Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA DECISÃO IMPLÍCITA RESOLUÇÃO DO CONTRATO REVOGAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/23/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO PRINCIPAL IMPROCEDENTE | ||
Decisão: | APELAÇÃO SUBORDINADA PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I – Haverá deficiência da decisão de facto, se um facto provado não contemplou toda a realidade. II - Constitui matéria de facto a celebração do negócio jurídico e o seu concreto conteúdo, ou seja, o que foi efectivamente acordado entre as partes; constitui matéria de direito apurar, através da interpretação e integração desse negócio – tarefa subordinada às regras jurídicas que constam dos art.ºs 236º a 239º do CC – quais os efeitos jurídicos dele decorrentes, ou seja, os direitos e deveres que dele emergem para as partes (ou para terceiros, nos casos em que a lei o admita). III – Neste contexto e em obediência ao disposto no n.º 4 do art.º 607º do CPC, as cláusulas relevantes para a boa decisão da causa devem ser transcritas na matéria de facto. IV – Em obediência ao n.º 4 do art.º 607º do CPC não têm cabimento na decisão de facto, juízos valorativos. V – O n.º 2 do art.º 608º do CPC, ao determinar que “o juiz deve resolver todas as questões…” admite o julgamento implícito sobre dada questão, desde que, face aos termos da causa, a mesma constitua pressuposto ou consequência necessária do julgamento expressamente proferido. VI – Ao julgar válida e eficaz no final do mês de Novembro de 2021 a declaração da Ré de resolução do contrato de arrendamento, a sentença considerou cessada a produção de efeitos do mesmo a partir da referida data e, assim, implicitamente, a inviabilidade de condenar na parte do pedido principal não coberta pela procedência do pedido subsidiário – rendas posteriores a Novembro de 2021 e indemnização. VII – A alínea a) do art.º 1050º do CC inclui-se entre as nomas gerais da locação, pelo que nada obsta à sua aplicação aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais. VIII – Tendo o tribunal a quo julgado válida e eficaz a declaração da Ré de resolução do contrato de arrendamento à luz do disposto no art.º 1050º a) do CC, não tendo tal decisão sido eficazmente impugnada, aquela determina a dissolução do vinculo. IX – Assim, carece de razão de ser apreciar, quer a resolução, quer a modificação do negócio à luz de qualquer outro fundamento, nomeadamente à luz do disposto no art.º 437º do CC, pois só é possível resolver ou modificar um contrato que continua a produzir os efeitos que o mesmo tende a produzir enquanto vigorar. X - O art.º 1040º equivale a uma manifestação especial da excepção do contrato não cumprido prevista nos artigos 428º a 431º do Código Civil, pelo que pressupõe a manutenção do contrato; o art.º 1050º determina a dissolução do vinculo contratual. XI - Tendo a Ré optado pela resolução, não tem aplicação o disposto no art.º 1040º do CC. XII - No que à resolução prevista na alínea a) do art.º 1050º do CC respeita, a lei não estabelece outros efeitos que não o de que o locatário deve restituir a coisa locada findo o contrato (cfr. art.º 1038º, alínea i) do CC), pelo que há que recorrer às normas gerais da resolução para estabelecer os efeitos daquela - artigos 433º e 434º do CC. XIII - Na resolução do arrendamento, a extinção da relação contratual não abrange as rendas correspondentes ao período de tempo em que o locatário usufruiu do imóvel | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | - Recurso principal - Recorrente: EMP01..., S.A Recorrido EMP02..., Lda - Recurso subordinado - Recorrente: EMP02..., Lda Recorrido: EMP01..., S.A ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES 1. Relatório EMP01..., SA intentou no Juízo Central Cível do Porto acção declarativa de condenação contra EMP02..., Lda. pedindo: a) Ser a Ré condenada no cumprimento integral do contrato, que consiste no pagamento das rendas relativas aos meses decorridos entre Janeiro de 2021 e Outubro de 2026 acrescidas do respectivo IVA, tudo no valor de €188.632,06, e de uma indemnização nos termos previstos no nº 1 do art. 1041º do Código Civil, que à presente data ascende a €5.619,37, no valor global de €194.251,43, bem como do valor de indemnização correspondente às demais rendas que venham a ser pagas em mora, Ou subsidiariamente, para o caso de assim se não entender. b) Ser a Ré condenada no pagamento das rendas vencidas desde Janeiro e Novembro de 2021, no valor de €23.665,18, acrescidas do valor do respectivo IVA, no valor de €5.443,03, bem como da indemnização, equivalente a €4.733,04, no valor global de €33.841,25. Alegou para tanto e em síntese, a sua anterior denominação - EMP01..., S.A. - e o seu objecto social; é proprietária da fracção autónoma que identifica; por contrato de arrendamento assinado a 25 de Setembro de 2020, deu de arrendamento à Ré a referida fracção autónoma, pelo prazo de 6 (seis) anos, com início a 11 (onze) de Outubro de 2020 e termo a 10 de Outubro de 2026, mediante o pagamento de uma renda anual de €26.598,00, em duodécimos mensais de €2.216,50, acrescidos do IVA à taxa legal em vigor, a qual se venceria no quinto dia do mês a que respeita, devendo ser paga por transferência bancária; a Ré teve acesso ao locado a partir da data da assinatura do contrato para poder fazer as obras de adaptação necessárias à abertura da loja, sem que procedesse ao pagamento de qualquer renda e/ou compensação; a 1ª renda devia ser paga em 11 de Janeiro de 2021; a Ré não procedeu ao pagamento da renda relativa ao mês de Janeiro de 2021, nem nenhum das vencidas posteriormente, tendo-lhe sido dirigidas várias reclamações nesse sentido. Mais alegou, ainda em síntese, que a Ré dirigiu à Autora carta datada de 17 de Novembro de 2021 comunicando a intenção proceder à resolução do contrato de arrendamento, carta que foi enviada para a anterior sede; a Ré invocou, na referida comunicação, entender existir um “vício de erro sobre a base do negócio, previsto do nº 2 do art. 252º do Código Civil”, e fundamentou a referida resolução “na al. b) do art. 1050º e/ou no nº 1 do art. 437º, ambos do Código Civil”; carece de fundamento o invocado vício de erro sobre a base do negócio, já que, no momento da assinatura do contrato, o país já atravessava evidentes dificuldades económicas em virtude do COVID-19, situação que era do perfeito conhecimento de ambas as partes, encontrando-se a Ré, no momento da assinatura do contrato, ciente da conjuntura económica que o país atravessava, bem como da situação de incerteza inerente; a alínea b) do art.º 1050º do CC não tem relação com os factos; e não estão preenchidos os pressupostos da alínea a) do art.º 1050º do CC porque não seria aceitável uma resolução, em Novembro de 2021, a pretexto de um alegado encerramento ocorrido nos primeiros meses do ano e a referida norma só se aplica aos arrendamentos habitacionais; quando o contrato foi assinado, Portugal já tinha sido assolado pelo COVID-19; a alteração da realidade do país e as repercussões no comércio e na economia em geral já se verificavam largos meses antes da celebração do contrato; as partes bem conheciam a realidade dos factos e foi nesse contexto que assinaram o contrato de arrendamento “livre e esclarecidamente”; não é invocável o instituto da alteração das circunstâncias relativamente a uma alteração que havia começado em data anterior à da celebração do contrato e, portanto, não era imprevisível, nem tornava a alteração anormal; a Ré estava em mora desde 11 de Janeiro de 2021; a evolução da actividade exercida pela Ré no locado está coberta pelos riscos próprios do contrato; ainda que se venha a entender pela atendibilidade de uma invocada alteração ocorrida anteriormente, nunca os efeitos da resolução deverão retroagir a data anterior à da respectiva comunicação. A Ré, citada, contestou, por excepção, invocando a incompetência do tribunal em razão do território, a litigância de má fé da A., o abuso de direito da A., na modalidade de desequilíbrio do exercício, no âmbito da qual alega que pouco tempo depois de a Ré lhe ter entregue a loja que havia sido arrendada, ou pelo menos logo no início do corrente ano, arrendou-a novamente a terceiros, pelo que por facto imputável à A., tornou-se inviável a condenação da Ré “ao cumprimento do contrato até final” e torna manifestamente desproporcionado que a A. pretenda obter da Ré o montante correspondente ao valor da renda que seria devida durante o período máximo de duração contratualmente estabelecido de 6 anos; mesmo que a resolução operada pela Ré seja ilícita, daí não adveio qualquer prejuízo para a A. e muito menos o da suposta “privação das rendas”. E em sede de impugnação refere, em síntese, que a primeira renda devida era a de Fevereiro de 2021; efectivou uma resolução unilateral do contrato de arrendamento; em Maio de 2020, todos referiam que a pandemia estava a evoluir de forma favorável e já estava em curso a apelidada “terceira fase do plano de descongestionamento” aprovado em Conselho de Ministros; a 15 de Julho de 2020, como ainda em Setembro, Outubro e até em Novembro, o Governo de Portugal, o próprio Primeiro Ministro e todos os partidos políticos nacionais, além do Vice-Presidente do BCE, e do Presidente da República Portuguesa, comunicaram ao País e alguns até garantiram que não haveria um novo confinamento; foi neste contexto que o contrato de arrendamento em apreço foi celebrado, e foi também este o exacto espírito das partes suas outorgantes; este cenário tornava totalmente improvável, tanto para a Ré, como para a A., que os estabelecimentos comerciais do Norte de Portugal, como é o caso do explorado na loja arrendada, viessem novamente a encerrar, como inesperadamente veio a suceder; quando o contrato de arrendamento em apreço foi celebrado, a ../../2020, o território nacional continental, com excepção da Área Metropolitana de Lisboa, estava em situação de alerta há praticamente dois meses; no momento em que o negócio foi concluído, a Ré laborou no pressuposto, legítimo e fundado, de estar a arrendar uma loja que se manteria aberta ao público e da qual poderia retirar lucro suficiente para suportar as despesas básicas inerentes ao seu funcionamento; caso esse pressuposto inexistisse, ou se a Ré pudesse antever que viria a alterar-se, jamais a teria arrendado ou, no mínimo, nunca teria aceite o valor da renda estipulado, nem a impossibilidade de denunciar o contrato antes de decorridos 3 anos; através dos instrumentos que refere foi declarada a situação de calamidade em todo o território nacional continental, com efeitos até às 23h59 de 19/11/2020 e declarado o estado de emergência, para todo o território nacional, com sucessivas renovações até às 23h59m de 30/04/2021; mercê disto, e por imposição legal, a loja arrendada pela A. à Ré esteve encerrada desde ../../.... até ../../2021; fruto disso, quando se venceu, a 05/02/2021, a primeira renda, a Ré viu-se impossibilitada de proceder ao respetivo pagamento; a partir de 01/05/2021, passou a vigorar a situação de calamidade, após o que foi declarada a situação de contingência, e só a 29 de Setembro, o País regressou ao estado de alerta; por isto, mesmo depois de ser autorizada a reabertura do estabelecimento, devido à inexistência de pessoas a circular no ... e à retração na economia provocada pelas medidas de saúde pública adoptadas, aliada aos entraves na livre circulação entre Portugal e ..., país do qual provem uma parte muito significativa dos potenciais clientes localizados no conjunto comercial onde se integrava o locado e ainda à obrigatoriedade de adopção do regime de teletrabalho, bem como do uso de máscaras faciais e outras regras de higiene que criaram restrições na experiência de compra numa loja física, as vendas nele realizadas nunca chegaram sequer para cobrir os custos mínimos da sua actividade. Mais referiu que a partir de Janeiro de 2020 a Ré tentou reunir com algum representante da A. para encontrar uma solução consensual, mas sempre sem sucesso, dado que nunca a receberam, nem obteve resposta a essa solicitação; a Ré foi mantendo a loja aberta na esperança de que a A. finalmente se dispusesse a renegociar os termos do arrendamento, com um necessário perdão de rendas e uma redução significativa do valor a pagar mensalmente; por isso esperou tanto tempo para resolver unilateralmente o contrato; foi o censurável e prolongado silêncio da A. que provocou o acumular de prejuízos para a Ré; a 03/11/2021 a A. comunicou a sua decisão “de não aceitar redução ou perdão de rendas”, bem como que só admitia cessar o contrato de arrendamento se a Ré lhe pagasse o “valor correspondente às rendas do corrente ano acrescido da respectiva penalização de 20%”; a postura da A. violou a boa-fé a que estava obrigada, na qualidade de senhoria da Ré, ao apor-se a qualquer modificação equitativa do contrato, conforme a situação impunha; resolveu o contrato por carta expedida a 17/11/2021; a mandatária da Ré incorreu num lapso de escrita quando mencionou, na carta enviada à A., que a resolução do contrato de arrendamento se fundava também (para além de no art. 437.º, n.º 1, do CCiv.) na alínea b) do art. 1050.º do CCiv., dado que o aí alegado patenteia querer referir-se à alínea a) do mesmo normativo; a privação da loja arrendada pela A. à Ré, entre ../../2021 e ../../2021, devido a uma imposição legal, decorrente das medidas de contenção de uma pandemia, legitima a resolução; e não há abuso de direito por parte da Ré quando assim agiu somente em 17/11/2021 porque o silêncio da A. face às sucessivas interpelações feitas, justifica esse hiato temporal; a razão de ser da resolução abrange todas as obrigações que nasceram do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, assim legitimando que tudo se passe como se esse negócio nunca tivesse existido; caso assim não se entenda, durante 95 dias de execução do contrato de arrendamento a Ré não pode gozar do bem locado, pelo que nenhuma prestação da A. haveria a restituir com referência a esse período; a Ré jamais poderá ser responsabilizada pelo hipotético prejuízo da A. em relação ao tempo restante, dado ter actuado sempre de boa-fé e porque teria resolvido o contrato logo em Fevereiro ou, no mínimo, em ../../2021, se a A. tivesse informado mais cedo a sua posição. O Juízo Central Cível do Porto julgou-se incompetente em razão do território para julgar a acção “cabendo tal competência ao tribunal da comarca do Braga ou de Viana do Castelo, à escolha da autora” e ordenou a notificação da mesma “para, em cinco dias, informar os autos por qual dos tribunais competentes pretende optar”, tendo a A. escolhido o Tribunal Judicial da Comarca de Braga. Já no Juízo Central Cível de Braga foi ordenada a notificação da A. para responder às excepções, o que a mesma fez, voltando a referir, em essência, o que já havia invocado na petição inicial, referindo de novo que foi a Ré quem, de “motu próprio”, deixou o imóvel devoluto durante o período de vigência do contrato e não houve lugar a encerramento do locado por imposição legal. Com dispensa da audiência prévia, foi proferido despacho saneador que fixou o valor da causa em € 194.251,43, julgou verificados os pressupostos processuais, consignou o objecto do litigio, os temas da prova e apreciou os requerimentos probatórios. Realizou-se o julgamento, tendo de seguida sido proferida sentença cujo decisório tem o seguinte teor: Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, decido: a) Condenar a ré a pagar à autora a quantia de €23.665,18, acrescida de IVA; b) Condenar a ré a pagar à autora a quantia de €4.733,04; c) Absolver a autora do pedido de condenação como litigante de má fé; d) Condenar a autora e a ré nas custas do processo, sendo aquela na proporção de 83% e esta na proporção de 17%. A A. interpôs recurso, pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por Acórdão que declare inválida a resolução operada pela Recorrida e a condene no pedido principal, de pagamento das rendas devidas até ao termo do contrato, acrescidas de IVA e da compensação devida e a retificação da condenação em custas em conformidade, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: A. O Tribunal a quo fez errada interpretação dos factos e inadequada aplicação do Direito. Uma e outra carecem de ser alteradas; B. Foram incorrectamente julgados, ao serem dados como provados, ou nos termos em que o foram, na Sentença recorrida, os factos n.ºs 10 e 20 dos factos provados: - Facto provado no ponto 10 - Provado que foi, através de prova documental e testemunhal, a 1ª renda se venceu em 11 de Janeiro de 2021, deverá este facto ser alterado no sentido que ora se propõe: “10 - A Ré não procedeu ao pagamento da 1.ª renda, vencida em 11 de Janeiro de 2021, nem das sucessivas.”; - Facto provado no ponto 20 – Provado que foi, por se tratar de um facto público ou notório, que a retração da economia já existia antes da reabertura dos estabelecimentos comerciais, deve dar-se este facto como não provado; C. Por outro lado, o Tribunal recorrido, ao contrário do que prescrevem os arts. 5º e 607º, nº 4 do Código de Processo Civil, que assim foram violados, não considerou na Sentença os factos instrumentais e, bem assim, aqueles que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, pelo que compete a esse Venerando Tribunal, no Douto Acórdão que vier a proferir, substituir-se à decisão da primeira instância, aditar os factos adiante referidos para o que os autos fornecem os necessários elementos (art. 665º do CPC); ● Por ser um facto público e por resultar de prova testemunhal e documental (art. 376º, nº 2 do Código Civil), além dos factos indiciariamente julgados provados, deveria ter sido considerado indiciariamente provado, porque relevante para a descoberta da verdade material, o seguinte facto: No momento da assinatura do contrato de arrendamento ainda se afigurava longínquo o fim da pandemia; D. Alterados os factos conforme se requereu, bem como os demais julgados e indiciariamente provados e não provados, impõe-se a alteração da decisão por forma a julgar procedente o pedido principal formulado pela Recorrente; E. O contrato de arrendamento objecto dos autos foi assinado em ../../2020, num período de situação pandémica, em que se reforçavam as contingências e medidas restritivas, face ao aumento dos casos de infecção por COVID-19; F. A douta Sentença proferida considerou válida a resolução do contrato de arrendamento operada pela Recorrida; G. Considerou que a impossibilidade de gozo do locado, prevista na alínea a) do art. 1050º do Código Civil, enquanto causa de resolução objectiva, legitima a cessação do contrato operada pela Recorrida; H. Tal entendimento não pode colher, desde logo pelo facto de o referido normativo não ser aplicável aos arrendamentos comerciais; I.A douta Sentença fundamentou ainda a referida decisão na aplicação do princípio da equidade, chamando à colacção o instituto da alteração das circunstâncias. J. Também tal convocação não é, in casu, aceitável, porquanto não se verificam os pressupostos de aplicação do respectivo regime; K. Desde logo pela evidência de que no momento da assinatura do contrato, em ../../2020, o país atravessava uma realidade pandémica, o que implica que as alterações ocorridas na vigência do contrato não eram de todo imprevisíveis; L. Acresce que quando o estabelecimento comercial se viu obrigado a encerrar a Recorrida encontrava-se já em situação de mora, por não ter efectuado o pagamento da 1ª renda, o que a impede de resolver o contrato com base na alteração das circunstâncias; M. Impõe-se, pois, o cumprimento, pela Recorrida, das obrigações por si assumidas no contrato, em respeito pelo princípio “pacta sunt servanda”; N. Decidindo como decidiu, a Sentença recorrida violou o disposto nos artigos 347º e 1050º do Código Civil, impondo-se a sua alteração por esse Venerando Tribunal por forma a julgar procedente o pedido principal da Recorrente, concretamente declarando inválida a resolução do contrato operada pela Recorrida, com a sua consequente condenação da mesma no pagamento das rendas até ao termo do contrato (Outubro de 2026), acrescidas do IVA e de compensação nos termos do art. 1041º, 1 do Código Civil. A Ré contra alegou concluindo: Não assiste razão à Autora, pois o Tribunal a quo fez um correcto julgamento da matéria de facto e aplicou correctamente o direito aplicável aos factos provados, não tendo violado as normas jurídicas que a Recorrente indica. A Ré interpôs recurso subordinado, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: i. Houve erro no julgamento do ponto 9 da matéria de facto provada, que deverá ser alterado para a seguinte redacção: «Em Outubro de 2020 a A. facultou à Ré o acesso ao locado para nele poder fazer obras de adaptação necessárias à abertura da loja no mesmo e com um período de carência de rendas até 11 de Janeiro de 2021, sendo a primeira renda devida em Fevereiro de 2021”. ii. Os concretos meios de prova que impõem tal alteração são: o contrato de arrendamento juntos autos; o depoimento prestado pelo legal representante da Autora na audiência de julgamento e gravado nos minutos [00:24:05] do ficheiro com a designação “Diligencia_1971-22.1T8PRT_2023-11-02_10-43-38”; email dado como reproduzido no ponto 11 dos factos provados e a factura então enviada, com o n.º ...21; as cartas juntas com a Petição como docs. 5, 6, 7, 8 e 9. iii. Se assim não for entendido, porque esse facto foi impugnado pela Ré no arts. 62.º e 65.º da Contestação, no mínimo impõe-se alterar para “não provado” a decisão proferida acerca do ponto 9 da factualidade (indevidamente) considerada assente e acrescentar ao elenco dos factos provados o teor integral no n.º 4 da cláusula terceira e do n.º 6 da cláusula quinta do contrato de arrendamento em apreço. iv. Também foi incorrectamente julgado o ponto 19 da matéria de facto provada, cuja redacção deve alterar-se para a seguinte: «No momento da celebração do contrato de arrendamento supra mencionado as partes outorgantes estavam convencidas que não iria ocorrer mais nenhum confinamento e que a loja assim arrendada se manteria aberta ao público.» v. Além de ser facto notório que em ../../2020, data da celebração do contrato de arrendamento, o território nacional continental, à excepção da Área Metropolitana de Lisboa, já só estava em situação de alerta e há praticamente dois meses (a aditar aos factos assentes), os concretos meios de prova que impõem tal alteração são: a cronologia e as notícias juntas como docs. 12 e 13 à Contestação e os segmentos das declarações prestadas pelos legais representes da Autora e da Ré que se transcreveram no art. 25 destas alegações, tudo conjugado com o teor do contrato de arrendamento celebrado. vi. O Tribunal a quo incorreu em erro no julgamento da matéria de direito quando considerou inaplicável o art. 437.º, do C.C., com o que violou esta norma jurídica. vii. Na análise jurídica a que procedeu, mais incorreu em erro de julgamento quando entendeu que a Ré nunca teria direito a qualquer redução da renda, seja por considerar inaplicável o art. 1040.º, n.º 2, do C.C., directamente ou enquanto caso próximo a cuja regulação deveria recorrer-se, seja ao concluir que “no máximo, a ré poderá beneficiar de uma moratória”, seja ainda quando decidiu que a Autora não agiu em abuso do direito. viii. A solução ditada pelo Tribunal a quo põe exclusivamente a cargo da Ré (locatária) o risco da privação e diminuição do gozo da coisa, resultante da pandemia, quando a singularidade da situação trazida a juízo justifica que corra pela Autora (locadora) ou seja entre elas repartido de forma equitativa (em maior proporção para a Autora ou, no mínimo, em partes iguais), mediante a aplicação excepcional do art. 437.º do C.C., por ser o único meio de pôr cobro à flagrante injustiça trazida pela alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar. ix. Na concretização da aplicação do art. 437.º do CC, a “solução prevista pelo legislador para casos próximos” pode e deve buscar-se no art. 1040º do C.C., uma vez que o período de privação e de diminuição do gozo do locado teve duração superior a 12 meses, excedendo 1/6 da duração prevista do contrato (6 anos). x. Os factos apurados também revelam que a Autora violou a boa-fé a que estava obrigada, enquanto senhoria da Ré, ao apor-se a qualquer modificação equitativa do contrato, conforme a situação impunha, e que com isso exerceu de modo desequilibrado essa sua posição jurídica, ao impor um sacrífico desproporcionado à sua contraparte, a saber: pagar-lhe a totalidade da renda apesar de esta ter estado privada do locado durante 95 dias na fase inicial de abertura da loja e das restrições à sua fruição que foram impostas após a reabertura. xi. Decidindo de forma diversa, o Tribunal a quo violou os arts. 334º, 437º e 1040º, n.º 2 do C. C., o que implica a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por uma outra que, depois de proceder às alterações da matéria de facto acima preconizadas, julgue improcedentes todos os pedidos formulados pela Autora. xii. Ainda que o julgamento efectuado pelo Tribunal a quo não padecesse dos vícios acabados de assacar, ao ter julgado lícita a resolução operada com fundamento na alínea a) do art. 1050º do C.C., ainda que apenas por referência à ocorrida privação do gozo do locado entre ../../2021 e ../../2021, jamais poderia ter condenado a Ré a pagar à Autora as rendas devidas nesse período, acrescidas da indemnização de 20%. xiii. Com este entendimento, o Tribunal a quo errou na determinação da norma aplicável e/ou fez errada interpretação do regime jurídico que aplicou, tendo com isso violado os arts. 433º e 434º do C. C., e assim incorreu num novo erro no julgamento da matéria de direito. xiv. Estas seriam as normas legais aplicáveis, que interpretadas de modo correcto conduzem a alterar a condenação sentenciada para uma outra que abata os montantes correspondentes às rendas e à indemnização (acréscimo de 20%) correspondentes ao período compreendido entre ../../2021 e ../../2021, inclusive. 2. Questões a apreciar O objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida. O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139, sendo o sublinhado nosso). Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, pelo que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida. Relativamente ao recurso da A. as questões que cumpre apreciar são: - a factualidade constante dos pontos 10 e 20 dos factos provados foi incorrectamente julgada e, assim, o ponto 10 deve ser alterado nos termos propugnados pela recorrente e o ponto 20 deve ser eliminado? - deve ser aditado à factualidade provada que No momento da assinatura do contrato de arrendamento ainda se afigurava longínquo o fim da pandemia? - a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar válida a declaração da Ré de resolução do contrato à luz do disposto na alínea a) do art.º 1050º do CC? Relativamente ao recurso subordinado da Ré as questões que cumpre apreciar são: - a factualidade provada constante dos pontos 9 e 19 dos factos provados foi incorrectamente julgada e, assim, ambos devem ser alterados nos termos propugnados pela recorrente? - a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar inaplicável o disposto nos art.ºs 437º e 1040º, n.º 2, ambos do CC; - a A. ao opor-se a qualquer modificação equitativa do contrato, exerceu de modo desequilibrado essa sua posição jurídica, ao impor um sacrífico desproporcionado à sua contraparte, violando o disposto no art.º 334º do CC; - ao ter julgado lícita a resolução operada com fundamento na alínea a) do art. 1050º do C.C., ainda que apenas por referência à ocorrida privação do gozo do locado entre ../../2021 e ../../2021, a sentença recorrida não podia ter condenado a Ré a pagar à Autora as rendas devidas nesse período, acrescidas da indemnização de 20% por a isso se opor o disposto nos art.ºs 433º e 434º do CC, pelo que aquela deve ser alterada de modo a serem abatidos os montantes correspondentes às rendas e à indemnização (acréscimo de 20%) correspondentes ao referido período? 3. Fundamentação de facto 3.1. A sentença recorrida considerou: A - Dos factos provados 1) A autora (anteriormente EMP01..., S.A.) é uma sociedade de investimento colectivo de capitais obtidos junto de investidores, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de repartição de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos participantes, predominantemente numa carteira de valores imobiliários, nos termos definidos no regulamento de gestão. 2) A Autora é gerida pela EMP03..., SA, pessoa colectiva com NIPC ...67, que tem por objecto social a administração, em representação dos participantes, de um ou mais fundos de investimento imobiliário, na prestação de serviços de consultoria para investimento imobiliário, incluindo a realização de estudos e análises relativos ao mercado imobiliário e na prestação de modo profissional de serviços de gestão individual de patrimónios imobiliários, numa base discricionária e individualizada e no âmbito de mandatos conferidos pelos investidores. 3) A Autora é proprietária da fracção ..., destinada a comércio, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado no conjunto comercial do tipo ..., denominado “...”, Lote ..., sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...95 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...58 da União de Freguesias .... 4) Por acordo escrito, cujo teor aqui se dá por reproduzido, assinado em 25 de Setembro de 2020 a Autora deu de arrendamento à Ré a fracção autónoma supra identificada. 5) O referido acordo foi “… celebrado pelo prazo de 6 (seis) anos, com início a 11 (onze) de Outubro de 2020 e termo a 10 de Outubro de 2026”, conforme n.º 1 da Cláusula 3ª inserta no referido documento. 6) Foi previsto no nº 1 da Cláusula 5ª do referido contrato o pagamento de uma renda anual de €26.598,00, em duodécimos mensais de €2.216,50, acrescidos do IVA à taxa legal em vigor. 7) O valor da renda seria anualmente actualizado, nos termos previstos nos n.os 3 a 5 da referida Cláusula 5ª, ou seja, “tendo por base os coeficientes de actualização de rendas fixados anualmente por lei para os arrendamentos urbanos para fins não habitacionais” e também de acordo com a variação das despesas de funcionamento do ... em caso de aumento. 8) Foi estabelecido que a renda venceria no 5º (quinto) dia do mês a que respeita, devendo ser paga por transferência bancária para a conta com o IBAN ...59. 9) A Ré teve acesso ao locado a partir da data da assinatura do contrato referido em 4. supra, ou seja, em Setembro de 2020, para poder fazer as obras de adaptação necessárias à abertura da loja, sem que procedesse ao pagamento de qualquer renda e/ou compensação, conforme acordado no nº 4 da Cláusula 3ª. 10) A Ré não procedeu ao pagamento da 1.ª renda nem das sucessivas. 11) O teor da comunicação electrónica de 13-1-2021, que aqui se dá por reproduzido. 12) O teor das missivas da autora à ré, de 14 de Setembro, 21 de Outubro e 9 de Dezembro de 2021, que aqui se dá por reproduzido. 13) O teor da missiva dirigida pela ré à autora, de 17-11-2021, a qual foi recebida pela autora em data não concretamente apurada, mas seguramente até ao fim de Novembro de 2021. 14) A loja arrendada esteve encerrada, de ../../.... até ../../2021, por força das sucessivas proibições legais aprovadas no contexto da pandemia causada pela covid-19. 15) Posteriormente a esta data, a ré tentou entrar em contacto com a autora com vista a reunir e negociar a sua situação, sendo que essas reuniões não se efectuaram. 16) O teor das comunicações electrónicas dirigidas pela ré à autora e pela autora à ré, juntas com a petição inicial, que aqui se dá por reproduzido. 17) A Ré entregou a loja a posteriormente ao vertido em 13. 18) A 15-1-2022, a autora celebrou com uma sociedade comercial um contrato de arrendamento relativo à loja supra mencionada. 19) A ré estava convencida que, no momento da celebração do contrato de arrendamento supra mencionado, não iria ocorrer mais nenhum confinamento e que a loja se manteria aberta ao público. 20) Após a reabertura, ocorreu retracção na economia em razão também provocada pelas medidas de saúde pública adoptadas, aliada aos entraves na livre circulação entre Portugal e ... (país do qual provem uma parte muito significativa dos potenciais clientes localizados no conjunto comercial onde se integrava o locado) e ainda à obrigatoriedade de adopção do regime de teletrabalho, bem como do uso de máscaras faciais e outras regras de higiene. 21) Enquanto a loja esteve aberta, a ré teve prejuízo, em 2020, de cerca de 2 mil euros, e de cerca de 6/7 mil euros, em 2021, incluindo-se nesses valores contabilísticos o valor das rendas. Dos factos não provados Não resultaram factos não provados. A restante matéria alegada pelas partes nos articulados é meramente conclusiva, impugnação, repetida, jurídica e/ou desprovida de interesse para a decisão da causa. 3.2. Patologias da decisão de facto – Enquadramento jurídico A decisão de facto pode apresentar as seguintes patologias: i) - conter asserções conclusivas, genéricas ou matéria de direito; ii) - revelar-se excessiva; iii) - ser deficiente, obscura ou contraditória; iv) - carecer de ampliação; v) - não estar devidamente fundamentada; vi) - haver erro de apreciação da prova, isto é, pode o tribunal a quo ter dado como provados factos que face à prova produzida deviam ter sido considerados não provados ou vice-versa. As patologias referidas nos pontos i) a v) são de conhecimento oficioso, na medida em que constituem aplicação do direito processual; a patologia referida no ponto vi) carece de ser invocada, mediante impugnação da decisão de facto, referida no art.º 640º do CPC. 3.2.1. Decisão de facto deficiente Nos termos do n.º 1 do art.º 662º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. E o n.º 2 do mesmo normativo dispõe que a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; (…)” Quanto à deficiência da decisão de facto, impõe-se distingui-la da ampliação. Actualmente poderá afirmar-se que haverá deficiência quando o tribunal não se pronuncie sobre algum facto integrante dos temas da prova; será caso de ampliação da matéria de facto, quando tiver sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 357). Quer a deficiência, quer a ampliação convoca o tema da seleção dos factos a enunciar, podendo afirmar-se que a mesma tem por objecto os factos relevantes para a boa decisão da causa. E são relevantes (cfr. Manuel Tomé Soares Gomes, in Da Sentença Cível, CEJ, 2014, in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202, pág. 14, que seguiremos de perto): - os factos essenciais à procedência das pretensões deduzidas, ou seja, aqueles que têm a virtualidade de preencher a previsão normativa (facti species) favorável a tais pretensões, na perspetiva do efeito pretendido, segundo as regras de repartição do ónus da prova; - os factos essenciais suscetíveis de integrar os fundamentos de exceção perentória deduzida ou que deva ser objeto de conhecimento oficioso. De entre os factos essenciais, há que destacar os que respeitam a factualismos complexos tendentes a preencher conceitos de direito indeterminados ou cláusulas gerais (culpa, necessidade do locado para habitação, justa causa, abuso de direito, boa fé, alteração normal das circunstâncias, posse, sinais visíveis e permanentes para efeitos de servidão de passagem, etc.). Nesse tipo de factualidade, o facto essencial não é consubstanciado num núcleo definido e cerrado, mas irradia-se numa multiplicidade de circunstâncias moleculares que, na sua aglutinação, preenchem o conceito indeterminado ou a cláusula genérica da facti species normativa. É sobretudo no âmbito deste tipo de factos complexos que podem ocorrer concretizações ou complementaridades dimanadas da produção da prova em audiência, suscetíveis de levar ao ajustamento do contexto narrativo dos articulados ao contexto histórico do litígio. Tais concretizações ou complementaridades fácticas podem ser introduzidas no objeto da prova, ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do CPC (…)” Mais adiante, pág. 15, acrescenta que: “A aferição da relevância dos factos para a resolução do caso deverá ser feita em função de três vectores confluentes: (i) Em primeiro lugar, o referencial normativo traçado na facti species legal, simples, complexa ou concorrente, em que se inscreve a pretensão deduzida ou a exceção perentória em causa, atentas as regras, gerais ou especiais, de distribuição do ónus da prova, numa perspetiva aberta do quadro de soluções de direito plausíveis que o tribunal possa vir, a final, a considerar, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 5.º do CPC; (ii) Em segundo plano, o contexto factológico narrativo alegado pelas partes (…) (iii) Por fim, o contexto histórico ou real do litígio, que, em regra, emerge da produção da prova. Os três vectores referidos – o referencial normativo, o contexto factológico narrativo e o contexto factual histórico – representam um esquema de base, triangular, fundamental para delinear tanto o objeto da prova a submeter a instrução na audiência final como para administrar as provas, no sentido de apurar tudo o que se revele necessário e útil para a decisão da causa. Com efeito, o referencial normativo indica o quadro das soluções de direito plausíveis, incluindo a repartição do ónus da prova, para que melhor se possa divisar o alcance jurídico de cada facto submetido a prova e o coeficiente de esforço probatório exigido a cada uma das partes. Por sua vez, o contexto factológico narrativo permite situar dada espécie factual no universo de cada uma das versões apresentadas pelos litigantes, de modo a ter presente o sentido que ali lhe é dado e a sua coerência como os restantes segmentos fácticos em causa. Tal perspetiva integrada evitará sobreposições, aporias ou mesmo contradições entre os juízos probatórios e proporcionará maior economia na própria atividade instrutória. Por fim, o contexto histórico do litígio, que, em regra, emerge da produção da prova, permite pôr em linha o contexto narrativo das partes com a sua matriz factológica, no sentido de um maior apego à dimensão real dos factos, possibilitando, consequentemente, uma concretização ou complementação dos juízos probatórios, quando tal se afigura útil para a subsequente análise jurídica.” E no mesmo sentido Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, 3ª Edição, Almedina, pág. 704, anotação ao art.º 607º referem: “A aplicação do direito pressupõe o apuramento de todos os factos da causa que, tidos em conta os pedidos e as excepções deduzidas, sejam relevantes para o preenchimento das previsões normativas, sejam elas processuais, sejam de normas de direito material”. Como já ficou referido, a alínea c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC confere à Relação poderes de cassação (“anular a decisão proferida na 1ª instância… “). Mas tem sido entendido que o citado poder de anulação “deve ser sempre uma medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada, tendo em conta, além do mais, os efeitos negativos que isso determina nos vetores da celeridade e da eficácia” (cfr. Abrantes Geraldes, ob cit. pág. 354). Ou seja, entende-se que o poder rescisório ou cassatório é subsidiário do poder de reexame da prova, pois só haverá lugar à anulação se não constarem do processo todos os elementos - factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente - que permitam a alteração (refere o preceito “quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto“). A consequência desta posição é, no limite e uma vez constatada a existência de uma deficiência (ou obscuridade ou contradição) da matéria de facto, a imposição à Relação, como tribunal de instância, do dever de analisar toda a prova produzida, incluindo a prova gravada, a fim de aferir se a mesma permite colmatar aquela patologia. E isto é assim independentemente de as partes requererem o suprimento dessa deficiência, sendo certo que caso a requeiram, não estão sujeitas aos ónus referidos no art.º 640º do CPC, os quais só são aplicáveis à impugnação da decisão de facto, ou seja, quando a parte entender que o tribunal julgou incorretamente determinados factos (por os ter considerado provados, quando devia ter considerado não provados ou vice-versa). 3.2.2. Em concreto 3.2.2.1. Consta do ponto 10 dos factos provados: 10) A Ré não procedeu ao pagamento da 1.ª renda nem das sucessivas. A A. invoca que este ponto foi incorrectamente julgado, pretendendo a alteração do seu teor nos seguintes termos: “10 - A Ré não procedeu ao pagamento da 1.ª renda, vencida em 11 de Janeiro de 2021, nem das sucessivas.”. Em essência o que a A. pretende é que se adite que a 1ª renda se venceu a 11 de Janeiro de 2021. Sendo assim e tendo em consideração o enquadramento jurídico supra exposto, é patente que o invocado e a pretensão da recorrente não quadra à impugnação da decisão de facto, mas à deficiência da mesma, ou seja, o facto provado não contemplou toda a realidade. Analisando o despacho saneador verifica-se que o primeiro tema da prova era, precisamente, saber se “a primeira renda que deveria ter sido paga pela R. correspondia ao mês de Janeiro de 2021.” A decisão recorrida não considerou na factualidade provada qualquer factualidade relativa ao referido tema da prova. A recorrida opõe, nas suas contra-alegações, citando o Ac. da RL de 26/09/2019, processo 144/15.4T8MTJ.L1-2, consultável in www.dgsi.pt/jtrl (e que segue o Ac. desta RG de 15/12/2016, processo 86/14.0T8AMR.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg), que: “…não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil…”, afirmando de seguida que o tribunal a quo não se fundou no instituto da alteração das circunstâncias. Sucede que não estamos perante uma impugnação da decisão de facto, mas perante uma eventual deficiência da decisão de facto, a qual é, inclusive, de conhecimento oficioso. Aqui a única questão que se coloca é a de saber se o que se pretende ver aditado é facto e é relevante. Pretendendo a A., com o seu recurso, a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por acórdão que condene a Ré no pedido principal e consistindo este na condenação da Ré no cumprimento integral do contrato, que consiste no pagamento das rendas relativas aos meses decorridos entre Janeiro de 2021 e Outubro de 2026, à luz das várias soluções plausíveis de direito releva saber se “a primeira renda que deveria ter sido paga pela R. correspondia ao mês de Janeiro de 2021.” Improcede, portanto, a objecção da recorrida. Quanto à pretensão da recorrente, a primeira observação que se impõe é que a mesma pretende que se inclua no ponto 10) dos factos provados um segmento que se traduz numa afirmação de direito “…1.ª renda, vencida em 11 de Janeiro de 2021…”. Não cabe aqui dissertar sobre o que é matéria de direito e o que é matéria de facto. Apenas se impõe notar que, muito embora só casuisticamente se possa afirmar o que é facto e o que é Direito, em traços gerais podemos assentar que é matéria de facto tudo o que respeita às ocorrências da vida real, todos os acontecimentos concretos da vida, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis, sejam eles realidades do mundo exterior, como realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo; é matéria de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei e dos negócios jurídicos. Não é apenas a lei que define os direitos e deveres das partes; os negócios jurídicos, o concretamente acordado entre as partes, “dentro dos limites da lei”, são a primeira fonte desses direitos e deveres (cfr. art.ºs 398º n.º 1 do CC e 405º n.º1, ambos do CC). Os negócios jurídicos visam a produção na esfera jurídica das partes (ou de terceiros, nos casos em que a lei o admita, máxime contrato a favor de terceiro) de determinados efeitos jurídicos. Esses efeitos jurídicos traduzem-se em direitos e deveres. Assim, constitui matéria de facto a celebração do negócio jurídico e o seu concreto conteúdo, ou seja, o que foi efectivamente acordado entre as partes; constitui matéria de direito apurar, através da interpretação e integração desse negócio – tarefa subordinada às regras jurídicas que constam dos art.ºs 236º a 239º do CC – quais os efeitos jurídicos dele decorrentes, ou seja, os direitos e deveres que dele emergem para as partes (ou para terceiros, nos casos em que a lei o admita). Destarte, saber se primeira renda se venceu a 11 de janeiro de 2021, é questão a que só será possível responder mediante a interpretação do clausulado contratual. Assim o único elemento a atender é o contrato celebrado entre as partes, junto com a petição inicial, sendo irrelevante qualquer outra prova. Tal contrato foi dado como reproduzido no ponto 4) dos factos provados. Salvo o devido respeito, em obediência ao disposto no n.º 4 do art.º 607º do CPC e a fim de não haver quaisquer dúvidas, as cláusulas relevantes para a boa decisão da causa devem ser transcritas na matéria de facto. Neste sentido refere Manuel Tomé Soares Gomes in Da Sentença Cível, CEJ, 2014, in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202, pág. 24: Por outro lado, há que usar de muita cautela na remissão para o teor de documentos juntos ao processo, devendo-se, em princípio, transcrever os conteúdos do teor do documento que reproduzam factos considerados provados. Nessa linha, o juízo probatório deve refletir, de modo inequívoco, as declarações negociais ou de ciência constante de documento que se considerem ou não assumidas pelos seus autores, sem deixar margem para especular sobre essa assunção…” Assim, consta na cláusula 5ª, n.º 6 do contrato: “A primeira renda será devida a partir do dia 11 (onze) de janeiro de 2021." Em face do exposto impõe-se: - alterar a redacção do ponto 10) dos factos provados que, em conformidade com a confissão plasmada nos art.ºs 65º e 91º da contestação, passa a ser: 10) A Ré não procedeu ao pagamento de qualquer renda. - aditar aos factos provados um ponto 6 A) com o seguinte teor: 6 A) O n.º 6 da cláusula 5ª do acordo escrito referido em 4) tem o seguinte teor: “A primeira renda será devida a partir do dia 11 (onze) de janeiro de 2021." 3.2.2.2. A A. pretende (conclusão C) o aditamento à factualidade provada do seguinte: No momento da assinatura do contrato de arrendamento ainda se afigurava longínquo o fim da pandemia. Alega para tanto que na petição inicial alegou que, no momento da assinatura do contrato de arrendamento objecto dos autos, já Portugal tinha sido assolado pelo COVID-19, realidade cuja vivência e consequências, designadamente económicas, as partes já conheciam, o que vem referido nos seguintes artigos daquela: “31. Em Setembro de 2020, quando foi assinado o contrato de arrendamento que é objecto dos presentes autos (Cfr. Doc. 4), já Portugal tinha sido assolado pelo COVID-19. 32. Aquando da assinatura do contrato, já se conheciam os efeitos que o COVID-19 é capaz de desencadear a todos os níveis, designadamente económico, bem como a realidade de um país confinado, com o comércio e os serviços limitados e a economia paralisada. 33. A alteração da realidade do país e as repercussões no comércio e na economia em geral já se verificavam, pois, largos meses antes da celebração do contrato. 34. As Partes bem conheciam a realidade dos factos, e foi nesse contexto que assinaram o contrato de arrendamento “livre e esclarecidamente” (Cfr. Doc. 4).”, Porém, esta factualidade – que se reporta ao tempo anterior e contemporâneo da assinatura do contrato - não tem qualquer relação com a matéria que a recorrente pretende ver aditada – que é um puro e simples juízo retrospectivo efectuado pelo Sr. Juiz a quo na página 16 da sentença, aquando da apreciação da aplicabilidade do disposto no n.º 1 do art.º 437º, tendo por base o que sucedeu a seguir a Setembro de 2020 e que se insere num parágrafo que tem o seguinte teor (negrito nosso): É certo que se apurou que a ré estava convencida que, no momento da celebração do contrato de arrendamento supra mencionado, não iria ocorrer mais nenhum confinamento e que a loja se manteria aberta ao público. Todavia, como supra se fez questão de referir, este estado de espírito não releva nesta sede. Por outro lado, a Organização Mundial de Saúde continuava, nessa data, a declarar, a nível mundial, o estado de emergência de saúde para a covid-19. Aliás, como foi público e notório, no mês de Setembro de 2020 ainda se afigurava longínquo o fim da pandemia. Por isso, o contrato dos autos foi elaborado num contexto muito particular, afigurando-se inadmissível concluir que o segundo confinamento foi imprevisível e não expectável do ponto de vista objectivo. Uma vez que estamos perante um juízo e não perante um facto e uma vez que, como decorre do disposto no art.º 607º n.º 4 do CPC, na fundamentação de facto apenas devem constar factos, indefere-se o requerido aditamento. 3.3. Impugnação da decisão de facto 3.3.1. Requisitos Dispõe o art.º 640º do CPC, cuja epígrafe é “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)” Esta norma teve origem no art.º ...90... A do CPC, aditado ao CPC então vigente pelo Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de fevereiro, diploma que introduziu no nosso ordenamento jurídico a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida e em cujo Preâmbulo se afirma: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido. A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação. Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (…) - e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1.ª instância - possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta. Daí que se estabeleça, no artigo 690.º - A, que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, impunham diversa decisão sobre a matéria de facto.” Passados que estão quase 30 anos sobre estas palavras, as mesmas continuam actuais. E pronunciando-se quanto ao resultado alcançado, refere Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 194 que: “…foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” As exigências legais visam uma clara e inequívoca delimitação do objecto do recurso em matéria de facto e conferir efectividade ao princípio do contraditório, pois só na medida em que se sabe o que é que é objecto de impugnação, quais os meios de prova convocados e as razões porque se entende que tais meios de prova permitem uma alteração da decisão de facto, é que será possível à parte contrária exercer o contraditório. O mesmo autor, in ob. cit. pág. 197-199, procede a uma análise das exigências legais da impugnação da decisão de facto, nomeadamente quanto ao “lugar” (alegações ou conclusões) em que as mesmas devem ser observadas e que são: a) o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do n.º 1 do art.º 640º), com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões, dizendo em nota (335) que são as últimas que delimitam o objecto do recurso, conforme dispõe o art.º 635º, de modo que a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas mesmas; b) deve ainda especificar, na motivação, os concretos meios de prova (alínea b) do n.º 1 do art.º 640º), constantes do processo (documentos ou confissões reduzidas a escrito) ou de registo (depoimentos que não foi possível gravar, mas que foram reduzidos a escrito, como sucede com cartas rogatórias) ou gravação nele realizada (depoimentos orais prestados em audiência que ficaram gravados em áudio ou vídeo), que no seu entender determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos objecto de impugnação; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação tenha por base, no todo ou em parte, a prova gravada, cumpre ainda ao recorrente indicar (alínea a) do n.º 2 do art.º 640º) com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere pertinentes; d) o recorrente deixará, expresso, na motivação, a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do n.º 1 do art.º 640º), tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos. 3.3.2. Da modificabilidade da decisão de facto O art.º 662º do CPC, com a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, dispõe (sublinhado nosso): “1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” (…)” Está em causa saber como deve a Relação mover-se no domínio da modificabilidade da decisão de facto em consequência da impugnação de tal decisão. A apreciação, pela Relação, da decisão de facto impugnada não visa um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão (cfr. o Ac. do STJ de 01/07/2021, processo 4899/16.0T8PRT.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj). O sentido deste normativo é o de impor à Relação o dever de modificar a decisão de facto, sempre que, havendo impugnação da matéria de facto e no respeito do princípio do dispositivo quanto ao objecto do recurso, os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, entendendo-se que: i) incumbe ao Tribunal da Relação formar o seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir [cfr. nº 2, als. a) e b) do citado art.º 662º], à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC (cfr. o Ac. do STJ de 01/07/2021, processo 4899/16.0T8PRT.P1.S1 e em sentido semelhante os Ac.s do STJ de 14/09/2021, proc. 60/19.0T8ETZ.E1.S1, e de 13/04/2021, proc. 2395/11.1TBFAF.G2.S1 todos consultáveis in www.dgsi.pt/jstj) assumindo-se o mesmo como tribunal de instância (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo civil, 7ª edição, pág. 333 e 334); ii) no processo de formação de uma convicção autónoma, a Relação não está adstrita “aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido” (o Ac. do STJ, de 20.12.2017, proc. 3018/14.2TBVFX.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj), tendo plena aplicação o disposto no art.º 413º do CPC. De referir, ainda, que, na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, caso a Relação proceda à alteração da mesma e se verifique ser necessário, em função da reapreciação conjunta e global dos factos, alterar algum facto não impugnado, pode a Relação fazê-lo a bem da coerência daquela decisão (cfr. Ac. do STJ de 29/04/2021, proc. 684/17.0T8ABT.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj). Importa, ainda, neste âmbito, ponderar o princípio da livre apreciação da prova e que também se aplica à Relação na reapreciação da prova. O n.º 4 do art.º 607º do CPC dispõe que “ Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.” A análise crítica das provas a que se refere o n.º 4 citado, significa, em primeiro, uma análise conjugada de toda a prova produzida e, em segundo, uma análise segundo os critérios de valoração racional e lógica do julgador e da experiência, dispondo, a este respeito, o n.º 5 do art.º 607º que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, o que tem em vista a prova por declarações de parte, salvo na parte em que constituam confissão, a prova documental escrita a que falte algum dos requisitos exigidos na lei, a prova pericial, a prova por inspecção e a prova testemunhal, provas relativamente às quais a lei dispõe, expressamente (cfr. artºs 466º n.º 3 do CPC e art.ºs. 366º, 389º, 391º e 396º do CC, respectivamente), que estão sujeitas à livre apreciação do tribunal. O n.º 4, ao determinar que o juiz especifique os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, impõe que o juiz explique como se convenceu com as provas que se produziram, que motive a decisão de facto. Assim, a motivação consiste em exarar o raciocínio do tribunal para uma dada decisão de facto e deve conter, para além da indicação dos concretos elementos probatórios que lograram aceitação por parte do tribunal, as razões ou motivos dessa aceitação. São estes dois factores - o convencimento e a dificuldade de apurar a verdade - que se misturam e impõem que o juiz explique como se convenceu com as provas que à sua frente se produziram. Refere Manuel Tomé Soares Gomes, Da Sentença Cível, CEJ, 2014, https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202, pág. 29: “A motivação do julgamento de facto tem como matriz um discurso argumentativo problemático, parcelado na órbita de cada juízo probatório, sem prejuízo da sua compatibilização no universo da trama factual, e rege-se por razões práticas firmadas na análise dos resultados probatórios, à luz das regras da experiência comum ou qualificada e dos padrões de valoração (prova bastante e prova de verosimilhança) estabelecidos na lei.” Por outro lado, e no que tange à formulação dos juízos probatórios, importa não esquecer que a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente)… a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta,… A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Actualizada, p. 435 a 436). Ou seja: a prova judicial não tem que criar no espírito do juiz uma certeza absoluta acerca dos factos a provar; a prova judicial nunca é a realidade naturalística das coisas; o que a prova judicial deve determinar é um grau de probabilidade (do facto) tão elevado que baste para as necessidades da vida. Como refere Manuel Tomé Soares Gomes, in ob. cit. pág. 25, “… a valoração da prova, por parte do tribunal, consubstancia[-se] na formação de juízos de razoabilidade sobre os factos controvertidos relevantes para a resolução do litígio, em função do material probatório obtido através da atividade instrutória, à luz das regras da experiência e da coerência lógica dum raciocínio pragmático sobre as ocorrências da vida. “ E mais adiante, pág. 26: “prova judicial tem como objetivo lograr uma compreensão suficientemente provável da realidade em causa, nos limites de tempo e condições humanamente possíveis, que satisfaça a resolução justa e legítima do caso.“ Importa atentar que o disposto no art.º 607º também é aplicável à Relação nos termos do disposto no art.º 663º n.º 2 do CPC, com as devidas adaptações, porquanto, muito embora na eventual reapreciação da decisão da matéria de facto caiba à Relação formar a sua própria convicção quanto à prova produzida, tal reapreciação não visa um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão relativamente aos concretos pontos de facto impugnados. E bem assim refere-se no Ac. desta RG de 04/04/2019, processo 1012/15.5T8VRL-AV.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg (sublinhado nosso): “a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.“ E no Ac. desta RG de 11/05/2023, proc. 2499/20.0T8GMR.G1, consultável no mesmo sítio do anterior em cujo sumário consta: I - A apreciação pelo Tribunal da Relação da decisão de facto impugnada não visa um novo julgamento da causa, mas sim uma reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal de 1ª Instância com vista a corrigir eventuais erros de julgamento. É, aliás, a interpretação que se impõe do n.º 1 do art.º 662º quando dispõe que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (neste sentido o Ac. desta RG de 04/02/2021, proc. 184/19.4T8AMR.G2, consultável in www.dgsi.pt/jtrg). Por outro lado, uma vez que é perante si que toda a prova é produzida, o juiz da 1ª instância encontra-se numa posição privilegiada para proceder à sua valoração, já que, através da imediação, tem acesso ao comportamento das partes e das testemunhas, o que lhe permite aferir, de forma cabal, da respectiva espontaneidade e credibilidade. Tal não sucede com a Relação, que apenas dispõe do registo de som e não também de imagem. Mas essa é uma consequência das opções assumidas pelo legislador, ou seja, a Relação reaprecia a decisão da matéria de facto com base nos elementos que lhe estão acessíveis. Não tendo a Relação aquele elemento – imediação – e não havendo elementos probatórios que lhe permitam formar um juízo seguro de que existe erro de valoração da prova, deverá ser dada prevalência à decisão da 1ª Instância. Assim refere Ana Luísa Geraldes, in «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609 (sublinhado nosso): «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte». 3.3.3. Em concreto 3.3.3.1. Quanto ao cumprimento dos ónus de impugnação Quer a A., no recurso principal, quer a Ré, no recurso subordinado, cumpriram de modo suficiente os ónus do art.º 640º do CPC. 3.3.3.2. Da impugnação da A. no recurso principal Consta do ponto 20) dos factos provados: 20) Após a reabertura, ocorreu retracção na economia em razão também provocada pelas medidas de saúde pública adoptadas, aliada aos entraves na livre circulação entre Portugal e Espanha (país do qual provem uma parte muito significativa dos potenciais clientes localizados no conjunto comercial onde se integrava o locado) e ainda à obrigatoriedade de adopção do regime de teletrabalho, bem como do uso de máscaras faciais e outras regras de higiene. O tribunal considerou este facto como público e notório e, por isso, não carecido de prova. A A. pretende se considere este facto como não provado invocando que, se é certo que a Covid-19 acarretou uma retracção da economia, já não é verdade que tal retracção se tenha verificado após a reabertura dos estabelecimentos comerciais: essa retracção foi consequência da pandemia, verificou-se desde 2019, verificava-se no momento da assinatura do contrato e continuava a verificar-se após a reabertura dos estabelecimentos comerciais. A Ré invoca a inocuidade do facto em referência. Vejamos A Ré alegou nos art.ºs 89º a 92º da contestação o seguinte: 89. Mais sucedeu que, a partir de 01/05/2021, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 29 de Abril, passou a vigorar a situação de calamidade, após o que, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 114-A/2021, de 20 de Agosto, foi declarada a situação de contingência, e só com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 135-A/2021, de 29 de Setembro, o País regressou ao estado de alerta. 90. Por esta razão, mesmo depois de ser autorizada a reabertura do estabelecimento, devido à inexistência de pessoas a circular no ... e à retração na economia provocada pelas medidas de saúde pública adoptadas, aliada aos entraves na livre circulação entre Portugal e Espanha (país do qual provem uma parte muito significativa dos potenciais clientes localizados no conjunto comercial onde se integrava o locado) e ainda à obrigatoriedade de adopção do regime de teletrabalho, bem como do uso de máscaras faciais e outras regras de higiene que criaram inúmeras restrições na experiência de compra numa loja física, as vendas nele realizadas nunca chegaram sequer para cobrir os custos mínimos da sua actividade. 91. Na realidade, houve sempre um défice mensal, sendo que, mesmo sem contar com as rendas que seriam devidas (posto que nunca foram pagas), a despesa suportada pela Ré até à data em que foi forçada a encerrar a loja instalada no locado (../../2021) ascendeu a 8.776,46 €, incluindo o custo das obras de adaptação realizadas na fracção, 92. E durante todo o período de vigência do contrato de arrendamento, a despesa total suportada pela Ré (sempre sem contar com as rendas) foi de 95.162,11 €, para uma facturação global de 69.652,19 € (sem IVA)! Em função disso foram elaborados os temas da prova 5 e 6 com o seguinte teor: 5. Circunstâncias de facto ocorridas entre o final de 2020 e durante o ano de 2021 que se mostraram desconformes às circunstâncias e expectativas da R. ao celebrar o contrato de arrendamento. 6. Consequências das circunstâncias de facto aludidas em 5 para a actividade económica da R. Neste contexto, a factualidade alegada pela Ré no art.º 90º não pode ser considerada inócua. No entanto, impõe-se perguntar se tem utilidade apreciar a impugnação. É que estava essencialmente em causa saber se as circunstâncias referidas no art.º 90º da contestação tiveram as consequências enunciadas no final do mesmo artigo e nos art.ºs 91º e 92º. Dito de outra forma: a única utilidade da alegação das circunstâncias referidas no art.º 90º da contestação era a invocação de que foi devido às mesmas que o estabelecimento da Ré na loja arrendada teve prejuízos. Sucede que mesmo em relação às circunstâncias referidas no ponto 20 dos factos provados, o tribunal a quo não estabeleceu um nexo de causalidade entre as mesmas e a factualidade provada no ponto 21): enquanto a loja esteve aberta, a ré teve prejuízo, em 2020, de cerca de 2 mil euros, e de cerca de 6/7 mil euros, em 2021, incluindo-se nesses valores contabilísticos o valor das rendas. Assim sendo tal alteração resultaria inócua do ponto de vista das soluções plausíveis de direito. Dispõe o art.º 130º do CPC que não é licito realizar no processo actos inúteis. Tal normativo tem aplicação à reapreciação da matéria de facto: se a modificação dos pontos de facto impugnados não tiver a virtualidade de, segundo as diversas soluções plausíveis das várias questões de direito, conduzir, de per si ou conjugados com outros factos, à alteração do julgado, não faz sentido proceder à sua reapreciação. Neste sentido o Ac. do STJ de 17/05/2017, proferido no processo 4111/13.4TBBRG.G1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj onde se afirma: “Definido o processo jurisdicional, do ponto de vista estrutural, como uma sequência de actos jurídicos logicamente encadeados entre si, ordenados em fases sucessivas com vista à obtenção da providência judiciária requerida pelo autor (Castro Mendes, Manual de Processo Civil, 1963, pág. 7, e A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed.,1985, pág.11), cabe ao juiz, no âmbito da sua função de direcção e controlo do processo, obviar a que nele sejam produzidos ou produzir actos inúteis. O princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo. Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no artigo 611º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no artigo 608º n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir. Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questões que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis. Para se aferir da utilidade da apreciação da impugnação da decisão fáctica importa considerar se os pontos de facto questionados se não apresentam de todo irrelevantes, se a eventual demonstração dos mesmos é susceptível de gerar um juízo diferente sobre a questão de direito, se é passível de influenciar e, porventura, alterar a decisão de mérito no quadro das soluções plausíveis da questão de direito.” Destarte, por inútil para a boa decisão da causa, não se conhece da impugnação da decisão de facto quanto ao ponto 20) dos factos provados. 3.3.3.2. Da impugnação da Ré no recurso subordinado A) A Ré pretende a alteração do ponto 9 dos factos provados invocando para tanto que o mesmo é transposição do art.º 9º da PI, que foi por si expressamente impugnado nos art.ºs 62º e 65º da contestação, além de contrariar o que consta do contrato de arrendamento. O referido ponto tem o seguinte teor: 9) A Ré teve acesso ao locado a partir da data da assinatura do contrato referido em 4. supra, ou seja, em Setembro de 2020, para poder fazer as obras de adaptação necessárias à abertura da loja, sem que procedesse ao pagamento de qualquer renda e/ou compensação, conforme acordado no nº 4 da Cláusula 3ª. O tribunal motivou a decisão quanto a este ponto integrado nos pontos 1 a 12 dizendo: “encontravam-se assentes e resultam dos documentos juntos.” O ponto 9 dos factos provados é idêntico ao art.º 9º da petição inicial. Mas o mesmo foi efectivamente impugnado pela Ré nos artigos 62º e 65º da contestação, pelo que não podia considerar-se o mesmo admitido por acordo (cfr. n.º 2 do art.º 574º do CPC). Além disso, o mesmo não resulta de nenhum documento junto. Do contrato apenas se extrai que a cláusula 3ª n.º 4 tem o seguinte teor: 4. A segunda contraente terá acesso ao locado a partir do dia 11 (onze) de outubro, para nele poder fazer as obras de adaptação necessárias à abertura da loja no mesmo, sem que seja devido o pagamento de qualquer renda e/ou compensação. De referir que a A., recorrida, não contra-alegou e, como tal, não indicou quaisquer meios de prova (cf. alínea b) do n.º 2 do art.º 640º do CPC) que permitissem dar como provado que a Ré teve acesso ao locado a partir da data da assinatura do contrato referido em 4. supra, ou seja, em Setembro de 2020 Como se deixou dito no ponto 3.2.2.1. constitui matéria de facto a celebração do negócio jurídico e o seu concreto conteúdo, ou seja, o que foi efectivamente acordado entre as partes O contrato celebrado entre as partes foi dado como reproduzido no ponto 4) dos factos provados. Mas, salvo o devido respeito, em obediência ao disposto no n.º 4 do art.º 607º do CPC e a fim de não haver quaisquer dúvidas, as cláusulas relevantes para a boa decisão da causa devem ser transcritas na matéria de facto. Em face do exposto altera-se a redacção do ponto 9) dos factos provados que passa a ser: 9) O n.º 4º da cláusula 3ª do acordo escrito referido em 4) tem o seguinte teor: 4. A segunda contraente terá acesso ao locado a partir do dia 11 (onze) de outubro, para nele poder fazer as obras de adaptação necessárias à abertura da loja no mesmo, sem que seja devido o pagamento de qualquer renda e/ou compensação. B) A Ré pretende a alteração do ponto 19) dos factos provados, nos seguintes termos: «No momento da celebração do contrato de arrendamento supra mencionado as partes outorgantes estavam convencidas que não iria ocorrer mais nenhum confinamento e que a loja assim arrendada se manteria aberta ao público.» O tribunal a quo considerou provado sob o ponto 19): 19) A ré estava convencida que, no momento da celebração do contrato de arrendamento supra mencionado, não iria ocorrer mais nenhum confinamento e que a loja se manteria aberta ao público. E motivou a decisão nos seguintes termos: Ponto 19: atentas as declarações de parte da ré. A nosso ver, conjugando com as regras da experiência, é de concluir por este estado subjectivo da ré. As notícias que foram juntas ao processo, a nosso ver, demonstram isso. Efectivamente, naquele período transmitiu-se a ideia de que o confinamento não podia repetir-se por causa dos efeitos extremamente negativos na economia e nas famílias. Por outro lado, este estado subjectivo é conforme com a vinculação a um contrato de arrendamento, em Setembro de 2020, numa região fronteiriça como é a dos autos. Vejamos Compulsada a contestação, a Ré alegou: 76. O que a A. se esquece de dizer (porque não lhe convém) é que, em Maio de 2020, muito antes do contrato em apreço ter sido assinado, todos referiam que a pandemia estava a evoluir de forma favorável e já estava então em curso a apelidada “terceira fase do plano de descongestionamento” aprovado em Conselho de Ministros (cfr. cronologia do .../..., de 01/06/2020que se junta como doc. n.º 12). 77. Além disso, logo em 15 de Julho de 2020, como ainda em Setembro, Outubro e até em Novembro, o Governo de Portugal, o próprio Primeiro Ministro e todos os partidos políticos nacionais, além do Vice-Presidente do BCE, e do Presidente da República Portuguesa, comunicaram ao País e alguns até garantiram que não haveria um novo confinamento (cfr. notícias que se agrupam como doc. n.º 13)! 78. Foi neste preciso contexto que o contrato de arrendamento em apreço foi celebrado, e foi também este o exacto espírito, além das expectativas fundadas, das partes suas outorgantes, (…) 80. Como é bom de ver, este cenário tornava totalmente improvável, tanto para a Ré, como para a A., que os estabelecimentos comerciais do Norte de Portugal (como é o caso do explorado na loja arrendada) viessem novamente a encerrar, como inesperadamente veio a suceder! A diferença essencial entre o que foi alegado e o que ficou provado (há uma diferença que reside no facto de a Ré ter alegado que a expectativa era de que os estabelecimentos comerciais não viessem a encerrar e o tribunal ter dado como provado que não iria ocorrer mais nenhum confinamento e que a loja se manteria aberta ao público, diferença que é linguística porque o sentido é o mesmo) reside no facto de a Ré ter alegado que à luz do cenário referido nos artigos 76º e 77º, ambas as partes e não apenas a Ré, consideravam totalmente improvável, (…) que os estabelecimentos comerciais do Norte de Portugal (como é o caso do explorado na loja arrendada) viessem novamente a encerrar, como inesperadamente veio a suceder! A Ré pretende se considere provado que – também – a A. estava convencida que, no momento da celebração do contrato de arrendamento supra mencionado, não iria ocorrer mais nenhum confinamento e que a loja se manteria aberta ao público. Note-se que não está em causa uma mera expectativa, ou seja, um estado subjectivo de quem considera provável a verificação de um facto, mas um convencimento, ou seja, um estado subjectivo de certeza. Atenta a natureza do estado subjectivo que se pretende considerar provado, deve exigir-se uma prova mais robusta do que a que seria exigível para prova de uma mera expectativa. Sucede que não foi produzida essa prova. Não é possível considerar como tal, de forma isolada, o facto de a ../../2020 o território nacional estar em estado de alerta ou de os responsáveis políticos afirmarem que não haveria um novo confinamento. Por outro lado, o legal representante da Ré, em declarações de parte, limitou-se a referir quais foram as suas expectativas, nada referindo quanto ao que seriam as “expectativas“ da A.. E das declarações de parte do legal representante da A. nada se extrai quanto à questão em referência, tanto mais quanto o mesmo declarou que nem sequer interveio pessoalmente nas negociações. Em face do exposto, julga-se improcedente a impugnação do ponto 19 dos factos provados. 4. Fundamentação de direito 4.1. Recurso principal da A. A A. recorre pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por Acórdão que condene a Ré no pedido principal. Previamente importa verificar que a A. pediu, a título principal, que a Ré fosse “condenada no cumprimento integral do contrato, que consiste no pagamento das rendas relativas aos meses decorridos entre Janeiro de 2021 e Outubro de 2026 acrescidas do respectivo IVA, tudo no valor de €188.632,06, e de uma indemnização nos termos previstos no nº 1 do art. 1041º do Código Civil, que à presente data ascende a €5.619,37, no valor global de €194.251,43, bem como do valor de indemnização correspondente às demais rendas que venham a ser pagas em mora” e, para o caso de assim não se entender, que a Ré fosse “condenada no pagamento das rendas vencidas desde Janeiro e Novembro de 2021, no valor de €23.665,18, acrescidas do valor do respectivo IVA, no valor de €5.443,03, bem como da indemnização, equivalente a €4.733,04, no valor global de €33.841,25.” A decisão recorrida considerou válida e eficaz no final do mês de Novembro de 2021 a declaração da Ré de resolução do contrato à luz do disposto na alínea a) do art.º 1050º do CC e condenou a Ré a pagar à A. a quantia de €23.665,18, acrescida de IVA e a quantia de € 4.733,04. Deste modo a sentença recorrida julgou procedente o pedido subsidiário deduzido pela A.. Porém, não se pronunciou expressamente quanto ao pedido principal. Cabe, no entanto, perguntar se o fez implicitamente. O art.º 660º do CPC de 1939 continha um parágrafo único que dizia - “Consideram-se resolvidas tanto as questões sobre que recair decisão expressa, como as que, dados os termos da causa, constituírem pressuposto ou consequência necessária do julgamento expressamente proferido”. A este respeito ensinava Alberto dos Reis in CPC Anotado, Vol. V, pág. 59, que “o parágrafo único contém uma regra da maior importância e ao mesmo tempo da maior delicadeza. Aceita o julgamento implícito, aplicando-o às questões que, dados os termos da causa, constituírem pressuposto ou consequência necessária do julgamento expresso. É a doutrina dos autores de maior categoria científica. Mas não pode deixar de reconhecer-se que o princípio é perigoso, pelo que a jurisprudência deve fazer dele uso prudente e moderado.” E acrescentava (ob. cit. pág. 65) que caso julgado implícito é aquele que “não é claramente enunciado, mas tem de ser reconhecido mediante um esforço de interpretação” e (ob. cit. pág. 66) que “o problema do julgamento implícito só surge quando nem a parte justificativa nem a parte dispositiva fornecem elementos suficientes para se afirmar que o juiz se pronunciou sobre determinada questão”. E concluía (ob. cit. pág. 67): “Não basta que a questão sobre a qual não recaia decisão expressa seja, em face dos princípios, pressuposto necessário ou consequência lógica do julgamento explicito; é indispensável que os próprios termos da causa estabeleçam esse nexo e autorizem essa ligação. “ A Reforma de 1961 suprimiu aquele parágrafo único. O Ac. do STJ de 12/09/2007, processo 07S923, consultável in www.dgsi.pt/jstj considerou que decisão implícita é aquela que está subentendida numa decisão expressa e tal só acontece quando a solução da questão sobre que recaiu a decisão expressa pressupõe a prévia resolução de uma outra questão que, todavia, não foi expressamente assumida. O Ac. do STJ de 14/05/2014, processo 120/13.1TTGRD-A.C1S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj considerou ser de admitir o chamado caso julgado implícito quando a afirmação que faz caso julgado impõe, como consequência necessária, outra a que o caso julgado se alarga. E o Ac. da RC de 08/11/2016, processo 170/14.0TBCTB-A.C1, considerou dever acolher-se a tese da admissibilidade do julgamento implícito em processo civil apenas nas situações em que o objecto do processo é composto por uma cumulação aparente de pedidos, correspondendo a decisão implícita a um pressuposto necessário do julgamento expresso. E em texto referiu-se: Contudo, a identificação do julgamento implícito exige a necessidade de um critério de conexão lógica entre decisões implícitas e as decisões expressas, não bastando, para o efeito, que em face dos termos da causa, as decisões (implícitas) constituam pressuposto necessário do julgamento expresso, porque um tal entendimento pode originar incerteza e violar o princípio da segurança jurídica e do contraditório. E o Ac. do STJ de 11/05/2022, processo 60/08.6TBADV.2.E1.S1 consultável in www.dgsi.pt/jstj considerou que no nosso ordenamento jurídico-processual, o caso julgado implícito só pode ser admitido em relação a questões suscitadas no processo e que devam considerar-se abrangidas, embora de forma não expressa, nos termos e limites precisos em que julga. Na doutrina Francisco Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, II, 3ª edição, pág. 762, considera que, se perante os termos da causa, a questão satisfez a exigência do art.º 608º, isto é, ser pressuposto ou consequência necessária do julgamento expresso, há julgamento implícito e não haverá omissão de pronúncia. Não há dúvidas que nos termos do n.º 2 do art.º 608º do CPC o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação… Naturalmente que a lei exige uma pronúncia expressa, pois só essa respeita o direito das partes de acesso á justiça e de impugnação da decisão e assegura a certeza e segurança jurídica. Mas a norma, ao determinar que “o juiz deve resolver todas as questões…” admite o julgamento implícito sobre dada questão, desde que, face aos termos da causa, a mesma constitua pressuposto ou consequência necessária do julgamento expressamente proferido. No primeiro caso, o julgamento implícito abrange os antecedentes lógicos do julgamento expresso; no segundo caso, o julgamento implícito abrange um efeito necessário do julgamento expresso. No que aos autos respeita, ao julgar válida à luz da alínea a) do art.º 1050º do CC e eficaz no final do mês de Novembro de 2021, a declaração da Ré de resolução do contrato de arrendamento e, em função disso, ao condenar a Ré a pagar as quantias referidas (correspondente, a primeira, às rendas vencidas entre Janeiro e Novembro de 2021 acrescidas de IVA e a segunda à indemnização nos termos do n.º 1 do art.º 1041º) o tribunal julgou procedente o pedido subsidiário deduzido pela A. e, em consequência, julgou, implicitamente, improcedente a parte do pedido principal que tinha por objecto a condenação da Ré no pagamento das rendas vencidas a partir de Dezembro de 2021 até Outubro de 2026 acrescidas do respectivo IVA e da indemnização prevista no nº 1 do art.º 1041º do Código Civil. Ao julgar válida e eficaz no final do mês de Novembro de 2021, a declaração da Ré de resolução do contrato de arrendamento, implicitamente considerou cessada a produção de efeitos do mesmo a partir da referida data e, assim, a inviabilidade de condenar na parte do pedido principal não coberta pela procedência do pedido subsidiário – rendas posteriores a Novembro de 2021 e indemnização. Ou dito de outra forma: no âmbito do recurso da A. apenas cabe verificar se, face ao invocado pela mesma a Ré deve ser condenada no pagamento das rendas vencidas a partir de Dezembro de 2021 até Outubro de 2026 acrescidas do respectivo IVA e da indemnização prevista no nº 1 do art.º 1041º do Código Civil. Isto tendo em consideração o disposto no n.º 4 do art.º 635º do CPC, o qual dispõe que os efeitos do julgado, na parte não recorrida (e reportamo-nos, apenas, ao recurso da A.), não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo. Consagra este normativo a proibição da reformatio in pejus, que, segundo Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 467, se traduz no seguinte: a decisão do recurso não poder ser mais desfavorável ao recorrente do que a decisão recorrida. Ou, como refere Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ª edição, pág. 139, a decisão recorrida não pode ser modificada ex officio em termos que se revelem mais desfavoráveis para o recorrente. É neste contexto que o recurso da A. deve ser compreendido. Passando agora à análise do mesmo, a A. intenta colocar em crise o julgamento quanto à validade e eficácia da declaração da Ré de resolução do contrato de arrendamento invocando o seguinte. No corpo das alegações refere, apenas e tão só, o Ac. da RP de 23/06/1998, de que apenas está publicado o sumário in www.dgsi.pt/jtrp, sob o proc. 9820620 e que tem o seguinte teor: I - O artigo 1050 alínea b) do Código Civil, ao permitir a resolução do contrato por vícios na coisa locada, apenas toma em conta o locatário e seus familiares, pelo que o aí estatuído se reporta apenas aos arrendamentos para a habitação e não para os arrendamentos para comércio ou indústria, para os quais regem os artigos 1032 e 1033 do Código Civil. O art.º 1050º do CC, cuja epígrafe é (Resolução do contrato pelo locatário), tem o seguinte teor: O locatário pode resolver o contrato, independentemente de responsabilidade do locador: a) Se, por motivo estranho à sua própria pessoa ou à dos seus familiares, for privado do gozo da coisa, ainda que só temporariamente; b) Se na coisa locada existir ou sobrevier defeito que ponha em perigo a vida ou a saúde do locatário ou dos seus familiares. O tribunal a quo não aplicou a alínea b), mas a alínea a) do art.º 1050.º, pelo que não tem aplicação a doutrina do Ac. da RP de 23/06/1998 citado pela recorrente queda sem fundamento o invocado no corpo das alegações. Nas conclusões refere: F. A douta Sentença proferida considerou válida a resolução do contrato de arrendamento operada pela Recorrida; G. Considerou que a impossibilidade de gozo do locado, prevista na alínea a) do art. 1050º do Código Civil, enquanto causa de resolução objectiva, legitima a cessação do contrato operada pela Recorrida; H. Tal entendimento não pode colher, desde logo pelo facto de o referido normativo não ser aplicável aos arrendamentos comerciais; O afirmado na conclusão H. não tem qualquer arrimo no corpo das alegações, ou seja, a recorrente não justifica, minimamente, porque é que a alínea a) do art.º 1050º não é aplicável aos arrendamentos “comerciais”, na antiga designação ou para fins não habitacionais, na actual designação legal (cfr. art.º 1067º do CC). Sempre se dirá que o invocado carece de fundamento, porquanto a norma em referência inclui-se entre as normas gerais da locação, que, como dispõe o art.º 1022º do CC, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição, coisa essa que pode ser imóvel – e nesse a locação diz-se arrendamento (cf. art.º 1023º do CC) – ou móvel – e nesse a locação diz-se aluguer (cf. art.º 1023º do CC). Aliás, tal normativo foi aplicado nos Ac’s citados pela recorrida – Ac. do STJ de 26/11/2019, proc. 5168/11.8TCLRS.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj e Ac. da RL de 18/06/2019, proc. 1619/16.3T8LSB.L1-7, consultável in www.dgsi.pt/jtrl - em que estavam em causa arrendamentos na antiga denominação “para comércio”. De referir que a recorrente nada invocou quanto a um eventual “erro de estatuição” – a norma aplicável era o art.º 1050º, alínea a) do CC, mas a mesma foi incorrectamente aplicada aos factos (cfr. a este respeito Rui Pinto in Manual do Recurso Civil, I, pág. 27). A recorrente invoca ainda que a sentença recorrida se fundou no disposto no art.º 437º do CC, dizendo que não se verificam os pressupostos de aplicação do respectivo regime. A realidade é, porém, outra, como a recorrente reconhece na pág. 11 das alegações: o tribunal não considerou aplicável o referido normativo. Aliás, esse é um dos fundamentos do recurso subordinado da Ré. Finalmente caso a resolução fosse julgada ineficaz, a pretensão da recorrente, isto é, a procedência da restante parte do pedido principal sempre deveria soçobrar, com excepção, eventualmente – em função do esclarecimento da data concreta em que a Ré entregou a loja -, das rendas vencidas em Dezembro de 2021 e Janeiro de janeiro de 2022 e sem prejuízo da apreciação do recurso subordinado. Isto tendo em consideração que: a) ficou provado que: 17) A Ré entregou a loja posteriormente ao vertido em 13. 18) A 15-1-2022, a autora celebrou com uma sociedade comercial um contrato de arrendamento relativo à loja supra mencionada. b) face à referida factualidade seria de considerar verificada uma situação de revogação real. Da mesma forma que é o acordo que preside ao nascimento dos contratos, também por acordo podem as partes pôr termo ao contrato – é o que se chama revogação. A revogação está expressamente prevista como forma de cessação do contrato de arrendamento no art.º 1082º n.º 1 do CC: As partes podem, a todo o tempo, revogar o contrato, mediante acordo a tanto dirigido. Está provado que a Ré entregou a loja. Não está expressamente provado que a A. a aceitou. Mas estando provado que a 15-1-2022, a autora celebrou com uma sociedade comercial um contrato de arrendamento relativo à loja supra mencionada, tem de presumir-se que a Ré entregou a loja à A. e que esta aceitou recebê-la. E assim sendo e não estando provado que foram estabelecidas cláusulas compensatórias ou quaisquer cláusulas acessórias – art.º 1082.º n.º 2 do CC - a extinção do contrato de arrendamento por revogação real. Trata-se da cessação do contrato por acordo, o que consiste na sua revogação, ou seja, na destruição voluntária da relação contratual pelos próprios autores do contrato (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 7.ª ed., pág. 279). Como refere Henrique Mesquita, RLJ 125, 96, um negócio abolitivo ou extintivo do contrato de arrendamento pode ser celebrado de modo tácito ou implícito. Como a entrega do locado envolve a execução imediata da obrigação de entrega do locado, a situação é, efetivamente, de revogação real, válida independentemente de forma escrita, nos termos do disposto no art.º 1082.º n.ºs 1 e 2 do CC (cfr. o Ac. STJ de 06/12/2006, consultável in www.dgsi.pt/jstj pelo processo 06B4309, proferido à luz do art.º 62º do RAU, idêntico ao actual art.º 1082º do CC). Em face do exposto impõe-se julgar improcedente o recurso da A.. 4.2. Do recurso subordinado da Ré Na sua contestação a Ré invocou a excepção de abuso de direito, baseada no facto de ter entregue a loja e a A. a ter dado de arrendamento e daí concluiu pela inviabilidade do pedido de condenação “ao cumprimento do contrato até final”. De seguida e em sede de impugnação invocou o que já constava da carta de resolução do contrato de arrendamento, o disposto na alínea a) do art.º 1050º do CC, que a resolução abrange todas as obrigações que nasceram do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, assim legitimando que tudo se passe como se o negócio nunca tivesse existido, caso assim não se entenda, durante 95 dias de execução do contrato de arrendamento a Ré não pôde gozar do bem locado, pelo que nenhuma prestação da A. haveria a restituir com referência a esse período e não pode ser responsabilizada pelo tempo restante porque teria resolvido o contrato logo em Fevereiro ou, no mínimo, a ../../2021, se a A. tivesse informado mais cedo a sua posição, o que vale por dizer que não lhe é imputável a causa para não poder restituir em espécie o que lhe foi prestado ao abrigo do referido contrato. Em momento algum da contestação a Ré invocou a resolução ou modificação do negócio por alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, prevista no art.º 437º do CC. Aliás e, por isso, a mesma não está incluída nas questões a resolver. Mas o tribunal a quo conheceu da referida questão, considerando inaplicável o referido normativo, tendo em consideração os factos apurados. A Ré recorre invocando que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar inaplicável o disposto no art.º 437º do CC. Sucede que tal questão deve considerar-se prejudicada. Como já vimos, o tribunal a quo julgou válida e eficaz a declaração da Ré de resolução do contrato de arrendamento à luz do disposto no art.º 1050º a) do CC. A A. impugnou a referida decisão, mas este tribunal e como consta supra, não a alterou. A Ré, no recurso subordinado não coloca em crise a referida decisão, mas apenas que o tribunal a quo errou nos efeitos que extraiu da mesma. A resolução determina a extinção/dissolução do vínculo na data em que a declaração é eficaz, fazendo cessar a relação contratual que existia entre as partes e deixando os contraentes de estar obrigados a cumprir as prestações a que se vincularam (cfr. quanto aos efeitos da resolução, a que voltaremos adiante, cf. Pedro Romano Martinez, Da cessação do Contrato, Almedina, 3ª edição, pág. 175-176). Destarte, o contrato de arrendamento celebrado entre a A. e a Ré está dissolvido desde a data em que a declaração se tornou eficaz Se o contrato está dissolvido em virtude da declaração da Ré de resolução do contrato válida e eficaz ao abrigo do disposto no art.º 1050º, alínea a do CC, não faz qualquer sentido, não tem razão de ser, é inútil, apreciar quer a resolução, quer a modificação do negócio à luz de qualquer outro fundamento, nomeadamente por alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, prevista no art.º 437º do CC. Um contrato dissolvido é insusceptível quer de resolução por outro fundamento, quer de modificação. Só é possível modificar um contrato que continua a produzir os efeitos que o mesmo tende a produzir enquanto vigorar. No âmbito da imputação à decisão recorrida de erro de julgamento por considerar inaplicável o disposto no art.º 437º do CC, a Ré invoca ainda que o tribunal a quo errou ao não considerar aplicável o disposto no art.º 1040º do CC. Esta última questão está colocada pela recorrente em intima conexão com a primeira, pelo que tendo-se considerado esta prejudicada, tal prejudicialidade deveria abranger a questão da aplicabilidade do art.º 1040º do CC. No entanto e em abstracto, a aplicabilidade do art.º 1040º tem autonomia relativamente ao disposto no art.º 437º do CC e, nessa medida, impõe-se apreciar da questão. Dispõe o art.º 1040º, cuja epígrafe é (Redução da renda ou aluguer) 1. Se, por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta, sem prejuízo do disposto na secção anterior. 2. Mas, se a privação ou diminuição não for imputável ao locador nem aos seus familiares, a redução só terá lugar no caso de uma ou outra exceder um sexto da duração do contrato. 3. Consideram-se familiares os parentes, afins ou serviçais que vivam habitualmente em comunhão de mesa e habitação com o locatário ou o locador. Comparando este normativo com o disposto na alínea a) do art.º 1050º do CC, verificamos que em ambos se prevê a privação do gozo da coisa por parte do locatário, por motivo não atinente ao mesmo ou aos seus familiares. Mas no art.º 1040º, n.º 2 prevê-se que se a privação … não for imputável ao locador nem aos seus familiares, a redução só terá lugar no caso de … exceder um sexto da duração do contrato, enquanto no art.º 1050º prevê-se que o locatário pode resolver o contrato independentemente do tempo de duração da privação do gozo da coisa. O art.º 1040º equivale a uma manifestação especial da excepção do contrato não cumprido prevista nos artigos 428º a 431º do Código Civil – cf. Menezes Cordeiro (Coord.), Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina, 2014, p. 72, Ac. do STJ de 09/12/2008, proc. 08A3302 consultável in www.dgsi.pt/jstj e Ac. da RL de 26/09/2024, proc. 334/23.6YLPRT.L1-2, consultável in www.dgsi.pt/jtrl), pelo que pressupõe a manutenção do contrato; o art.º 1050º determina a dissolução do vinculo contratual. No caso, tendo a Ré optado pela resolução, não tem aplicação o disposto no art.º 1040º do CC. A Ré invoca ainda (sublinhado nosso) que os factos apurados também revelam que a Autora violou a boa-fé a que estava obrigada, enquanto senhoria da Ré, ao apor-se a qualquer modificação equitativa do contrato, conforme a situação impunha, e que com isso exerceu de modo desequilibrado essa sua posição jurídica, ao impor um sacrífico desproporcionado à sua contraparte, a saber: pagar-lhe a totalidade da renda apesar de esta ter estado privada do locado durante 95 dias na fase inicial de abertura da loja e das restrições à sua fruição que foram impostas após a reabertura. Também aqui se impõe atentar na questão já decidida. Tendo o tribunal reconhecido a validade e eficácia da declaração da Ré de resolução do contrato ao abrigo do disposto no art.º 1050º, alínea a) do CC e estando, por isso, dissolvido o contrato, já não está em causa a possibilidade de qualquer modificação do contrato, mas apenas e tão só saber quais os efeitos da resolução (questão colocada nas conclusões recursivas xii a xiv), pelo que a questão suscitada carece de razão de ser. E chegamos à última questão: saber se a sentença recorrida não podia ter condenado a Ré a pagar à Autora as rendas devidas entre ../../2021 e ../../2021, acrescidas da indemnização de 20%, por a isso se opor o disposto nos art.ºs 433º e 434º do CC, pelo que aquela deve ser alterada de modo a serem abatidos os montantes correspondentes às rendas e à indemnização (acréscimo de 20%) correspondentes ao referido período. O tribunal recorrido, depois de considerar válida e eficaz a declaração da Ré de resolução do contrato de arrendamento, com efeitos no final de Novembro de 2021, considerou: “(…) esta causa resolutiva não exime a ré do pagamento das rendas. Muito menos quanto às rendas que devia ter pago e que não correspondem aos meses em que o locado esteve encerrado (quanto a estas não se verifica, de todo, a excepção prevista no art. 434.º, n.º 2, do CC). Deste modo, por esta via, as rendas de Janeiro a Novembro são devidas.” No que à resolução prevista na alínea a) do art.º 1050º do CC respeita, a lei não estabelece outros efeitos que não o de que o locatário deve restituir a coisa locada findo o contrato (cfr. art.º 1038º, alínea i) do CC). Assim, há que recorrer às normas gerais da resolução para estabelecer de forma completa os efeitos daquela - artigos 433º e 434º do CC. O art.º 433º, cuja epígrafe é (Efeitos entre as partes), dispõe: Na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos artigos seguintes. Os efeitos da declaração de nulidade e da anulação estão contemplados no art.º 289º, cujo n.º 1 dispõe: 1. Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. A retroactividade é confirmada no âmbito da resolução no art.º 434º, cuja epígrafe é precisamente (Retroactividade) e em cujo n.º 1 se dispõe que “[a] resolução tem efeito retroactivo…. Destarte, em regra, a resolução determina que deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Mas a regra da retroactividade, que implica a restituição de tudo o que tiver sido prestado, colocando “[a]s partes (…) na situação em que estariam se não tivessem celebrado o contrato” (cf. Pedro Romano Martinez, in Da Cessação do Contrato, 3ª edição, pág. 181), comporta excepções, tal como plasmado na parte final do n.º 1 do art.º 434º - “(…) salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução” – e no n.º 2 do art.º 434º - “[n]os contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas…” No que à situação dos autos respeita, apenas releva a excepção relativa aos contratos de execução continuada, de que é exemplo paradigmático a locação (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, I, pág. 386, Brandão Proença in a Resolução do Contrato no Direito Civil, pág.177 e Pedro Romano Martinez, ob. cit. pág. 182). Assim a resolução do contrato de locação não afecta as prestações já efectuadas. Precisando tal regra, afirma Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, II, 4ª edição, pág. 266, nota (3) “(…) na resolução da locação, a extinção da relação contratual não abrange[…] as rendas correspondentes ao período de tempo em que o locatário ocupou o imóvel ou se serviu do móvel…”. Ficou provado - ponto 14 dos factos provados – que a loja arrendada esteve encerrada, de ../../.... até ../../2021, por força das sucessivas proibições legais aprovadas no contexto da pandemia causada pela covid-19. A sentença recorrida considerou que devido a isso a Ré esteve privada do gozo da coisa e, em função disso, julgou válida e eficaz a declaração de resolução e por outro lado – ponto 10 dos factos provados – ficou provado que a Ré não procedeu ao pagamento de qualquer renda. Neste ponto importa considerar, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, I, pág. 386, “[q]uanto ao efeito da resolução, a lei não distingue entre os casos em que ela se funda numa circunstância imputável ao contraente contra quem é proferida e aqueles em que tal circunstância lhe não é imputável.” A única prestação efectuada no caso foi a concessão do gozo do locado por parte da A. /senhoria depois de Abril de 2021 até à data da resolução, em Novembro de 2021, já que a Ré/inquilina não pagou nenhum das rendas vencidas. Relativamente àquela prestação manteve-se a correspectividade, pelo que a Ré deve a renda relativa aos meses de Abril a Novembro de 2021 dada a indivisibilidade da respetiva prestação. Mas cabe perguntar se mesmo essas rendas não são devidas. A parte final do n.º 2 do art.º 434º contempla uma “excepção à excepção” que se reporta aos contratos de execução continuada ou periódica, que conduz à aplicação do regime regra da retroactividade (Pedro Romano Martinez, ob. cit. pág. 182), “se entre [as prestações já efectuadas] e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas.” A respeito deste preceito afirmava Pedro Romano Martinez in ob. cit. pág. 182: “Nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução tem eficácia retroactiva se a causa que justifica a dissolução do vínculo legitima a destruição do contrato com efeitos ex tunc. (…) Apesar de o contrato (p. ex. de fornecimento) ser de execução continuada, o motivo justificativo da resolução pode afectar todo o vínculo, inclusive as prestações efectuadas, que deixam de satisfazer o interesse do credor, legitimando a dissolução com efeitos ex tunc.” A única prestação efectuada no caso foi a concessão do gozo do locado por parte da A. /senhoria depois de Abril de 2021 até à data da resolução, em Novembro de 2021, já que a Ré/inquilina não pagou nenhum das rendas vencidas. A causa da resolução declarada pela Ré foi o facto de – ponto 14 dos factos provados – a loja arrendada ter estado encerrada, de ../../.... até ../../2021, por força das sucessivas proibições legais aprovadas no contexto da pandemia causada pela covid-19. Neste contexto, não existe qualquer vínculo entre a única prestação já efectuada - a concessão do gozo da coisa -, prestação essa efectuada pela A./senhoria e a causa da resolução - o encerramento do estabelecimento de ../../.... até ../../2021 por força das sucessivas proibições legais aprovadas no contexto da pandemia causada pela covid-19 -, declarada pela Ré, que legitime a resolução daquela. Dito de outra forma: nada permite considerar que o motivo justificativo da resolução/encerramento do estabelecimento nos meses referidos por força das sucessivas proibições legais aprovadas no contexto da pandemia causada pela covid-19 afectou a totalidade da prestação já efectuada/concessão do gozo da coisa, ou seja, o gozo da coisa após ../../2021 e até à data em que a resolução produziu efeitos, no final de Novembro desse ano e, nessa medida, nada permite afirmar que toda a prestação efectuada pela A. deixou de satisfazer o interesse da Ré. Em face do exposto, a Ré deve à A. as rendas de Abril a Novembro de 2021, no valor de unitário de € 2.216,50, acrescida cada uma delas de IVA à taxa legal, totalizando aquelas, sem IVA, € 17.732,00 Por outro lado, nos termos do n.º 1 do art.º 1041º do CC constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 20 /prct. do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento. O contrato foi resolvido, mas pela Ré/inquilina e não pela falta de pagamento da renda. Neste contexto, a A. tem ainda direito a uma indemnização de 20% sobre cada uma das referidas rendas, o que totaliza € 3.546,40. Em face do exposto, o recurso subordinado da Ré procede parcialmente e, em consequência, as alíneas a) e b) da decisão recorrida devem ser alteradas, passando a ter o seguinte teor: a) Condenar a Ré a pagar à A. as rendas de Abril a Novembro de 2021, no valor de unitário de € 2.216,50, acrescida cada uma delas de IVA à taxa legal, totalizando aquelas, sem IVA, € 17.732,00 b) Condenar a Ré a pagar à A. , a título de indemnização de 20% sobre cada uma das referidas rendas, a quantia de € 3.546,40. No mais mantém-se decisão recorrida 4.3. As custas Dispõe o n.º 1 do art.º 527º do CPC que a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. E o n.º 2 do mesmo preceito dispõe que entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. Relativamente ao recurso da A., que improcede in totum, a mesma é vencida e, portanto, integralmente responsável pelas respectivas custas. Relativamente à apelação da Ré, a mesma procede parcialmente e implica uma alteração da decisão recorrida, cujo pedido subsidiário procede parcialmente, pelo que: - relativamente às custas da acção, são a cargo da A. e da Ré na proporção do decaimento que se fixa em 90% pela A. e 10% pela Ré; - relativamente às custas da apelação, são a cargo da Ré e da A. na proporção do decaimento que se fixa em 75% pela Ré e 25% pela A.. 5. Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1ª Secção desta Relação em: - julgar totalmente improcede o recurso principal interposto pela A.; - julgar parcialmente o recurso subordinado interposto pela Ré e em consequência alterar as alíneas a) e b) da decisão recorrida, que passam a ter o seguinte teor: a) Condenar a Ré a pagar à A. as rendas de Abril a Novembro de 2021, no valor de unitário de € 2.216,50, acrescida cada uma delas de IVA à taxa legal, totalizando aquelas, sem IVA, € 17.732,00 b) Condenar a Ré a pagar à A. , a título de indemnização de 20% sobre cada uma das referidas rendas, a quantia de € 3.546,40. Mantém-se em tudo o mais a decisão recorrida. Custas: - da acção: por A. e Ré na proporção do decaimento que se fixa em, resectivamente, 90% e 10%; - do recurso principal – pela A.. - do recurso subordinado: pela Ré e A. na proporção do decaimento que se fixa em, respectivamente, 75% e 25%. Notifique-se * Guimarães, 23/01/2025 (O presente acórdão é assinado electronicamente) Relator: José Carlos Pereira Duarte Adjuntos: Gonçalo Oliveira Magalhães José Alberto Martins Moreira Dias |