Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | PAULA RIBAS | ||
| Descritores: | ACÇÃO EXECUTIVA DÍVIDA COMUM DO CASAL INCIDENTE DE COMUNICABILIDADE ÓNUS DA PROVA | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/23/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 3.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | A comunicabilidade da dívida exequenda para responsabilizar a cônjuge de um dos executados terá de resultar da prova dos factos que permitam a aplicação de qualquer das alíneas do n.º 1 do art.º 1691.º do C. Civil. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório (elaborado com base no que existe já nos autos): AA e BB, exequentes nos autos principais, vieram instaurar o presente incidente de comunicabilidade da dívida ao cônjuge do executado, ao abrigo do disposto no art.º 741.º do Código de Processo Civil (doravante C. P. Civil), contra CC pedindo que a dívida exequenda seja considerada comum, prosseguindo a execução ulteriores termos até final contra a cônjuge não executada. Alegou, para tanto e em síntese, que a dívida consubstanciada no título executivo foi contraída na constância do matrimónio do executado DD e a ora requerida EE e no âmbito do exercício do comércio daquele primeiro, que se dedicava à atividade profissional de promoção de determinados produtos e serviços bancários e financeiros disponibilizados pela instituição bancária Banco 1..., Sucursal em Portugal. Alegou ainda que a dívida foi contraída em proveito comum do casal. Regularmente citada, a requerida apresentou contestação, declarando não aceitar a comunicabilidade da dívida, impugnando os fundamentos invocados pelos exequentes. Realizada a audiência de discussão e julgamento o presente incidente de comunicabilidade foi julgado improcedente. Inconformados, vieram os exequentes apresentar recurso de apelação formulando extensas 136 conclusões e requerendo a junção de três documentos a que dedicaram as suas quatro últimas conclusões. Foi proferido despacho a convidar os exequentes a circunscrever as conclusões apresentadas relativas à impugnação da decisão sobre a matéria de facto – 97 das 136 conclusões iniciais – tendo logrado elaborar, agora, 58 conclusões sobre aquela matéria de facto. A requerida respondeu ao recurso apresentado, pugnando pela manutenção da decisão proferida. ** II - Questões a decidir:Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – arts.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C. P. Civil -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber se: 1. da admissibilidade da junção de prova documental nesta fase de alegações de recurso; 2. deve ser alterada a decisão quanto aos factos provados e não provados impugnados pelos exequentes; 3. alterada ou não a matéria de facto provada, existe fundamento para julgar procedente o incidente de comunicabilidade da dívida apresentado pelos exequentes. ** III - Fundamentação de facto:Foram considerados como provados os seguintes factos: “3.1. Nos termos do documento escrito particular autenticado, denominado “Confissão de Dívida, datado de 18.01.2018, e subscrito por FF, GG e DD, respetivamente na qualidade de primeiro, segundo e terceiro declarantes, e AA e BB, na qualidade de quartos declarantes: “Pelo Primeiro, Segundo e Terceiro Declarantes foi dito: 1.º Que pelo presente documento particular, confessam-se devedores solidários aos Quartos Declarantes da importância de 440.000,00€ (quatrocentos e quarenta mil euros). 2.º Que a dívida, ora reconhecida, resulta do valor que lhes foi mutuado, gratuitamente, pelos Quartos Declarantes a 18 de Agosto de 2017. 3.º Que se obrigam a pagar a quantia em dívida, ora reconhecida, no valor de 440.000,00€ (quatrocentos e quarenta mil euros), em 120 prestações mensais, a primeira no valor de 10.000,00€ (dez mil euros), as onze seguintes no valor de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros), cada, e as 107 seguintes no valor de 3.726,85€ (três mil, setecentos e vinte e seis euros e oitenta e cinco cêntimos) cada, e a última no valor de 3.727,05€ (três mil, setecentos e vinte e sete euros e cinco cêntimos) a primeira a vencer-se no dia 18 de Janeiro de 2018 e as restantes 119, no mesmo dia dos 119 meses seguintes. 4.º Que a falta de pagamento certo e pontual de qualquer uma das prestações mensais implica o vencimento imediato das restantes, podendo os quartos declarantes, em função da responsabilidade solidária assumida pelos devedores, exigir de qualquer um deles a totalidade da dívida, acrescida dos respetivos juros de mora legal aplicável. Pelos Quartos Declarantes do dito: Que aceitam a presente confissão de dívida das condições exaradas.” 3.2. Aos 06.11.2018 deu entrada o requerimento executivo referente à execução principal, apresentando como título executivo o documento supra descrito, sendo alegado que: “os Executados em 18 de Abril de 2018 não procederam ao pagamento da 4.ª prestação, nem o fizeram até à presente data (…)os Executados aos Exequentes a quantia de 425.000,00€ (quatrocentos e vinte e cinco mil euros) desde 18 de Abril de 2018 (…) sobre a referida quantia acrescem juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a data do seu vencimento até à presente data, que perfazem a quantia de 3.726,03€ (…) sobre o capital em dívida, incidem ainda juros de mora vincendos até integral e efetivo pagamento”. 3.3. À data da “confissão de dívida” id. em 3.1., o executado e ali declarante DD era casado com a ora requerida CC, sob o regime da comunhão de adquiridos. 3.4. No dia 27.09.2018, foi decretada a separação de pessoas e bens, por mútuo consentimento, de DD e CC. 3.5. Realizada a partilha subsequente à separação de pessoas e bens, o prédio urbano composto de terreno para construção, com a área de 1536 m2, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial sob o artigo n.º ...34 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...09, foi adjudicado à ora requerida. 3.6. À data da “confissão de dívida” id. em 3.1., o executado DD dedicava-se à atividade profissional de promoção de determinados produtos e serviços bancários e financeiros disponibilizados pela instituição bancária Banco 1..., Sucursal Em Portugal, designadamente por conta das sociedades EMP01..., Ld.ª e EMP02..., Ld.ª”. ** Não resultaram provados os seguintes factos:“a) A Requerida teve intervenção, conhecimento ou deu o seu consentimento à elaboração da “confissão de dívida” id. nos autos. b) A predita “confissão de dívida” foi subscrita pelo executado DD, tendo em vista o exercício pelo mesmo da atividade profissional de promotor de produtos e serviços bancários e financeiros. c) A quantia descrita na referida “confissão de dívida” foi entregue, além dos demais, ao executado DD e por este utilizada em proveito próprio e comum do casal na altura constituído por si e pela ora requerida”. IV - Do objeto do recurso: 1. Da requerida junção de novos documentos: Para fundamentar a sua pretensão, formulam os exequentes as seguintes conclusões iniciais (levando-se em consideração que o Tribunal apenas determinou que fossem reformuladas as 97 conclusões relativas à impugnação da decisão sobre a matéria de facto): “132. Requer-se a V. Ex.ª, ao abrigo do disposto no art.º 651.º n.º 1 CPC, a junção aos autos dos docs. n.os 1 a 3 que estes acompanham. 133. A junção dos documentos em apreço revela-se necessária em virtude do julgamento proferido em primeira instância, uma vez que o Executado DD não reconheceu em audiência de julgamento a existência da dívida exequenda para com os Exequentes, 134. apesar de ter referido na p.i. de apresentação insolvência que se confessou devedor àquele da quantia de €440.00,00, que acordou o pagamento do mencionado montante e que o incumpriu, 135. tendo, ainda, indicado aqueles (Exequentes) como sendo um dos cinco maiores credores, no âmbito da sua apresentação à insolvência. 136. E, por isso, do teor e conteúdo dos documentos ora juntos constata-se a imprescindibilidade e a relevância de deles se dar conhecimento a este Tribunal. 137. Os documentos ora juntos consideram-se úteis e revelam-se necessários e essenciais para o apuramento da verdade material, a boa decisão da causa e a justa composição do litígio”. Estão em causa a petição inicial apresentada pelo executado DD quando requereu a declaração da sua insolvência, a relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos apresentada nesses autos pelo administrador de insolvência e a sentença de verificação e graduação dos créditos reclamados que, ali, foi proferida. Está em causa a aplicação do disposto nos arts. 651.º, n.º 1, e 425.º do C. P. Civil. Como se diz no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/09/2018, proc. 8977/16.8T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt. “na interpretação deste regime deve atentar-se em que a necessidade da junção de um documento que pode derivar do julgamento em primeira instância não corresponde à necessidade de suprir uma insuficiência instrutória anterior, revelada pela própria decisão da primeira instância. Pelo contrário, identificar-se-á uma tal necessidade quando o tribunal, oficiosamente, lance mão de um facto novo cognoscível, mas em desrespeito para com o princípio do contraditório. De igual forma, não pode considerar-se documento cuja junção tenha sido impossível até ao encerramento da discussão aquele que é formado posteriormente e demonstre um facto não alegado e, ele próprio, de ocorrência posterior, como explica Lebre de Freitas (CPC Anot, vol II, 3ª ed, pg. 243), citando ac. do STJ de 13/1/2005. Em qualquer caso, sempre carece o apresentante de justificar a necessidade ou a impossibilidade da junção do documento que pretende oferecer, incluindo quanto à sua superveniência”. Ora, no caso dos autos, tudo o que os exequentes alegam permite concluir que essa superveniência não existe. O que os exequentes pretendem é, apenas, contraditar o depoimento que foi prestado com a junção de prova documental sem que, quando da sua prestação tenham deduzido o incidente respetivo (e que, nos termos do art.º 621.º do C. P. Civil, tem o seu momento processual no próprio contexto da audiência de julgamento). Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/06/2023, proc. 1169/21,6T8PVZ.P1, in www.dgsi.pt, não pode “justificar-se a junção de documentos para prova de ‘factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”, citando-se para o efeito Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição. “As situações justificativas da necessidade da junção por virtude da decisão proferida na primeira instância relacionam-se com a novidade ou imprevisibilidade da decisão – a segunda parte do nº 1 do art. 651º do CPC tem o seu âmbito de aplicação circunscrito às situações em que a decisão da 1ª instância cria, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento”. Não é admissível, pois, a junção de documentos quanto a mesma se revelava “pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma direta e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento””. E continua “relacionando-se os documentos cuja junção é pretendida com matéria que se tem de considerar como a questão de facto controvertida que foi sujeita a discussão probatória e que mereceu das partes a proposição dos elementos probatórios que tiveram por pertinentes (ou seja, respeitam, ostensivamente, a questão de facto que se mostrava suscitada nos autos e era objeto de discussão), fica arredada a possibilidade de admitir a sua junção com fundamento no julgamento proferido na 1ª instância”. Não existe assim fundamento da admissão de novos documentos que, assim, se rejeitam. 2. Da impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto provada e não provada: 2.1. Em sede de recurso, os exequentes impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância, considerando apenas um facto provado e os três factos não provados. Atendendo ao disposto no art.º 640.º do C. P. Civil, nada obsta à sua apreciação. 2.2. Nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do C. P. Civil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Como se refere no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, proc. 2199/18.3T8BRG.G1, in www.dgsi.pt, “a reapreciação da prova pela 2ª Instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto. De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do artº 640º, do Código de Processo Civil. Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”. No que se refere ao facto provado impugnado está em causa o ponto 3.2., insurgindo-se os recorrentes quanto à circunstância de dele constar que a execução foi instaurada em 06/11/2018, não sendo essa a data em que foi apresentado o requerimento executivo, indicando como meio de prova os próprios autos de execução. Propõe que esse facto passe a constar com a mesma redação, mas com a data de 12/07/2018. Assiste integral razão aos exequentes, correspondendo a data de 12/07/2018 à data em que deu entrada no Tribunal o requerimento executivo, sendo nessa data proposta a ação executiva. Impõe-se, assim, julgar, nesta parte, procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto provada e, em conformidade, deve ser alterado o ponto 3.2. da matéria de facto provada de modo a que nesse passe a constar a data de 12/07/2018 em vez da data de 06/11/2018. No que se refere aos factos não provados, entende a recorrente que devem considerar-se provados os factos das alíneas b) e c), sendo o da alínea a) considerado provado com a seguinte redação “a) a requerida teve conhecimento da existência da “confissão de dívida” id. nos autos aquando da sua elaboração”. Quanto tentamos perceber nas suas extensas alegações a que meios de prova se reportam os exequentes para fundamentar a sua impugnação, facilmente percebemos que se limitam a afirmar que não pode ser colocado em causa que a quantia reclamada em sede de processo executivo foi mutuada aos executados e que a declaração confessória foi efetuada quando a requerida era casada com o executado DD, com quem ainda vive e de quem está apenas separada de pessoas e bens, enquanto viviam, ambos, dos rendimentos da atividade profissional daquele. Ora, estas circunstâncias da vida do executado e da requerida não permitem a prova dos factos alegados, sobre os quais, diga-se, os exequentes nenhuma prova produziram. Nenhuma. Os exequentes efetuam uma descrição de todos os atos praticados no processo executivo referindo que a requerida foi citada na qualidade de cônjuge do executado e nada disse. Este silêncio nada releva para provar os factos que os exequentes pretendem que o Tribunal afirme: que sabia da existência das declarações vertidas no documento apresentado como título executivo, e que o dinheiro de que se confessaram devedores foi utilizado por si e pelo marido DD, ou para o exercício da atividade profissional deste, de que o agregado familiar era dependente. Em relação ao conhecimento da requerida sobre a existência da confissão de dívida referem os exequentes apenas o facto de a requerente ser casada com o requerido e a circunstância de aquela ter aceite a comunicabilidade de outra dívida que seria contemporânea deste documento de confissão de dívida. A constância do casamento nada releva para que se afirme o que era ou não do conhecimento da requerida. Quanto à alegada aceitação da comunicabilidade de outra dívida, esta revela apenas que a requerida aceitou que era também responsável pelo seu pagamento, sem que tenha sido alegada qualquer relação entre aquela e a quantia exequenda que permita concluir que, aceitando aquela comunicabilidade, teria também de aceitar os fundamentos invocados nestes autos. Aliás, os elementos dessa outra dívida que estão referidos pelos exequentes (por reporte do documento junto) nada têm a ver com os que aqui se discutem. Por um lado, aquela outra dívida era de 23/05/2016 e o documento particular, para além de assinado pelo marido da requerida, está também assinado pela empresa EMP02... Ld.ª (uma das empresas de cuja atividade se alega dependerem os rendimentos do agregado familiar da requerida e do marido), referindo-se o valor de que todos se confessam devedores “à totalidade das quantias correspondentes aos contratos de créditos titulados” pelos credores e que estavam anexos a esse documento. Ou seja, naquele caso concreto é possível perceber-se qual a origem da dívida de que o executado DD se confessou devedor. Na situação dos autos, a declaração confessória está apenas assinada pelas pessoas singulares que a subscreveram e nela se refere, apenas, resultar de um mútuo gratuito de 18/08/2017. Ou seja, nem as dívidas são contemporâneas (tendo mais de um ano de diferença), nem a origem ou os obrigados são exatamente os mesmos. Veja-se que os exequentes se referem à quantia entregue aos executados como tendo sido efetuada a título de empréstimo, descrevendo de seguida o regime de bens do casamento do executado DD com a requerida e a atividade profissional daquele para, de seguida, alegar “a quantia mutuada no montante de €440.000,00 foi, tanto quanto os exequentes têm conhecimento, utilizada no exercício dessa atividade comercial e em conjunto com os demais executados GG e FF, sócios e gerentes, à data, das sociedades comerciais EMP01..., LDA e EMP02..., LDA”. Ora, sobre essa utilização no exercício da atividade daquela empresa nenhuma prova produziram os exequentes, sendo que, no caso da dívida de 23/05/2016, a relação entre o débito confessado e aquela atividade consta, como se disse, do próprio documento onde constam as declarações confessórias dos devedores. É certo que tal prova – sobre o destino da quantia mutuada - se poderia ter alcançado através do depoimento das testemunhas, todos eles executados que, por escrito, confessaram a existência da dívida resultante de um mútuo contraído em 18/08/2017. Estes executados, porém, que foram as únicas testemunhas inquiridas (e o Tribunal ouviu atentamente todos os depoimentos prestados em audiência), negaram em absoluto a própria existência do mútuo, afirmando que nenhuma quantia lhes foi entregue pelos exequentes e, assim, nada teriam de lhes restituir, indicando ter sido outra a origem da alegada dívida (que descreveram nos mesmos exatos termos). Não está, nestes autos, em causa saber se os executados contraíram junto dos exequentes um mútuo de 440.000,00 euros e se esta quantia lhes foi entregue pelos exequentes. Os executados não deduziram oposição à execução. Os depoimentos dos executados, tendo sido contrários às declarações confessórias que constam do título executivo, não permitem concluir, no que àqueles executados diz respeito, que o mútuo não existiu e a quantia de 440.000,00 não foi entregue. A confissão de dívida resultante de um mútuo consta de documento particular autenticado e é-lhe, por isso, aplicável o regime do art.º 377.º e 376.º do C. Civil. Assim, “na parte em que contenham uma declaração confessória - enquanto reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e que favorece a parte contrária (artigo 352º CC) -, esta considera-se provada nos termos aplicáveis aos documentos autênticos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena (nº2 do artigo 358º)” - vide o Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 09/05/2024, proc. 4206/19.0T8VNF-A.G1, in www.dgsi.pt.. Porém, desta conclusão - serem os executados responsáveis pelo pagamento da quantia de 440.000,00 euros resultantes de um mútuo – não se retira a prova dos demais factos relevantes controvertidos, no que se reporta à requerida, quando esta nenhuma declaração confessória emitiu: - que teve conhecimento da existência do documento de confissão de dívida quando este foi elaborado; - que a quantia de 440.000,00 euros mutada foi entregue tendo em vista o exercício da atividade profissional do executado DD de promotor de produtos e serviços financeiros; - que foi utilizada pelo executado DD em proveito próprio e comum dos casal constituído por si e pela esposa. Ora, sobre estes factos, nenhuma prova se produziu (tendo sido muito lacónicas as questões colocadas pelo próprio Mandatário dos exequentes às testemunhas inquiridas, remetendo-se a um comentário de “ser aquela a sua versão”, sem que outra tivesse sido apresentada por quem quer que fosse), limitando-se os recorrentes a afirmar que não podendo os executados questionar a existência do mútuo e a entrega do dinheiro - e as suas declarações como testemunhas em julgamento não permitem colocar em causa a sua existência - tal implicaria que aqueles factos não provados tivessem de ser julgados como provados, o que, evidentemente, não é verdadeiro. Não há atitude processual da requerida (neste ou noutros processos) ou dos executados (ainda que agora neguem o que está já confessado) que permita afirmar os factos impugnados como provados se, como acontece no caso em apreço, nenhum elemento probatório existe sobre o destino da quantia mutuada e a sua concreta utilização para este ou aquele fim. Não existe, assim, qualquer meio de prova que, pela positiva, permita afirmar como provados os factos que resultaram não provados na decisão de 1.ª Instância. 3. Da fundamentação jurídica da decisão: Nestes autos está apenas em causa a comunicabilidade à requerida da dívida pela qual é responsável o executado DD. A existência desta dívida não está em causa nestes autos. O executado DD é responsável pelo pagamento da quantia exequenda, tendo-se confessado devedor da quantia de 440.000,00 euros. Esta não é, porém, a questão deste incidente de comunicabilidade da dívida. A única questão que aqui se coloca é a de saber se, por afirmação dos factos que subjazem à aplicação das alíneas invocadas do n.º1 do art.º 1691.º do C. Civil, a requerida pode ser também responsabilizada pela dívida contraída pelo marido DD. Não estão provados quaisquer factos que permitam convocar a aplicação deste regime. Não tendo havido qualquer alteração relevante da decisão sobre a matéria de facto, e dependendo o mérito do recurso interposto integralmente dessa modificação, nos termos do art.º 608.º, nº2, aplicável ex vi n.º 2 do art.º 663.º, ambos do C. P. Civil, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida no âmbito da subsunção dos factos às normas legais correspondentes, pelo que a apelação terá de ser julgada improcedente, mantendo-se e confirmando-se a sentença recorrida. Os exequentes, porque vencidos, são responsáveis pelas custas da presente apelação, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil. V – Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação apresentada pelos exequentes, mantendo-se a decisão proferida que julgou improcedente o incidente de comunicabilidade da dívida. As custas do recurso são da responsabilidade dos exequentes. ** Guimarães, 23/10/2025 (elaborado, revisto e assinado eletronicamente) Relatora: Paula Ribas 1ª Adjunta: Fernanda Proença Fernandes 2º Adjunto: José Manuel Flores |