Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
487/22.0T8VPA.G1
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO
EXPROPRIAÇÃO
DESVALORIZAÇÃO DA PARTE SOBRANTE
PERITAGEM
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I) - Quanto à indicação dos concretos pontos de facto sobre que incide a impugnação, o cumprimento do ónus impugnatório deve constar, até por razões de objetividade e certeza, obrigatoriamente das conclusões, sob pena de rejeição do recurso, pois são as conclusões que delimitam o objeto do recurso e que definem as questões a reapreciar pela Relação.
II) - No processo de expropriação, sendo a peritagem obrigatória e traduzindo-se a avaliação do bem expropriado num problema essencialmente técnico, o tribunal deve aderir, em princípio, aos pareceres dos peritos, dando preferência ao valor resultante desses pareceres, desde que sejam coincidentes, e, por razões de imparcialidade e independência, quando não sejam coincidentes, optar pelo laudo dos peritos nomeados pelo Tribunal quando haja unanimidade entre eles, porquanto este é o meio de prova que melhor habilita o julgador a apurar o valor do bem expropriado, com vista à atribuição da justa indemnização.
III) - Em face de laudos divergentes e não possuindo o juiz conhecimentos técnicos justifica-se que considere o laudo maioritário ou o laudo dos peritos do tribunal por se dever presumir que as conclusões subscritas por um número maior de peritos, reunindo maior consenso, terão maior aptidão para atingir o objetivo da fixação da justa indemnização ou que os peritos do Tribunal, não tendo sido indicados pelas partes e não tendo com elas qualquer ligação, oferecem melhores garantias de isenção e imparcialidade, estando, por isso, em melhores condições de, com objetividade e isenção, determinar o justo valor da indemnização.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública, em que é Expropriante o Município ... e Expropriados AA e BB, por despacho de 10 de Maio de 2022, publicado no Diário da República, 2ª série-N.º113 de 20 de Maio de 2022 (republicado pela Declaração de Retificação n.º 536/2022), foi declarada a utilidade pública com carácter de urgência da expropriação da parcela n.º ..., com área de 10320 m2 a destacar do prédio rústico, sito no Lugar ..., inscrito na matriz predial rústica com o n.º ...14 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...09.
Os Expropriados interpuseram recurso do acórdão arbitral invocando argumentos de facto que, em seu entendimento, conduziriam a que a indemnização pela expropriação da parcela referida se fixasse no valor global de €557.600,00, mais tendo invocado a ilegitimidade passiva.
A Expropriante veio responder ao recurso, pugnando pela manutenção do valor determinando em sede de acórdão arbitral e, bem assim, pela improcedência da exceção invocada.
Foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade.
Procedeu-se à avaliação prevista na lei.
Os Peritos indicados pelo Tribunal e pela Expropriante consideraram como justo valor de indemnização, o montante de €79.025,00 e o Perito indicado pelos Expropriados, o valor de €131.000,00.
Ambas as partes apresentaram as alegações finais, concluindo os Expropriados que a indemnização deverá ser fixada em €131.000,00 e a Expropriante que deverá manter-se a indemnização fixada na decisão arbitral, no valor de €57.425,40.
Foi proferida sentença que decidiu:
“Em face do exposto julgo improcedente o recurso interposto pelos expropriados e, em consequência, fixo a indemnização da parcela n.º ..., a destacar do prédio rústico sito no Lugar ..., inscrito na matriz predial rústica com o n.º ...14 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...09 em €79.025,00 (setenta e nove mil e vinte e cinco euros) a atualizar, a final, nos termos do disposto no artigo 24º, nº 1 do Código das Expropriações
Custas na proporção do decaimento que fixo em 2/3 para os expropriados e 1/3 para a entidade Expropriante, nos termos do artigo 527º do Código de Processo Civil.
Fixo o valor da presente ação em €79.025,00, nos termos do artigo 306º do Código de Processo Civil.
Registe e Notifique.”
Inconformado apelou o Expropriado da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“Um. A douta sentença em crise desvalorizou ou não levou sequer em linha de conta a desvalorização que a parcela sobrante sofreu.
Dois. Não foi considerada a desvalorização da parcela sobrante pelo facto de ter sido expropriada totalidade da frente junto da EN...;
Três. Não foi tida em conta a desvalorização da parcela sobrante só ter acesso por outro prédio dos expropriados;
Quatro. Não foi tida em conta as condicionantes que o prédio rústico /parte sobrante passa a ter.
Cinco. Como área de proteção do furo pode a entidade expropriante condicionar o seu uso agrícola ou pecuário.
Seis. Com o fundamento na possível contaminação do solo podem os expropriados ser obrigados a cessar de ter animais no prédio ou de o cultivas, devido à possível contaminação com estrumes, fertilizantes ou herbicidas.
Sete. Tendo sido expropriada a parcela oc possibilidade construtiva na área de expansão da ..., podendo perder a possibilidade de utilização agrícola ou pecuária, fica relegada a terra de ninguém, sem qualquer valor quer para venda, quer para exploração.
Oito. Mesmo separada fisicamente o prédio, soma da área expropriada e da parcela sobrante, era constituído por uma unidade física una, e, como tal, com um valor superior ao valor somado.
Nove. Foi tida em conta o valor da área expropriada, sem se cuidar da desvalorização que nos próximos anos, e mercê desta expropriação resultará para a parte sobrante, como bem definiu o Sr. perito dos expropriados no relatório pericial.
Dez. Deveria a expropriação arbitrada ter levado em linha de conta essa desvalorização, o que não ocorreu.
Onze. Deveria ter sido o município condenado no pagamento do valor de 130.000€.
Consideram-se violado os art.º 23º e 24º da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro.”

Pugna o Recorrente pela procedência do recurso e consequentemente pela alteração da sentença recorrida.
A Expropriada apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes:
1 – Saber se deve ser rejeitado o recurso da impugnação da decisão matéria de facto;
2 – Saber se se verifica desvalorização da parte sobrante.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância (transcrição):

1. Por Despacho publicado no Diário da República, 2ª série-N.º113 de 20 de Maio de 2022 (republicado pela Declaração de Retificação n.º 536/2022), foi declarada a utilidade pública com carácter de urgência, da expropriação das parcelas necessárias à execução de furo para captação de água mineral natural.
2. A parcela n.º ... foi destacada do prédio rústico sito no Lugar ..., inscrito na matriz predial rústica com o n.º ...14 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...09 e insere-se nas parcelas mencionadas em 1).
3. A parcela expropriada mencionada em 2) tem a área de 10.320m2 e foi desanexada de prédio com cerca de 21.630m2 e pese embora a área constante da caderneta predial seja inferior.
4. A área sobrante desenvolve-se para nascente do canal da antiga linha férrea, atualmente via pedonal e ciclovia, a qual se encontrava já separada fisicamente da parcela expropriada.
5. No troço da antiga linha férrea e quanto à atual ciclovia, foi concedida a sua utilização ao Município ... através de um “Protocolo de Concessão de Utilização de Bens Do Domínio Público Ferroviário”, celebrado no dia 16 de fevereiro de 2005, com inicio em 1 de março de 2005 e válido por um período de 25 anos, renovável por períodos sucessivos de 1ano.
6. A parcela insere-se me “Zona Alargada de Proteção” da concessão de água mineral natural, denominada “...”.
7. A parcela insere-se em local com características rurais, não se integra em qualquer aglomerado urbano, nem possui serviços ou equipamentos nas proximidades.
8. Na parcela não existem quaisquer construções.
9. À data da DUP o prédio tinha aproveitamento agrícola, com solo mediamente profundo, sem afloramentos rochosos, sensivelmente plano, capaz de ser aproveitado para uma cultural rotativa bianual.
10. A parcela expropriada apresentava, à data da vistoria “ad perpetuam rei memoriam”:
a. Evidencias de colheita recentes (nomeadamente a existência de fardos de palha), não existindo qualquer ocupação;
b. Vedação precária no limite poente por rede ovelheira apoiada em prumos de madeira numa extensão de 175m lineares;
c. Conjunto de árvores de médio porte.
11. A parcela sobrante tem acesso por outro prédio dos Expropriados.
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Factos considerados não provados em Primeira Instância (transcrição):
1. A parcela sobrante perde capacidade e aptidão construtiva.
2. A parcela expropriada levou à perda integral da frente poente do prédio com a EN..., numa extensão de 170 metros.
3. Os expropriados aufiram uma renda anual no montante de €500,00, que deixaram de auferir.
4. Que todos os anos, na parcela expropriada, sejam apascentadas cerca de 15 cabeças de gado.
5. Que o valor do quilo de carne bovina se cifre em quantia nunca inferior a €1.000/ano;
6. Que os expropriados se dedicassem à produção de vitelos, sempre com cerca de 8 vitelos por cada dois anos, que representam o valor de €900,00 a €1.500,00.
7. Que os expropriados despenderão a quantia de €650,00 para aquisição de imóvel para substituição do atual, nomeadamente os referentes à escritura e registos.
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3.2. Da rejeição do recurso da impugnação da decisão da matéria de facto
Analisadas as conclusões de recurso apresentadas pelo Recorrente é evidente que são totalmente omissas quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, delas não constando qualquer menção a este propósito, limitando-se o Recorrente a tecer considerações de ordem geral relativamente à desvalorização da parcela sobrante que entende não ter sido considerada pelo tribunal a quo.
Contudo, no corpo das alegações consta que “o quesito 1 dos factos não provados deveria estar como facto 11 dos provados” e que também “o facto não provado 2 deveria ter sido dado como provado”.
Coloca-se assim a questão da rejeição do recurso nesta parte, em face do não cumprimento pelo Recorrente do ónus de impugnação da decisão da matéria de facto.
Vejamos.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do CPC que dispõe que “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
De acordo com este preceito é de exigir ao recorrente que obrigatoriamente especifique:
i. Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
ii. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
iii. Quando a impugnação dos pontos da decisão da matéria de facto se baseie em provas gravadas deverá ainda indicar com exatidão as passagens da gravação relevantes e proceder se o entender à transcrição dos excertos que considere oportunos;
iv. A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O legislador impõe de forma expressa ao recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto tal ónus de especificar, e o seu incumprimento implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento.
A este propósito escreve Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, Almedina, 2014, p. 133) que o Recorrente “deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente (…)” mas também que importa que “não se exponenciem os requisitos a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a pretendida reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador” e que, por outro lado, “quando houver sérios motivos para rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto; quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia; ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afetados (…)”.
Temos entendido como essencial que das conclusões formuladas pelo recorrente constem efetivamente os pontos da matéria de facto que impugna; é que são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, que definem as questões a reapreciar pela Relação, pelo que o cumprimento do ónus decorrente do referido artigo 640º (alínea a) do n.º 1) impõe que nas mesmas sejam indicados todos os concretos pontos de facto que se pretendem impugnar (v. a este propósito, entre vários outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/11/2019, Relator Conselheiro António Leones Dantas, disponível em www.dgsi.pt, bem como todos os demais que se irão citar).
Por outro lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem ainda distinguindo, para efeitos do disposto no referido artigo 640º, a previsão constante das alíneas a), b) e c) do n.º 1 (exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir) considerando que constituem um ónus primário “na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto” (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2019, Relatora Conselheira Rosa Tching) da exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, a que se refere a alínea a) do nº 2 e que constitui um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
Como se afirma no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2019, salientando-se ainda que os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, “enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso”.
Quanto ao ónus de indicar com exatidão as passagens da gravação, a concretização da indicação das passagens da gravação deve ser considerada atendendo ao fim ou objetivo, à ratio legis da norma que lhe está subjacente e que é responsabilizar o recorrente pelas afirmações em que funda o seu recurso, sujeitando-o, no limite, à disciplina legal da litigância de má-fé, e impedir também impugnações da decisão da matéria de facto sem um mínimo de concretização e de assento na prova pessoal produzida em audiência.
Por outro lado, o cumprimento do ónus de indicação exata das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser analisado casuisticamente e em conformidade com o princípio da proporcionalidade; de referir ainda que a indicação de forma cirúrgica de partes do depoimento, com especifica menção  à concreta passagem da gravação, pode nem corresponder à forma como o depoimento da testemunha foi prestado, ao contexto em que a resposta foi dada e a pergunta formulada, ou aos subsequentes esclarecimentos que foram prestados, designadamente pelo confronto com prova documental, enfim de todo o enquadramento que se estabelece no decurso do depoimento da testemunha e que muitas vezes as vezes nem sequer deve (pode) ser extrapolado para afirmações isoladas e delimitadas, que comprometem na maior parte dos casos toda a lógica do depoimento.
Como já referimos, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o n.º 2, alínea a), e tendo por base o principio da proporcionalidade, a imediata rejeição só se justificará nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.
Do mesmo modo, não deve determinar a imediata rejeição do recurso o facto do recorrente proceder à impugnação por “blocos de factos” quando “os pontos integrantes de cada um desses blocos apresentem entre si evidente conexão revelando- -se alguns deles incindíveis e o conteúdo da impugnação seja perfeitamente compreensível pela parte contrária e pelo tribunal, não exigindo a sua análise um esforço anómalo, superior ao normalmente suposto” (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/04/2023, Processo n.º 2054/21.7T8BRG.G1.S1, Relator Sousa Pinto).
Importa ainda ter presente o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023, de 17 de outubro de 2023 (publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 14/11/2023) que uniformizou jurisprudência no sentido de que “Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa”.
Podemos então sintetizar dizendo que o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto será, total ou parcialmente, rejeitado quando se verificar alguma das seguintes situações:
- Ausência de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635º n.º 4, e 641º n.º 2, alínea b);
- Falta de indicação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artigo 640º n.º 1, alínea a);
- Falta de especificação, nas conclusões ou na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
- Falta de indicação, nas conclusões ou na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
- Falta de posição expressa, nas conclusões ou na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
In casu, analisadas as conclusões do recurso conclui-se que o Recorrente aí não especifica qualquer ponto da matéria de facto que impugna, nem indica a decisão que, no seu entender deve ser proferida relativamente aos mesmo, e também aí não refere os meios de prova em que criticamente baseia a impugnação da decisão da matéria de facto.
Lidas as conclusões formuladas pelo Recorrente não se apreende sequer qualquer intenção de impugnar a matéria de facto.
Temos entendido que a Relação, chamada a reapreciar a prova, deve usar de alguma flexibilidade na interpretação da lei e atender ao princípio da proporcionalidade (neste sentido v. António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, p. 770, referindo que “na jurisprudência do Supremo é notória a prevalência do entendimento no sentido de evitar a exponenciação dos ónus que a lei prevê nesta sede ou fazer deles uma interpretação excessivamente rigorista a ponto de ser violado o principio da proporcionalidade e de ser denegada a pretendida reapreciação da matéria de facto”).
Mas, no caso concreto, mesmo que se tenha em consideração alguma flexibilidade na interpretação da lei e se apele aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, impõe-se sempre concluir que o Recorrente não cumpriu o ónus de delimitação do objeto do recurso sobre a matéria de facto como que se lhe impunha.
De facto, as conclusões não têm qualquer indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e nem qualquer referência que permita sequer perceber a sua intenção de impugnar a matéria de facto.
Sempre entendemos como essencial que das conclusões formuladas pelo recorrente constem os pontos da matéria de facto que impugna; é que são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, que definem as questões a reapreciar pela Relação, pelo que o cumprimento do ónus decorrente do referido artigo 640º (alínea a) do n.º 1) impõe que nas mesmas sejam indicados todos os concretos pontos de facto que se pretendem impugnar.
Assim, deverá ser rejeitado o recurso genérico da decisão da matéria de facto apresentado pelo recorrente quando nas suas conclusões não delimita/indica os concretos pontos que pretende impugnar, e as conclusões apresentadas nos autos pelo Recorrente não demonstram qualquer preocupação de precisão na delimitação, nesta parte, do objeto do recurso, limitando-se a esgrimir argumentos e considerações de índole geral, mas não indicando qualquer concreto ponto de facto que considera incorretamente julgado.
E, nesta parte (indicação dos concretos pontos de facto sobre que incide a impugnação), entendemos que o cumprimento do ónus impugnatório deve constar, até por razões de objetividade e certeza, obrigatoriamente das conclusões, sob pena de rejeição do recurso.
Assim sendo, e não se mostrando devidamente cumprido pelo Recorrente o ónus de delimitação do objeto do recurso sobre a matéria de facto deve rejeitar-se a nesta parte o recurso, o que ora se decide.
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3.4. Da depreciação da parcela sobrante
Está em causa nos presentes autos determinar qual o valor da justa indemnização pela expropriação da parcela n.º ..., sendo que, para o efeito, se mostra assente a matéria fixada em 1ª Instância, suscitando-se apenas a questão da depreciação da parcela sobrante.
Vejamos.
Nos termos do artigo 1º do Código das Expropriações (Lei n.º 169/99 de 18 de setembro, sendo que daqui adiante será a este diploma que nos referimos) os bens imóveis podem ser expropriados por causa de utilidade pública mediante o pagamento de uma justa indemnização; esta visa ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação medida pelo valor do bem expropriado tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública.
Tal com se afirma na sentença recorrida o próprio conceito constitucional de justa indemnização leva implicada a ideia da proibição de uma indemnização meramente simbólica, do respeito pelo princípio da igualdade de encargos e da consideração do interesse público da expropriação.
O n.º 1 do artigo 62º da Constituição da República Portuguesa consagra o direito de propriedade privada (“a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição”) e o n.º 2 estabelece que a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.
Conforme já escreveu o Tribunal Constitucional “a indemnização só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que efetivamente sofreu. Não pode ser de montante tão reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada à perda do bem expropriado. (...) Há-que observar um princípio de igualdade e proporcionalidade – um princípio de justiça em suma. O quantum indemnizatório a pagar a cada expropriado há-de realizar a igualdade dos expropriados entre si e a destes com os não expropriados (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 243/2001, publicado no Diário da República n.º 153/2001, Série II de 04/07/2001, páginas 11119 - 11121).
Como salienta Fernando Alves Correia (As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, 1992, p. 129), o dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado, ou, por outras palavras, ao respetivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda, permitindo-lhe, assim, com o mesmo montante, adquirir, se quiser, outro bem idêntico ou semelhante e assegurando-lhe a inalterabilidade do ativo da sua situação patrimonial pela substituição daquele bem pelo respetivo valor equivalente, proporcionando-lhe dinheiro suficiente para assegurar a adequada substituição do bem de que foi privado e prevenindo com isso a violação do princípio da igualdade dos particulares perante os encargos públicos e da imparcialidade da atuação da Administração perante os bens particulares.
A indemnização para ser justa terá de corresponder ao valor normal que no mercado atingem os bens equivalentes ao bem expropriado (v. Meneses Cordeiro e Teixeira de Sousa, Expropriação por Utilidade Pública, Parecer na CJ Ano XV, Tomo V, p. 22 a 30), sendo este critério do valor real em condições normais de mercado que melhor assegura o princípio constitucional da justa indemnização (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2008 de 31/07/2008, citado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31/01/2012, Processo nº. 5253/04.2TBVNG, disponível em www.dgsi.pt).
Os critérios destinados a fixar a justa indemnização devem respeitar os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas pois, como é consabido “o princípio da igualdade (artigo 13º da CRP) desdobra-se, por sua vez, em dois planos, o da igualdade no plano das relações internas e ao nível das relações externas. O primeiro não autoriza que particulares posicionados numa situação idêntica recebam indemnizações substantivamente diversas, impondo critérios uniformes de determinação da indemnização. O segundo está virado para a dimensão da igualdade perante os encargos públicos, ao determinar a admissibilidade de o direito de propriedade privada ser sacrificado por exigências de interesse público, não podendo permitir que o particular afetado não seja compensado de forma justa, sob pena de a sua posição jurídica ser tratada de forma discriminatória, obstando, por essa via, a um tratamento desigual entre expropriados e não expropriados. (…) Paralelamente, o princípio da proporcionalidade (artigo 266º, n.º 2 da CRP) obriga, como atrás se salientou, a que o sacrifício imposto ao expropriado seja adequado ao interesse público em presença – concretizando, são de excluir indemnizações irrisórias ou excessivas” (Francisco Calvão/Fernando Jorge Silva, Código das Expropriações – Anotações adaptadas ao Novo Código de Processo Civil, novembro de 2013, Coimbra Editora, p. 171 e 172).
Desta forma, na fixação da indemnização terá de se recorrer ao critério do valor real, corrente ou de mercado do bem expropriado, sob pena de a indemnização se traduzir num verdadeiro confisco.
Conforme resulta do artigo 23º do Código das Expropriações “a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.”
Por isso, na fixação da justa indemnização não são considerados quaisquer fatores, circunstâncias ou situações criadas com o propósito de aumentar o valor da indemnização e o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor (cfr. artigo 23º n.ºs 2, 3 e 5 do Código das Expropriações).
O montante da indemnização, segundo prescreve o artigo 24º n.º 1 do Código das Expropriações, calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo atualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.
E, para efeito do cálculo da indemnização o artigo 25º nº. 1 do Código das Expropriações classifica os solos em: “solo apto para construção” e “solo para outros fins”.
O n.º 2 do mesmo preceito prevê que seja considerado solo apto para construção:
a) o que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia elétrica e de saneamento com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir;
b) o que apenas dispõe de parte das infraestruturas referidas na alínea anterior, mas se integra em núcleo urbano existente;
c) o que está destinado de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas em a) e o que não estando abrangido pelas alíneas anteriores possui, todavia alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública desde que o processo respetivo se tenha iniciado antes da data da notificação a que se refere o n.º 5 do artigo 10º.
Por outro lado, considera-se solo apto para outros fins o que não é abrangido pelo estatuído anteriormente.
O tribunal a quo, partindo de tais considerandos considerou que a parcela de terreno expropriada se insere na categoria de “solo para outros fins”, o que não vem questionado no presente recurso, e concluiu que a parcela sobrante mantém os mesmos cómodos e proveitos, considerando não existir depreciação da parcela sobrante.
É contra este entendimento respeitante à depreciação da parcela sobrante que se insurge o Recorrente.
Vejamos então se lhe assiste razão.

No tocante à depreciação da parte sobrante estabelece o artigo 29º do Código das Expropriações que:
“1 - Nas expropriações parciais, os árbitros ou os peritos calculam sempre, separadamente, o valor e o rendimento totais do prédio e das partes abrangidas e não abrangidas pela declaração de utilidade pública. 2 - Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes, especificam-se também, em separado, os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que acrescem ao valor da parte expropriada. 3 - Não haverá lugar à avaliação da parte não expropriada, nos termos do n.º 1, quando os árbitros ou os peritos, justificadamente, concluírem que, nesta, pela sua extensão, não ocorrem as circunstâncias a que se referem as alíneas a) e b) do n.º 2 e o n.º 3 do artigo 3º.”

In casu, estamos perante uma expropriação parcial, sustentando o Recorrente verificar-se a desvalorização da parte sobrante.
Para o efeito invoca que a sentença recorrida não levou em linha de conta a desvalorização que a parcela sobrante sofreu pelo facto de ter sido expropriada a totalidade da frente junto da EN...; que o tribunal a quo não considerou a desvalorização da parcela sobrante por só ter acesso por outro prédio dos expropriados e nem as condicionantes que o prédio rústico/parte sobrante passa a ter, pois com a área de proteção do furo pode a entidade expropriante condicionar o seu uso agrícola ou pecuário e com o fundamento na possível contaminação do solo podem os expropriados ser obrigados a cessar de ter animais no prédio ou de o cultivas, devido à possível contaminação com estrumes, fertilizantes ou herbicidas, podendo ainda perder a possibilidade de utilização agrícola ou pecuária, ficando sem qualquer valor quer para venda, quer para exploração.
Mais alega que mesmo separada fisicamente do prédio, a soma da área expropriada e da parcela sobrante, era constituído por uma unidade física una, e, como tal, com um valor superior ao valor somado.
Invoca no essencial as considerações constantes do relatório pericial apresentadas pelo perito por si indicado.
Vejamos então.
Importa começar por referir que, na maior parte, a alegação do Recorrente pressupunha desde logo a alteração da matéria de facto provada.
Ora, mantendo-se inalterada a matéria de facto julgada em 1ª Instância não pode considerar-se que a parcela sobrante perdeu capacidade e aptidão construtiva e nem que a expropriação levou à perda integral da frente poente do prédio com a EN..., numa extensão total de 170 metros, passando agora a parcela sobrante a ter como frente poente uma Ecopista quando antes da expropriação eram os 170 metros do referido itinerário; veja-se que tal matéria resultou não provada (pontos 1 e 2 dos factos não provados), sendo certo que, conforme consta da sentença recorrida a área sobrante desenvolve-se efetivamente para nascente do canal da antiga linha férrea, que atualmente é via pedonal e ciclovia, mas essa área da parcela sobrante já se encontrava separada fisicamente da parcela expropriada, mantendo os Expropriados, acesso por via de outro prédio de que são proprietários, o que se verificava já antes da parcela expropriada que se discute nos autos. Mostra-se, por isso acertada a conclusão retirada pelo tribunal a quo de que a parcela sobrante mantém os mesmos cómodos e proveitos que tinha à data da expropriação; ou seja, não foi por via da expropriação que levou à perda integral da frente poente com a EN... e nem a que o acesso dos Expropriados passasse a ser feito por via de outro prédio de que são proprietários.
Assim, e conforme refere o tribunal a quo nenhum reparo há a fazer à avaliação efetuada, nesta parte, pelos Peritos do Tribunal e da Expropriante que se pronunciaram no mesmo sentido de não existir depreciação da parte sobrante, mantendo esta os mesmos cómodos e proveitos.

É certo que, em sentido contrário, sendo esse um dos argumentos do Recorrente, o Perito indicado pelos Expropriados entendeu que deve ser acrescentado ao valor total da indemnização o valor da justa indeminização pela depreciação económica da parcela sobrante com base nas seguintes razões de facto:

1) A parcela sobrante, com 21.630m2, perde a capacidade e aptidão construtiva condicionada que lhe é conferida atualmente pelos Instrumentos de Gestão Territorial (IGT`s) em vigor, a saber: pelo regulamento do PDM (Artigos 37º a 43º) pelo Regime Jurídico da Reserva Agrícola Nacional (alíneas a) a h)), do n.º1, do Art.ª 22º, do Dec. Lei n.º73/2009, de 31/03, republicado pelo Dec. Lei n.º 199/2015, de 16/09); e pelo Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional (I- Obras de Construção, Alteração e Ampliação, alíneas a) a h) do Anexo II, do Dec. Lei n.º 166/2008, de 22/08, republicado pelo Dec. Lei n.º 124/2019, de 28/08).
2) Acresce à depreciação económica do ponto anterior o facto da parcela expropriada ter levado à perda integral da frente poente do prédio com a EN..., numa extensão total de 170 metros, passando agora a parcela sobrante a ter como frente poente uma Ecopista quando antes da expropriação eram os 170 metros do referido itinerário, onde já na atualidade é notória a expansão urbana de ... com a construção consumada de habitações marginais a este itinerário na vizinhança do prédio.
3) Para além da parcela sobrante perder 170 m2 de frente com a EN... e o acesso privilegiado a este itinerário, acresce a esta depreciação o maior afastamento da parcela sobrante às infraestruturas existente na proximidade, concretamente à rede de drenagem de águas pluviais por valeta, à rede de distribuição de energia elétrica, à rede de abastecimento de água e à rede de telecomunicações. Acresce ainda à depreciação económica dos pontos anteriores àquela, que advém das proibições e condicionantes ao exercício das atividade a que se referem os artigos 47º e 48º, da Lei n.º 54/2015, de 22/06, na medida em que a parcela sobrante (21.630m2) se insere integralmente no perímetro de proteção” Zona Intermédia” ao furo de captação do “...”, delimitada pelo polígono de 72,5 há cujos vértices 1-2-3-4-5-6 constam da Portaria n.º19/2023 de 5 de Janeiro de 2023.”
Porém, e como já referido, os argumentos do Perito dos Expropriados falecem desde logo perante a matéria de facto que não resultou demonstrada, e pela circunstância já referida de que a parcela sobrante já assim se encontrava separada fisicamente antes da expropriação, não tendo tal ocorrido por força desta.
Acresce ainda dizer, tal como já referido, que o relatório pericial maioritário, subscrito pelos peritos do Tribunal e da Expropriante entendeu que não existia depreciação da parte sobrante, a qual mantinha os mesmos cómodos e proveitos que tinha antes da expropriação.
Como se afirma no sumário do Acórdão desta Relação de 14/02/2019 (subscrito pela aqui Relatora como Adjunta, Processo n.º 132/11.0TBVRL.G2, Relator Desembargador António Figueiredo de Almeida, disponível em www.dgsi.pt, bem como todos os demais que se irão citar) “4) Existindo laudos divergentes e não possuindo o juiz quaisquer conhecimentos ou elementos concretos que lhe permitam aferir qual deles tem melhor aptidão para alcançar o valor da justa indemnização, justifica-se que considere ou adira ao laudo maioritário ou ao laudo dos peritos do Tribunal por se dever presumir que as conclusões subscritas por um número maior de peritos, reunindo maior consenso, terão maior aptidão para atingir aquele objetivo ou que os peritos do Tribunal, não tendo sido indicados pelas partes e não tendo com elas qualquer ligação, oferecem melhores garantias de isenção e imparcialidade, estando, por isso, em melhores condições de, com objetividade e isenção, determinar o justo valor da indemnização”; também neste sentido se pode ler no sumário do Acórdão desta Relação de 27/09/2018 (Processo n.º 1792/11.7TBVRL.G1, relatado pelo Desembargador Afonso Cabral de Andrade) que “1. Nos processos de expropriação a prova pericial assume uma importância central, pois as perguntas a que importa responder exigem conhecimentos técnicos altamente especializados, que o Julgador, por natureza, não domina. 2. Existindo laudos divergentes e não possuindo o juiz conhecimentos técnicos que lhe permitam aferir qual deles é o mais correto, deve aderir ao laudo maioritário ou ao laudo dos peritos do Tribunal, uma vez que estes, não tendo sido indicados pelas partes, oferecem mais garantias de isenção e imparcialidade”.
De facto, conforme temos afirmado (v. Acórdão de 16/12/2021, Processo n.º 3807/18.9T8VCT.G1) apresentando o processo de expropriação em grande parte um cariz notoriamente técnico, a prova pericial assume-se como particularmente relevante por estarem em causa conhecimentos especializados que o juiz por regra não domina, sendo que, por isso, também não está o julgador em condições de sindicar o juízo científico emitido pelos peritos, a não ser em caso de erro manifesto ou de critério legalmente inadmissível ou desadequado (ainda neste sentido, entre vários, os Acórdãos desta Relação de 01/06/2017, Processo nº. 1446/09.4TBBCL, Relatora Desembargadora Rita Romeira e de 13/06/2019, Processo n.º 6209/17.0T8GMR.G1, relatado pela Desembargadora Cristina Cerdeira e também subscrito pela aqui Relatora como Adjunta).
Como é consabido a prova pericial tem por fim, em termos gerais, a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, ou quando os factos, relativos a pessoas não devam ser objeto de inspeção judicial (cfr. artigo 388º do Código Civil); assim, é pressuposto essencial da realização de prova pericial que a perceção e/ou a apreciação de factos assente em conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, por envolverem conhecimentos de natureza científica, técnica, artística, profissional ou de mera experiência não detidos por aqueles (v. Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, p. 578).
Decorre do disposto nos artigos 389º do Código Civil e 489º do Código de Processo Civil que a prova pericial é livremente apreciada pelo tribunal, uma vez que “apesar de a resposta do perito assentar, por via de regra, em conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, é ao tribunal, de harmonia com o prudente critério dos juízes, que se reconhece o poder de decidir sobre a realidade do facto a que a perícia se refere. Parte-se do princípio de que aos juízes não é inacessível o controlo do raciocínio que conduz o perito à formulação do seu laudo e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou por afastar-se mesmo de todos eles, no caso frequente de divergência entre os peritos” (Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, ob. cit., p. 583).
Embora se nos afigure ser entendimento uniforme na jurisprudência que também no processo de expropriação a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal, tem-se entendido que sendo a perícia obrigatória e o meio de prova que melhor habilita o julgador a apurar o valor do bem expropriado, com vista à atribuição da justa indemnização, pois que a avaliação da parcela conterá, em regra, questões de natureza essencialmente técnicas,  o tribunal deve aderir, em princípio, aos pareceres dos peritos, desde que sejam coincidentes, e, por razões de imparcialidade e independência, quando não sejam coincidentes, optar pelo laudo dos peritos nomeados pelo tribunal quando haja unanimidade entre eles;  para além da presumida competência técnica que se lhes reconhece, a posição assumida pelos peritos nomeados pelo tribunal é aquela que, em princípio, oferece maiores garantias de independência, imparcialidade e objetividade, face ao distanciamento que mantêm em relação às partes e aos interesses em litígio (v. os já citados Acórdãos desta Relação e ainda a jurisprudência ai citada, designadamente os Acórdãos da Relação de Coimbra de 15/01/2013, Processo n.º 637/10.0TBSEI, de 14/02/2012, Processo n.º 550/09.3TBVIS e de 14/12/2010, Processo n.º 4714/07.6TBVIS, e da Relação de Lisboa de 31/05/2012, Processo n.º 763/1994 e de 22/11/2012, Processo nº. 2352/08.5TJLSB).
Perfilhamos a posição defendida no citado Acórdão desta Relação de 13/06/2019 (Processo n.º 6209/17.0T8GMR.G1), onde se refere que “sem prejuízo da força probatória da perícia ser fixada livremente pelo tribunal – art. 389º do Cód. Civil –, no processo de expropriação a perícia assume uma particular relevância – evidenciada até pela circunstância de se tratar de diligência obrigatória, nos termos do artigo 61º, nº 2 do CE – de tal forma que podemos, seguramente, afirmar que as conclusões apresentadas pelos peritos – unanimemente ou por maioria, preferindo-se as que provêm dos peritos nomeados pelo tribunal, pela maior equidistância relativamente às partes – só devem ser afastadas quando se constata que foram elaboradas com base em critérios legalmente inadmissíveis ou desadequados, ou quando se nos deparam erros ou lapsos evidentes, que importem correção”; isto é, ainda que o juiz aprecie livremente as respostas dos peritos, não estando vinculado aos laudos apresentados, e tenha o dever de os analisar criticamente, designadamente verificando se se mostram fundamentados e a sua conformidade com os critérios legais, a verdade é que, no que toca às questões técnicas, o juiz não estará, por regra, habilitado a contrariar as conclusões dos peritos e a formular o seu próprio juízo técnico.
Por isso, em face de laudos divergentes e não possuindo o juiz conhecimentos técnicos justifica-se que considere o laudo maioritário ou ao laudo dos peritos do tribunal por se dever presumir que “as conclusões subscritas por um número maior de peritos, reunindo maior consenso, terão maior aptidão para atingir aquele objetivo ou que os peritos do Tribunal, não tendo sido indicados pelas partes e não tendo com elas qualquer ligação, oferecem melhores garantias de isenção e imparcialidade, estando, por isso, em melhores condições de, com objetividade e isenção, determinar o justo valor da indemnização.” Tal não significa, obviamente, uma irrestrita vinculação ao laudo maioritário, ou uma pura adesão acrítica ao mesmo, podendo o tribunal “introduzir-lhe ajustamentos, fazer correções, colmatar falhas ou seguir o laudo ou critérios diferentes, se os tiver por mais justos, de acordo com outros critérios técnicos, objetivamente sustentados, ou com os elementos probatórios que possuir” (v. o citado Acórdão desta Relação de 13/06/2019). 
In casu, os Peritos do Tribunal e o Perito da Expropriante de forma fundamentada entenderam não existir depreciação da parte sobrante, a qual mantinha os mesmos cómodos e proveitos; conforme já deixamos expresso o juiz, em regra, só deverá afastar-se do laudo dos peritos, caso verifique que estes se afastaram da aplicação dos critérios legais ou que o laudo padece de erro manifesto ou ainda quando a sua fundamentação é inexistente ou insuficiente e, em face de laudos divergentes, não possuindo o juiz conhecimentos técnicos justifica-se que considere o laudo maioritário.
A posição constante do laudo maioritário mostra-se ainda conforme com a matéria de facto apurada e com a circunstância da parcela sobrante já se encontrar fisicamente separada antes da expropriação, não tendo tal ocorrido por força desta.
Assim, e conforme refere o tribunal a quo nenhum reparo há a fazer à avaliação efetuada, nesta parte, pelos Peritos do Tribunal e da Expropriante, não merecendo também censura a sentença recorrida que deu prevalência ao laudo maioritário, que foi também subscrito pelos Peritos do Tribunal.
Nestes termos, terá de improceder integralmente o recurso de apelação, não se mostrando violadas pelo tribunal a quo nenhuma das disposições invocadas pelo Recorrente.
As custas são da responsabilidade do Recorrente atento o seu integral decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil), sem prejuízo de lhe ser concedido o beneficio do apoio judiciário.
***
IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo de lhe ser concedido o beneficio do apoio judiciário.
Notifique.
Guimarães, 23 de maio de 2024
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Alexandra Rolim Mendes (1ª Adjunta)
Maria Luísa Ramos (2ª Adjunta)