Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1451/24.0T8VRL.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: RELAÇÃO JURÍDICA DE EMPREGO PÚBLICO
COMPETÊNCIA MATERIAL
INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
CEDÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/03/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Estando em causa a apreciação do ato de cessação de um acordo de cedência especial de funcionário público a pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial, a questão emerge de relação jurídica de emprego público, pelo que os tribunais do trabalho são materialmente incompetentes.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

Nos presentes autos, veio AA, idf. nos autos, instaurar procedimento cautelar não especificado contra EMP01..., E.I.M., S.A., idf. nos autos, pedindo, a final:

“(…) A) seja decretada a suspensão imediata da decisão da requerida de “extinção de Função e cessação de acordo de cedência de interesse público” comunicada ao trabalhador AA em 26.04.2024; e consequentemente,

B) que o requerente se mantenha a exercer funções no seu local de trabalho, com sede na Avenida ..., ... ..., até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na ação principal, caso a ela haja lugar. (…)”.     

Para tanto, alega, em súmula, que:
- o requerente integrou os serviços municipalizados de ... em 13/02/1984;
- no ano de 2004 os serviços municipalizados de ... foram extintos;
- o Município ... e a EMP02... outorgaram um protocolo, em consonância com o disposto no artigo 37.º, n.º 6, da Lei n.º 58/98, de 18 de agosto;
- no âmbito desse protocolo o requerente passou a exercer funções na EMP02...;
-  a EMP02... foi incorporada por fusão na requerida;
- o requerente, há mais de 20 anos, que desenvolve a sua atividade de Assistente Técnico no mesmo local, sito na Avenida ..., ... ...;
- foi notificado pela requerida da cessação do acordo de interesse público e que deveria regressar ao seu local de origem, no Município ..., mas tal decisão não se mostra fundamentada, nem é verdade que tenha ocorrido a extinção de funções invocada pela requerida;
- foi-lhe comunicado pela requerida que o Município ... pretendia que no dia 01/07/2024 se apresentasse na Direção do Agrupamento de Escolas ...;
- a mudança que lhe foi comunicada causa-lhe diversos danos patrimoniais e não patrimoniais e não é permitida pelo artigo 411.º do C.T.;
- considera que a decisão de cessação do acordo de interesse público constitui uma forma de obstar a que desenvolva a sua atividade sindical na requerida, enquanto Delegado Sindical e Dirigente Sindical do ...;
- solicitou a intervenção do ... para procurar junto da requerida obstar aos efeitos da comunicação da requerida, mas de forma infrutífera;
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Em despacho liminar considerou-se a seguinte matéria indiciariamente provada:

Matéria de facto indiciariamente provada:         

1. Resulta do registo comercial relativo à requerida:

- a constituição foi registada em 03/12/2019;
- possui a natureza jurídica de EMP03...;
- capital estatuário: € 27.148.050,00;
- sede: Avenida ..., ... ...;
- objeto social: “Exploração e gestão de sistemas de abastecimento e distribuição de água para consumo público e saneamento dos municípios participantes no seu capital social, designadamente, através de: | a) Promoção direta ou indireta da concessão, construção e exploração de unidades integrantes dos sistemas de captação, transporte, tratamento, abastecimento, valorização de águas de consumo público e para recolha, tratamento e rejeição dos respetivos efluentes; | b) Prestação de serviços de gestão, fiscalização e assessoria técnica e administrativa a entidades públicas ou privadas que prossigam, total ou parcialmente, atividade do mesmo ramo. Inclui a construção, extensão, reparação, renovação, manutenção e melhoria das obras e equipamentos necessários para o desenvolvimento da sua atividade”;
- incorporou, por fusão, a EMP02..., Água e Resíduos de ..., E.M., S.A., sendo a incorporação registada em 02/04/2020:

2. O Município ... e a EMP02... outorgaram protocolo com a epígrafe “Protocolo de Transição de Pessoal a Celebrar entre o Município ... e a EMP04..., EM” (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), da qual resulta, no que ora releva:

(…)

(…)

(…)


















3. O requerente subscreveu uma declaração (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), datada de 15/01/2004, contendo o seguinte teor, no que ora releva:


4. Em 16/11/2022 o requerente foi eleito, em reunião de trabalhadores da requerida, Delegado Sindical e, em 05/01/2024, foi eleito para integrar a Direção Regional ....
5. O requerente recebeu uma missiva (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), datada de 23/04/2024, enviada pela requerida, contendo o seguinte teor, no que ora releva:

6. O requerente recebeu uma missiva (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), enviada pelo Município ... à requerida, na qual lhe comunica que o requerente se deverá apresentar no dia 01/07/2024 na Direção do Agrupamento de Escolas ... e que o requerente regressará “(…) à sua carreira/categoria de origem e é posicionado na última posição remuneratória (8ª), com o valor atual de 1 175,46 e com 4 pontos para efeitos de alteração de posição remuneratória, conforme comunicado pela ADIN”.
7. A requerida emitiu o recibo de vencimento relativo ao requerente, referente ao mês de maio de 2024, no montante global de € 1.235,62, constante da ref. n.º ...21 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
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A petição foi liminarmente indeferida, considerando-se não resultar ser o autor titular do direito que invoca.
Consta da fundamentação, além do mais:
“Tendo presentes estas ideias, no caso “a quo”, importa considerar que ficou evidenciado que o requerente integrava os serviços municipalizados de ..., mas estes serviços vieram a ser extintos com a criação de uma empresa municipal, a EMP02... (cfr. o 2.º parágrafo do proémio do protocolo).
No âmbito dessa transição o Município ... e a EMP02... outorgaram um protocolo tendente à integração do pessoal do quadro dos serviços municipalizados (em consonância com o disposto no artigo 37.º, n.º 6, da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto), e, na sequência desse protocolo, o requerente subscreveu uma declaração, datada de 15/01/2004, de acordo com a qual manifestou a vontade de se manter integrado nos quadros do Município ..., apesar de passar a exercer funções na EMP02..., em regime de requisição.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, o requerente passou a desempenhar essas funções enquadrado na situação jurídico-funcional de cedência de interesse público (cfr. artigos 58.º, n.º 1 e 102.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro)

Os trabalhadores das empresas locais encontram-se sujeitos ao estatuto decorrente do Código do Trabalho (cfr. artigo 28.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto), mas o pessoal com relação jurídica de emprego público pode exercer funções nas empresas locais mediante acordo de cedência de interesse público (cfr. artigo 29.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto).

Prescreve o artigo 241.º, n.º 1, da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, que “mediante acordo de cedência de interesse público entre empregador público e empregador fora do âmbito de aplicação da presente lei pode ser disponibilizado trabalhador para prestar a sua atividade subordinada, com manutenção do vínculo inicial”, o qual carece de aceitação do trabalhador (cfr. artigo 241.º, n.º 2, da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho) e determina para o trabalhador em funções públicas a suspensão do respetivo vínculo, salvo disposição legal em contrário (cfr. artigo 241.º, n.º 3, da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho).
O trabalhador cedido fica sujeito ao regime jurídico aplicável ao empregador cessionário, salvo quando não tenha havido suspensão do vínculo, caso em que a situação é regulada pelo regime jurídico de origem, incluindo em matéria de remuneração (cfr. artigo 242.º, n.º 1, da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho) … 
Como já vimos, aquando da criação da EMP02..., à qual a requerida sucedeu, o requerente optou por manter o vínculo à função pública, continuando a integrar os quadros de pessoal do Município ..., estando tal situação atualmente acobertada por uma cedência de interesse público.
Por esse motivo, independentemente do local onde exerce a sua atividade ser o mesmo há mais de 20 anos (conforme se alega no requerimento inicial), o requerente não pode ser considerado trabalhador subordinado da requerida (não foi invocada qualquer inversão da posição sufragada pelo requerente na declaração de 15/01/2004 [A este respeito, como se salienta no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/03/2022, relatora Manuela Fialho, proc. n.º 2433/20.7T8LSB.L1-4, in www.dgsi.pt “(…) a cedência de trabalhador público com vínculo de nomeação, efetuada com base em interesse público, não traduz a celebração de um contrato de trabalho a termo (…) tal cedência pressupõe a manutenção do vínculo de origem, que se suspende temporariamente (…)”.]), mas antes de uma entidade pública, o Município ..., ainda que alguns dos poderes e deveres que emergem da relação laboral caibam à requerida enquanto vigorar a cedência de interesse público.
A cedência de interesse público apresenta, por natureza, uma índole transitória (de outro modo seria extinto o vínculo à entidade pública da qual o trabalhador é proveniente aquando da sua mudança e o vínculo não se consideraria suspenso enquanto vigora a cedência), pelo que se compreende que o acordo de cedência possa ser feito cessar, a todo o tempo, por iniciativa de qualquer das partes, incluindo o trabalhador, desde que observado o aviso prévio de 30 dias (cfr. artigo 241.º, n.º 5, da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho) , sob pena do infrator poder ser responsabilizado pelo prazo do aviso em falta.
Não se exige, porém, que uma das partes fundamente a decisão de pôr termo à cedência de interesse público, pelo que carece de relevo prático indagar se efetivamente ocorreu a extinção do “apoio administrativo da Unidade de Gestão de Manutenção e Infraestruturas da ADIN”, que é invocada na missiva enviada ao requerente e que este considera não ter tido lugar, para além de também não relevarem as propaladas motivações que estariam subjacentes à decisão da requerida de fazer cessar a cedência de interesse público, associadas aos efeitos da atividade sindical encetada pelo requerente na requerida.
 …
Em decorrência, sem necessidade de serem produzidas as provas oferecidas pelo requerente, conclui-se que este não logrou evidenciar ter titular do direito que invoca, pelo que é mister concluir pela não verificação integral dos pressupostos de que depende a providência almejada, e, nessa conformidade, deverá o presente procedimento cautelar ser liminarmente indeferido, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pelo requerente – cfr. artigo 608.º, n.º 2, do C.P.C.”
*
Inconformado o autor interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:

A. Não é pacífica a conclusão extraída pela Douta sentença que o Recorrente “não logrou evidenciar ser titular do direito que invoca, pelo que é mister concluir pela não verificação integral dos pressupostos de que depende a providencia almejada (…)”;
B. Entende-se que não foram apreciados todos os elementos factivos constantes da Petição Inicial relativamente ao invocado justo receio de sofrer lesão grave e de difícil reparação, pelo que não foi prestada em sentença qualquer menção à sua verificação, ou não, na sentença recorrida;
C. Pelo que deverá considerar-se a existência de uma omissão de pronúncia que deverá originar a nulidade da Sentença.
D. Em face de tudo o exposto, afigura-se também, salvo melhor opinião, que a Douta Sentença descredibilizou a posição de Delegado e Dirigente Sindical do Recorrente e deverá agora em sede de nova Sentença ser reconhecida essa qualidade, a coberto do artigo 411º. do Código de Trabalho.
E. Só é (só deverá ser) manifestamente improcedente um requerimento inicial insuscetível de aperfeiçoamento, por ser evidente, notório, indiscutível que a pretensão apresentada não pode proceder.
F. O indeferimento liminar de uma petição inicial apenas se mostra previsto para situações particularmente gravosas, nas quais não se mostrem alegados os factos essenciais que permitam a procedência do pedido formulado.
G. Tendo sido alegado, como fundamentado uma situação de justo receio de sofrer lesão grave, deve assim, deste modo, a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra onde se considere a procedência do procedimento cautelar e se declare a suspensão (provisória) imediata da decisão da requerida de “extinção de função e cessação de acordo de cedência de interesse público” comunicada ao Recorrente em 26.04.2024 e que este se mantenha a exercer funções no seu local de trabalho, com sede na Avenida ..., ... ..., até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na ação principal, caso a ela haja lugar.
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Vejamos.
O MºPº levantou a questão da competência material, referenciando ser questionada a relação pública de emprego, não tendo as partes respondida ao parecer após notificação que lhes foi efetuada.
Apreciando:
O autor alegando embora em 21 ser trabalhador da requerida, refere, designadamente em 31 ss, estar “ligado” por um “vínculo de emprego público”, que se pretendeu manter aquando da criação da empresa municipal EMP02..., sendo que o que se questiona no procedimento, é a decisão da requerida em fazer cessar o Acordo de Cedência de Interesse Público.
O autor integrava os serviços municipalizados de ..., mas estes serviços vieram a ser extintos com a criação de uma empresa municipal, a EMP02..., tendo o Município e a empresa Municipal outorgado protocolo tendo em vista a dotação de pessoal desta, integrando designadamente o autor, de acordo com o disposto no então em vigor artigo 37º, 6 da L. 58/98 de 16/8.
Nos termos do artigo 37º, 1 deste diploma, “o estatuto do pessoal baseia-se no regime do contrato individual de trabalho, sendo a contratação coletiva regulada pela lei geral.” E refere o nº 4, relativo ao regime de requisição, que, “enquanto se mantiverem na situação referida no número anterior, os funcionários mantêm todos os direitos inerentes ao lugar de origem, designadamente o direito à carreira e à segurança social, considerando-se, para todos os efeitos, o período de comissão de serviço, requisição ou destacamento como tempo de serviço efetivamente prestado no lugar de origem.”
Ora, o autor subscreveu declaração datada de 15-1-2004, manifestado a vontade de se manter integrado nos quadros do Município ..., como lhe permitia o nº 7 do normativo referido, apesar de passar a exercer funções na EMP02..., em regime de requisição.
Mantinha assim a sua relação a natureza de vinculo de emprego público, passando a aplicar-se, não o nº 1 do preceito, já que não aceitou integrar os quadros da empresa, mas antes o regime do nº 4, por passar a trabalhar para este sob requisição.
Na Lei n.º 53-F/2006, de 29 de dezembro, vejam-se os artigos 45 e 46, referindo os regimes de afetação específica ou de cedência especial, nos termos da legislação geral em matéria de mobilidade.
Na L. 50/2012, em vigor, vd. os artigos 28 e 29º, referenciando este o exercício de funções de titular de relação jurídica de emprego publico, mediante acordo de cedência de interesse público, nos termos da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que «estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas»

Assim, com este regime a situação do autor passa a enquadrar-se na Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, em vigor a 23-4-2024, situação jurídico-funcional de cedência de interesse público (cfr. artigos 58.º, n.º 1 e 102.º desta lei. Refere esta última norma:

1 - Os atuais trabalhadores em situação de mobilidade para, ou de entidade excluída do âmbito de aplicação objetivo da presente lei transitam para a situação jurídico-funcional de cedência de interesse público.
2 - Considera-se termo inicial da cedência referida no número anterior a data da entrada em vigor do diploma referido no n.º 5 do artigo 118.º
A L. 35/2014 de 20/6, mantem no essencial o regime – artigos 241º ss.
*
Neste quadro importa referir que a apreciação do ato de cessação da cedência de interesse publico, ainda que tenha ocorrido suspensão do vínculo de emprego público, não é da competência dos tribunais de trabalho, já que se trata de regime especial próprio, fora do quadro legal do direito laboral privado, de natureza claramente pública, relativo à gestão de relações de trabalho com rebate no regime do trabalho em função pública.
Um litigio desta natureza deve entender-se respeitar a questão emergente de relação jurídica de emprego publico, já que respeita a norma de natureza pública e inserida no regime geral do trabalho em funções publicas.
O artigo 83, 1 do Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, referia, “os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os competentes para apreciar os litígios emergentes das relações jurídicas de emprego público.; atualmente o artigo 12º da L. L. 35/2014, que aprova a “Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas”.

O ETAF refere no atrigo 4:
Âmbito da jurisdição
1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:

4 - Estão igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal:

b) A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público;

Como se refere no Ac. RC de 2-5-2013, processo nº 373/12.2TTGRD.C1, transcrevendo fundamentação da primeira instancia, “esta figura do contrato de cedência não deixa de se configurar como uma relação pública de emprego sujeita a normas próprias”. Refere-se no acórdão:
“Esse acordo de cedência está enquadrado de forma clara no regime de emprego público de mobilidade. Primeiro, pela Lei n.º 53/2006, de 6 de dezembro, já referida, concretamente pelo seu art. 9.º, o qual veio a ser revogado pelo n.º 4 do art. 32.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12. Depois, na vigência do acordo em causa, pelo art. 58.º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de fevereiro (que define e regula os Regimes de Vinculação, de Carreiras e de Remunerações dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas).
É, pois, a nosso ver, a apreciação da validade e cessação desse acordo de cedência, do regime do emprego público, que está em causa nos autos e não de quaisquer direitos do autor regulados especificamente no Código do Trabalho.
Parafraseando o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 18-01-2006 (proc. 019/05, in www.dgsi.pt), neste caso, sendo o autor funcionário público no serviço cedente, como ambas as partes concordam, mesmo após ter aceite desempenhar funções na requerida manteve o estatuto de funcionário público, ainda que porventura suspenso por força do acordo de cedência, com a necessária adaptação do respetivo regime jurídico. A celebração do acordo não operou uma conversão do contrato administrativo existente com o autor num contrato de trabalho regulado pelo Direito Privado, pois sendo ele funcionário público, tal acordo limitou-se a consubstanciar, não um facto constitutivo de uma relação nova, mas um facto modificativo de uma relação de emprego público pré-existente que enquanto regulado pelo regime de emprego público (o acordo de cedência) mantém carácter jurídico público. Ou seja, o autor não cessou a relação jurídica de emprego público (de funcionário público) para assumir, por sua iniciativa, uma relação de contrato individual de trabalho. O que poderá, quando muito ter sucedido, é a adaptação do regime pré-existente num outro, eventualmente com recurso a normas do Código do Trabalho, respeitantes a deveres e obrigações, sem deixar a órbita do regime de emprego público.
Por consequência, emergindo o litígio de uma relação jurídica de emprego público e não de uma relação laboral de direito privado, caberá a respetiva apreciação na competência dos tribunais administrativos, designadamente nos termos do art. 83.º da Lei nº 12-A/2008, de 27/2, e art. 4.º n.º 1, als. b) e f), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pela Lei n.º13/2002, de 19/2).”
Consequentemente, para apreciação da legalidade ou não do ato de cessação da cedência de interesse publico, os tribunais de trabalho são materialmente incompetentes, competindo à jurisdição administrativa.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar os tribunais de trabalho incompetentes em razão da matéria para apreciação da questão, absolvendo-se a requerida da instância.
Custas pelo requerente.
3-12-2024

Antero Veiga
Francisco Pereira
Vera Sottomayor