Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS DA CUNHA COUTINHO | ||
Descritores: | AMNISTIA CRIMES DE CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL PERDÃO DE PENA 8 ANOS PRINCÍPIO DA IGUALDADE | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 03/19/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
Sumário: | I- Nos termos do artigo 4.º da Lei n.º Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, são amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa. O crime de condução sem habilitação legal, previsto pelo artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03/01, é punível com pena de prisão até dois anos ou uma pena de multa até duzentos e quarenta dias. Consequentemente não se encontra amnistiado. O referido artigo 4.º alude à moldura penal abstrata e não à pena concreta”, sendo assim indiferente que, no caso, tenham sido aplicadas ao recorrente, penas concretas fixadas em seis meses de prisão. Assim, só são amnistiados os crimes de condução sem habilitação legal, previstos no n.º 1 do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03/01, porque esses são punidos com uma pena abstracta (aplicável) de prisão até 1 ano. II- O crime de crime de condução sem habilitação legal, previsto pelo artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03/01 não está elencado nas excepções previstas no artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023. No entanto, o arguido foi condenado em cúmulo jurídico, numa pena única de 10 (dez) anos de prisão pelo que não pode beneficiar do perdão de 1 ano previsto no referido artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto. III- o Tribunal recorrido aplicou ao abrigo do artigo 3.º, n.º 1 e n.º 4 da Lei n.º 38-A/2023, o perdão de um ano ao co-arguido AA porque este foi condenado em cúmulo jurídico, numa pena única de 7 anos de prisão, logo inferior ao limite máximo de 8 anos, não aplicando ao arguido BB porque este foi condenado numa pena superior (pena única de 10 anos de prisão), não violando o princípio da igualdade, nos termos apontados, por se tratarem de situações diferentes. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: A) Relatório: 1) No Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central de Braga- Juiz ..., foi proferido Despacho, datado de 08/09/2023 que não decidiu não aplicar ao arguido BB, o perdão de um ano de prisão na pena única de 10 (dez) anos de prisão em que ali foi condenado. * 2) Inconformado com esta decisão, da mesma interpôs o arguido BB o presente recurso, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:1. O arguido foi injustamente afastado da aplicação da Lei n.º 38-A/2023; 2. Foi alvo de uma dualidade de critérios, significando para o mesmo uma clara prejudicialidade; 3. Existe uma manifesta violação do princípio da igualdade e do princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrados. * 3) Notificado do requerimento de interposição de recurso o Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo recorrente, pugnando pela sua improcedência e confirmação da decisão recorrida, concluindo que:- (…) dispõe o artigo 4.º do diploma em apreço que são amnistiadas as infracções penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa. - Ora basta atentar no inciso legal vindo de referir para facilmente se perceber que a norma alude à moldura penal abstracta e não à pena concreta, pelo que tendo o arguido sido condenado pelo n.º 2 do artigo 3.º do decreto-lei n.º 2/98, ficam, pois, tais ilícitos arredados da amnistia. - Assim sendo, não havendo amnistia, não há lugar à reformulação do cúmulo jurídico. * 4) O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416.º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Senhor Procurador – Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido de o recurso devia ser rejeitado por manifesta improcedência porque, além do mais, “foram negligenciadas exigências técnicas subjacentes à formulação de um recurso ordinário em processo penal, não tendo sido indicadas as normas violadas, nem o sentido que, no entendimento do recorrente, o Tribunal recorrido interpretou cada norma julgado improcedente”.* 5) Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido não apresentou resposta.* 6) Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.* Não há questões prévias de que cumpra apreciar.Cumpre apreciar e decidir. * B) Fundamentação:1. Âmbito do recurso e questões a decidir: O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, face ao disposto no artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que estabelece que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”; são, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (identificação de vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, pela simples leitura do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2, e 410.º, nº 3, do mesmo diploma legal). O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113; bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, n.º 7/95, de 19.10.1995, publicado no DR 1ª série, de 28/12/1995; e ainda, entre muitos, os Acórdãos do STJ de 11/07/2019, in www.dgsi.pt; de 25/06/1998, in BMJ 478, pág. 242; de 03/02/1999, in BMJ 484, pág. 271; de 28/04/1999, in Coletânea de Jurisprudência, acórdãos do STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 193. * 2. No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentadas pelo recorrente, a única questão a decidir é a de saber se o arguido deveria ter beneficiado do perdão concedido pela Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto.* 3. O Despacho recorrido: Naquilo em que o mesmo releva para o conhecimento do objeto do recurso, é o seguinte o teor do despacho impugnado: “Nos presentes autos, por Acórdãos transitados em julgado foram os arguidos: - BB, nascido a ../../1995 e; - AA, nascido a ../../1986; Condenados a penas de prisão efectiva. Assim, BB foi condenado nos autos na pena única de 10 anos de prisão pela prática dos seguintes crimes, a que correspondem as descritas penas parcelares: - Prática, em co-autoria material e em concurso efectivo de: - 9 (nove) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, em conjugação com o art. 202.º, al. a) do C.P., na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão por cada um dos crimes [itens 1.4, 5, 10, 15, 19, 24, 26, 31 e 33 dos factos provados]; - 1 (um) crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, em conjugação com o art. 202.º, al. a) do C.P., na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão [item 2]; - 1 (um) crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. a), em conjugação com o art. 202.º, al. b) do C.P., na pena de 4 (quatro) anos de prisão [item 11]; - 3 (três) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. a), em conjugação com o art. 202.º, al. b) do C.P., na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão por cada um dos crimes [itens 13, 17 e 35]; - 15 (quinze) crimes de falsificação de documento agravada, p. e p. pelo art. 256.º, n.ºs 1, als. a), c), d), e) e f) e 3, em conjugação com o art. 255.º, al. a) do C.P.., na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão por cada um dos crimes [itens 1.2, 2, 4, 5, 10, 11, 13, 15, 17, 19, 24, 26, 31, 33 e 35]; - 5 (cinco) crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, als. a), c), d), e) e f), em conjugação com o art. 255.º, al. a) do C.P., na pena de 10 (dez) meses de prisão por cada um dos crimes [itens 19, 24, 26, 31 e 33]; - 1 (um) crime de extorsão, p. e p. pelo art. 223.º, n.º 1 do C.P., na pena de 11 (onze) meses de prisão [item 11]; - 1 (um) crime de extorsão, p. e p. pelo art. 223.º, n.º 1 do C.P., na pena de 7 (sete) meses de prisão [item 31]; - 19 (dezanove) crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 03.01, na pena de 6 meses de prisão por cada um dos crimes [item III, ponto 1]; Já AA foi condenado na pena única de 7 anos de prisão pela prática dos seguintes crimes, a que correspondem as inerentes penas parcelares: - 1 (um) crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. a), em conjugação com o art. 202.º, al. b) do C.P., na pena de 4 (quatro) anos de prisão [item 11]; - 1 (um) crime de burla simples, p. e p. pelo art. 217.º, n.º 1 do C.P., na pena de 10 (dez) meses de prisão [item 12]; - 4 (quatro) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º e 218.º, n.º 1, em conjugação com o art. 202.º, al. a) do C.P., na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão por cada um dos crimes [itens 15, 21, 27 e 30]; - 1 (um) crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. a), em conjugação com o art. 202.º, al. b) do C.P., na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão [item 13]; - 1 (um) crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2, al. a), em conjugação com o art. 202.º, al. b) do C.P., na pena de 3 (três) anos de prisão [item 16]; - 8 (oito) crimes de falsificação de documento agravada, p. e p. pelo art. 256.º, n.ºs 1, als. a), c), d), e) e f) e 3, em conjugação com o art. 255.º, al. a) do C.P.., na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão por cada um dos crimes [itens 11, 12, 13, 15, 16, 21, 27 e 30]; - 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, als. a), c), d), e) e f), em conjugação com o art. 255.º, al. a) do C.P., na pena de 8 (oito) meses de prisão [item 27]; Os crimes foram perpetrados entre os anos de 2013 e 2015. Os referidos condenados, à data da prática dos factos tinham menos de 31 anos. Todos os crimes foram cometidos antes de 19 de Junho de 2023. Nenhum dos crimes pelos quais os arguidos foram condenados foram amnistiados pelo artigo 4.º da Lei n.º 38-A/2008, de 2-08. BB foi condenado em pena única de prisão superior a 8 anos, pelo que não beneficia do perdão de penas previsto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 4 da Lei n.º 38-A/2023, de 02-08. Já AA foi condenado em pena única de prisão inferior a 8 anos, pelo que tal pena se encontra dentro do limite plasmado no artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 38- A/2023, de 02-08. A tudo acresce que o somatório das penas parcelares objecto de cúmulo efectuado quanto ao arguido AA que não são excepcionadas pelo artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2-09, ultrapassa um ano de prisão (no que respeita ao arguido AA: cfr. as penas parcelares pela prática dos crimes de falsificação de documento). Destarte, relativamente ao condenado AA verificam-se todos os requisitos para que beneficie ele do perdão previsto na dita Lei, perdão esse de um ano de prisão, o mesmo não sucedendo quanto a BB. Nestes termos, em face do disposto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 4 da citada Lei; - Aplico à pena única em que AA foi condenado nos autos o perdão de um ano de prisão, sob as condições resolutivas previstas no artigo 8.º da citada lei. - Não aplico à pena única em que BB foi condenado nos autos o perdão de um ano de prisão. Notifique os ditos condenados, os seus Ilustres Defensores, o Digno Magistrado do Ministério Público e, também dê conhecimento ao TEP, EP em que os condenados se encontram e à DGRSP. (…) * 4. Apreciação do recurso:Como acima escrevemos, a única questão a decidir é a de saber se o arguido deveria ter beneficiado do perdão concedido pela Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto. O recorrente discorda que este diploma não lhe tenha sido aplicado porque, segundo se percebe, atenta a forma pouco clara da motivação que, em bom rigor, impediria a apreciação do recurso como refere a Senhora procuradora Geral Adjunta, o Tribunal devida ter julgado amnistiados os 19 crimes de condução sem habilitação legal pelos quais foi condenado, ao abrigo do disposto no artigo 4.º da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, fazendo-se depois um novo cúmulo jurídico de penas, sem as penas de 6 meses de prisão em que foi condenado por cada um daqueles crimes e aí já a pena única seria inferior a 8 anos. Ora, é manifesta a falta de razão do recorrente. Vejamos. A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, veio estabelecer no seu artigo 1.º, «um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude». De acordo com o artigo 2.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, «estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º» Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, «é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos», sendo que «em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única» - cf. o disposto no artigo 3.º, n.º 4 do mesmo diploma legal. Ora, no caso dos autos, como se escreve na resposta do Ministério Público ao recurso, o arguido “preenche os pressupostos da aplicação da referida lei no que respeita à idade e ao tempo, sendo certo igualmente que dúvidas não existem que os crimes de condução sem habilitação legal não estão elencados nas excepções previstas no artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023”. No entanto, o arguido foi condenado em cúmulo jurídico, numa pena única de 10 (dez) anos de prisão pelo que não pode beneficiar do perdão de 1 ano previsto no referido artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto. Defende o recorrente que os crimes de condução sem habilitação legal, previstos e punidos pelo artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03/01, deveriam ser amnistiados, mas tal contraria, de forma clara, o disposto no artigo 4.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, norma que restringe a aplicação da amnistia, às “infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão”. Ora para o crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03/01, encontra-se prevista uma pena de prisão até dois anos ou uma pena de multa até duzentos e quarenta dias, pena superior à quele limite máximo. Como bem salienta o Ministério Público, o artigo 4.º da Lei n.º 38-A/2023, “alude à moldura penal abstrata e não à pena concreta”, sendo assim indiferente que, no caso, tenham sido aplicadas ao recorrente, penas concretas fixadas em seis meses de prisão. O vocábulo “aplicável” significa “que pode ser aplicado” como consta no Dicionário Houaiss da língua portuguesa” (editora Objectiva, Rio de Janeiro 2004 e editora “temas e debates”, Lisboa 2005). Assim, só são amnistiados os crimes de condução sem habilitação legal, previstos no n.º 1 do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03/01, porque esses são punidos com uma pena abstracta (aplicável) de prisão até 1 ano. Invoca o recorrente anteriores leis que concederam perdões de penas e jurisprudência que foi sendo firmada na respetiva interpretação, mas a interpretação que defende, viola o princípio básico previsto no artigo 11.º do Código Civil, porque como entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 20/02/2024 (processo n.º 2033/22.7PFLSB.L1-5, consultado em www.dgsi.pt), “as medidas de clemência, atenta a sua natureza de providências excecionais, devem ser interpretadas nos precisos termos em que estão redigidas, sem ampliações nem restrições, não comportando aplicação analógica (cf. artigo 11º do Código Civil), embora sempre com a salvaguarda dos princípios constitucionais de igualdade e proporcionalidade”. Uma nota para referir que não se vislumbra qualquer violação do princípio constitucional da igualdade, assente numa alegada “disparidade de tratamentos”. Como defende Sónia Cristina Carvalho Rodrigues (in Dissertação de Mestrado em Direito – Direito Público sob a orientação do Professor Doutor João Caupers, Outubro de 2013), “a ideia de igualdade para a Constituição é a igualdade real (…), não apenas a igualdade jurídico-formal. Estas duas vertentes significam que, apesar de a todos a lei se dever aplicar uniformemente, de forma igual, para que esse mesmo ideal de igualdade seja atingido, dever-se-á ter em conta a condição própria de cada indivíduo, as desigualdades existentes entre eles. Assim, o princípio da igualdade admite diferenciações com o objectivo de, através delas, obter a igualdade real entre os cidadãos”. Como acrescenta a mesma autora, ao contrário do que parece defender o recorrente, “…o princípio da igualdade não se confunde com igualitarismo; «a igualdade é, antes, necessariamente relativa, pelo que não há-de interpretar-se em termos absolutos». Como acrescenta a mesma autora, o princípio da igualdade pressupõe: a) Tratamento igual de situações iguais (ou tratamento semelhante de situações semelhantes); b) Tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e objectivamente desiguais e não criadas ou mantidas artificialmente pelo legislador. Ora no caso dos autos, o Tribunal recorrido aplicou ao abrigo do artigo 3.º, n.º 1 e n.º 4 da Lei n.º 38-A/2023, o perdão de um ano ao arguido AA porque este foi condenado em cúmulo jurídico, numa pena única de 7 anos de prisão, logo inferior ao limite máximo de 8 anos, não aplicando ao arguido BB porque este foi condenado numa pena superior (pena única de 10 anos de prisão), não violando o princípio da igualdade, nos termos apontados, por se tratarem de situações diferentes. Uma nota final para dizer que no âmbito da fiscalização concreta, não se vislumbra qual a norma ou normas que o Tribunal recorrido aplicou e que possam ser consideradas desconformes à Constituição, sendo certo que nem sequer o recorrente consegue fundamentar qualquer juízo de inconstitucionalidade em concreto. Note-se que a fiscalização concreta da constitucionalidade, tem de se reportar, não à própria decisão, mas às normas em concreto que se devam considerar inconstitucionais e que, não obstante, tenham fundamentado a decisão do Tribunal recorrido: como decidiu a propósito o Tribunal da Relação de Coimbra no Acórdão de 23/02/2021 (consultado em www.dgsi.pt e proferido no processo n.º 2667/19.7T8ACB.C1), “a fiscalização concreta da constitucionalidade, na parte da invocação da inconstitucionalidade, reporta-se a normas, tidas por inconstitucionais, que alicercem ou possam vir a alicerçar uma decisão jurisdicional, e não, direta e imediatamente, a esta decisão”. Por outras palavras, a fiscalização concreta da constitucionalidade ou o pedido de declaração de inconstitucionalidade, “reporta-se a normas jurídicas e não a decisões dos tribunais”. É o que decorre do disposto no artigo 204.º da Constituição da República, nos termos do qual, «nos factos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados». Neste sentido também já se tinha pronunciado o mesmo Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 01/06/2011 (Processo n.º 574/10.8 TBTND.C1 e consultado em www.dgsi.pt), entendendo que “não há sentenças inconstitucionais. O que pode haver é normas interpretadas nas sentenças que em determinadas situações violem disposições constitucionais, mas para tal a recorrente tem de expressamente invocar a inconstitucionalidade da norma de que a decisão recorrida tenha feito aplicação (…) não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efectuada, em termos de se assacar ao acto judicial de “aplicação” a violação (directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais”. Ou seja, não cabe apurar e sindicar da bondade e do mérito do julgamento efectuado in concreto por um qualquer Tribunal, mas antes e apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas. Ao nível da doutrina, escreve o Professor Jorge Miranda no mesmo sentido, entendendo que “a fiscalização concreta da constitucionalidade revela-se indissociável da função jurisdicional – pela natureza das coisas e porque o art. 204.º a refere (…) expressamente a «feitos submetidos a julgamento»…… os recursos de decisões do segundo tipo não se reconduzem a recursos de amparo (…) o direito de os interpor pode ser considerado um direito de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, mas os recursos não se configuram em si mesmos como meios específicos de defesa de direitos, liberdades e garantias (…) objeto do recurso é sempre a constitucionalidade ou a legalidade de uma norma, não a constitucionalidade ou a legalidade de uma decisão judicial” - cf. com “O Regime de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade em Portugal” (publicação do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas e do Centro de Investigação de Direito público). No caso vertente o recorrente não invoca a inconstitucionalidade de qualquer norma, mas antes a inconstitucionalidade de uma interpretação plasmada no próprio despacho o que, como vimos, não tem cabimento legal. Acresce que como entendeu o Tribunal da Relação de Évora no Acórdão de 12/09/2023 (processo n.º 8/22.5GECUB.E2 e consultado em www.dgsi.pt), que “invocando-se quadro de inconstitucionalidade necessário se torna, pensa-se, que se siga uma precisa delimitação e enunciação da questão e uma fundamentação, minimamente concludente, com um suporte suficientemente argumentativo que inclua a indicação das razões justificativas do juízo de inconstitucionalidade que vem defender, não bastando a mera e pura alocução de genéricas afirmações”. Ora, no caso dos autos, o recorrente não apresentou uma argumentação consistente e factual sobre a existência da alegada inconstitucionalidade, limitando-se a tecer considerações genéricas e conclusivas. De tudo resulta que o recurso improcede na sua totalidade. * C) Decisão:Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido BB e, em consequência, decidem manter o Despacho recorrido. * Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça devida – artigos 513.º, n. º 1, do Código de Processo Penal, 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa.* Notifique.* Carlos da Cunha Coutinho (relator)Guimarães, 19 de Março de 2024 (o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos seus signatários – artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal). * Isilda Maria Correia de Pinho (1.ª Adjunta) Pedro Freitas Pinto (2.º Adjunto). |