Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4369/23.0T8GMR-A.G1
Relator: PAULA RIBAS
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
SENTENÇA
CASO JULGADO
PRESCRIÇÃO
JUROS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/31/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - A sentença proferida no apenso de reclamação, verificação e graduação de créditos no âmbito de uma execução permite a aplicação do disposto no art.º 311.º do C. Civil.
2 – Porém, resulta do n.º 2 daquela norma que o prazo curto de prescrição se mantém, em relação às prestações ainda não devidas na data em que a sentença foi proferida.
3 – É o que acontece com os juros de mora vencidos depois da data em que foi proferida a sentença de verificação e graduação dos créditos.
Decisão Texto Integral:
Relatora: Paula Ribas
1ª Adjunta: Elisabete Coelho de Moura Alves
2ª Adjunta: Anizabel Sousa Pereira
Juízo de Execução de ... – Juiz ... – Tribunal Judicial da Comarca de Braga

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório (elaborado com base no que existe já nos autos):

Por apenso aos autos de execução sumária nº 436923.0..., intentados por EMP01..., SA vieram os executados AA e BB oferecer oposição, por embargos, visando a extinção da execução. Alegam, para fundamentar essa pretensão que prescreveu, em 06/04/2015, o crédito exequendo.
Recebidos os embargos, foi a exequente notificada para contestar, o que fez, pugnando pela não verificação da prescrição, pois que intentou, por apenso ao processo n.º 168/10.... (que correu os seus termos no Tribunal Judicial de ..., Secção Única – ulteriormente distribuído ao Juízo de Execução de Guimarães do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juiz ...), contra os aqui executados, reclamação de créditos na qual foi o crédito exequendo reconhecido por sentença.
Conclui pela improcedência dos embargos.
Ouviu-se as partes sobre a intenção do tribunal em conhecer de mérito, nada tendo sido requerido em oposição.
Em 09/05/2024 foi proferido despacho saneador-sentença, tendo o Tribunal julgado improcedente a exceção de prescrição que foi invocada.
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Inconformados, vieram os embargantes apresentar recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

“1ª-) A presente apelação versa exclusivamente sobre matéria de direito e tem por objeto o douto despacho saneador-sentença, de 9 de maio de 2024, que julgou improcedente os embargos de executado deduzidos pelos aqui Recorrentes.
2ª-) Entendeu o Tribunal a quo que, por aplicação do artigo 311º, n.º 1, do Código Civil, o prazo prescricional do crédito da Recorrida passou a ser o prazo ordinário de 20 anos em virtude da prolação das sentenças de verificação e graduação de créditos em 2012 e em 2016 no âmbito do processo executivo n.º 168/10.....
3ª-) No entanto, com o devido respeito, não podem os Recorrentes concordar com a interpretação feita pelo Meritíssimo Juiz a quo do artigo 311º, n.º 1, do Código Civil. Passaremos a explicar porquê.
4ª-) Como bem entendeu o Tribunal a quo, ao crédito exequendo é aplicável a alínea e) do artigo 310º do Código Civil, segundo a qual as quotas de amortização do capital pagáveis com juros prescrevem no prazo de 5 anos.
5º-) Verificando-se um ato interruptivo da prescrição, nomeadamente a reclamação de créditos deduzida pelo Banco 1..., S.A. – credor originário – no âmbito do processo executivo suprarreferido, a nova prescrição, de acordo com o n.º 2, do artigo 326º do Código Civil, está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311º.
6ª-) Ora, dispõe o artigo 311º, n.º 1, do Código Civil o seguinte: “O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.”
7ª-) A questão que se coloca, portanto, é a de saber se in casu o crédito da Recorrida está titulado por sentença transitada em julgado que o reconheça. Adianta-se, desde já, que a resposta é categoricamente negativa.
8ª-) No seguimento da referida reclamação de créditos foram proferidas duas sentenças de verificação e graduação de créditos que reconhecem e graduam o crédito da Recorrida, uma em 6 de março de 2012 e outra em 13 de agosto de 2016.
9ª-) Porém, salvo melhor entendimento, as sentenças de verificação e graduação de créditos apenas produzem efeitos no âmbito do processo em que são proferidas.
10ª-) As sentenças de verificação e graduação de créditos limitam-se somente a atestar a existência ou não de um crédito, conferindo ao credor o direito ao reconhecimento e à graduação mesmo para pagamento com a venda dos bens penhorados.
11ª-) Nesse sentido, o facto de determinado credor, num concreto processo de execução, ter logrado obter a verificação e graduação do seu crédito, não o dispensa de, em outra execução que, porventura, venha a ser instaurada, reclamar novamente os direitos da sua titularidade, o que evidencia a total autonomia entre os vários processos de execução fiscal.
12ª-) E assim é por inexistir, entre processos de natureza executiva, a tríplice identidade que constitui o pressuposto para que, nos termos do n.º 1 do artigo 581º do Código de Processo Civil, se possa afirmar que, por efeito de uma primeira decisão proferida, se formou caso julgado.
13ª-) Com efeito, a verificação e graduação do crédito da Recorrida nas sentenças datadas de 6 de março de 2012 e de 13 de agosto de 2016 apenas produzem efeitos no âmbito do processo n.º 168/10...., em que é exequente a Banco 2..., S.A. e executados os aqui Recorrentes.
14ª-) Consequentemente, o crédito da Recorrida não está titulado por sentença transitada em julgado, motivo pelo qual não tem aplicação in casu o disposto no n.º 1 do artigo 311º do Código Civil, mantendo-se o prazo prescricional primitivo de 5 anos.
15ª-) Também não é de acolher a posição defendida pela Recorrida na sua contestação, segundo a qual é aplicável o prazo ordinário de 20 anos em virtude do vencimento imediato de todas as prestações aquando do incumprimento por parte dos Recorrentes.
16ª-) Isto porque, de acordo com o decidido no acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 30/06/2022, processo n.º 6/2022, ocorrendo o vencimento antecipado das prestações com juros, designadamente nos termos do artigo 781.º do Código Civil, o prazo de prescrição de 5 anos mantém-se, incidindo o seu termo na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.
17ª-) Destarte, pese embora a reclamação de créditos apresentada pela Recorrida em processo executivo instaurado contra os aqui Recorrentes seja um meio eficaz de interrupção do prazo prescricional, ainda assim o crédito já estaria prescrito na data em que foi intentada a ação executiva que deu origem aos presentes autos.
18ª-) O processo de execução onde foram proferidas as sentenças de verificação e graduação de créditos extinguiu-se em 27 de dezembro de 2017 e os Recorrentes apenas foram citados em 12 de outubro de 2023, muito depois de decorrido novo prazo prescricional de 5 anos.
19ª-) Assim, face ao exposto, deveria o Tribunal a quo ter julgado totalmente procedentes os embargos de executado deduzidos pelos aqui Recorrentes e, consequentemente, determinado a extinção do processo executivo.
20ª-) Sem prescindir, caso assim não se entenda, nunca seriam devidos juros vencidos desde 05/04/2010 até ../../2023 como peticiona a Recorrida no seu requerimento executivo.
21ª-) Nos termos da alínea d) do artigo 310º do Código Civil, a obrigação de pagamento de juros está sujeita ao prazo de prescrição de 5 anos, começando este prazo a contar-se a partir da exigibilidade da obrigação.
22ª-) Com efeito, ainda que se entenda que o crédito exequendo correspondente ao capital em dívida do mútuo bancário passou a estar sujeito ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos por força do disposto no n.º 1 do artigo 311º do Código Civil, o que apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, o mesmo não se pode dizer relativamente aos juros vencidos após a reclamação de créditos deduzida pela aqui Recorrida, em 9 de março de 2011.
23ª-) Aliás, o próprio artigo 311º do Código Civil, no seu n.º 2, estabelece que quando a sentença transitada em julgado que reconheça o direito de crédito “se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo”.
24ª-) É precisamente esse o caso dos juros de mora ainda não vencidos à data da reclamação dos créditos.
25ª-) O momento relevante para decidir sobre os juros prescritos e os não prescritos é, portanto, a data da citação dos Recorrentes para o processo executivo que deu origem aos presentes autos.
26ª-) Assim, o facto de os Recorridos apenas terem sido citados em 12 de outubro de 2023 leva a concluir que estão prescritos os juros vencidos até 12 de outubro de 2018.
27º-) No limite, caso não se considere prescrita a totalidade do crédito exequendo, conforme defendem os Recorrentes nas presentes alegações de recurso, apenas seriam devidos os juros vencidos entre 5 de abril de 2010 – data do incumprimento – e 9 de março de 2011 – data da reclamação dos créditos no âmbito do processo n.º 168/10.... – e os juros vencidos após 12 de outubro de 2018.
28ª-) Face ao vindo de expender, vai o presente recurso interposto com fundamento na violação pelo douto Tribunal a quo dos artigos 310º, alíneas d) e e) do Código Civil e ainda do artigo 311º do mesmo código, na medida em que das mesmas normas é operada uma errónea interpretação que afeta e lesa os direitos e legítimos interesses dos Recorrentes (artigo 674º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil)”.
Foram apresentadas contra-alegações, pugnando a recorrida pela manutenção da decisão de 1.ª Instância.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Pretendendo o Tribunal proceder à alteração da matéria de facto considerada provada, e não tendo tal questão sido suscitada pelas partes, foi cumprido o contraditório, tendo ambas aceite, expressamente, que fosse realizada tal alteração.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Questões a decidir:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – arts.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C. P. Civil -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber se:

1 - considerando a questão de fundo a apreciar, pode ser alterada oficiosamente a descrição da matéria de facto provada;
2 - é aplicável à situação em apreço o art.º 311.º do C. Civil;
3 -  em caso de resposta afirmativa, se tal significa considerar também não prescritos todos os juros de mora exigidos pela exequente no requerimento executivo.

III - Dispõe o art.º 642.º do C. P. Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
No saneador sentença proferido nestes autos, foi dado como provado que:
“j) O crédito decorrente do contrato de mútuo dado à execução foi objeto de reclamação de créditos em 09/03/2011, por apenso à Execução n.º 168/10.... (que correu os seus termos no Tribunal Judicial de ..., Secção Única – ulteriormente distribuído ao Juízo de Execução de Guimarães do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juiz ...) atenta a penhora do imóvel hipotecado, realizada à ordem dessa execução.
k) Crédito este que foi reconhecido e graduado por sentenças de 06/03/2012 e 13/04/2016, transitadas em julgado e notificadas aos Embargantes”.
Esta alegação corresponde ao que foi alegado pela exequente nos art.s 12.º a 14.º do articulado de contestação, tendo sido ordenada a junção de certidão desses autos de reclamação.
A forma como tais factos foram alegados e dados como provados contém, porém, uma imprecisão, que resulta da alegação da exequente que urge suprir, pois que pode ter relevância para a decisão a proferir, podendo o Tribunal considerar os factos concretizadores dos que foram alegados e que resultem da instrução da causa, nos termos do art.º 5.º, n.º 2, alínea b), do C. P. Civil, desde que sobre eles as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar.
Com efeito, como se retira da certidão junta aos autos, existe apenas uma sentença de reconhecimento, verificação e graduação do crédito da exequente - sentença proferida em 06/03/2012 -, e notificada aos embargantes por comunicação eletrónica de 14/03/2012, pois que a de 13/04/2016 não reconhece e verifica esse crédito, mas o reclamado por EMP02... SA, limitando-se a gradua-lo no confronto com o crédito reconhecido a este credor.
Não existem, assim, duas decisões de reconhecimento e graduação do crédito reclamado como foi alegado e considerado provado.
Altera-se assim o facto constante da alínea k) da matéria de facto provada nos seguintes termos:
k) Crédito esse que foi reconhecido e graduado por sentença de 06/03/2012, notificada aos embargantes por comunicação eletrónica de 14/03/2012, tendo voltado a ser graduado por sentença de 13/04/2016 perante a reclamação de créditos apresentada por outro credor, notificada aos embargantes, tendo ambas as decisões transitado em julgado”.
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IV - Fundamentação de facto:

Consideram-se assim provados os seguintes factos:
Do requerimento executivo:
a) Por força da deliberação extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, tomada em reunião extraordinária, no dia 03 de agosto de 2014, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do art.º 145-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo D.L. n.º 298/92, de 31 de Dezembro, foi constituído o Banco 3... S.A.
b) Por intermédio da mesma deliberação, determinou o Conselho de Administração do Banco de Portugal que “a generalidade da atividade e do património do Banco 1... S.A., é transferida, de forma imediata e definitiva, para o Banco 3... S.A.”
c) Por contrato de cessão de créditos celebrado em ../../2019, o Banco 3... S.A., cedeu à EMP01... – STC SA, um conjunto do créditos vencidos de que era titular, nos termos do documento junto ao requerimento executivo com o nº 1, entre os quais o aqui reclamado.
d) No âmbito da sua atividade creditícia, o Banco Cedente, por escritura pública de Mutuo com Hipoteca e Fiança, celebrada em 12 de Maio de 2004, emprestou aos Executados AA e BB a importância de Euros 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros), ao abrigo do regime geral do crédito habitação, pelo prazo de 15 anos, a liquidar em prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros, acrescidas do imposto de selo em vigor, e nas demais condições constantes do documento junto ao requerimento executivo com o nº2.
e) A quantia emprestada, referida no aludido título foi efetivamente entregue aos Executados AA e BB mediante crédito processado na sua Conta de Depósitos à Ordem, domiciliada na agência do Banco Cedente.
f) Em garantia do bom pagamento da importância mutuada, pelos Executados
AA e BB, foi constituída hipoteca sobre o prédio urbano composto por “Casa de ...”, sito no lugar da ..., freguesia ..., deste concelho, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o n.º ...17 da freguesia ... e inscrito na matriz sob o artigo ...64.
g) A hipoteca encontra-se registada a título definitivo a favor do Banco cedente pela Ap. ... de 2004/04/23 e cuja transmissão do crédito está registada a favor da Exequente sob a Ap. ...61 de 2019/07/03.
h) Para garantia do bom e pontual cumprimento do sobredito contrato, os Executados CC e DD, declararam constituírem-se fiadores e principais pagadores por tudo o quanto venha a ser devido ao Banco Cedente, em consequência do empréstimo que foi contraído, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia.
i) Os devedores interromperam o pagamento das prestações do empréstimo acima melhor identificado em 05.04.2010.
Da contestação aos embargos:
j) O crédito decorrente do contrato de mútuo dado à execução foi objeto de reclamação de créditos em 09/03/2011, por apenso à Execução n.º 168/10.... (que correu os seus termos no Tribunal Judicial de ..., Secção Única – ulteriormente distribuído ao Juízo de Execução de Guimarães do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juiz ...) atenta a penhora do imóvel hipotecado, realizada à ordem dessa execução.
k) Crédito esse que foi reconhecido e graduado por sentença de 06/03/2012, notificada aos embargantes por comunicação eletrónica de 14/03/2012, tendo voltado a ser graduado por sentença de 13/04/2016 perante a reclamação de créditos apresentada por outro credor, notificada aos embargantes, tendo ambas as decisões transitado em julgado.
Apurou-se ainda que:
l) Os executados foram notificados da reclamação de créditos, na pessoa do mandatário, por comunicação expedida eletronicamente em 23/3/2011.
m) O processo referido em j) encontra-se extinto, nos termos do art. 806º do CPC, desde 27/12/2017;
n) O Banco Cedente foi notificado, em 16/5/2016, no processo referido em j), pelo SE, nos seguintes termos “EE, Solicitador de Execução, vem pelo presente comunicar e notificar V. Exª., na qualidade de credor reclamante do seguinte: Para, no prazo de 10 dias, requerer a renovação da instância executiva (artigo 809º do CPC). Com os melhores cumprimentos”.
o) A presente execução foi intentada em 25/8/2023”.

V - Do objeto do recurso:

Vejamos a questão suscitada e relativa à aplicação (ou não) do disposto no art.º 311.º do C. Civil à situação dos autos.
Ambas as partes aceitam, pelo menos agora em sede de apelação, que o prazo inicial de prescrição aplicável era de cinco anos e que este se iniciou no dia seguinte ao incumprimento, ou seja, em 06/04/2010.
Como se escreveu na decisão proferida, “do contrato dado à execução resulta que foi concedido pelo Banco Cedente aos executados um empréstimo, confessando-se os mesmos devedores da quantia concedida e obrigando-se à restituição, em prestações, do capital, acrescido de juros de mora e despesas.
Entendemos, face à factualidade acima enunciada, que, como sustentam os embargantes, estamos perante “amortizações de capital pagáveis com os juros” subsumível à previsão normativa do art. 310º, al. e) do Cód. Civil.
Esta norma abrange obrigações que apesar de unitárias, o pagamento se encontra fracionado em prestações – entre outros, neste sentido cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/03/2014, (Processo nº 4273/11.5TBMTS-A.P1) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21/01/2016 (Processo nº 1583/14.3TBSTB-A.E1), acessíveis no sítio www.dgsi.pt.
Na doutrina, são do mesmo entendimento Ana Filipa Morais Antunes, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, volume III, página 47.
Refira-se ainda, a esse propósito, o recentíssimo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 6/2022, de 22 de setembro (publicado no Diário da República n.º 184/2022, Série I de 2022-09-22, páginas 5 – 15), que fixou, a propósito da questão que nos ocupa, jurisprudência no sentido de «I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.»
É precisamente a situação dos autos. O título que se pretende executar prevê a restituição do capital (acrescido de juros e despesas/comissões) em prestações, que devem ser submetidos ao prazo de prescrição mais curto de cinco anos, sob pena de se desvirtuar a sua ratio, que visa estimular uma cobrança imediata e célere dos montantes fracionados, impedindo um avolumar de dívidas de capital e juros”.
As partes também não discutem que a notificação efetuada nos autos de reclamação, verificação e graduação de créditos no processo 168/10...., dirigida aos aqui executados embargantes tenha efeito interruptivo desse prazo de prescrição de cinco anos, por aplicação do disposto no art.º 323.º, n.º 1, do C. Civil.
Verificada a interrupção, sendo inutilizado para a prescrição todo o tempo já decorrido, a nova prescrição está sujeita ao prazo de prescrição primitivo, salvo o disposto no art.º 311.º do C. Civil – art.º 326.º do C. Civil.
Este art.º 311.º com a epigrafe “direitos reconhecidos em sentença ou título executivo” estabelece que o direito para cuja prescrição a lei estabeleça um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo, ressalvando o seu n.º2 que, quando a sentença se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, e, relação a estas, a de curto prazo.
O prazo ordinário de prescrição é de vinte anos, nos termos do art.º 309.º do C. Civil.
Sobre a sua duração da interrupção, dispõe o art.º 327.º do mesmo diploma que se esta resultar de citação, notificação ou ato equiparado, o novo prazo não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
Na decisão proferida, considerando o efeito interruptivo da referida notificação dos aqui embargantes no processo de reclamação, verificação e graduação de créditos, entendeu-se que, com a prolação da respetiva decisão, seria aplicável o disposto no art.º 311.º do C. Civil e, assim, o novo prazo de prescrição seria de vinte anos.
É a aplicação desta norma que os recorrentes começam por questionar, alegando que a decisão proferida nos autos de reclamação, verificação e graduação de créditos apenas produz efeito de caso julgado no processo executivo de que constituem um apenso.
Citam para o efeito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/09/2018, proferido no proc. 10248/16.0T8PRT.P1.S1 e um outro proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, proc. 1246/13.7TTBRG-B.G1, e o entendimento de Lebre de Freitas.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que foi citado não versa sobre a questão do caso julgado material da sentença proferida em apenso de reclamação, verificação e graduação de créditos quando está em causa uma execução singular.
Depois de evidenciar a existência de entendimentos divergentes quando está em causa esta sentença, afirma que o quadro legal é diferente para a sentença proferida em idêntico apenso no processo de insolvência, concluindo que esta sentença (que no processo de insolvência reconhece e gradua os créditos) produz efeito de caso julgado material fora do processo.
Já o Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães e o pensamento do Professor Lebre de Freitas defendem efetivamente o que é referido pelos recorrentes.
Não reconhecendo à sentença proferida no apenso de reclamação e verificação de créditos o valor de caso julgado fora do processo em que foi proferida, como aqueles defendem, entendem os recorrentes que não existe sentença que possa permitir a aplicação do disposto no art.º 311.º do C. Civil.
Aceita-se que, nos termos de seguida referidos, seja discutível, na jurisprudência e na doutrina, que aquela sentença em específico constitua caso julgado fora do processo em que foi proferida.
Se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2019, da Juiz Conselheira Rosa Ribeiro Coelho, proc. 713/12.4T8BRG.B.G1.S1, se defende inequivocamente que sim, citando-se os Professores Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, já no Acórdão do mesmo Tribunal de 22/06/2010, do Juiz Conselheiro Ferreira de Almeida, proc.326/04.4TBOFR.C1.S1, (ambos acessíveis in www.dgsi.pt),  se defende que não, citando o Professor Lebre de Freitas. Muitos outros arestos há que confortam ambas as posições.
Independentemente destas considerações sobre o que pode ou não o devedor alegar sobre o crédito que foi já reconhecido, verificado e graduado no apenso respetivo no âmbito de uma execução singular, sobre o que nos parece não haver qualquer dúvida é que, em caso de procedência da reclamação apresentada por um credor terceiro à execução, naquele apenso profere-se uma sentença, que, quando transitada em julgado, reconhece, verifica e gradua o crédito reclamado.
E tanto basta para que seja aplicável o referido art.º 311.º do C. Civil.
Saber se a sentença proferida no apenso referido impediria os executados (ou terceiros) de colocar em causa a existência do crédito naquela reconhecido – para a qual releva saber se, com a prolação da decisão, se opera um caso julgado material ou apenas formal - é matéria que não cumpre aqui discutir, porque não foi esse o objeto dos embargos.
A única questão suscitada foi a da prescrição. E tendo o crédito do cedente sido reconhecido por sentença transitada em julgado, a partir desse momento, o prazo prescricional que até aí era de cinco anos passou a ser o prazo de prescrição ordinário – vide, neste exato sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09/05/2024, do Juiz Desembargador Aristides Rodrigues de Almeida, proc. 29/23.0T8OVR-B.P1, in www.dgsi.pt.: “ora, independentemente das considerações que se possam fazer sobre o âmbito ou a extensão do respetivo caso julgado, a sentença de verificação e graduação do crédito parece integrar o elenco das sentenças a que se refere a norma uma vez que ela ao julgar o crédito verificado, reconhece-o precisamente para ele possa ser pago na execução. Não parece curial defender que essa sentença não reconhece o crédito quando ela o julga verificado para efeitos de ser pago na execução”.

Como refere Júlio Gomes, in Comentário ao Código Civil: Parte Geral (coord. de Luís Carvalho Fernandes, José Brandão Proença), Lisboa, Universidade Católica Editora, 2014, página 757, esta norma é “concebida como uma espécie de exceção à exceção, o alargamento do prazo prescricional justifica-se “pela nova certeza e estabilidade do direito derivado da sentença, e porque o seu titular se sente mais à vontade para não o exercer com a prontidão com que o faria valer antes do reconhecimento judicial”, citado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/02/2004 do Juiz Conselheiro Afonso de Melo, proc.04AO95, consultável in www.dgsi.pt.
Resulta do exposto que entendemos ser aplicável o art.º 311.º do C. Civil, nos termos defendidos pela Mm.ª Juiz a quo.
Tal não significa, porém, que a exceção de prescrição invocada pelos embargantes executados seja totalmente improcedente, como se decidiu.
Com efeito, os embargantes excecionaram nestes autos a prescrição da “dívida”, tal como consta da sua oposição por embargos.
“A dívida”, tal como foi alegada pela exequente, correspondia a 57.601,97 euros de capital, 22.262,06 euros de juros e 890,48 euros de imposto de selo (cálculo de 4% sobre o valor de juros reclamados).
Ao excecionarem a prescrição da dívida estavam naturalmente também a excecionar a prescrição do direito de exigir os juros de mora contabilizados.
 Ora, da aplicação do disposto no n.º2 do art.º 311.º do C. Civil, resulta que, mesmo que já haja uma sentença que reconhece o crédito, quando estejam em causa prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, de curto prazo.
A obrigação de pagamento de juros de mora vence-se dia a dia e, assim, em relação ao período de mora posterior à sentença proferida, alínea k) da matéria de facto provada, o prazo prescricional continuou a ser de cinco anos, pois que o valor referente a cada um deles não era ainda devido quando a sentença foi proferida.

Assim:
a) em relação à dívida de capital e juros de mora vencidos até 06/03/2012, o prazo prescricional é, por via do n.º1 art.º 311.º do C. Civil, de vinte anos
b) em relação aos juros de mora vencidos a partir de 07/03/2012, o prazo prescricional é, nos termos do seu n.º2, de cinco anos.
Tais prazos não começaram, porém, a correr enquanto não transitou em julgado a decisão proferida que reconheceu e verificou o crédito do cedente.

Efetivamente, aqueles prazos de prescrição permaneceram interrompidos até ao trânsito em julgado da decisão que colocou termo ao processo de reclamação, ou seja, o trânsito em julgado da decisão proferida que reconheceu, verificou e graduou o crédito reclamado pelo cedente.
Considerando a data em que foi notificada a decisão, temos que concluir que nenhum daqueles prazos começou a correr antes de 27/04/2012, data em que se verificou trânsito em julgado da decisão (prazo de recurso de 30 dias).
Em relação às quantias referidas em a), é inequívoco que não há qualquer prescrição, pois que não decorreram ainda os vinte anos de prazo de prescrição ordinário.
Quanto ao prazo de prescrição de cinco anos relativo aos juros de mora vencidos a partir de 07/03/2012, aquele, após a interrupção decorrente da citação no processo de reclamação de créditos, iniciou-se assim apenas em 28/04/2012 e, a partir desta data, em cada um dos dias em que se venceu cada dia de juros de mora.
Alegam os recorrentes estarem prescritos todos os juros de mora vencidos há mais de cinco anos, considerando a data em que foram citados – 12/10/2023.
Porém, nova interrupção daquele prazo prescrição verificou-se decorridos que foram cinco dias após a propositura da execução a que estes autos estão apensos, nos termos do n.º 2 do art.º 323.º do C. Civil, e, assim, tendo a execução sido intentada em 25/08/2023, tem-se por interrompido o prazo de prescrição de cinco anos decorridos cinco dias, ou seja, a 31/08/2023.
Estariam assim prescritos todos os juros de mora vencidos há mais de cinco anos, ou seja, desde 07/03/2012 até ../../2018.
Não se podem, porém, ignorar as normas que, por via da pandemia da COVID 19, suspenderam a contagem dos prazos de prescrição (86 e 74 dias que resultam dos diplomas associados à pandemia Covid 19).
A aplicação da lei à situação de facto provada não carece de alegação das partes – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/09/2024, do Juiz Conselheiro Henrique Antunes, proc. 6499/18.1T8GMR-B.G1.S1, in www.dgsi.pt.
O art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, prescreveu que «1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública”.
E ainda que:
“4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional”.
Esta Lei produziu efeitos a partir de 09/03/2020, nos termos do art.º 6.º, n.º1, da Lei n.º4-A/2020, de 06/04, tendo sido revogada pela Lei n.º 16/2020, de 29/05. A Lei que fez cessar a suspensão dos prazos de prescrição entrou em vigor em 03/06, de onde se retira que os prazos de prescrição estiveram suspensos de 09/03/2020 a 02/06/2020.
Posteriormente, a 01/02/2021, foi publicada a Lei n.º 4-B/2021 que introduziu o art.º 6.º-B à Lei n.º 1- A/2020, cujo n.º 1 dispõe que “são suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes”; sendo certo que o seu n.º 3 expressamente estipula que “são igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1”. Decorre, assim, de forma clara desta Lei que ficaram suspensos os prazos de prescrição e caducidade que necessitem de processos ou procedimento judiciais para a sua interrupção.
Esta Lei, que entrou em vigor no dia 02/02/2021 (cfr. seu art.º 5º), estipulava expressamente que o aditado art.º 6º-B à Lei n.º 1-A/2020 produzia efeitos a 22/01/2021. Este art.º 6º-B da Lei n.º 1-A/2020 foi expressamente revogado pela Lei n.º 13- B/2021, e cujo art.º 5º estipula que “os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão.
Esta Lei entrou em vigor a 06/04/2021.
Assim, os prazos de prescrição estiveram suspensos entre 22/01/2021 e 05/04/2021.
Por via de tal suspensão, não estão prescritos os juros de mora que se venceram de 24/03/2018 a ../../2018.
Estão, pois, prescritos os juros de mora vencidos entre 07/03/2012 e 23/03/2018, sendo, apenas nessa medida, parcialmente procedente a exceção de prescrição relativa aos juros de mora e, assim, os embargos deduzidos.
Estando o imposto de selo calculado sobre o valor dos juros de mora, a prescrição do direito de exigir a totalidade dos juros de mora implica também que não possa ser exigido o imposto de selo correspondente ao montante de juros de mora cuja obrigação está prescrita.
Resulta do exposto que deve a presente apelação ser julgada parcialmente procedente, julgando-se os embargos procedentes também apenas em parte, com a consequente extinção parcial da execução.

Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663.º, n.º 7, do C. P. Civil):
1 - A sentença proferida no apenso de reclamação, verificação e graduação de créditos no âmbito de uma execução permite a aplicação do disposto no art.º 311.º do C. Civil.
2 – Porém, resulta do n.º 2 daquela norma que o prazo curto de prescrição se mantém, em relação às prestações ainda não devidas na data em que a sentença foi proferida.
3 – É o que acontece com os juros de mora vencidos depois da data em que foi proferida a sentença de verificação e graduação dos créditos.

VI – Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação apresentada pelos embargados executados e, em consequência:
- julga-se prescrita a obrigação de pagamento de juros de mora vencidos entre 07/03/2012 e 23/03/2018, mantendo-se, no mais, a decisão proferida;
- determina-se a extinção da execução quanto ao montante de juros de mora relativo a este período e imposto de selo correspondente.
As custas do recurso, dos embargos e da execução são da responsabilidade de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil.
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Guimarães, 31/10/2024
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)