Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANABELA VARIZO MARTINS | ||
Descritores: | CITIUS ACTOS PROCESSUAIS CONTESTAÇÃO IRREGULARIDADE | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 09/26/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
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Sumário: | I – A partir da recepção dos autos em tribunal, a que se refere o n.º 1 do artigo 311.º e os artigos 386.º, 391.º-C e 396.º do Código de Processo Penal, a tramitação dos processos penais deve ser feita de forma electrónica. II – O uso de outros meios para a prática dos actos processuais configura uma irregularidade de conhecimento oficioso. III – Em tais casos deve o juiz ordenar a sua reparação, determinando o envio através do citius, sob pena de não admissibilidade do acto processual em causa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO No processo sumário com o nº 162/21.3PFBRG, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Criminal de Braga - Juiz 3, realizado julgamento, foi proferida sentença, no dia 15 de Novembro de 2021, com o seguinte dispositivo (transcrição na parte que releva): “a) Condenar o arguido J. C., como autor material de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 105 (cento e cinco) dias de multa, a 6,00€ (seis euros) por dia, totalizando o montante de 630,00€ (seiscentos e trinta euros); b) Condenar o arguido J. C. na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, durante o período de 8 (oito) meses; c) Condenar o arguido J. C. no pagamento das custas do processo fixando a taxa de justiça em 2 (duas) Unidades de Conta”. Inconformado com tal sentença, dela veio o arguido interpor o presente recurso, apresentando a respectiva motivação, que finaliza com as conclusões que a seguir se transcrevem: “1. Nos presentes autos, o Tribunal a quo apenas tomou conhecimento da contestação apresentada pelo Arguido em momento posterior ao da prolação da sentença. 2. Daí que o Tribunal recorrido tenha vindo mediante despacho, em momento posterior ao da prolação da sentença, referir que “Tendo em conta que já foi proferida sentença, na qual foram validados os meios de prova e considerado inexistir qualquer nulidade processual, nada mais há a determinar neste momento.” 3. Não tendo o Tribunal a quo conhecido o teor da contestação apresentada, não podia levar, como efetivamente não levou, ao rol dos factos dados como provados e não provados a matéria alegada em sede de contestação. 4. Analisando a sentença oralmente proferida e aqui posta em crise, verifica-se que em momento algum, aquele douto Tribunal a se pronunciou sobre os factos alegados em sede de contestação. 5. Entre estes factos, destacam-se aqueles que dizem respeito a proibição de valoração da prova carreada para os autos por ser proibida e desleal à luz do artigo 126.º do Código de Processo Penal. 6. De facto, no momento em que se procedeu à detenção do ora Arguido, este diligenciou no sentido de contactar com o seu defensor para que este se deslocasse às instalações da Polícia de Segurança Pública. 7. Acontece que uma vez chegado ao dito local, o defensor do ora Arguido não só foi impedido de estabelecer contacto pessoal com o seu constituinte, como também ainda viu o acesso àquelas instalações bloqueado. 8. A isto acresce que, enquanto o Arguido se encontrava detido, e após ter realizado o teste de natureza quantitativa para determinação da TAS no sangue, o agente de autoridade responsável para o efeito, transmitiu ao Arguido que teria o direito de realizar uma contraprova, apesar de entender que o ideal seria não se sujeitar a mesma visto que podia “acusar um valor superior”. 9. Por conseguinte, o Arguido acatou a “sugestão” daquele agente de autoridade, pois estava em crer que em breve o seu defensor estaria ali para o aconselhar. 10. Como se tal não fosse suficiente, urge salientar que o auto de constituição de Arguido é falso, pois dele se faz menção à figura e nome de um suposto defensor (diga-se, inexistente, e para tanto basta consultar o portal da ordem dos advogados e pesquisar o nome em questão) do Arguido que não assistiu a qualquer diligência, não o acompanhou e muito menos assinou aquele auto. 11. De todos estes factos relatados nos parágrafos precedentes – suscetíveis de constituírem não só a violação dos direitos do Arguido e do seu defensor, previstos nas alínea e) e f) do número 1 e número 2 do artigo 61.º, número 1 do artigo 62.º, e número 1 do artigo 63.º, todos do Código de Processo Penal, como também a utilização de um meio enganoso de modo a lograr a obtenção da prova e, por isso, proibida à luz da alínea a) do número 1 do artigo 126.º do Código de Processo Penal – o Tribunal a quo deles não se pronunciou no momento oportuno para o efeito, isto é, em sede de sentença. 12. Salvo o salvo o devido respeito que é muito por melhor opinião, a sentença aqui posta em crise ao omitir a apreciação e decisão sobre o conteúdo das provas e dos factos alegados pela defesa que podia e devia ter conhecido, na medida em que não só foram suscitados em tempo, como também eram relevantes para a decisão sobre a medida da sanção, padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto na alínea a) do número 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal que implica, nos termos do número 1 do artigo 426.º do Código de Processo Penal, a anulação da decisão recorrida e o reenvio do processo para nova decisão, antecedida de novo julgamento. 13. Caso assim não se entenda, e uma vez mais salvo o devido e muito respeito por melhor opinião o Tribunal a quo ao não se ter pronunciado no momento oportuno para o efeito, isto é, em sede de audiência de julgamento e consequente sentença, sobre a legalidade da prova carreada para os autos do presente processo, incorreu no vício de omissão de pronúncia previsto na alínea c) do número 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal. 14. Padecendo a sentença da nulidade prevista na alínea c) do número 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, deve a sentença ser declarada nula e, consequentemente, ser reformada pelo mesmo tribunal, proferindo nova sentença que supra a omissão apontada. 15. Em conformidade com aquilo que se aludiu nos parágrafos precedentes, o Tribunal a quo não valorou diversos elementos constantes no articulado de contestação apresentado pelo Arguido. 16. Deste modo, deu como provado que no dia - de novembro de 2021, pelas 05h33, o Arguido tripulou o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula IH, na via pública, na Avenida …, em Braga, depois de ter ingerido bebidas alcoólicas e apresentando uma taxa de álcool no sangue de 1,684 gramas/litro, 17. Sucede, porém, que o aparelho quantitativo utilizado para efeitos do presente processo e que serviu de fundamento àqueles factos dados como provados, designadamente, o modelo Safir Evolution, aprovado pelo Instituto Português de Qualidade – Despacho n.º 4283/2014, publicado em Diário da República n.º 58/2014, Série II de 2014-03-24, páginas 777 – não pode ser utilizado para efeitos da valoração de prova, uma vez que o seu uso foi aprovado em 2014 para um período de três anos, período esse que se esgotou no fim do ano civil de 2017, o que significa que não se pode ter como fidedigno o seu resultado. 18. Em consequência, o Tribunal a quo ao dar como provado que o Arguido tripulou o veículo ligeiro de passageiros depois de ter ingerido bebidas alcoólicas e apresentando uma taxa de álcool no sangue de 1,684 gramas/litro – tudo, por conta do valor apurado no dito teste quantitativo que à data dos factos não se encontrava aprovado para o efeito –, violou a parte final do número 1 do artigo 153.º do Código da Estrada, bem como o artigo 125.º do Código Penal, por ter formado a sua convicção mediante a valoração de uma prova proibida por lei. 19. A proibição de produção da prova e consequente proibição de valoração da mesma, implica que se declare nulo e de nenhum valor probatório aquela prova carreada para os autos, bem como todos os atos subsequentes, incluindo a sentença condenatória. 20. De resto, caso não se entenda conforme o exposto supra, o que não se concede e só por mero dever de patrocínio se admite, e pesar do muito e devido respeito por entendimento diverso, não pode merecer a concordância do Arguido a medida da pena acessória encontra pelo Tribunal a quo. 21. Não se questiona a opção do tribunal a quo quanto à pena principal, visto que entre a aplicação de uma pena de prisão e outra pena de multa, decidiu, e bem, pela escolha da segunda, por entender que esta realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 22. Nos termos do número 1 e 2 do artigo 40.º do Código Penal, a aplicação da pena visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, sendo que caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. 23. A prevenção e a culpa são, em consequência, os instrumentos jurídicos irremediavelmente atendíveis e necessariamente determinantes para balizar a medida da pena concreta a aplicar. 24. A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência coletiva (prevenção geral positiva) é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstrata, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente, sendo que entre esses limites, satisfazem-se as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização. 25. Uma vez escolhida a natureza da pena há que determinar a sua medida concreta, tendo em conta os limites mínimo e máximo apontados pela moldura penal abstrata, devendo o Tribunal ter em conta a culpa do Arguido e as exigências de prevenção, tudo nos termos do número 1 do artigo 71.º do Código Penal. 26. A concretização desse critério para determinar a pena concreta que se pretende justa e adequada a cada caso concreto tem desenvolvimento, na ponderação que o Tribunal deve ter, de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor e/ou contra o Arguido, conforme dispõe o número 2 do artigo 71.º do Código penal. 27. O preceito prevê nas alíneas a) a f) – circunstâncias meramente exemplificativas – que o julgador deve ponderar. 28. Os critérios legais, mencionados nos parágrafos precedentes, e previstos para as penas principais, são integralmente aplicáveis às penas acessórias. 29. O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por cuja prática o Arguido foi condenado, é punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. 30. À luz da alínea a) do número 1 do artigo 69.º do Código Penal, a proibição de conduzir veículos com motor para Arguido pela prática do crime previsto no número 1 do artigo 292.º do Código Penal, é fixada num intervalo de três meses e três anos. 31. O Tribunal a quo aplicou a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por 8 (oito) meses. 32. No caso aqui em apreço há que ponderar que o Arguido para além de ter confessado os factos que lhe eram imputados, mostrou arrependido e ainda pediu desculpa ao Tribunal a quo pelo seu comportamento, sendo certo que é um cidadão que se encontra plenamente inserido a nível profissional, familiar e social na sociedade da qual faz parte integrante como membro ativo. 33. Face aos critérios enumerados pelo artigo 40.º e 70.º, ambos do Código Penal, entende aqui o Arguido, salvo o devido e muito respeito por melhor opinião, que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados aplicada pelo Tribunal a quo, peca por excesso e, por isso, justifica-se que seja reduzida de 8 (oito) para 6 (seis) meses, sendo esta uma condenação que decerto não só servirá como um aviso sério ao Arguido, como também implicará um maior castigo que o cumprimento da própria pena principal de multa. 34. Ao condenar o Arguido na pena acessória em que condenou, o Tribunal a quo violou o disposto no número 1 e 2 do artigo 40.º, alínea a) do número 1 do artigo 69.º, artigo 70.º, artigo 71.º e número 1 do artigo 292.º, todos do Código Penal. 35. Pelo que nesta parte deve a sentença ser substituída por outra que condene o Arguido como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 6 (seis) meses. O Ministério Público, em 1ª instância, respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e, consequentemente, pela manutenção da decisão recorrida, porquanto: - Na matéria de facto dada como provada foram dados como provados todos os factos necessários à prova de todos os elementos objectivos e subjectivos imprescindíveis à condenação do arguido pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez pelo qual foi condenado, pelo que, do texto da decisão recorrida não se retira a alegada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, devendo aqui improceder o recurso ora interposto; - A sentença não padece da nulidade invocada pelo arguido, pois que, quando foi a mesma proferida não era efectivamente conhecida pelo tribunal a contestação por ele apresentada, pelo que à data em que foi proferida, não era exigível ao tribunal ao quo pronunciar-se sobre as questões. Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido de que: - Se declare a nulidade da douta sentença recorrida, por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, ordenando-se o reenvio do processo à 1.ª instância para prolação de nova sentença onde seja sanado tal vício; - No mais, que não assiste razão ao arguido. Cumprido o art.º 417º, nº 2 do C. P. Penal, não foi apresentada resposta. Colhidos os vistos, procedeu-se à realização da conferência- artigo 419º, nº 3, al. c), do Código de Processo Penal. II- FUNDAMENTAÇÃO 1 – OBJECTO DO RECURSO. Dispõe o art.º 412º, nº 1 do C. Processo Penal que “a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”. As conclusões delimitam, assim, o objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso. (1) Atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (2), são as seguintes: 1- Nulidade da sentença, por omissão de pronúncia; 2- Vício da insuficiência da matéria de facto provada; 3- Valoração de prova proibida; 4- Medida da pena acessória. 2. APRECIAÇÃO DO RECURSO. Cumpre apreciar as questões objecto de recurso. 2.1 Nulidade da sentença, por omissão de pronúncia. A este respeito o recorrente alega que o tribunal a quo não se pronunciou em sede de audiência de julgamento e na sentença proferida, sobre a contestação apresentada, da qual apenas tomou conhecimento em momento posterior ao da prolação da sentença e, consequentemente, sobre as questões nela suscitadas, designadamente sobre a (i)legalidade da prova carreada para os autos do presente processo, e, como tal, incorreu no vício de omissão de pronúncia previsto na alínea c) do número 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal (diploma a que se reportam as demais disposições legais sem menção de origem). Vejamos se lhe assiste razão. Em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 374.º do C P Penal, sob a epígrafe “Requisitos da sentença” “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.” A fundamentação da sentença é uma exigência constitucional prevista no art.º 205º da CRP, que prevê que, “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. Germano Marques da Silva, (3) sublinhando de igual modo a importância da fundamentação, na análise das suas finalidades, escreve: “A fundamentação dos actos é imposta pelos sistemas democráticos com finalidades várias. Permite o controlo da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autocontrolo.” Também, a propósito, se escreve no acórdão do STJ 24-01-2018 (4), “I - A necessidade de fundamentação da sentença condenatória, nos termos dos artigos 374.º e 375.º do CPP, que concretizam requisitos específicos relativamente ao regime geral estabelecido no artigo 97.º, n.º 5, do CPP, decorre directamente do art. 205.º, n.º 1, da CRP. A fundamentação das decisões dos tribunais, constituindo um princípio de boa administração da justiça num Estado de Direito, representa um dos aspectos do direito a um processo equitativo protegido pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos.” Estes requisitos da fundamentação surgem como uma clara decorrência do preceituado no art.º 368º, nº 2, do mesmo diploma legal, que prevê, “ Em seguida, se a apreciação do mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente enumera discriminada e especificamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, relevantes para as questões de saber: a) Se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime; b} Se o arguido praticou o crime ou nele participou; c) Se o arguido actuou com culpa; d) Se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa; (…).” E, do disposto no art.º 339.º, n.º 4 do CPP que estabelece que a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação, os factos alegados pela defesa e os factos que resultarem da prova produzida em audiência, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368.º (questão da culpabilidade) e 369.º (questão da determinação da sanção) (sublinhado nosso). Neste sentido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-10-2011, (5) em que se sublinha que: “VI-A jurisprudência do STJ firmou-se, de há muito, no sentido de que a decisão deve conter a enumeração concreta, feita da mesma forma, dos factos provados e não provados, com interesse e relevância para a decisão da causa, sob pena de nulidade, desde que os mesmos sejam essenciais à caracterização do crime em causa e suas circunstâncias, ou relevantes juridicamente com influência na medida da pena, desde que tenham efectivo interesse para a decisão, mas já não no caso de factos inócuos, excrescentes ou irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, mesmo que descritos na acusação e/ou na contestação, ou ainda a matéria de facto já prejudicada pela solução dada a outra. VII -O tribunal no cumprimento da obrigação de fundamentação “completa”, há-de apresentar uma fundamentação que permita uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão, com referência ao que foi adquirido e o não foi em termos de facticidade apurada, se possível com explicitação diferenciada do que resultou da acusação, ou do que adveio da contestação e do que emergiu da discussão em audiência, com reporte ao modo de aquisição, permitindo a transparência do processo e da decisão, tendo que deixar bem claro que foram por ele apreciados todos os factos alegados, com interesse para a decisão, incluindo essa apreciação os que não foram considerados provados.” Por sua vez, nos termos do disposto no art.º 379º do CPP, sob a epígrafe “Nulidade da sentença”, estabelece-se que: “1 – É nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374ª ou, (…); b) (…) c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.” Para conhecimento desta questão cumpre salientar as seguintes incidências processuais observadas nos presentes autos: - A 2/11/2021, o Ministério Público deduziu acusação em Processo Sumário, imputando ao recorrente a prática de factos susceptíveis de integrarem um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo art.º 292º, n.º 1, do Código Penal, e ao qual é aplicável a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, nos termos do disposto no art.º 69º, n.º 1, al. a), do mesmo Código; -O arguido solicitou prazo para preparação da defesa, tendo sido designado o dia 15/11/2021, para realização de julgamento, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 382.º do Código de Processo Penal; - No dia 03/11/2021, os autos foram remetidos para julgamento; -No dia 12/11/2021, o arguido/recorrente, através do seu Ilustre Mandatário, apresentou contestação e arrolou uma testemunha; -Essa contestação não foi apresentada electronicamente através da plataforma Citius; -A audiência de julgamento decorreu, no dia 15/11/2022, sem que, previamente, a contestação tenha sido junta ao processo e sem que o Mmº Juiz a quo tivesse conhecimento da mesma; -Após o depósito da sentença foi lavrado, no dia 15/11/2022, o seguinte “ termo” nos autos: «Consigna-se que o requerimento, de 12-11-2021 refª 12213001, enviado apenas fisicamente e não pelo "Citius", apesar de ter sido dada entrada no referido dia, e uma vez que constava no "Citius" mas não se encontrava digitalizado, apenas no dia 15-11-2021 pelas 11:43 horas me dirigi à secção central, solicitando o mesmo e a meu pedido foi digitalizado na hora. Mais se consigna que no dia 12-11-2021, os oficiais de justiça ao serviço deste Juízo - Juiz 3, se encontravam ausentes, por motivo de greve. Consigna-se ainda que, só após o final da audiência é que o ilustre mandatário do arguido, "questionou" pela contestação junta aos autos no dia 12-11-2021, tendo o aqui signatário, solicitado informação ao mesmo, qual o motivo por não ter remetido tal peça processual via "Citius", uma vez que o ilustre mandatário constava no processo eletrónico, sem quaisquer restrições, tendo o mesmo respondido "não conseguir aceder ao mesmo"». -Ainda no mesmo dia 15/11/2022, na sequência desse termo, foi proferido o seguinte despacho: “Visto. Tendo em conta que já foi proferida sentença, na qual foram validados os meios de prova e considerado inexistir qualquer nulidade processual, nada mais há a determinar neste momento.“ Das incidências processuais relatadas resulta inquestionável que na data em que foi proferida a sentença recorrida ainda não se encontrava junta aos autos a contestação apresentada pelo arguido/recorrente. Porém, como referimos supra, essa contestação não foi apresentada electronicamente através da plataforma Citius. Importa, pois, antes de mais apreciar as consequências dai decorrentes. O Código de Processo Penal não contém directamente normas que definam o regime de apresentação a juízo dos actos processuais das partes. Por esse motivo tem-se entendido que, por força do disposto no art.º 4º do Código de Processo Penal, é aplicável o art.º 144º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que, relativamente à apresentação de peças processuais pelas partes, veio definir o seguinte: “1 Os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no nº 1 do artigo 132º, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva expedição. 2 A parte que pratique o acto processual nos termos do número anterior deve apresentar por transmissão eletrónica de dados a peça processual e os documentos que a devam acompanhar, ficando dispensado de remeter os respectivos originais.” Para regulamentar a matéria da tramitação electrónica de processos à luz do novo CPC foi aprovada a Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, entrada em vigor no dia 1 de Setembro de 2013. Na sua redacção inicial a referida Portaria apenas tinha como âmbito de aplicação, as acções declarativas cíveis e as ações executivas cíveis (cfr. art.º 2º da referida Portaria), prevendo-se, ainda, disposições específicas para os processos da competência dos tribunais e juízos de execução de penas (arts. 32º e segs. da referida Portaria). Essa Portaria foi, contudo, alterada pela Portaria n.º 170/2017, de 25 de Maio prevendo-se, nesta, também, a tramitação electrónica dos processos penais nos tribunais judiciais de 1.ª instância, embora apenas a partir da recepção dos autos em tribunal a que se referem o n.º 1 do artigo 311.º e os artigos 386.º, 391.º-C e 396.º do Código de Processo Penal (cfr. art. 1º, nº 2 da Portaria 280/2013, na nova redacção). Sucede, porém, que, como salienta o Exmº PGA no parecer que antecede, quando são usados outros meios para praticar o acto processual, como ocorreu com o envio da contestação no caso concreto, que se concretizou após da recepção dos autos em tribunal, a lei processual penal não prevê qualquer mecanismo ou sanção específica. Neste caso a posição dominante da doutrina (6) e da jurisprudência (7) é no sentido que o desvio à regra processual penal referente ao meio para a prática de actos processuais penais, configura uma irregularidade de conhecimento oficioso. Em que o juiz deve ordenar a reparação, nos termos do art.º 123º, nº 2, do C. P. Penal, determinando o envio através do Citius, sob pena de não admissibilidade do acto processual em causa. Nessa linha de entendimento também o tribunal Constitucional (8) se tem pronunciado que, em situações em que o não cumprimento, ou o cumprimento defeituoso, de certos ónus processuais pelo arguido é susceptível de implicar a perda definitiva de direitos ou a preclusão irremediável de faculdades processuais, se deveria equacionar a prévia formulação de convite ao arguido para suprimento da deficiência. Esse entendimento assenta essencialmente no fundamento de que a garantia da via judiciária estatuída no artigo 20.º da C.R. Portuguesa, conferida a todos os cidadãos para tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos (cfr. art.º 32º do mesmo diploma legal), abrange não só a atribuição do direito de acção judicial, mas também a garantia de que o processo, uma vez iniciado, deve seguir as regras de um processo equitativo, conforme impõe o n.º 4 do referido artigo 20.º, da Constituição. Revertendo ao caso concreto importa, pois, concluir que, não obstante a contestação não tenha sido apresentada electronicamente através da plataforma Citius (em circunstâncias e por motivos não devidamente apurados), a sua junção deveria ter sido previamente regularizada, com o enquadramento acima exposto. Posteriormente, após a regularização dessa junção, o tribunal a quo deveria tomar posição sobre as questões nela suscitadas. Só desta forma se garante que o tribunal, num processo equitativo, teve em atenção de igual modo, os factos, as provas e os argumentos da acusação e da defesa, e indagou e apreciou todos os factos. Ao agir de forma diversa, o tribunal a quo impediu o arguido, por razões que não lhe são imputáveis, de se defender, e, em consequência, violou os princípios fundamentais das garantias de defesa, a que o processo criminal deve obedecer (artigo 32º, n. 1, CRP). O artº. 32.°, n.º 1, da Constituição assegura um amplo direito de defesa, consistente nos meios concretos de defesa que em cada caso se mostrem necessários. (9) Dispõe, por sua vez, o artigo 18.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que “os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”. Desta forma o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 32.º, n.ºs 1 e 5 e 18.º, ambos da Constituição da República Portuguesa, o que impõe que se declare anulado todo o processado desde a apresentação da contestação em tribunal (art.º 122º n.º 2 do Código de Processo Penal), incluindo o julgamento e a sentença recorrida, esta não por omissão de pronúncia, como defendia o recorrente, uma vez que quando foi proferida não era efectivamente conhecida pelo tribunal a contestação, mas sim em consequência da violação dos princípios constitucionais supra citados. Por conseguinte o processo deve baixar à 1.ª instância para que esta, após regularizar a junção da contestação, venha suprir a apontada omissão. Por fim, resta referir que a verificação da referida nulidade prejudica o conhecimento das restantes questões suscitadas no presente recurso. * III – DECISÃOPelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso, anulando-se todo o processado posterior à apresentação da contestação em tribunal, nos moldes acima mencionados. Sem tributação. (Texto elaborado pela relatora e revisto pelos signatários - art.º. 94º, n.º 2, do CPP) Guimarães, 26 de Setembro de 2022 Anabela Varizo Martins (relatora) Paulo Almeida Cunha (1º adjunto) Helena Lamas (2ª adjunta) 1. Cfr. entre outros Ac.do STJ de 05.12.2007 proc. nº 1378/07, de 16-06-2005, proc 05P1577 27-10-2016, processo nº 110/08.6TTGDM.P2.S1, de 06-06-2018, processo nº 4691/16. 2 T8 LSB.L1.S1 e da Relação de Guimarães de 11-06-2019, processo nº 314/17.0GAPTL.G1, disponíveis em www.dgsi.pt e, na doutrina, Germano Marques da Silva- Direito Processual Penal Português, 3, pág. 335 e Simas Santos e Leal Henriques in «Recursos em Processo Penal», Editora Rei dos Livros, 6.ª Edição, pág. 81 e seguintes. 2. Neste sentido, vd. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95, proferido pelo Plenário das Secções Criminais do STJ em 19 de outubro de 1995, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de dezembro de 1995, que fixou jurisprudência no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”. 3. In Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 1994, pg. 290. 4. Proc. n.º 388/15.9GBABF.S1 – 3.ª Secção, acessível in www.stj.pt. 5. Proc. n.º 36/06.8GAPSR.S1, acessível em www.dgsi.pt. 6. Tiago Caiado Milheiro, in "Comentário Judiciário do Código de Processo Penal", 1ª ed., na anotação §12 ao art.º 94º. 7. Cfr. entre outros Ac. da Relação do Porto de 15-11-2018, processo nº 9585/11.5TDPRT.P2, Ac. do ST.J. de 06-07-2021, processo nº 492/17.9GACSC-A.S1, disponíveis em www. dgsi.pt. 8. Entre outros Acórdão 174/2020, Processo n.º 564/2018 disponível em www. tribunal constitucional.pt. 9. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 1, 3ª ed., 1996, p. 66. |