esta possibilidade decorre precisamente da configuração do pedido subsidiário: é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior, ou seja, não há uma real cumulação de pedidos, mas apenas aparente (o mesmo sucedendo quanto aos pedidos alternativos). Impõe-se, no entanto, que o autor exprima na petição inicial a sua vontade de obter determinado efeito jurídico apenas se o pedido principal for julgado improcedente (António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, I, pág. 234). Ainda considerando o carácter singular do lado passivo – é demandado apenas um réu - , decorre do disposto no art.º 555º que pode o autor deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, num processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação, circunstâncias que são as identificadas no art.º 37º, n.º 1 do CPC, ou seja, aos pedidos cumulados corresponderem formas de processo diferentes ou a cumulação possa ofender regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia. O que está em causa nos autos é a cumulação real ou simples de pedidos, que se verifica quando o autor formula vários pedidos e pretende a procedência e a satisfação de todos eles (João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, I, pág. 437, Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II, pág. 83, Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 3ª edição, pág. 171), o que significa, ademais, que nenhum foi configurado como subsidiário. Finalmente, nos termos do art.º 36º, é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, nas situações previstas no mesmo normativo, ou seja, trata-se neste normativo da coligação. Certo é que se no âmbito de uma coligação o autor deduzir contra um dos réus vários pedidos, em cumulação real ou simples, os pedidos têm de ser substancialmente compatíveis. Dispõe o art.º 38º n.º 1 que ocorrendo coligação sem que entre os pedidos exista a conexão exigida pelo artigo 36º, o juiz notifica o autor para, no prazo fixado, indicar qual o pedido que pretende ver apreciado no processo, sob pena de, não o fazendo, o réu ser absolvido da instância quanto a todos eles e, nos termos do n.º 3, feita a indicação o juiz absolve o réu da instância relativamente aos outros pedidos. Tendo por referência o pedido, o art.º 186º n.º 1 do CPC dispõe que é inepta a petição quando falte ou seja ininteligível o pedido (alínea a)), quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir (alínea b)) e quando se cumulem pedidos substancialmente incompatíveis (alínea c)). Apenas releva aqui considerar a causa de ineptidão constante da alínea c). Nesta matéria continuam válidas as palavras de Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, II, pág. 390, onde afirma que existirá incompatibilidade geradora de ineptidão da petição inicial quando os efeitos jurídicos que o autor se propõe obter com ambos os pedidos sejam inconciliáveis. Rodrigues Bastos in Notas ao CPC, I, pág. 388 entendia que verificava-se a incompatibilidade substancial de pedidos quando os efeitos jurídicos que com eles se pretendem obter estão, entre si, numa relação de oposição ou contrariedade, de tal modo que o reconhecimento de um é a negação dos demais. Em sentido similar a Alberto dos Reis, Miguel Teixeira de Sousa, in anotação ao art.º 186º, CPC Anotado, Blog do IPPC, afirma que os pedidos são substancialmente incompatíveis quando se referem a efeitos que são incompatíveis entre si, ou seja, a efeitos que se excluem mutuamente. O citado vício pressupõe uma situação de incompatibilidade dos efeitos jurídicos derivados da procedência de cada um dos pedidos, ou quando o conhecimento de um excluir a possibilidade de verificação dos demais. Coloca-se a questão de saber se a nulidade do processo por ineptidão da petição inicial em consequência da cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis é sanável. A doutrina maioritária entende que a ineptidão apenas se sana na situação prevista no n.º 3 do art.º 186º do CPC o qual dispõe que, se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do n.º 2 (quando falte ou seja ininteligível o pedido ou a causa de pedir), a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial (cfr. Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II, pág. 96-97, Paulo Pimenta in Processo Civil Declarativo, 3ª edição, pág. 151 e António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa in CPC Anotado, 2ª edição pág. 234 e 639). Relativamente à alínea c), apenas se refere o n.º 4 do art.º 186º, o qual dispõe que no caso da citada alínea, a nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal ou por erro na forma do processo. Resulta deste normativo que, se o tribunal não for competente para conhecer um dos pedidos substancialmente incompatíveis ou relativamente ao qual a forma de processo não seja adequada, isso não sana a ineptidão pois “o objecto do processo não pode ter-se por automaticamente fixado no outro pedido pois tal representaria ofensa do principio do dispositivo” (cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, 1º, pág. 361). Em sentido oposto, Lebre de Freitas in A Ação Declarativa Comum”, 4ª ed., págs. 59 e 60 defende que: “(…) o disposto no art. 6-2 leva a que o tribunal deva convidar o autor a aperfeiçoar a petição inicial em que tenha deduzido pedidos incompatíveis, mediante a escolha daquele que pretende que seja apreciado na ação ou a ordenação de ambos em relação de subsidiariedade. Fora destes casos, a ineptidão da petição inicial dificilmente deixará de constituir nulidade insanável(…).” E Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, 1º, pág. 361, defendem que “[n]o caso da dedução de pedidos substancialmente incompatíveis, a mesma solução do art. 38º (escolha pelo autor do pedido com o qual o processo deve prosseguir, em caso de coligação) deve, por analogia, ser aplicada.” Também Miguel Teixeira de Sousa, in Blog do IPPC, Comentário ao Ac. da RE de 21/5/2020, processo 1032/19.0T8STR-B.E1, consultável in www.dgsi.pt/jtre concorda com a possibilidade de sanação da ineptidão da petição inicial decorrente de uma cumulação simples de pedidos substancialmente incompatíveis (cf. art. 186.º, n.º 2, al. c), CPC), ainda que entenda que a forma de sanação não seja necessariamente realizada através da desistência de um dos pedidos incompatíveis ou da desistência da instância quanto a um deles, mas antes a da transformação da cumulação simples em cumulação subsidiária (cf. art. 554.º, n.º 2, CPC). A jurisprudência divide-se. Assim e no sentido na não sanabilidade (a recolha não é exaustiva): - o Ac. do STJ de 21/11/2006, processo 06A3636, onde se afirma: A ineptidão da petição inicial gera a nulidade de todo o processo (artº 193º, nº 1 do CPC), consubstanciando uma excepção dilatória (artº 494º, b) do CPC). As excepções dilatórias só subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do artº 265º, nº 2 (artº 288º, nº 3 do CPC). E o juiz deve providenciar, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da fala de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância (artº 265º, nº 2 do CPC). Ora, a ineptidão da petição inicial, conducente à nulidade de todo o processo, tem por escopo estabelecer a segurança jurídica quanto ao objecto do processo conformado pelo pedido e pela causa de pedir, sendo de natureza insuprível, levando mesmo ao indeferimento liminar do petitório (artº 234º-A do CPC), assentando a sua justificação em interesses de ordem pública e não em simples interesses das partes. A única situação de ineptidão passível de superação através de actuações processuais é a que expressamente consta do artº 193º, nº 3, aqui inaplicável (cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. I. págs. 29 e 225 e Vol. II, págs. 67 e 77 e segs.). - o Ac. do STJ de 04/06/2008, processo 08S937, consultável no mesmo sitio do anterior, em que se aderiu ao Ac. recorrido onde se diz: Ora, a solução consagrada no n.º 2 do artigo 265.º do CPC e na norma correspondente do CPT [o citado artigo 27.º, alínea a)] refere-se apenas aos casos em que, por determinação expressa da lei ou pela sua própria natureza, o pressuposto processual que não foi observado seja sanável. E entre eles se não inclui o da ineptidão da petição inicial, que a lei diz gerar a nulidade de todo o processo e em que a apresentação de uma nova petição, expurgada do vício, implicaria uma nova e completa tramitação do processo a partir daí, sem possibilidade de aproveitamento dos actos entretanto praticados (neste sentido, Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, pag. 348).» E mais adiante afirma-se: “ (…) a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem-se pronunciando, sem que se conheçam divergências, no sentido de que a ineptidão da petição inicial, tratando-se de um vício que afecta todo o processo, não é susceptível de suprimento, salvo no caso previsto no n.º 3 do artigo 193.º do Código de Processo Civil.” - o Ac. da RC de 14/12/2010, processo 2604/08.4TBAGD.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc, considerando: “A lei processual civil prevê a sanação da ineptidão da petição inicial no caso de ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir (…), sempre que o réu contestar, arguindo essa ineptidão e, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial (artigo 193º, nº 3, do Código de Processo Civil). Nos restantes casos de ineptidão, este vício é insuprível, pelo que, ao contrário do pretendido pelo recorrente, o vício existente na petição inicial que ofereceu não era passível de ser sanado mediante a prévia prolação de despacho a convidar ao seu suprimento (citando António Santos Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil, 2ª ed., II Volume, páginas 65 e 66). - o Ac. da RE de 17/11/2016, processo 575/15.0TBPTM.E1, consultável in www.dgsi.pt, constando do respectivo sumário: 2. A ineptidão da petição inicial, no caso de acumulação de causas de pedir substancialmente incompatíveis, não é passível de suprimento mediante despacho a proferir no âmbito do dever de gestão e adequação processual, que incumbe ao juiz. 3. Pois, tratando-se de um vício que afeta todo o processo, a ineptidão da petição inicial não é suscetível de suprimento, salvo no caso previsto no n.º 3 do artigo 186.º do CPC. - Ac. da RE de 11/05/2017, processo 74/14.7T8LAG.E1, consultável in www.dgsi.pt/jtre constando do respectivo sumário: 4 - Verificada uma acumulação de pedidos substancialmente incompatíveis, tal situação é geradora da ineptidão da petição inicial e consequente nulidade de todo o processo, a impor a absolvição do réu da instância. 5 - Tratando-se de um vício que afeta todo o processo, a ineptidão da petição inicial não é suscetível de suprimento, salvo no caso previsto no n.º 3 do artigo 186.º do CPC. - o Ac. da RL de 12/07/2018, processo 1706/16.8T8LRS.L1-6, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, constando do respectivo sumário: II - A cumulação de pedidos ou causas de pedir que sejam substancialmente incompatíveis e ininteligíveis, determina a ineptidão da p.i., insuprível, persistindo esta nulidade ainda que um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal ou por erro na forma do processo (artº 186 nº4 do C.P.C.), não sendo assim passível de sanação, mediante convite de suprimento de irregularidades ou aperfeiçoamento de articulado, proferido ao abrigo do disposto no artº 6 nº2 e 590 nº2 a) do C.P.C. - Ac. da RP de 07/12/2018, processo 17055/16.9T8PRT.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp, constando do respetivo sumário: I - O convite ao aperfeiçoamento constitui um dos objetos possíveis do chamado despacho pré-saneador (art. 590.º, n.º 2 CPC). II - Tratando-se de pressupostos sanáveis, impende sobre o tribunal o poder-dever ou poder funcional (poder vinculado) de gestão processual e de agilização do processo, removendo oficiosamente a exceção dilatória ou convidando a parte a fazê-lo. A omissão de tal dever implica nulidade (art. 195.º, n.º 1 CPC). III - A nulidade processual decorrente da ineptidão da petição inicial não é um pressuposto processual suprível ou que caiba nos casos de aperfeiçoamento previstos na lei. (…) - Ac. da RC de 15/02/2022, processo 768/21.0T8CVL.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc, constando do respectivo sumário: II - A disciplina prevista no art.º 38º do NCPC não é aplicável à nulidade resultante da ineptidão da petição inicial por cumulação de causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis. No sentido da sanabilidade (a recolha também não é exaustiva): - o Ac. da RP de 07/06/2010, processo 477/09.9TTVNG.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp, em que estando em causa uma incompatibilidade substancial de pedidos, mas vislumbrando-se a possibilidade de determinados pedidos poderem ser deduzidos subsidiariamente, afirmou-se: “…devendo o Juiz remover todos os obstáculos possíveis com vista a poder emitir a final um julgamento de mérito, deveria ter convidado as AA. a corrigir a petição inicial, dando-lhes a possibilidade de formular pedidos coerentes e sem contradições, substancialmente compatíveis na linguagem legal, o que se afirma com o devido respeito por posição diversa e apenas por dever de ofício.” - o Ac. da RC de 31/05/2016, processo 7033/14.8T8CBR-A.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc, em que se considerou: “Não discutimos que a solução que tem vindo a [ser] da[da] tradicionalmente pela nossa jurisprudência e doutrina vai no sentido de que tal vício constituir uma nulidade insanável, importando, necessária e automaticamente, a nulidade de todo o processado. Entendemos, contudo, que tal ponderação deverá ser reavaliada face à revisão do CPC de 2013 e ao espírito que lhe subjaz ao nível de preocupações de economia processual e do reforço dos poderes processuais do juiz. (…) Assim, José Lebre de Freitas defende que, o disposto no artigo 6º, nº2 (Dever de gestão processual)[ “O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância, ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo”.] leva a que o tribunal deva convidar o autor a aperfeiçoar a petição inicial em que tenha deduzido pedidos incompatíveis, mediante a escolha daquele que pretende que seja apreciado na ação ou a ordenação de ambos em relação de subsidiariedade[“Ação Declarativa (…)”, pág. 49.]. Tal autor propõe, para a dedução de pedidos incompatíveis, a mesma solução do artigo 38º – escolha pelo autor do pedido com o qual o processo deve prosseguir em caso de coligação ilegal –, a aplicar por analogia [“Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, pág. 361.]. - Ac. da RE de 21/05/2020, processo 1032/19.0T8STR-B.E1, consultável in www.dgsi.pt/jtre, com o seguinte sumário: 1. A actividade processual desenvolvida pelas partes deve ser aproveitada até ao limite, de forma que todos os esforços deverão ser levados a cabo, quer pelo Juiz, ainda que ex officio, quer pelas partes, por sua iniciativa ou a convite daquele, sempre que seja possível corrigir as irregularidades ou suprir as omissões verificadas, de modo a viabilizar uma decisão de mérito. 2. No actual enquadramento sistemático do código revisto, a insupribilidade é hoje residual, respeitando tão só àquelas excepções que, pela sua natureza ou por via do seu regime, não consentem suprimento, oficioso ou mediante convite às partes. 3. A existência de um quadro de contradição do objecto do processo por dedução de pedido substancialmente incompatível é sanável, por aplicação do regime vinculativo do dever de gestão processual estabelecido no nº 2 do artigo 6º e nos nº 2 e 3 do artigo 590º do Código de Processo Civil. 4. A redução teleológica do nº 4 do artigo 186º do Código de Processo Civil, quando conciliada com a aplicação analógica do artigo 38º do mesmo diploma, admite que, nas situações de cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis, a nulidade não subsista em caso de desistência do pedido ou da instância ou acto de natureza equivalente relativamente a um desses pedidos, pois a escolha de uma única pretensão jurídica compatível faz desaparecer os pressupostos que, inicialmente, conduziriam a uma hipótese de ineptidão da petição inicial, desaparecendo assim, por actividade ulterior correctiva, os fundamentos que determinariam a absolvição da instância. E em texto refere-se: E, com isso [escolha pela parte entre pretensões incompatíveis], consegue-se a regularização [do objecto] da lide, sem necessidade de proposição de uma nova acção com o seu objecto reduzido, valorizando-se assim os princípios da economia processual, da adequação formal, do máximo aproveitamento das pretensões apresentadas em juízo, aliados ao poder de direcção do processo, em detrimento de um veredicto formado em questões estritamente formais. - Ac. desta RG de 27/05/2021, processo 101/20.9T8CBC.G2, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, em que consta do respectivo sumário: I - A generalidade das exceções dilatórias são supríveis, quer por iniciativa do autor, quer por determinação oficiosa do Tribunal. II - No caso de dedução de pedidos substancialmente incompatíveis por aplicação analógica da solução contida no artigo 38º do Código de Processo Civil deve o tribunal facultar à parte a escolha do pedido com o qual o processo deve prosseguir. III - Nestes casos deve prevalecer o entendimento de «impor o aproveitamento da instância, em conjugação com todo um conjunto de princípios que sempre devem orientar o intérprete na busca das melhores soluções – economia processual, prevalência da substância sobre a forma, eficiência do sistema, cooperação mútua. - Ac. da RL de 28/09/2021, processo 4357/19.1T8LSB.L1-7, consultável in www.dgsi.pt/jtrl em cujo sumário consta: I- A ineptidão da petição inicial não dá lugar ao aperfeiçoamento, constituindo, em regra, exceção dilatória insuprível; (…) III- Afigurando-se existir uma incompatibilidade substancial de pedidos, tal vício será sanável, designadamente através de um convite ao autor para que opte por um dos pedidos ou esclareça se os mesmos foram formulados em cumulação real, para serem todos eles atendidos em simultâneo (art. 555 do C.P.C.), ou, afinal, em cumulação alternativa (art. 553 do C.P.C.) ou subsidiária (art. 554 do C.P.C.); IV- Tal convite dirigido ao autor poderá constituir uma forma de retificar, de forma expedita, um simples lapso ou uma mera deficiência na formulação dos pedidos, constituindo resposta adequada ao princípio da economia processual e ao da prevalência das decisões de mérito sobre as formais. De referir que neste caso os AA. responderam à excepção de ineptidão esclarecendo que pretendiam ver apreciado o segundo pedido no caso de improcedência do primeiro, afastando assim a cumulação real, colocando os pedidos numa relação de subsidiariedade – ainda que sem aplicação analógica do art.º 38º - mas com o mesmo efeito – ficou sanada a incompatibilidade substancial. - o Ac. da RP de 21/10/2021, processo 467/19.3T8ALB.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp, acórdão este que aludindo às duas posições, entendeu que a tese da sanabilidade, citada com referência ao Ac. da RE de 21/05/2020, processo 1032/19.0T8STR-B.E1, já acima referido e ao comentário parcialmente concordante de Miguel Teixeira de Sousa, também já acima referido, não é de aplicar pela Relação quando em sede de recurso o recorrente “sustenta a legalidade da cumulação, não adiantando, nem subsidiariamente, qualquer disponibilidade para perante o não acolhimento da sua posição desistir de uma das pretensões formuladas”. - o Ac. da RG de 10/07/2023, processo 4316/19.4T8GMR.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, em cujo sumário consta: 1- A formulação na petição inicial de pedidos substancialmente incompatíveis em cumulação real apenas determina a ineptidão da petição inicial se o Autor não satisfizer o convite, formulado nos termos dos artigos nº 2 do artigo 6º, nos nº 2 e 3 do artigo 590º e 38º nº 1 do Código de Processo Civil (este por interpretação extensiva ou analógica), para suprir tal incompatibilidade. 2- A este entendimento conduz o predomínio da matéria sobre a forma, a cooperação mútua, a economia processual, o aproveitamento da instância, princípios a que foi dada particular enfase no atual Código de Processo Civil. - o Ac. da RL de 27/09/2023, processo 2294/21.9T8AMD.L1-4, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, em cujo sumário consta: À luz da reforma do Código de Processo Civil operada pela Lei 41/2013, de 26 de Junho e de acordo com o disposto no art.º 590.º n.ºs 2 e 3, desse diploma legal, é de seguir o entendimento que preconiza dever o juiz convidar o autor a aperfeiçoar a petição inicial em que se tenham deduzido pedidos incompatíveis, mediante a escolha daquele que pretende seja apreciado na acção ou a ordenação de ambos em relação de subsidiariedade. - o Ac. da RL de 20/06/2024, processo 6630/22.2T8FNC.L1-6, consultável in www.dgsi.pt/jtrl em cujo sumário consta: III. Face a uma contradição substancial dos pedidos, ou seja, a considerar-se a formulação de uma cumulação real de pedidos, tem sido entendido que tal vício é sanável, designadamente através de um convite ao A. para que opte por um dos pedidos ou esclareça se os mesmos foram formulados em cumulação real, para serem todos eles atendidos em simultâneo (art. 555 do C.P.C.), caso em que o vício se mantem, ou, afinal, em cumulação alternativa (art. 553 do C.P.C.) ou subsidiária (art. 554 do C.P.C.). IV. Logo, mesmo que se conclua configurar uma situação de pedidos incompatíveis, tal poderá ser sanado com o convite dirigido ao autor de forma a rectificar, um simples lapso ou uma mera deficiência na formulação dos pedidos, constituindo resposta adequada ao princípio da economia processual e ao da prevalência das decisões de mérito sobre as formais. Cumpre tomar posição A alínea a) do n.º 2 do art.º 590º dispõe que findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, nos termos do n.º 2 do art.º 6º. Por sua vez o n.º 2 do art.º 6º dispõe que o juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo. De referir ainda que nos termos do nº 3 do art.º 278º, as exceções dilatórias só subsistem enquanto a respetiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º. Resulta patente das disposições referidas um principio geral de acordo com o qual sempre que possível, deve o tribunal providenciar pela sanação das excepções dilatórias e suprimento da falta de pressupostos processuais, assim prosseguindo o principio da economia processual que, como já ensinava Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1993, pág. 387, consiste em “deve[r] procurar-se o máximo resultado processual com o mínimo emprego de actividade, o máximo rendimento com o mínimo custo”. A alínea a) do n.º 2 do art.º 590º refere-se a excepções dilatórias e o n.º 2 do art.º 6º refere-se a pressupostos processuais. Como explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa in CPC Anotado, 2ª edição, pág. 700, não são expressões coincidentes, mas o sentido funcional é o mesmo, acrescentando que há casos em que a inverificação de um pressuposto processual não gera uma excepção dilatória – a falta de constituição de mandatário em caso em que é obrigatória a sua constituição – e há excepções dilatórias que não decorrem da inverificação de um pressuposto processual – a coligação de autores ou réus, quando entre os pedidos não exista a conexão exigida no artigo 36º. Mas quando é que uma excepção dilatória é suprível ou a falta de um pressuposto processual é sanável? Desde logo quando a lei o previr (o suprimento da preterição de litisconsórcio necessário). Mas ainda que a lei não o preveja expressamente, a excepção dilatória será suprível ou a falta de um pressuposto processual será sanável quando, mediante convite a tal dirigido pelo tribunal, nos termos da a) do n.º 2 do art.º 590º e n.º 2 do art.º 6º, ambos do CPC, seja possível regularizar a situação sem com isso colocar em causa o principio da estabilidade da instância, quanto às pessoas, ao pedido ou à causa de pedir, ou seja, sem com isso gerar qualquer insegurança quanto ao objecto do processo, ou implicar uma nova e completa tramitação do processo. Assim e com base no referido principio, são insanáveis a incompetência absoluta, a ilegitimidade singular, e a falta de personalidade judiciária (ressalvado o disposto no art.14º CPC e ter sido demandado o órgão “Câmara Municipal” e não a pessoa colectiva Município). São sanáveis a falta de capacidade e a ilegitimidade por preterição de litisconsórcio. Relativamente à ineptidão da petição inicial há que distinguir. Há, desde logo, uma situação de sanação legal: o n.º 3 do art.º 186º dispõe que se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial. O n.º 3 do art.º 186º apenas tem em vista a ininteligibilidade da causa de pedir e do pedido, porque faltando a causa de pedir e o pedido não se vislumbra como se pode interpretar a petição a que falte tais elementos (neste sentido cfr. a nota 16 do Ac. da RC de 14/12/2010, processo 2604/08.4TBAGD.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc) e não se vislumbra como tais faltas possam ser sanadas sem com isso colocar em causa o principio da estabilidade da instância seja quanto ao pedido, seja quanto à causa de pedir. O mesmo se diga quanto à causa de ineptidão constante da alínea b) – contradição entre o pedido e a causa de pedir, ou seja, também não se vislumbra que a mesma seja sanável na medida em que implicaria uma de duas situações: a mudança da causa de pedir, para se ajustar ao pedido deduzido; ou a mudança do pedido, para se ajustar à causa de pedir invocada. Qualquer uma delas colocaria em causa o principio da estabilidade da instância fosse quanto ao pedido, fosse quanto à causa de pedir, porque apresentaria um elemento de novidade. É certo que uma das excepções ao principio da estabilidade da instância é precisamente a alteração do pedido e/ou da causa de pedir (cfr. 264º do CPC). Mas como excepção que é está sujeita a uma condição que constitui uma forte limitação: a necessidade de acordo das partes (o que, em mais de 30 anos de exercício de funções, nunca vimos acontecer). Além disso e ainda que haja acordo das partes, a sua admissibilidade fica dependente de não perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito (cfr. parte final do art.º 264º do CPC). Depois e na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação. Ou seja: também aqui há uma forte limitação - o autor só pode alterar ou ampliar a causa de pedir em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor. Finalmente o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo. Note-se que pode reduzir ou ampliar o pedido, mas não pode alterá-lo. Além disso e quanto à ampliação tem uma limitação: só é possível se for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo. Ou seja: as normas dos artigos 264º e 265º são uma excepção, sujeitas a fortes condicionalismos, que não autorizam uma extrapolação para a sanação da ineptidão por contradição entre o pedido e a causa de pedir. Já quanto à cumulação de causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a considerar duas vias de sanação, mediante convite endereçado ao autor : a) - para escolher a causa de pedir ou o pedido que pretende que seja apreciada/o na ação; b) ou para ordenar as causas de pedir ou dos pedidos em relação de subsidiariedade. A primeira, no que se refere ao pedido, pode deparar com dificuldades: a desistência da instância quanto a um dos pedidos depende da aceitação do réu desde que seja requerida depois do oferecimento da contestação (art.º 286º n.º 1) e caso não aceite a incompatibilidade mantêm-se; a desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer (art.º 285º, n.º 1). Mas, independentemente disso, não vemos que aquelas possibilidades de sanação coloquem em causa o principio da estabilidade da instância, seja quanto ao pedido, seja quanto à causa de pedir, não gerando qualquer insegurança quanto ao objecto do processo nem implicando uma nova e completa tramitação do processo, pois não há introdução de uma nova causa de pedir ou de um novo pedido: permite-se ao autor aproveitar o que já existe – os pedidos deduzidos ou causas de pedir invocadas – e que já foi submetido ao contraditório, assim possibilitando o aproveitamento dos actos já praticados, dando execução aos princípios do dispositivo, da auto-responsabilização das partes, da economia processual e da prevalência de uma decisão de mérito sobre uma decisão de forma. Dir-se-á que o n.º 4 do art.º 186º ao dispor que no caso da alínea c) do n.º 2, a nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal ou por erro na forma do processo, é a expressão legal do principio geral da impossibilidade de sanação da cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis. Ressalvado o devido respeito, mas impõe-se enquadrar este n.º 4 no desenvolvimento do processo: uma vez que o convite à sanabilidade deve actuar findos os articulados – alínea a) do n.º 2 do art.º 590º - este n.º 4 só terá aplicação se o autor não aceitar o convite que lhe for endereçado, ou seja, se apesar do convite para escolher um dos pedidos ou proceder á sua ordenação subsidiária, a nulidade se mantiver. Se o convite for aceite, a nulidade fica sanada. Em face de tudo o exposto, considera-se que a ineptidão da petição inicial por cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis é sanável mediante convite ao autor a) - para escolher a causa de pedir ou o pedido que pretende que seja apreciada/o na ação; b) - ou para ordenar as causas de pedir ou dos pedidos em relação de subsidiariedade. 4.2. Em concreto Os AA. intentaram a presente acção contra as RR. Banco 1... e EMP01..., formulando os seguintes pedidos: “Nestes termos deve a presente acção ser julgada provada e procedente e em consequência: a. Deve o contrato de seguro com a apólice n.º ...98 ser declarado válido e eficaz, declarando-se que o mesmo garante os valores titulados pelo contrato de crédito automóvel n.º ...65, celebrado pela falecida DD (30.040,80€). b. Porque não foram lidas, comunicas e explicadas, devem as alegadas clausulas de exclusão ser consideradas nulas e excluídas do contrato de seguro com a apólice n.º ...98, nos termos do DL 446/85 de 25 de outubro, bem como deve ser declarada não escrita, nula e excluída a alegada declaração de saúde inserta no contrato de seguro, declarando-se o mesmo válido e eficaz, devendo os RR. ser solidariamente condenados a liquidar o contrato de crédito automóvel n.º ...65, bem como condenada a entregar o valor remanescente aos AA. (até ao limite do capital seguro - 30.040,80€), bem como a reembolsar todas as prestações que os mesmos pagaram e continuam a pagar. c. Serem ainda condenadas no pagamento do capital seguro, nos seguintes termos: d. Ser a Ré EMP01... condenada a liquidar, junto Réu Banco 1..., o valor em divida à data de entrada da presente ação, que perfaz a quantia de 14.743,04€; e. Ser o Réu Banco 1... condenado a receber da Ré EMP01... o valor em dívida à data de entrada da presente ação e condenado a dar como cumprido o pagamento do crédito pessoal concedido à falecida DD; f. E ser a Ré EMP01... condenada a entregar aos AA. o valor remanescente (até ao limite do capital seguro - 30.040,80€), bem como o valor de todas as prestações que estes pagaram e continuam a pagar até liquidação pela Ré EMP01... junto do Réu Banco 1...; g. Devem ainda ser os RR. condenados nas custas e tudo que mais for de lei.” Estão em causa o pedido constante da parte final da alínea b) do petitório, por um lado e por outro, os pedidos constantes das alíneas d), e) e f) do petitório. O pedido formulado sob a alínea c) – “Serem ainda condenadas no pagamento do capital seguro, nos seguintes termos:…” – não contém, em si mesmo, um efeito prático concreto que se pretenda alcançar; nos pedidos seguintes, é que estão identificados os concretos efeitos práticos que os AA. pretendem alcançar. Por um lado os AA. pretendem a condenação das RR., solidariamente, a liquidar o contrato de crédito automóvel n.º ...65 e a entregar o valor remanescente aos AA. (até ao limite do capital seguro - 30.040,80€), bem como a reembolsar todas as prestações que os mesmos pagaram e continuam a pagar. Recorde-se que a obrigação é solidária quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera (cfr. 1ª parte do n.º 1 do art.º 512º do CC). Recorde-se ainda que a causa de pedir é integrada pela invocação de dois contratos: um de crédito automóvel em que é parte o Banco 1... como mutuante e a falecida DD como mutuária, a qual se obrigou a restituir o capital mutuado, acrescido de juros ao mutuante e um contrato de seguro em que é parte a EMP01... como seguradora e a falecida DD como segurada, que se obrigou a cobrir os riscos constantes da apólice. Mas, por outro lado, os AA. deduzem outros pedidos, ou seja, cumulam contra as RR. outros pedidos. Neste ponto impõe-se desde já afirmar que ao contrário do que pretendem os AA., não consta da petição inicial qualquer expressão, por ténue que seja, da vontade de os pedidos deduzidos sob as alíneas d), e) e f) serem subsidiários relativamente ao pedido deduzido sob a alínea b). Assim e quanto à EMP01... pedem (alínea d)) que a mesma seja condenada a liquidar, junto Réu Banco 1..., o valor em divida à data de entrada da presente ação, que perfaz a quantia de 14.743,04€ e (alínea f)) pedem que a mesma seja condenada a entregar aos AA. o valor remanescente (até ao limite do capital seguro - 30.040,80€), bem como o valor de todas as prestações que estes pagaram e continuam a pagar até liquidação pela Ré EMP01... junto do Réu Banco 1...; E quanto ao Banco 1... pedem (alínea e)) seja condenado a receber da Ré EMP01... o valor em dívida à data de entrada da presente ação e condenado a dar como cumprido o pagamento do crédito pessoal concedido à falecida DD; O reconhecimento do pedido deduzido na parte final da alínea b) exclui a possibilidade dos pedidos deduzidos sob as alíneas d) e) e f). Assim e quanto à Ré EMP01..., das duas uma: ou a obrigação é solidária (independentemente de saber se assim é efectivamente ou não) e, portanto, ambas as RR. são devedoras, como subjaz ao pedido formulado sob a alínea b) ou apenas a EMP01... está obrigada e, portanto, apenas a mesma é devedora das quantias peticionadas, como subjaz aos pedidos formulados sob as alíneas d) e f). Ambas as situações, em cumulação real ou simples, é que não são possíveis, pois uma exclui a verificação da outra, pelo que são incompatíveis. Além disso e quanto ao Banco 1... a incompatibilidade é ainda mais evidente: ou o mesmo também é devedor, como subjaz à alínea b) do petitório, onde se pede que seja condenado a liquidar o contrato de crédito automóvel n.º ...65, bem como a entregar o valor remanescente aos AA. (até ao limite do capital seguro - 30.040,80€), bem como a reembolsar todas as prestações que os mesmos pagaram e continuam a pagar (ainda que não se vislumbre a viabilidade de o Banco 1... ser condenado a pagar-se a si mesmo, quando o mesmo é credor do capital e juros em dívida, questão que, no entanto, aqui não releva, uma vez que é um problema de eventual improcedência); ou o mesmo é credor, como subjaz à alínea e) do peditório, em que se pede que o mesmo seja condenado a receber da Ré EMP01... o valor em dívida à data de entrada da presente ação e condenado a dar como cumprido o pagamento do crédito pessoal concedido à falecida DD. Também aqui as duas situações não são possíveis, pois uma exclui a verificação da outra. Conclui-se assim que os AA. deduziram pedidos substancialmente incompatíveis, pelo que se verifica uma situação de ineptidão da petição inicial por cumulação (real) de pedidos substancialmente incompatíveis, a qual determina a nulidade do processo (art. 186.º CPC) que constitui uma exceção dilatória (art. 577.º b) CPC). Com base nisso, o tribunal recorrido julgou verificada a ineptidão da petição inicial e, assim, a nulidade do processo e absolveu as RR. da instância. Mas por tudo o que já ficou exposto em sede de enquadramento jurídico, não acompanhamos tal entendimento, pois à luz do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 590º e n.º 2 do art.º 6º, ambos do CPC, seria caso de prolação de pré-saneador a convidar os AA. a escolher o pedido que pretendiam ver apreciado ou a ordenar os pedidos em relação de subsidiariedade. Em face de tudo o exposto, a decisão recorrida não se pode manter, devendo ser revogada e após baixa dos autos, ser proferido despacho pré-saneador a convidar os AA. a escolher o pedido que pretendem ver apreciado ou a ordenar os pedidos em relação de subsidiariedade. 4.3 Custas Dispõe o art.º 527, n.º 1 do CPC que a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. E o n.º 2 dispõe: ”Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.” No caso, a recorrida EMP01... contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida, o que não ocorre, pelo que fica vencida, sendo, assim, responsável pelas custas da apelação. 5. Decisão Termos em que acordam os Juízes da 1ª secção da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e em consequência revogam a decisão recorrida e determinam que após baixa dos autos, seja proferido despacho pré-saneador a convidar os AA. a escolher o pedido que pretendem ver apreciado ou a ordenar os pedidos em relação de subsidiariedade. Custas da apelação pela recorrida EMP01..., SA Notifique-se * Guimarães, 31/10/2024 (O presente acórdão é assinado electronicamente) Relator: José Carlos Pereira Duarte Adjuntos: Fernando Manuel Barroso Cabanelas Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade |