Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
| Processo: |
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| Relator: | ROSÁLIA CUNHA | ||
| Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO DANO BIOLÓGICO DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 03/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I - O dano biológico consiste numa lesão corporal que afeta a integridade físico-psíquica do lesado e que implica uma perda da plenitude das suas capacidades pessoais. É um dano complexo posto que, traduzindo-se na ofensa da saúde e integridade física, tem repercussões quer a nível patrimonial, quer a nível não patrimonial. II - A indemnização por esse dano deve ser fixada com base em critérios de equidade, nos termos do art. 566º, nº 3, do CC. III - Tendo o autor, de 19 anos de idade, ficado afetado de uma incapacidade de 1%, justifica-se, à luz da equidade, que a indemnização pelo dano biológico seja fixada na quantia de € 10 000,00. IV - No caso de indemnização por danos não patrimoniais deve também atender-se à natureza mista de reparação do dano e punição que a caracteriza. V - Considera-se adequada, proporcional, justificada e equitativa a fixação da indemnização em € 20 000,00 relativamente aos danos não patrimoniais sofridos por um lesado com 19 anos de idade, que, quando seguia a pé, foi vítima de um atropelamento pelo veículo conduzido pelo 1º réu, o qual agiu de forma voluntária e deliberada, na sequência do qual sofreu feridas no lábio inferior e no couro cabeludo e fratura do fémur esquerdo; teve de ser submetido a várias consultas, tratamentos, exames médicos, sessões de fisioterapia e cirurgia; esteve em situação de Défice Funcional Temporário Total durante o período de 8 dias de internamento e de Défice Funcional Temporário Parcial durante 146 dias; teve um quantum doloris de grau 4/7; um Dano Estético Permanente de grau 1/7; ficou com um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 1 ponto; sofreu desgaste, tristeza, revolta e humilhação por, para se conseguir locomover, ter de usar canadianas; sofreu por ter dificuldades em executar tarefas tão simples como ir à casa de banho, tratar da sua higiene pessoal ou vestir-se, para o que teve de pedir ajuda à mãe ou ao irmão, e ficou com receio de sair e passar pela casa do 1.º réu, tendo sido seguido em consultas de psicologia clínica. VI - Ao valor indemnizatório referido em V há que descontar o valor da indemnização já atribuída ao autor no âmbito do processo crime. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: RELATÓRIO AA intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL pedindo a condenação solidária dos réus: 1. a pagar ao autor a quantia global de € 203 608,16, valor acrescido de juros desde a citação até efetivo e integral pagamento, correspondendo: a) € 680,16 a despesas suportadas pelo autor em consequência do acidente; b) € 16 928,00 a retribuições que deixou de ter hipótese de auferir em consequência do acidente; c) € 80 000,00 à indemnização derivada do dano patrimonial futuro; d) € 66 000,00 à indemnização derivada do dano biológico; e) € 40 000,00 a danos morais. 2. a pagar ao autor indemnização relegada para posterior liquidação, em incidente próprio, pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais, que o autor venha a sofrer, relativos a tratamentos, intervenções cirúrgicas e fisioterapia que venham a ser necessários para tratamento e correção futura das lesões e sequelas do autor, incluindo internamentos hospitalares, ajuda medicamentosa, ajudas técnicas, acompanhamento médico, despesas hospitalares, tratamentos, exames médicos, consultas, deslocações a hospitais e eventual agravamento do défice funcional permanente de integridade física, cujos montantes, atualmente, são impossíveis de concretizar. Como fundamento dos seus pedidos, alegou, em síntese, que foi vítima de um atropelamento, ocorrido a 4 de fevereiro de 2016, o qual teve lugar por culpa exclusiva do 1.º réu, condutor do veículo a motor, que circulava sem seguro, em consequência do qual sofreu diversos danos cujo ressarcimento peticiona. * O 1.º réu não apresentou contestação.* O réu FGA contestou, tendo aceite a responsabilidade do condutor do veículo, que foi já condenado em processo crime. Impugnou os danos alegados e reputou os montantes indemnizatórios peticionados como exagerados.De todo o modo, considerou que deverá sempre ser descontado o valor de € 5 000,00 € referente à indemnização que já foi atribuída ao autor no processo crime. * O autor respondeu explicando que apenas recebeu € 2 500,00 de indemnização, pois o restante valor foi atribuído ao seu irmão.* Foi proferido despacho que, além do mais:a) dispensou a realização da audiência prévia; b) apreciou tabelarmente os pressupostos processuais; c) fixou à causa o valor de € 203 608,16; d) identificou o objeto do litígio e enunciou os temas de prova. * Foram realizadas duas perícias médicas.* Realizou-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:“Face ao exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno os Réus BB e FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL no pagamento ao Autor AA da quantia total de 12.500 € (doze mil e quinhentos euros), acrescida de juros desde a citação até efetivo e integral pagamento. Custas pelos Réus, na proporção do decaimento (artigo 527.º, n.º1 do C.P.C.), sem prejuízo do apoio judiciário.” * O autor não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: “Primeira: O recorrente intentou a presente ação declarativa de condenação alegando que, em consequência de acidente de viação, sofreu lesões nos membros inferiores, esquerdo e direito, pedindo indemnização pelos respetivos danos. Segunda: O réu F.G.A., quer antes da propositura da ação, quer na contestação, não colocou em causa o nexo causal entre o acidente e as lesões nos dois membros inferiores. Pelo contrário, na contestação, o réu F.G.A. declarou aceitar o que consta dos relatórios de avaliação de dano realizados pelo perito que nomeou para o efeito, nos quais é inequívoca e expressa a aceitação do nexo causal entre o acidente e as lesões nas duas pernas do recorrente. DE FACTO, Terceira: O Dr. CC, entretanto falecido, perito designado pelo réu F.G.A. para acompanhar o recorrente e analisar o dano decorrente do acidente dos autos, depois de consumada a rotura de ligamentos no joelho da perna direita do recorrente, em relatórios datados de 11.10.2017 e 27.02.2019 admitiu, expressamente, o nexo causal entre o acidente e as lesões no joelho da perna direita do recorrente, fixando a incapacidade geral permanente em 13 pontos, o quanto doloris em 5/7, o dano estético em 3/7 e a data de consolidação médico legal das lesões em 13.02.2019, com um período de incapacidade temporária geral total de 11 dias, período de incapacidade temporária geral parcial de 1095 dias e período de incapacidade temporária profissional de 1016 dias; Quarta: Sobre estes relatórios, apresentados na petição inicial, o recorrido F.G.A. escreveu no art.º 12.º da contestação: «(…) no que tange aos danos sofridos, o FGA apenas aceita o que consta dos relatórios de avaliação do dano corporal em direito civil realizado a suas expensas – documentos 3, 4 e 5 juntos com a petição inicial –, subscritos pelo Sr. Dr. CC, desconhecendo-se se essa situação evoluiu ou não favoravelmente desde essa data e com os novos tratamentos a que o mesmo se sujeitou, motivo pelo qual se considera expressamente impugnada toda a matéria de facto alegada na petição inicial quanto a esta matéria.» Quinta: Assim, o réu F.G.A. aceitou o nexo causal entre o acidente e as lesões do recorrente na perna direita. Sexta: Aconteceu que, no decorrer dos autos foi solicitada a realização de uma perícia ao I.M.L. que, com base nos mesmos exames médicos que serviram para o perito designado pelo réu F.G.A. para fundamentar o seu relatório, veio introduzir uma novidade nos autos: «não é possível ao perito estabelecer um nexo de causalidade entre o evento em apreço e a lesão no joelho direito». Sétima: Como decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão datado de 19.01.2023, Proc. n.º 1098/21.3T8GMR.G1, in www.dgsi.pt: «Se é certo que os senhores peritos médicos não estão limitados na sua pronúncia técnica, também não lhe cabe fazer aplicação do Direito e, sobretudo, ir buscar materialidade controvertida onde anteriormente havia consenso entre as partes.» - sublinhado nosso. Oitava: Existindo acordo quanto ao nexo de causalidade entre as lesões na perna direita e o acidente dos autos, deveria o Exm.º Senhor Perito Médico em Ortopedia limitar-se a fixar a incapacidade do autor, tendo em consideração as lesões na perna esquerda e na perna direita, não podendo o Tribunal considerar i relatório do I.M.L. neste concreto ponto. Nona: Existindo divergência sobre as consequências dos mesmos factos, nada havendo nos autos que permita valorizar os conhecimentos técnicos e a imparcialidade dos peritos do I.M.L. em detrimento do perito a quem o réu F.G.A. confiou a missão de examinar o recorrente e valorar o respetivo dano, deverá ser dada primazia a este último que acompanhou o recorrente no período de doença. Décima: Aliás, com a petição inicial, sob o documento n.º 36, foi junto relatório elaborado pelo perito médico Dr. DD, médico com pós graduação em Avaliação do Dano Corporal Pós Traumático que, após examinar o recorrente e ter acesso aos mesmos exames médicos utilizados pelos peritos do I.M.L. também concluiu pela existência de nexo causal entre o acidente e as lesões nas duas pernas do recorrente. Décima Primeira: Deve, pois, ser considerado como provado, o seguinte facto: «em virtude do embate, o autor sofreu lesão do ligamento cruzado anterior (LCA) e do ligamento Lateral Externo (LLE), laceração do menisco interno (MI) e edema medular e lesões condrais no côndilo femural interno e no prato tibial externo». Décima segunda: Impõe que este facto seja considerado como provado os documentos juntos com a petição inicial sob os n.ºs 4, 5 e 36 e o facto de o réu F.G.A. ter aceite, expressamente, o teor dos documentos 4 e 5 e o nexo causal entre o acidente e as lesões no joelho da perna direita do recorrente. Décima terceira: Deve também ser considerado como provado: «Do acidente e das consequentes lesões, resultou para o autor: - Data da consolidação médico-legal das lesões: 13.02.2019; - Período de incapacidade temporária geral total: 11 dias; - Período de incapacidade temporária geral parcial: 1095 dias; - Período de incapacidade temporária profissional: 1016 dias; - Quantum doloris: grau 5/7; - Incapacidade permanente geral: 13 pontos. - Dano futuro, de considerar possível evolução para artrose do joelho direito; - As sequelas descritas são, em termos de rebate profissional, compatíveis com o desempenho da sua profissão, embora com esforços acrescidos; - Dano estético: grau 3/7; - Prejuízo de afirmação pessoal: grau 2/5. Décima quarta: Impõe que estes factos sejam considerados como provados os documentos juntos com a petição inicial sob os n.ºs n.ºs 4, 5 e 36 e o facto de o réu F.G.A. ter aceite, expressamente, o teor dos dois primeiros. Décima quinta: Por contenderem com estes factos, devem ser considerados como não provados, os seguintes pontos da matéria de facto da sentença recorrida: Ponto 37. Eliminado na totalidade; Ponto 38. Deve ser eliminado: Tendo sido fixada uma Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total, no período situado entre 04/02/2016 e 03/04/2016, num total de 60 dias e como Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial, um período de 94 dias, entre 04/04/2016 e 06/07/2016. Deste ponto deve ficar com a seguinte redação: O Autor à data do acidente tinha 19 anos e era estudante no último ano do curso profissional de técnico de multimédia, com equivalência ao 12.º ano de escolaridade. Ponto 40. Eliminado na totalidade; Ponto 46. Deve ser eliminado: «tendo sido o quantum doloris quantificado no grau 4, numa escala de gravidade crescente, de um a sete. Deste ponto deve manter-se: Durante o evento, nos internamento, cirurgias e tratamentos, o Autor sentiu dores, viu-se privado do convívio com familiares, amigos e colegas de escola. 47. Eliminado na totalidade; Décima sexta: Como o réu F.G.A. reconhece no art.º 27.º da contestação, chegou a propor ao recorrente o pagamento de EUR 50’000,00 [cinquenta mil euros], para ressarcimento dos danos resultantes do acidente dos autos. No entanto, na sentença recorrida o quantum global indemnizatório foi fixado em EUR 12’500,00 [doze mil e quinhentos euros]. Décima sétima: Face aos factos supra transcritos na conclusão décima terceira, designadamente, a data consolidação médico legal das lesões fixada em 13.02.2019, os 1016 [mil e dezasseis] dias com incapacidade temporário para o trabalho e que, em consequência do acidente, adiou a sua entrada no mercado de trabalho, o recorrente perdeu a chance de auferir retribuições entre 01.01.2017 e 13.02.2019, num valor, pelo menos, de EUR 16’928,00 [dezasseis mil novecentos e vinte e oito euros], valor que os réus devem ser condenados a pagar-lhe. Décima oitava: Afigura-se justo fixar a indemnização a que o recorrente tem direito pelo chamado dano biológico em EUR 40’000,00 [quarenta mil euros], tendo em conta os factos transcritos na conclusão décima terceira e que o recorrente, à data do acidente tinha 19 anos e era estudante no último ano do curso profissional de técnico de multimédia, com equivalência ao 12.º ano de escolaridade - cfr. facto provado n.º 38 e que as sequelas resultantes do acidente em apreço são compatíveis com o exercício da actividade profissional, mas implicam a necessidade de esforços acrescidos - cfr. facto provado n.º 41. Décima nona: O valor da indemnização por danos deve ser fixado em, pelo menos, EUR 40’000,00 [quarenta mil euros], tendo em conta os factos que constam da conclusão décima terceira, bem como os que constam dos pontos 39, 42, 43, 44 e 45 dos factos provados da sentença recorrida e a constatação que o recorrente foi sujeito a duas intervenções cirúrgicas, com as naturais consequências e que, até à alta médica, decorram três anos durante os quais teve dezenas de consultas e sessões de fisioterapia e sobretudo, que em nada contribuiu para o acidente. SEM PRESCINDIR, NA HIPÓTESE DE A IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO SER JULGADA IMPROCEDENTE Vigésima: Mesmo considerando apenas os danos do recorrente na perna esquerda e uma incapacidade de 1 (um) ponto (sendo certo que o perito do réu, como vimos, atribui como incapacidade, por esta lesão, 3 (três) pontos), considerando a idade do autor à data do acidente – 19 anos – e que as sequelas que ficou a padecer não o afetam em termos de autonomia e independência, mas são «causa de sofrimento e implicam a necessidade de esforços acrescidos no exercício da actividade profissional», temos que o valor pelo dano biológico não deveria ser fixado em montante inferior a EUR 12’500,00 [doze mil e quinhentos euros]. Vigésima primeira: Atendendo aos factos que constam da sentença recorrida, mesmo sem alteração da matéria de facto, o valor da indemnização por danos deve ser fixado em montante nunca inferior a EUR 20’000,00 [vinte mil euros].” Terminou pedindo: a) que seja revogada a sentença recorrida e substituída por acórdão que altere a matéria de facto e, em consequência, condene os réus a pagar ao autor a quantia global de € 80 000,00. b) na hipótese de se entender que a matéria de facto fixada na sentença recorrida não merece censura, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que condene os réus a pagarem ao autor a quantia de € 32 500,00. * O Fundo de Garantia Automóvel contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.* O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.* Foram colhidos os vistos legais.OBJETO DO RECURSO Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso. Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes. Neste enquadramento, as questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes: I - saber se a matéria de facto deve ser alterada; II - saber se, na sequência da alteração da matéria de facto, a indemnização deve ser fixada no valor de € 80 000,00; III - caso não haja alteração da matéria de facto, saber se a indemnização deve ser fixada no valor de € 32 500,00. FUNDAMENTAÇÃO FUNDAMENTOS DE FACTO Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos: 1. No dia 4 de fevereiro de 2016, o veículo XU-..-.. foi interveniente num acidente de viação, quando era conduzido pelo Réu BB, seu proprietário, sem beneficiar de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. 2. Pelas 13h50m, depois de uma altercação com Réu e o seu irmão, o autor seguia apeado num passeio da Rua ..., freguesia ..., concelho ..., no sentido da Escola E. B. 2/3 ... para a Rua ... (...), na companhia do seu irmão EE. 3. O Autor, quando chegou junto à habitação com o número de polícia ...48, foi atingido pela viatura XU, que seguindo no mesmo sentido, galgou o passeio e embateu no autor, com a parte frontal direita. 4. Na sequência do embate, o autor foi projetado contra uma cancela tendo ficado prostrado no chão, onde foi ainda atingido por pontapés na cabeça pelo 1.º Réu. 5. Na altura do embate, o veículo do réu seguia a velocidade superior a 50 km/h, embatendo no muro e foi “ricocheteado” para o meio da via, onde ficou imobilizado, de forma atravessada. 6. Estes factos deram origem ao processo crime que, com o n.º 9/16...., onde o Réu FF, foi condenado pela prática de dois crimes de homicídio simples, na forma tentada, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspendendo, no entanto, a execução da pena mediante o cumprimento, entre outros, do dever de entregar ao autor e ao irmão, dentro do mesmo prazo, a quantia de EUR 5’000,00 [cinco mil euros] a título de compensação, ainda que eventualmente parcial, dos danos patrimoniais e não patrimoniais - nos termos do acórdão junto aos autos e que aqui se dá como reproduzido. 7. Logo após o acidente, o autor foi conduzido, de ambulância, para o Centro Hospitalar ..., em ..., onde se queixou de dores nos membros inferiores e apresentava dois ferimentos na cabeça. 8. Em consequência do descrito acidente, o autor foi diagnosticado com as seguintes lesões: a. Ferida no lábio inferior sem hemorragia e ferida no couro cabeludo; b. fratura diafisária, fechada no terço médio do fémur esquerdo. 9. Nesse mesmo dia o Autor foi suturado e sujeito a intervenção cirúrgica ao fémur, com redução aberta e encavilhamento anterógrado com Versanail. 10. No dia 11.02.2016, o autor teve alta hospitalar, com as seguintes indicações: «Lovenox 40 mg, 1 injeção SC por dia, durante 30 dias. Analgesia em SOS. Ferro PO. Cuidados de penso 2x/smn no Centro de Saúde. Retirar agrafos aos 12 dias pós op. Carga parcial do membro inferior esquerdo». 11. O autor passou, então, a locomover-se com auxílio de duas canadianas. 12. Os pontos foram retirados, na face, passados 6 dias do acidente e, no couro cabeludo, passados 10 dias e ainda, 12 dias depois, foram retirados os agrafos colocados na perna. 13. Após a alta hospitalar, o autor foi orientado para a consulta externa no Centro Hospitalar ..., onde teve consultas de ortopedia e de fisiatria, pelo menos, nos dias 16.03.2016, 04.05.2016, 11.05.2016, 13.06.2016, 06.07.2016, 28.07.2016. 14. No dia 07.04.2016, o autor foi sujeito a exame médico pelo Gabinete Médico Legal e Forense ... e, na altura, não tendo ainda a situação estabilizada, apresentava dificuldades em permanecer de pé, sentado, virar-se quando estava deitado, passar da posição de deitado à de pé, andar, deslocar-se em plano horizontal, não conseguia correr, nem levantar-se do chão e, com esforços, sentia dores na perna esquerda. 15. A 8 de junho de 2016[1], o Autor queixou-se de dores no joelho direito em consulta junto da sua médica de família, tendo sido prescrita a realização de RX aos joelhos. 16. Como consta do relatório de RX, datado de 15.06.2016: «Não se observam alterações osteoarticulares evidentes de natureza patológica, nomeadamente fenómenos significativos de gonartrose. Os espaços articulares encontram-se conservados. De referir que se projeta ao nível externo do espaço articular femorotibal direito uma formação de densidade cálcica arrendondada, que me parece apenas traduzir uma favela, isto em relação com aparente rotação do joelho. De referir ainda uma vareta metálica no canal medular do fémur à esquerda para a fixação de fratura». 17. Em 22.06.2016, o médico fisiatra do Centro Hospitalar ..., Dr. GG, elaborou o relatório com o seguinte teor: «(…) Objetivamente deambula com uma canadiana, cicatriz sem sinais inflamatórios, A/A completas e FM ligeiramente diminuídas. Encontra-se a efetuar tratamento de reabilitação no Serviço de MFR do Centro Hospitalar ... com algumas melhorias funcionais. Aconselho continuação de incapacidade para o trabalho.» 18. Após o acidente o autor efetuou dezenas de sessões de fisioterapia no Centro Hospitalar ..., tendo-lhe sido concedida alta pelos serviços clínicos do Centro Hospitalar ... a 28 de julho de 2016. 19. A 08.09.2016, o autor voltou a ser sujeito a exame médico pelo Gabinete Médico Legal e Forense ... e, na altura, tinha alguma dificuldade em permanecer de pé, a virar-se repentinamente quando estava deitado, andar ou deslocar-se em plano horizontal por mais de 10 minutos sem parar, não conseguia correr, não conseguia ajoelhar-se ou colocar-se na posição de cócoras; sentia dores no joelho esquerdo quando saltava e, de vez em quando, “falhava-lhe” a perna esquerda. 20. Nessa data, à observação, o Autor apresentava marcha normal, sem apoio nem claudicação, não apresentava amiotrofias nem dismetrias; Força muscular conservada; joelho esquerdo com mobilidade normal. 21. Neste relatório o perito médico legal conclui: «data da consolidação médico legal das lesões é fixável em 23.06.2016; As lesões atrás referidas terão resultado de traumatismo de natureza contundente o que é compatível com a informação; Tais lesões terão determinado 140 dias para a consolidação médico-legal: com afetação da capacidade de trabalho geral (15 dias) e com afetação da capacidade de trabalho profissional (90 dias); Do evento resultaram como consequências permanentes: apresenta vareta metálica no canal medular do fémur esquerdo. Cicatrizes cirúrgicas no terço superior da coxa, face externa, com 4 centímetros de comprimento». 22. O FGA aceitou a existência do sinistro e a sua responsabilidade por reparar os danos que, do mesmo, decorreram para o Autor, tendo suportado tratamentos, pelo menos das sessões de fisioterapia e, diretamente ao autor, liquidou despesas relativas a deslocações e com medicamentos. 23. O autor foi sujeito a exames, para avaliação do dano corporal, por técnico médico designado pelo Réu FGA, em 26.10.2016, que apresentou como conclusões: «- data da consolidação médico legal das lesões e fixável em 28.07.2016; - Período de incapacidade temporária geral total fixável em 5 dias; - Período de incapacidade temporária geral parcial fixável em 171 dias; - Período de incapacidade temporária profissional total fixável em 90 dias; - Período de incapacidade temporária profissional parcial fixável em 86 dias; - Quantum doloris fixável em 4/7; - Incapacidade permanente geral fixável em 3 pontos; - As sequelas descritas são, em termos profissionais, compatíveis com o desempenho da sua profissão embora com esforços acrescidos; - Dano estético fixável em 3/7; - Prejuízo de afirmação pessoal fixável no grau 2/5;» 24. Nesta data, o Autor queixava-se de “Sensação de desconforto e por vezes dor na coxa esquerda, irradiando até ao joelho, agravadas com a marcha e com as mudanças de tempo. Dificuldade em correr e saltar. Diminuição de força no MI esquerdo”. 25. Em 21 de abril de 2017, o Autor recorreu, de novo, ao serviço de urgência do Centro Hospitalar ..., onde consta “Queda de bicicleta hoje. Refere agravamento de dor e instabilidade no joelho direito. Traumatismo prévio há 1 ano em acidente de viação - fratura do fémur esquerdo com cavilha - seguido posteriormente na companhia de seguros (refere que já se teria queixado do joelho direito a médico da companhia de seguros e médico assistente). De momento com leve edema, sem derrame articular, capacidade de deambulação preservada, apesar de claudicante. Instabilidade AP grosseira do joelho e instabilidade em varo. Também com instabilidade rotatória - jerk teste +++. RX: calcificação lateralmente à interlinha externa (lesão de Segond?). Provável lesão atar crónica do joelho (LCA, LLE e ângulo PE)." 26. Em 04.05.2017, o Autor foi submetido a uma ressonância magnética ao joelho direito, cujo relatório, elaborado pelo Dr. HH, médico radiologista, consta: «Derrame articular de moderado volume, com sinovite associada. Rotura do ligamento cruzado anterior com sinais de instabilidade, denotada por marcada translação anterior da tíbia. Associa-se edema medular ósseo, com predomínio nas vertentes posteriores dos pratos tibiais, particularmente do externo. Ligeiro edema da vertente anterior dos côndilos femorais. Este achado, apesar de sugerir rotura recente do ligamento, não permite excluir que se trate de edema secundário à instabilidade do joelho. Estiramento grau 11 do ligamento colateral externo. Ligamento cruzado posterior e ligamento colateral interno íntegros. Laceração da raiz do como posterior do menisco interno e perda de substância do seu corpo. Sem inequívocas roturas do menisco externo. Rótula centrada à tróclea femoral, com boa espessura cartilaginea. Tendões do apare lho extensor do joelho íntegros. Não há lesões expansivas na fossa poplitea.» 27. Foi observado em consulta externa de Ortopedia do Hospital ..., em fevereiro de 2018, onde consta “(...) refere gonalgia direita de longa data refere associação com acidente embora de menor intensidade. Refere episódio posterior com sensação de instabilidade e episódios de derrame articular. EO: Pivot shift positivos, dor ligeira na interlinha externa, vertente anterior, atrofia muscular. RMN: Rotura do LCA direito com translação posterior da tíbia, laceração da raiz do menisco do corno posterior do menisco interno e perda de substância do corpo." 28. No dia 11.10.2017, o autor foi submetido a nova avaliação de dano corporal, por médico especialista nomeado pelo 2.º réu, que concluiu: «O Examinado havia já sido objeto de Exame de Avaliação do Dano Corporal por mim efetuado em 26-10-2016. Acontece que, desde o início, segundo agora me refere, se terá queixado de dores e sensação de instabilidade no joelho direito que não terão sido devidamente consideradas pelos médicos que o assistiram desde o início no hospital. Por persistência e agravamento do quadro clínico neste joelho realizou uma RMN, em 04.05.2017 que mostra rotura do ligamento cruzado anterior e laceração da raiz do corno posterior do menisco interno além de estiramento grau II do ligamento colateral externo. Associação de sinais de edema medular ósseo que comprovam a atualidade das lesões e consequente nexo com o acidente. Ao exame atual verifica-se atrofia muscular da coxa direita de 3 cm e instabilidade antero-posterior do joelho evidente. Perante este quadro clínico está em consulta de Ortopedia aguardando internamento para correção cirúrgica. Fica assim sem efeito a avaliação de dano já efetuada devendo o Examinado comparecer de novo nesta consulta após ter sido operado e ter tido alta clínica” 29. O Autor foi submetido a cirurgia em 21-6-2018, no Centro Hospitalar ..., ..., tendo sido submetido a ligamentoplastia do LCA (ligamento cruzado anterior) com isquitibiais e sutura do menisco interno com duas ancoras. 30. O autor teve alta hospitalar no dia 26.06.2018, orientado para consulta externa de Ortopedia. 31. O Autor realizou sessões de fisioterapia e teve alta da consulta em fevereiro de 2019. 32. Em 08.08.2018, o Réu FGA autorizou e suportou a realização de 20 (vinte) sessões de fisioterapia. 33. No dia 27.02.2018, o autor foi submetido a nova avaliação de dano corporal, por médico especialista nomeado pelo 2.º réu, que concluiu: «-Data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 13.02.2019; - Período de incapacidade temporária geral total fixável em 11 dias. - Período de incapacidade temporária geral parcial fixável em 1095 dias; - Período de incapacidade temporária profissional fixável em 1016 dias; - Quantum doloris fixável no grau 5/7; - Incapacidade permanente geral fixável em 13 pontos. - Dano futuro, de considerar possível evolução para artrose do joelho direito; - As sequelas descritas são, em termos de rebate profissional, compatíveis com o desempenho da sua profissão, embora com esforços acrescidos; - Dano estético fixável no grau 3/7; - Prejuízo de afirmação pessoal no grau 2/5». 34. Do acidente e das consequentes lesões, resultaram para o autor as seguintes sequelas, no membro inferior esquerdo (coxa): - Sem assimetrias ósseas e/ou dos tecidos moles. - Presença de três cicatrizes nacaradas, localizadas na face lateral da coxa, com 12, 7 e 4 centímetros de comprimento respetivamente, sem queixas associadas. - Palpação da face lateral da coxa referida como ligeiramente dolorosa. - Mobilidade articular conservada e simétrica. - Força muscular conservada e simétrica (grau 5 em 5). 35. Apresenta como queixas relacionadas, dificuldade em adotar a posição de decúbito lateral esquerdo por dor ao nível da coxa esquerda; dor na face lateral da coxa com a marcha e no decúbito lateral esquerdo, sem necessidade de medicação analgésica atualmente; refere que terá suspendido a prática desportiva de jogos de futebol com os amigos; dificuldade na marcha nas deslocações para a escola. 36. No exame pericial apresentou marcha normal, sem apoio nem claudicação. 37. A data da consolidação médico-legal das lesões foi fixada a 06/07/2016, apresentando como Défice Funcional Temporário Total, o período de 8 dias de internamento, situado entre 04/02/2016 e 11/02/2016, e como Défice Funcional Temporário Parcial os restantes 146 dias. 38. O Autor à data do acidente tinha 19 anos e era estudante no último ano do curso profissional de técnico de multimédia, com equivalência ao 12.º ano de escolaridade, tendo sido fixada uma Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total, no período situado entre 04/02/2016 e 03/04/2016, num total de 60 dias e como Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial, um período de 94 dias, entre 04/04/2016 e 06/07/2016. 39. O autor concluiu o curso mais tarde, em dezembro de 2016, atendendo às faltas determinadas pelas lesões sofridas no acidente, o que adiou a entrada no mercado de trabalho. 40. Por força das sequelas advindas do acidente, considerando o valor global da perda funcional e o facto de que, não afetando o Autor em termos de autonomia e independência, são causa de sofrimento físico, foi atribuído ao Autor Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica em 1 (um) ponto [Cap. III; F) Mf1302 (por analogia considerando as queixas álgicas ao nível da coxa esquerda]. 41. As sequelas resultantes do acidente em apreço são compatíveis com o exercício da atividade profissional, mas implicam a necessidade de esforços acrescidos. 42. O Autor antes do acidente era um jovem saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre e sociável, praticando desportos como atletismo e futebol que jogava, com os amigos, duas vezes por semana. 43. O autor sofreu desgaste, tristeza, revolta e humilhação por, para se conseguir locomover, ter de usar canadianas. 44. O autor sofreu também por, durante um período, ter dificuldades em executar tarefas tão simples como ir à casa de banho, tratar da sua higiene pessoal ou vestir-se, pedindo, com frequência a ajuda à mãe ou ao irmão para o efeito. 45. Atendendo ainda às condições do evento, ficou com receio de sair e passar pela casa do 1.º Réu, tendo sido seguido em consultas de psicologia clínica em 04/04/2019, 04/10/2019 e 4/11/2019. 46. Durante o evento, nos internamento, cirurgias e tratamentos, o Autor sentiu dores, viu-se privado do convívio com familiares, amigos e colegas de escola, tendo sido o Quantum doloris quantificado no grau 4, numa escala de gravidade crescente, de um a sete. 47. Como dano estético permanente, que corresponde à repercussão das sequelas na afetação da imagem da vítima quer em relação a si próprio, quer perante os outros, foi fixado no grau 1, numa escala de sete graus de gravidade crescente, atendendo à cicatriz. Na 1ª instância foram considerados não provados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos: - em virtude do acidente, no Hospital, apresentou como lesões traumatismo crâneo-encefálico (TCE), com perda de conhecimento e contusão do joelho direito; - o Autor foi sentindo um crescendo de dores, principalmente no joelho direito e que o obrigava a andar com ajuda de uma canadiana; - em virtude do embate sofreu lesão ligamento cruzado anterior (LCA) e do Ligamento Lateral Externo (LLE), laceração do menisco interno (MI) e edema medular e lesões condrais no côndilo femural interno e no prato tibial externo; - que em virtude do embate o autor apresenta sequelas do foro psíquico, com repercussão na sua vida pessoal, social e profissional, com sintomas compatíveis com o quadro clínico de “Perturbações de Stress Pós-Traumático”; - as lesões e sequelas no joelho direito sejam consequência do acidente; - que o Autor incorreu em despesas com os tratamentos das lesões e em virtude das sequelas do acidente, no montante de EUR 680.16 [seiscentos e oitenta euros e dezasseis cêntimos], correspondendo a viagens de táxi, viagem de comboio, consultas médicas, medicamentos, exames e Relatório de avaliação de dano corporal. FUNDAMENTOS DE DIREITO I – Alteração da matéria de facto Dispõe o artigo 662º, n.º 1, do CPC, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. A norma em questão alude a meios de prova que imponham decisão diversa da impugnada e não a meios de prova que permitam, admitam ou apenas consintam decisão diversa da impugnada. O recorrente defende que devem ser aditados à factualidade provada os seguintes factos: - Em virtude do embate, o autor sofreu lesão do ligamento cruzado anterior (LCA) e do ligamento lateral externo (LLE), laceração do menisco interno (MI) e edema medular e lesões condrais no côndilo femural interno e no prato tibial exterior. - Data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 13.02.2019; - Período de incapacidade temporária geral total fixável em 11 dias; - Período de incapacidade temporária geral parcial fixável em 1095 dias; - Período de incapacidade temporária profissional fixável em 1016 dias; - Quantum doloris fixável no grau 5/7; - Incapacidade permanente geral fixável em 13 pontos. - Dano futuro, de considerar possível evolução para artrose do joelho direito; - As sequelas descritas são, em termos de rebate profissional, compatíveis com o desempenho da sua profissão, embora com esforços acrescidos; - Dano estético fixável no grau 3/7; - Prejuízo de afirmação pessoal no grau 2/5. Sustenta esta pretensão dizendo que “[i]mpõe que este facto seja considerado como provado os documentos juntos com a petição inicial sob os nºs 4, 5 e 36 e o facto de o FGA ter aceite, expressamente, o teor dos documentos 4 e 5 e o nexo causal entre o acidente e as lesões no joelho da perna direita do recorrente”. Como decorrência do aditamento desta factualidade, entende que: - o facto 37 [A data da consolidação médico-legal das lesões foi fixada a 06/07/2016, apresentando como Défice Funcional Temporário Total, o período de 8 dias de internamento, situado entre 04/02/2016 e 11/02/2016, e como Défice Funcional Temporário Parcial os restantes 146 dias] deve ser eliminado na totalidade; - o facto 38 [O Autor à data do acidente tinha 19 anos e era estudante no último ano do curso profissional de técnico de multimédia, com equivalência ao 12.º ano de escolaridade, tendo sido fixada uma Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total, no período situado entre 04/02/2016 e 03/04/2016, num total de 60 dias e como Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial, um período de 94 dias, entre 04/04/2016 e 06/07/2016] deve ser alterado passando a ter a seguinte redação: O Autor à data do acidente tinha 19 anos e era estudante no último ano do curso profissional de técnico de multimédia, com equivalência ao 12.º ano de escolaridade. - o facto 40 [Por força das sequelas advindas do acidente, considerando o valor global da perda funcional e o facto de que, não afetando o Autor em termos de autonomia e independência, são causa de sofrimento físico, foi atribuído ao Autor Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica em 1 (um) ponto [Cap. III; F) Mf1302 (por analogia considerando as queixas álgicas ao nível da coxa esquerda] deve ser eliminado na totalidade; - o facto 46 [Durante o evento, nos internamento, cirurgias e tratamentos, o Autor sentiu dores, viu-se privado do convívio com familiares, amigos e colegas de escola, tendo sido o Quantum doloris quantificado no grau 4, numa escala de gravidade crescente, de um a sete.] deve ser alterado passando a ter a seguinte redação: Durante o evento, nos internamento, cirurgias e tratamentos, o Autor sentiu dores, viu-se privado do convívio com familiares, amigos e colegas de escola. - o facto 47 [Como dano estético permanente, que corresponde à repercussão das sequelas na afetação da imagem da vítima quer em relação a si próprio, quer perante os outros, foi fixado no grau 1, numa escala de sete graus de gravidade crescente, atendendo à cicatriz] deve ser eliminado na totalidade. Os documentos 4 e 5 juntos com a p.i. consistem no 3º relatório de avaliação do dano corporal efetuado ao autor pelo Dr. CC em 10.10.2017 e no relatório de avaliação do dano corporal efetuado ao autor pelo Dr. CC em 27.2.2019. O documento 36 junto com a p.i. consiste num relatório médico relativo ao autor efetuado pelo Dr. DD e datado de 24.11.2019. O Dr. CC elaborou os relatórios na qualidade de médico indicado pelo réu FGA e o Dr. DD elaborou o relatório enquanto médico a quem o autor recorreu. Os aludidos relatórios, só por si, não impõem que se altere a factualidade provada nos termos propugnados pelo autor, na medida em que o teor dos mesmos é contrariado pelas perícias médico legais que foram realizadas nos presentes autos. E, quer esses documentos, quer as perícias, encontram-se ao mesmo nível para efeitos probatórios. Com efeito, no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade do julgador ou da prova livre, consagrado no n.º 5 do artigo 607º do CPC, segundo o qual o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Esta liberdade de apreciação não se aplica aos casos em que a lei exige formalidade especial para a prova de determinado facto, aos factos que só possam ser provados por documento e aos factos que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes. A prova pericial é um dos meios de prova previstos no nosso ordenamento jurídico e, como decorre do art. 388º, do CC, tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial. De acordo com o disposto no art. 389º, do CC, a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal. Os documentos 4, 5 e 36, embora não sejam perícias em sentido técnico-jurídico, são relatórios elaborados por médicos que observaram o autor e descreveram, na sua opinião de peritos médicos, as lesões e sequelas que observaram. Assim, quer esses documentos, quer as perícias estão sujeitos ao princípio da livre apreciação do tribunal, a menos que se verifique algumas das exceções constantes do nº 5 do art. 607º que subtraem a prova dos factos à livre apreciação do juiz. Sustenta o recorrente que o FGA aceitou, expressamente, o teor dos documentos 4 e 5 e o nexo causal entre o acidente e as lesões no joelho da perna direita do recorrente, o que, a ser exato, implicaria que a factualidade em questão estaria subtraída à livre apreciação do tribunal, por estar aceite por acordo, e teria de ser dada como provada. Todavia, não se pode considerar que tal acordo exista nos autos. A matéria das lesões sofridas e sequelas e consequências delas decorrentes foi alegada pelo autor nos arts. 33º, 53º, 65º e 67º, da p.i., sendo que, nestes três últimos, faz alusão aos documentos 4, 5 e 36 como meios probatórios de suporte da factualidade aí descrita. No art. 12º da contestação, o FGA referiu que “no que tange aos danos sofridos, o FGA apenas aceita o que consta dos relatórios de avaliação do dano corporal em direito civil realizados a suas expensas – documentos 3, 4 e 5 juntos com a petição inicial – subscritos pelo Dr. CC, desconhecendo-se se essa situação evoluiu ou não favoravelmente desde essa data e com os novos tratamentos a que o mesmo se sujeitou, motivo pelo qual se considera expressamente impugnada toda a matéria de facto alegada na petição inicial quanto a esta matéria” (sublinhado nosso). Portanto, da posição assumida pelo FGA nos presentes autos não se pode considerar que o mesmo admitiu, por acordo, a factualidade que o recorrente pretende que seja dada como provada, tendo unicamente admitido a realização e conteúdo dos relatórios médicos elaborados pelo Dr. CC. Em consonância com essa aceitação, o teor dos relatórios médicos está já integrado na factualidade dada como provada, nomeadamente nos factos 23, 28 e 33. Sintomático da inexistência de acordo quanto à factualidade que o recorrente invoca é a circunstância de terem sido enunciados como temas de prova as lesões físicas sofridas pelo autor imediatamente após o embate e os danos patrimoniais e não patrimoniais por ele sofridos como consequência direta e necessária do evento estradal, sendo que esta enunciação não foi objeto de reclamação por qualquer das partes. Do mesmo modo, também é sintomático da inexistência desse acordo a circunstância de ter sido determinada a realização de perícia com objeto constituído pelos quesitos apresentados pelas partes, quesitos esses onde se incluía saber que concretas lesões sofreu o autor como consequência do acidente dos autos e quais as sequelas que o mesmo apresenta. O que significa que, não havendo admissão, por acordo, da factualidade em discussão, não se verifica a ressalva constante da 2ª parte do nº 5 do art. 607º, do CPC, e a situação encontra-se abrangida pelo princípio da livre apreciação da prova consagrado na 1ª parte desse normativo. Aqui chegados, temos em confronto os relatórios médicos juntos pelo autor com a p.i. e as perícias médico legais que foram efetuadas nos autos, havendo que optar por uns, em detrimento dos outros, na medida em que contêm factos e conclusões antagónicos, no sentido de que se excluem mutuamente. Nesse confronto, a decisão recorrida optou por dar como provada a matéria factual resultante das perícias médicas efetuadas nos autos. Fê-lo com recurso à seguinte fundamentação: “A principal questão de prova nos autos prendeu-se com o nexo de causalidade admitido pelo perito do Réu FGA (o 1.º Ré não contestou) e pelo perito que o Autor consultou (e cujo relatório foi junto aos autos), mas que foi negado em sede de perícia(s) realizada(s) no processo. Antes de mais importa atender que, apesar de ter aceitado a responsabilidade do acidente, e que foram realizados exames por peritos médicos por si indicados – e juntos aos autos –, o Réu FGA impugnou as sequelas e consequências do acidente alegadas pelo Autor, tendo tais factos sido integrados como temas de prova e determinada a realização de perícia médica para avaliação dos danos corporais. O próprio Autor considerou que tais factos seriam controvertidos, tendo solicitado igualmente a perícia, que foi realizada de forma aberta relativamente a todas as lesões e sequelas. (...) Assim, atendendo à perícia realizada e sustentada em duas avaliações de ortopedia com a mesma conclusão, não pode considerar-se que a rotura de ligamentos no joelho direito possa ser imputada ao atropelamento. Como daí resulta, a rutura de ligamentos é um evento traumático agudo que não resulta de consolidação ou agravamento de um trauma mais antigo. A rotura de ligamentos é que causa a instabilidade e não o contrário – se assim fosse – se já existisse alguma instabilidade, como alegado –, não conseguiria andar de bicicleta. Não existe descrição nos relatórios médicos do Hospital ..., do IML e pedidos pelo Réu FGA, em 2016, de queixas ou alterações objetivas ao nível do joelho direito, salvaguardando uma consulta na médica de família (registo do Centro de Saúde - fls. 270), na sequência da qual foram realizados RX aos joelhos e onde não se evidencia lesão (doc. 23 PI). Já em setembro de 2016 (doc. 25 da PI), o IML realizou perícia, em que o Autor não apresentou queixas do joelho direito, não tendo sido atribuída relevância e causalidade relativamente aos resultados do RX. De acordo com as conclusões apresentadas por ambos os peritos de ortopedia, também não resulta o nexo entre a calcificação/fabela no joelho referida no RX e a rotura de ligamentos. Em 21 de abril de 2017 o Autor deu entrada na Urgência por queda de bicicleta (registo do hospital - fls. 240), e na ressonância magnética realizada em 04-05-2017, confirma a presença de edema medular ósseo, o que, de acordo com os especialistas médicos, evidencia a natureza aguda da lesão do joelho direito. Só depois deste incidente é que são referidas ao perito médico do FGA queixas no joelho direito (conforme se constata da leitura dos relatórios). Assim, atendendo ao conhecimento especializado e imparcialidade dos peritos do IML, bem como aos elementos documentais juntos que os suportam, não pode o Tribunal dar como provada a existência de outras sequelas e incapacidades derivadas do acidente. Por falta de prova deste nexo de causalidade, também os tratamentos e despesas efetuadas na sequência desta lesão, bem como as consequências da mesma para o Autor, apesar de documentadas, não podem imputar-se ao atropelamento.” Acompanhamos a fundamentação transcrita, que temos como correta face aos elementos constantes dos autos, assim se justificando plenamente a opção de dar como provado o que resulta das perícias efetuadas nos autos, com o consequente afastamento do que resulta dos relatórios médicos juntos pelo autor, mostrando-se igualmente muito relevante para afastar o nexo de causalidade das lesões existentes no joelho direito do autor a ocorrência de uma queda de bicicleta, em data posterior ao acidente, o que constitui uma causa adequada e plausível para o aparecimento dos problemas no joelho direito. Deste modo, concluímos que os elementos constantes dos autos não impõem que se altere a matéria de facto no sentido pretendido pelo autor, pelo que improcede esta questão recursiva. II - Fixação da indemnização no valor de € 80 000,00 na sequência da alteração da matéria de facto O conhecimento desta questão encontra-se prejudicado face à solução dada à questão anterior, posto que não ocorreu alteração da matéria de facto. III - Fixação da indemnização no valor de € 32 500,00 à luz da factualidade dada como provada Nos autos está plenamente assente a existência de obrigação de indemnizar a cargo dos réus relativamente aos danos sofridos pelo autor na sequência do acidente de que este último foi vítima. A discórdia incide unicamente sobe o valor das indemnizações arbitradas pretendendo o autor o aumento dos valores fixados na sentença recorrida, ao passo que o FGA, inversamente, pugna pela sua manutenção. Como tal, não se entrará em considerações sobre a matéria da responsabilidade, analisando-se apenas se os valores indemnizatórios fixados a título de danos patrimoniais e não patrimoniais são, ou não, corretos. Em matéria de obrigação de indemnização o art. 562º, do CC, consagra o princípio geral da reconstituição natural pois quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art. 563º, do CC) e o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (art. 564º, do CC). A indemnização devida abrange, assim, quer os danos emergentes, quer os lucros cessantes, consistindo aqueles numa diminuição efetiva do património e estes na frustração de um ganho. Na fixação da indemnização pode ainda o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (art. 564º, nº 2, do CC). A indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (art. 566º, nº 1, do CC). Nessa hipótese, a indemnização tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (art. 566º, nº 2, do CC). Ou seja, no cálculo da indemnização importa considerar a diferença entre a situação real e hipotética do lesado se o mesmo não tivesse sido atingido pelo facto ilícito. Caso não seja possível averiguar o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art. 566º, nº 3, do CC). Para além dos danos patrimoniais, deve ainda atender-se na fixação da indemnização aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496º, nº 1, do CC), sendo o montante desta indemnização fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (arts. 496º, nº 4 e 494º, do CC). O dano biológico consiste numa lesão corporal que afeta a integridade físico-psíquica do lesado e que implica uma perda da plenitude das suas capacidades pessoais. É um dano complexo posto que, traduzindo-se na ofensa da saúde e integridade física, projeta-se em diferentes aspetos da vida do lesado e é suscetível de provocar danos quer de natureza patrimonial, quer de natureza não patrimonial. No que respeita às consequências patrimoniais, tal dano pode implicar uma concreta perda de rendimentos, como ocorrerá nas situações em que o lesado deixou de auferir um determinado montante pecuniário durante o período de tempo em que esteve incapacitado para exercer a sua atividade profissional. Porém, independentemente da concreta perda de rendimentos, o dano biológico enquanto défice funcional de que passou a padecer o lesado no plano específico das atividades profissionais, tem ainda uma dupla repercussão pois, por um lado, implica um esforço acrescido que terá que despender para compensar tal défice, de modo a prosseguir uma atividade laboral e, por outro lado, implica uma limitação de oportunidades profissionais pois “o lesado vê diminuída a amplitude ou o leque das atividades laborais que pode perspectivar exercer plenamente no futuro, ficando – por via da perda de capacidades funcionais- necessariamente condicionado e «acantonado» no exercício de actividades menos exigentes – o que naturalmente limita de forma relevante as suas potencialidades no mercado do trabalho (facto particularmente atendível numa organização económica que crescentemente apela à precariedade e à necessidade de mudança e reconversão na profissão exercida, a todo o momento susceptível de mutação ao longo da vida do trabalhador)” (cf. Acórdão do STJ, de 21.1.2016, P 1021/11.3TBABT.E1.S1, in www.dgsi.pt). Na verdade, a força de trabalho de uma pessoa é um bem capaz de propiciar rendimentos. Logo, a incapacidade funcional importa sempre diminuição dessa capacidade, obrigando o lesado a um maior esforço e sacrifício para manter o mesmo estado antes da lesão e, inclusivamente, provoca inferiorização, no confronto do mercado de trabalho, com outros indivíduos por tal não afetados (cf. Acórdão do STJ, de 7.6.2011, P 160/2002.P1.S1, in www.dgsi.pt). A doutrina e a jurisprudência estão de acordo em que pelo facto de o ofendido não exercer à data do acidente qualquer profissão, não está afastada a existência de dano patrimonial, compreendendo-se neste as utilidades futuras e as simples expectativas de aquisição de bens. Assim, a este título, merecem ressarcimento os lesados que se encontram fora do mercado do trabalho, seja a montante – caso das crianças e dos jovens ainda estudantes, ou não, que ainda não ingressaram no mundo laboral –, seja a jusante, como os reformados/aposentados, ou os desempregados (cf. Acórdão do STJ, de 25.11.2009, P 397/03.0GEBNV.S1, in www.dgsi.pt). É de realçar a dificuldade e delicadeza subjacente ao cálculo do dano biológico na vertente patrimonial, enquanto perda futura de capacidade de ganho, pois exige a previsão, sempre problemática, de dados que apenas são constatáveis no futuro e por um muito longo período de tempo, como seja a evolução da economia, da produtividade, do emprego, dos salários ou da inflação (cf Acórdão da Relação de Guimarães, de 19.10.2017, P 2236/14.8T8GMR.G1, in www.dgsi.pt). Como se escreveu no Acórdão do STJ, de 10.11.2016 (P 175/05.2TBPSR.E2.S1, in www.dgsi.pt) “constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional ativa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma, aos 65 anos).” Sobre a determinação do valor indemnizatório correspondente ao dano biológico, na vertente de danos patrimoniais futuros, segue-se o Acórdão desta Relação de Guimarães, de 19.10.2017, (P 2236/14.8T8GMR.G1, in www.dgsi.pt) onde se considera que “como é posição sucessivamente reiterada pelo nosso mais Alto Tribunal, o tribunal está apenas sujeito aos critérios que emergem do preceituado no Código Civil e, em particular ao critério da equidade, pois que os critérios consagrados na Portaria n.º 377/2008, de 26.05 (ou na Portaria n.º 679/2009, de 25.06, que procedeu à sua alteração/atualização), não obstante possam (ou devam) ser considerados pelo julgador, não se sobrepõem aos que decorrem do restante sistema substantivo e, sobretudo, em primeiro lugar, do Código Civil. De facto, como se pode alcançar da nossa jurisprudência, é pacífico o entendimento de que os critérios previstos nas citadas Portarias não substituem os critérios de fixação da indemnização consignados no Código Civil e não vinculam os tribunais em tal tarefa casuística, visando, sobretudo, em sede de apresentação de proposta célere e razoável por parte das seguradoras ao lesado, servir de critério orientador para esse confessado fim”(com bold apócrifo). No sentido de o critério último para a fixação da indemnização pelo dano biológico na vertente patrimonial ser a equidade, escreveu-se no Acórdão desta Relação de Guimarães, de 4.10.2017 (P 1964/14.2T8GMR.G1,in www.dgsi.pt) que “mesmo a análise do dano na perspetiva essencialmente patrimonial, considerando que assenta em juízos de prognose, de simples probabilidade e o conjunto de variáveis que se deverão fazer intervir para projeção do mesmo num futuro mais ou menos longínquo, só pode, em última análise, ser obtida pela equidade.” E também o acórdão do STJ, de 21.1.2021, (P 6705/14.1T8LRS.L1.S1, in www.dgsi.pt) considerou, na mesma linha de entendimento, que a “limitação funcional em que se traduz a incapacidade permanente de que ficou afectada a vítima de um acidente de viação, mesmo quando não implica a redução da capacidade de ganho, mas obriga a um esforço acrescido para a evitar, é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial. Em ambos os casos, a indemnização deve ser calculada segundo a equidade” (sublinhado nosso). Traçado o quadro normativo que deve presidir à fixação da indemnização, revertamos agora ao caso concreto. Na sentença recorrida foi atribuída ao autor uma indemnização pelo dano biológico de € 5 000,00. O autor pretende que esse valor seja aumentado para € 12 500, ao passo que o FGA pretende que o mesmo seja mantido. Na fixação desta indemnização há que ter em conta que: - o autor, à data do acidente, tinha 19 anos e era estudante no último ano do curso profissional de técnico de multimédia, com equivalência ao 12.º ano de escolaridade (facto 38); - o autor concluiu o curso mais tarde, em dezembro de 2016, atendendo às faltas determinadas pelas lesões sofridas no acidente, o que adiou a entrada no mercado de trabalho (facto 39); - por força das sequelas advindas do acidente, foi atribuído ao autor Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 1 ponto (facto 40); - as sequelas resultantes do acidente em apreço são compatíveis com o exercício da atividade profissional, mas implicam a necessidade de esforços acrescidos (facto 41). Perante este quadro fáctico, e de acordo com um critério de equidade, considera-se justa, adequada e proporcional a fixação da indemnização pelo dano biológico no valor de € 10 000,00. De relembrar que a equidade não é sinónimo de arbitrariedade ou discricionariedade, sendo antes a aplicação da justiça ao caso concreto mediante ponderação, prudencial e casuística, das concretas circunstâncias da situação em análise. Nas palavras do Ac. do STJ, de 10.2.1998, (in CJ S. T., 1, p. 65) a equidade é "a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei", devendo o julgador "ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida." Na verdade, ainda que se recorra à equidade, é importante que exista uma justiça relativa por forma a que se obtenham soluções idênticas para casos semelhantes, pois só assim se respeita o princípio da igualdade, plasmado no art. 13º, da CRP, e se acautela a imposição contida no art. 8º, nº 3, do CC, segundo o qual nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito. Considera-se que o valor ora fixado tem arrimo nos critérios da jurisprudência atual, desta forma estando assegurado quer o princípio da igualdade, quer a justiça relativa, havendo na jurisprudência uma clara tendência de valorização dos danos infligidos à integridade física e de elevação dos correspondentes montantes indemnizatórios. A título meramente exemplificativo, vejam-se os seguintes acórdãos, todos disponíveis em www.dgsi.pt, que analisaram situações com similitude à do caso sub judice e dos quais resulta uma clara tendência de aumento dos valores indemnizatórios ao longo do tempo: - Acórdão do STJ de 11.11.2020, (P 16576/17.0T8PRT.P1.S1) atribuiu uma indemnização de € 15 000,00 relativa ao dano biológico sofrido por um lesado de 19 anos de idade que ficou afetado de incapacidade permanente de 3 pontos. - Acórdão da Relação de Lisboa, de 2.12.2021 (P 99/20.3T8RGR.L1-6), considerou adequada uma indemnização de € 10 000,00 relativa ao dano biológico sofrido por um lesado de 56 anos de idade que ficou afetado de incapacidade permanente de 2 pontos. - Acórdão do STJ, de 30.3.2023 (P 4160/20.6T8GMR.G1.S1), atribuiu uma indemnização de € 20 000,00 relativa ao dano biológico sofrido por um lesado de 33 anos de idade que ficou afetado de incapacidade permanente de 3 pontos. - Acórdão da Relação de Guimarães, de 26.9.2024 (P 671/22.7T8EPS.G1), manteve uma indemnização de € 6 000,00 relativa ao dano biológico sofrido por um lesado de 56 anos de idade que ficou afetado de incapacidade permanente de 1 ponto. * Como já supra se referiu, para além dos danos patrimoniais, deve ainda atender-se na fixação da indemnização, aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496º, nº 1, do CC), sendo o montante desta indemnização fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (arts. 496º, nº 4 e 494º, do CC).Trata-se de danos ou prejuízos que não atingem em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo, antes ofendem bens de carácter imaterial, desprovidos de conteúdo económico, insuscetíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. A ofensa objetiva desses bens tem em regra um reflexo subjetivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral (cf. acórdão do STJ, de 21.4.2022, P 96/18.9T8PVZ.P1.S1 in www.dgsi.pt). Por conseguinte, a indemnização por danos não patrimoniais não se destina obviamente a repor as coisas no estado anterior, mas tão só a dar ao lesado uma compensação pelo dano sofrido, proporcionando-lhe situação ou momentos de prazer e alegria que neutralizem, quanto possível, a intensidade da dor física ou psíquica sofrida (Vaz Serra, BMJ 278º, 182). Como é assinalado no Acórdão do STJ, de 9.9.2014 (P 654/07.7TBCBT.G1.S1, in www.dgsi.pt), deverá ainda ter-se em consideração a natureza mista de reparação do dano e punição que caracteriza a indemnização por danos não patrimoniais, a qual é assinalada por diversos autores citados no referido aresto, designadamente: - pelo Prof. Menezes Cordeiro, que ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança, aliás, de qualquer indemnização”; - pelo Prof. Galvão Telles, que sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma «pena privada», estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”. - pelo Prof. Menezes Leitão, que destaca a índole ressarcitória/punitiva da reparação por danos morais, quando escreve: “assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante”; - pelo Prof. Pinto Monteiro, o qual sustenta que a obrigação de indemnizar é “uma sanção pelo dano provocado”, um “castigo”, uma “pena para o lesante”. Como se esclarece no acórdão do STJ, de 21.4.2022 (P 96/18.9T8PVZ.P1.S1 in www.dgsi.pt) “o dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo: (i) o chamado quantum (pretium) doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, a analisar através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico; (ii) o “dano estético” (pretium pulchritudinis), que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; (iii) o “prejuízo de distracção ou passatempo”, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, vg., com renúncia a actividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas; (iv) o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra na “alegria de viver”; (v) o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; (vi) os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; (vii) o prejuízo juvenil “pretium juventutis”, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida, privando a criança das alegrias próprias da sua idade; (viii) o “prejuízo sexual”, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; (ix) o “prejuízo da auto-suficiência”, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária, decorrente da impossibilidade, de se vestir, de se alimentar”. Na sentença recorrida foi fixada ao autor uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 7 500,00, tendo sido atendida a circunstância de já lhe ter sido atribuída uma indemnização de € 2 500,00 no âmbito do processo crime. O autor pretende que esse valor seja aumentado para € 20 000,00, ao passo que o FGA pretende que o mesmo seja mantido. Na fixação desta indemnização há que ter em conta que: - na sequência do acidente, o autor sofreu feridas no lábio inferior e no couro cabeludo e fratura do fémur esquerdo (facto 8); - teve de ser suturado e sujeito a intervenção cirúrgica ao fémur, com redução aberta e encavilhamento anterógrado com Versanail (facto 9); - passou a locomover-se com auxílio de duas canadianas (facto 11); - teve necessidade de se submeter a várias consultas, tratamentos, exames médicos, sessões de fisioterapia e cirurgia, nos termos descritos nos factos provados 12, 13, 14, 16, 23 e 28 a 33; - esteve em situação de Défice Funcional Temporário Total durante o período de 8 dias de internamento e de Défice Funcional Temporário Parcial durante 146 dias (facto 37); - devido ao acidente, o autor concluiu o curso mais tarde, em dezembro de 2016, atendendo às faltas determinadas pelas lesões sofridas no acidente, o que adiou a entrada no mercado de trabalho (facto 39); - antes do acidente, o autor era um jovem saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre e sociável, praticando desportos como atletismo e futebol que jogava, com os amigos, duas vezes por semana (facto 42); - o autor sofreu desgaste, tristeza, revolta e humilhação por, para se conseguir locomover, ter de usar canadianas (facto 43); - e sofreu também por ter tido dificuldades em executar tarefas tão simples como ir à casa de banho, tratar da sua higiene pessoal ou vestir-se, pedindo com frequência ajuda à mãe ou ao irmão para o efeito (facto 44); - atendendo ainda às condições do evento, o autor ficou com receio de sair e passar pela casa do 1.º réu, tendo sido seguido em consultas de psicologia clínica em 04/04/2019, 04/10/2019 e 4/11/2019 (facto 45); - durante o evento, no internamento, cirurgias e tratamentos, o autor sentiu dores, viu-se privado do convívio com familiares, amigos e colegas de escola, tendo sido o Quantum doloris quantificado no grau 4, numa escala de gravidade crescente, de um a sete (facto 46); - ficou com um dano estético permanente de grau 1, numa escala de sete graus, atendendo à cicatriz (facto 47). A par deste conjunto de danos, há ainda que ter em conta as circunstâncias em que ocorreu o ato ilícito gerador da obrigação de indemnizar. No caso, não se tratou de um vulgar acidente rodoviário, ocorrido por negligência, mas antes de um ato praticado pelo 2º réu de forma voluntária e deliberada, o qual, com o veículo que conduzia, atropelou o autor, que seguia a pé, tendo sido condenado pela prática de crime de homicídio na forma tentada, como resulta da factualidade descrita em 1 a 6. Atendendo ao conjunto de danos descritos, que consideramos graves, ao período temporal em que perduraram, ao facto de haver danos permanentes e ainda às circunstâncias em que tais danos foram causados, ou seja, de forma dolosa pelo 1º réu e sem que o autor tenha contribuído de qualquer forma para a sua ocorrência, considera-se proporcional, adequado e equitativo o valor indemnizatório peticionado pelo autor de € 20 000,00. Todavia, a este montante há que subtrair a quantia de € 2 500,00 que já foi atribuída ao autor como indemnização no âmbito do processo crime, razão pela qual apenas é devida a quantia de € 17 500,00. Assim, o recurso procede parcialmente e, em consequência, fixa-se a indemnização devida ao autor na quantia de € 27 500,00, sendo: - € 10 000,00 a título de dano biológico; - € 17 500,00 a título de danos não patrimoniais. * Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.Tendo o recurso sido julgado parcialmente procedente, as custas serão suportadas por recorrente e recorrido, na proporção dos respetivos decaimentos, sem prejuízo do apoio judiciário de que o primeiro beneficia. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogam a sentença recorrida e condenam os réus BB e FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL no pagamento ao autor AA da quantia total de € 27 500,00, acrescida de juros desde a citação até efetivo e integral pagamento. As custas do recurso são suportadas por recorrente e recorrido, na proporção dos respetivos decaimentos, sem prejuízo do apoio judiciário de que o primeiro beneficia. Notifique. * Guimarães, 20 de março de 2025 (Relatora) Rosália Cunha (1º/ª Adjunto/a) Maria João Marques Pinto de Matos (2º/ª Adjunto/a) Pedro Maurício [1] Na sentença consta 2006, o que resulta de manifesto lapso de escrita que se corrigiu no texto. |