Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3987/22.9T8GMR.G1
Relator: PAULA RIBAS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/05/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - Se as partes estabeleceram no contrato-promessa celebrado que este seria “anulado” em caso de não aprovação do financiamento a contrair pelos promitentes compradores, tendo tal financiamento sido aprovado e ainda que o contrato de mútuo não tenha sido celebrado, não se verifica aquela condição resolutiva.
2 – Se os autores (promitentes compradores) invocam apenas a verificação dessa condição resolutiva para exigir a devolução em singelo da quantia entregue a título de sinal, e a mesma não se verifica, não há que apreciar se os réus (promitentes vendedores) fizeram qualquer interpelação admonitória aos promitentes compradores, pois que a ausência desta nunca foi alegada pelos autores para fundamentar o pedido de restituição daquela quantia.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório (elaborado tendo por base o da sentença da 1.ª instância):

AA e BB intentaram contra CC e DD (1.ºs réus), EE (2.ª ré); e EMP01..., L.da (3.ª ré), a presente ação declarativa sob a forma comum, tendo pedido:
a) ser os Primeiros Réus condenados à devolução do valor de 21.000,00 Euros, entregue a título de sinal, aos aqui Autores em consequência de se verificar cumprida a condição resolutiva que impõe a destruição retroativa de todos os efeitos do Contrato de Promessa de Compra e Venda.
b) Tal como, ser os Primeiros Réus condenados ao pagamento de juros calculados à taxa legal desde a resolução automática do Contrato de Promessa de Compra e Venda até integral e efetivo pagamento do montante de 21.000,00 Euros”.
c) E, ser as Segunda e Terceira RR. condenadas a indemnizar os Autores no valor de 30.000,00 Euros a título de danos causados no exercício da sua atividade, nos termos dos artigos 483º e 485º do Código Civil, pela responsabilidade por factos ilícitos.
d) Ou, ser as Segunda e Terceira RR. condenadas a indemnizar os Autores no valor de 30.000,00 Euros a título de danos causados no exercício da sua atividade, através do instituto da tutela da confiança e das legítimas expectativas”.
Para tanto, alegaram, em síntese, que:
Contactaram com a 2.ª ré, angariadora imobiliária, que colabora com a 3.ª ré, para que diligenciasse por encontrar interessado na compra do prédio de que eram proprietários e no qual habitavam e, bem assim, por encontrar um outro imóvel para adquirirem em substituição daquele.
Alertaram a 3.ª ré que, para levar a efeito essas operações, necessitariam de financiamento bancário, tendo esta garantido, após análise da situação, que não teria qualquer dificuldade.
Confiando na garantia dada pela 2.ª ré, com a intervenção dela, celebraram um contrato de mediação imobiliária com a 3.ª ré, que, assim, se obrigou a diligenciar no sentido de satisfazer o que pretendia.
Nessa sequência, com a intervenção da 3.ª ré, vieram a vender a terceiro o prédio de que eram proprietários.
Convictos que obteriam o financiamento bancário, logo avançaram para a aquisição de um outro, propriedade dos 1.ºs réus, também com a intervenção da 3.ª ré.
Assim, prometeram comprar aos 1.ºs réus, que, no mesmo ato, prometeram vender, pelo preço de € 210.000,00, do qual adiantaram € 21.000,00, a título de sinal, o prédio urbano que identificam.
De acordo com o convencionado, esse contrato ficaria sem efeito se aos autores fosse recusado o financiamento bancário que tinham pedido para efeitos de pagamento do restante preço, ficando, em tal caso, os 1.ºs réus obrigados à restituição do sinal recebido;
Assim veio a suceder, ao contrário do que a 2.ª ré lhes fez crer.
Os 1.ºs réus recusaram-se à restituição do sinal.
Ficaram sem casa para habitar e sem o valor entregue aos 1.ºs réus a título de sinal. Esta situação, causada pela 2.ª e 3.ª rés, causou-lhes angústia e abalo psicológico, danos não patrimoniais que devem ser compensados com a atribuição da quantia de € 30.000,00.

Regularmente citados:
1 - Os 1.ºs réus apresentaram contestação (sob a REFª: ...24), onde, em súmula, alegaram que o financiamento bancário pedido pelos Autores foi aprovado, razão pela qual não ficou verificada a referida condição resolutiva; nessa sequência, interpelaram os autores para a celebração do contrato prometido, o que estes se recusaram a fazer, incorrendo em incumprimento definitivo; tendo este como pressuposto, procederam à resolução do contrato-promessa através de carta registada com aviso de receção que enviaram para a morada convencionada para esse efeito com os autores; a não receção dessa carta deve, assim, ser imputada aos autores, considerando-se como por eles recebida a declaração resolutória, motivo pelo qual têm o direito a fazer seu o sinal recebido, que corresponde à indemnização pelo não cumprimento do contrato-promessa; como quer que seja, os autores assinaram um escrito em que declararam revogar o contrato-promessa e reconheceram ao 1.ºs réus o direito ao sinal recebido.
2 - A 2.ª e a 3.ª rés apresentaram, também, contestação (sob a REFª: ...02), o que fizeram conjuntamente, onde alegaram, em resumo, que a 2.ª ré sempre advertiu os autores das dificuldades que teriam em obter o financiamento bancário para pagamento do preço restante, uma vez que estes tinham outras dívidas, tendo os autores respondido que iriam apenas necessitar de um financiamento de € 140.000,00, porque iriam fazer o resgate de fundos que tinham na ... no montante aproximado de € 100.000,00; nessa medida, foi pedido o financiamento de € 140.000,00, o qual foi aceite pela instituição de crédito; o que sucedeu foi que os autores não conseguiram obter o resgate dos referidos fundos que tinham na ..., ficando assim inviabilizada a possibilidade de pagarem a totalidade do preço.
Para além da improcedência da ação, a 2.ª e a 3.ª rés pediram ainda a condenação dos autores como litigantes de má-fé, numa indemnização em montante nunca inferior a € 2.500,00, por alegarem factos desconformes com a verdade com o objetivo de obterem um benefício a que sabem não ter direito.
A 3.ª ré requereu ainda a intervenção, como parte acessória, da sociedade EMP02... – Companhia de Seguros, SA, tendo alegado, para tanto, que, em caso de procedência do pedido contra si formulado, terá direito de ser ressarcida pela chamada para quem transferiu a responsabilidade civil emergente pelos danos causados a terceiros no âmbito da sua atividade de mediação imobiliária, titulada pela celebração do contrato de seguro, com a apólice n.º ...19.
Os autores, em resposta (com a REFª: ...14), negaram ter assinado o escrito a revogar o contrato-promessa, bem como declararam desconhecer esse documento.
Por despacho de 04/01/2023, admitiu-se a intervenção acessória da EMP02... – Companhia de Seguros, SA a qual apresentou contestação (sob a REFª: ...11), onde, em síntese, alegou que o sinistro dos autos em momento algum foi participado aos serviços da interveniente. Mais aderiu à contestação apresentada pelas 2.ª e 3.ª rés, e impugnou, por desconhecimento, todos os factos alegados na petição inicial.
Realizou-se a audiência de julgamento e, concluído esta, foi proferida sentença nos seguintes termos:
i) Julga-se a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolve-se os Réus dos pedidos contra eles formulados pelos Autores;
ii) Julga-se procedente o pedido de condenação dos Autores como litigantes de má-fé e, em consequência, condena-se os mesmos no pagamento de uma multa processual correspondente a 2 (duas) UC’s, quanto à Autora, e correspondente a 3 (três) UC’s, quanto ao Autor, e em indemnização a fixar após a audição das partes após a notificação infra determinada.
As custas da ação são a cargo dos Autores, por força do seu decaimento (cfr. artigo 527.º/1/2, do CPCiv), sem prejuízo do apoio judiciário de que gozam”.
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Inconformados vieram os autores interpor recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:
[…]
XVIII. A prova documental e os depoimentos das partes demonstram de forma clara que os Autores agiram com base nas informações prestadas pela 2.ª Ré, e que, ao venderem a sua casa, estavam convictos de que conseguiriam o crédito necessário para adquirir o imóvel.
XIX. O erro na análise das provas e a subvalorização da importância da confiança induzida pela 2.ª Ré resultaram em prejuízos para os Autores, tanto patrimoniais como emocionais, que devem ser adequadamente reconhecidos e reparados.
XX. A sentença de que se recorre incorreu em erro ao aplicar as disposições legais pertinentes, nomeadamente os artigos 410.º e 442.º do Código Civil, violando os referidos preceitos legais.
XXI. De acordo com estes artigos, o incumprimento de uma das partes, que impossibilite o cumprimento da obrigação contratual, deve dar lugar à resolução do contrato e à devolução do sinal.
XXII. Assim, a decisão do Tribunal de não reconhecer que a condição resolutiva foi cumprida é uma errada interpretação da legislação aplicável.
XXIII. A sentença não deveria ter absolvido os 1.ºs Réus da restituição do sinal pago.
XXIV. Os Autores sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais em decorrência da má-fé e da omissão de deveres por parte das 2.ª e 3.ª Rés.
XXV. O incumprimento por parte destas entidades, que deveriam ter assegurado a veracidade das informações sobre o financiamento, causou-lhes danos substanciais, incluindo angústia e abalo psicológico, os quais devem ser compensados de forma adequada.
XXVI. Em consequência, os Autores têm direito a ser indemnizados pela responsabilidade extracontratual das 2.ª e 3.ª Rés, nos termos dos artigos 483.º e 485.º do Código Civil.
XXVII. A devolução do sinal no valor de € 21.000,00 é devida, pois os Autores cumpriram as condições contratuais para que se verificasse a resolução do Contrato de Promessa de Compra e Venda.
XXVIII. O incumprimento dos 1.ºs Réus, bem como a não concretização do financiamento bancário, fez com que a condição resolutiva se tenha cumprido, justificando assim a devolução do valor pago a título de sinal, conforme o disposto no artigo 442.º do Código Civil.
XXIX. A sentença a quo, ao não ordenar a devolução desse valor, violou os direitos dos Autores e a legislação aplicável.
XXX. A condenação dos Autores como litigantes de má-fé é injustificada, porquanto não houve qualquer tentativa de defraudar o processo ou de ocultar a verdade dos factos.
XXXI. Pelo contrário, os Autores sempre agiram de boa-fé, baseando-se nas informações fornecidas pela 2.ª Ré, angariadora imobiliária, que garantiu a obtenção do financiamento bancário necessário para concluir a compra do imóvel.
XXXII. A recusa dos 1.ºs Réus em devolver o sinal pago, após o incumprimento da condição resolutiva, e a não concretização do financiamento, não podem ser atribuídas a qualquer comportamento fraudulento ou doloso por parte dos Autores.
Termos em que deve o presente recurso ser considerado procedente por provado, devendo este Tribunal para que se recorre revogar a sentença recorrida, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c) do CPC.
E, bem assim, substituir por uma decisão que considere que a interpelação admonitória não foi efetuada.
Mais deve a sentença ser considera nula, por violação de disposições legais imperativas, mormente os artigos 410.º e 442.º do Código Civil”.
Responderam ao recurso os 1.ºs réus (em 25/03/2025), as 2.º e 3.º rés (em 06/04/2025) e a interveniente acessória (em 07/04/2025), pugnando todos pela manutenção da decisão proferida.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Questões a decidir:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por C. P. Civil) -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:

1 - da impugnação da matéria de facto suscitada pelos autores, relativamente aos factos provados 33 e 34 e aos factos não provados das alíneas c), d), e), i) f), j), k) e m).
2 – se, alterada ou não a decisão sobre a matéria de facto, deve ser alterada a decisão de direito quanto:
- à absolvição dos réus quanto aos pedidos formulados;
- à condenação do autores como litigantes de má-fé.
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III - Fundamentação de facto:

Foram considerados provados os seguintes factos:
1) A 24.07.2018, através de contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, os Autores adquiriram, pelo preço de € 97.000,00, a FF e GG o prédio urbano composto por casa de habitação de 3 pisos, com quintal, denominado lote n.º ...4, sito em ..., sito na rua ..., união de freguesias ..., ... e ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...02, ..., e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...31, da união de freguesias ..., ... e ....
2) Os Autores e os vendedores, no acordo mencionado em 1), recorreram à mediação imobiliária prestada pela 3.ª Ré, titular da licença n.º ...15 - AMI.
3) A intermediação desse negócio foi realizada pela 2.ª Ré.
4) À altura da compra e venda do imóvel id. em 1), os Autores foram viver para o dito imóvel, fazendo deste a sua casa de morada de família, desde o ano de 2018 até ao ano de 2021.
5) Em janeiro de 2021, os Autores pretendiam vender o prédio id. em 1).
6) Na mesma altura, contactaram a 2.ª Ré, de forma a perceber se era possível e qual a viabilidade de venderem a sua habitação e comprar outro imóvel.
7) Ainda em janeiro de 2021, os Autores tiveram conhecimento que o imóvel sito na rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...68 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º ...68, da união de freguesias ..., ... e ..., se encontrava para venda.
8) Os Autores obtiveram o conhecimento que o imóvel se encontrava para venda porquanto no mesmo se encontrava afixada uma placa a informar: que o imóvel se encontrava para venda, que a imobiliária responsável pela intermediação era a EMP03... de Vila Nova de Famalicão e a agente imobiliária que tinha o imóvel em carteira era a 2.ª Ré, pois era assim que se encontrava identificado na placa da promoção da venda.
9) Quando os Autores contactaram com a 2.ª Ré, aproveitaram para questionar o valor de venda do referido imóvel, tendo-os informado que se encontrava à venda pelo preço de € 235.000,00.
10) Após o contacto com a 2.ª Ré, esta informou os Autores que já tinha compradores para a sua habitação.
11) Tendo esta dito para estes não se preocuparem que ficaria a seu cargo toda a tramitação necessária para os negócios a realizar quer com os compradores da sua casa de morada de família, quer com os vendedores do novo imóvel.
12) Que ficava, ainda, a cargo da 3.ª Ré o processo conducente à aprovação do crédito à habitação para a aquisição da nova casa, ao que os Autores acederam e confiaram.
13) Na data de 21.01.2021 os Autores celebraram o acordo denominado “Contrato de Mediação Imobiliária” com a 3.ª Ré, com o nome comercial EMP03..., constando:
- Da cláusula 2.ª que:

- Da cláusula 5.ª que:

  - Da cláusula 6.ª que:

- Da cláusula 7.ª que:

- Da cláusula 13.ª:

14) Após terem celebrado o acordo referido em 13), os Autores entregaram os recibos de vencimento e IRS do ano de 2020 à 2.ª Ré para que tratasse junto das instituições bancárias da aprovação do crédito à habitação necessário para comprar o imóvel.
15) O produto da venda do prédio id. em 1) não seria suficiente para a compra do novo imóvel, precisando de contrair novo crédito à habitação.
16) A 2.ª Ré comprometeu-se em obter propostas de financiamento em diversas instituições bancárias.
17) Foi na crença de que o seu crédito seria aprovado e de que conseguiriam o resgaste dos fundos aludido em 35)/1.ª parte, e que já haviam compradores para o prédio id. em 1), que os Autores assinaram o acordo referido em 20).
18) Os Autores foram contactando por diversas vezes a 2.ª Ré, para serem informados sobre o ponto de situação do empréstimo bancário, ao que sempre afirmou que estava pré-aprovado.
19) Chegando mesmo a 2.ª Ré a enviar aos Autores um documento que afirmou ser uma simulação junto de uma instituição bancária.
20) Na data de 03.03.2021, os Autores, na qualidade de promitentes-compradores, e os 1.ºs Réus, na qualidade de promitentes-vendedores, celebraram o acordo denominado “Contrato de Promessa de Compra e Venda”, do qual consta:
- Da cláusula primeira que:

- Da cláusula quarta que:


- Da cláusula segunda que:

- Da cláusula terceira que:

21) Autor pagou o montante estipulado na cláusula segunda/item 2., transcrita na al. anterior, através do cheque n.º ...73, sacado pelo Autor sobre o banco Banco 1..., na data de 01.04.2021, a favor do 1.º Réu, no valor de € 21.000,00.
22) Na data de 31.03.2021, entre os Autores e HH e II foi celebrado o acordo denominado de “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca”, através do qual aqueles venderam aos segundos, que o aceitaram, o imóvel id. em 1), pelo preço de € 147.000,00.
23) O acordo referido na al. anterior foi, também ele, mediado pela 3.ª Ré.
24) Em altura posterior a 03.03.2021 e anterior a 18.05.2021, os Autores tentaram por diversas vezes contactar com a 2.ª Ré, pretendendo saber qual o ponto de situação do crédito bancário.
25) Na data de 18.05.2021, os Autores e os 1.ºs Réus assinaram um aditamento ao acordo mencionado em 20), com o seguinte conteúdo:

26) A partir de data posterior a 18.05.2021, continuaram os Autores a contactar a 2.ª Ré para saberem se já tinham crédito à habitação aprovado.
27) Os Autores, à data da celebração do acordo referido em 20), não tinham financiamento para adquirir o imóvel que tinham prometido comprar, como bem sabia a 2.ª Ré e como tinham sido informados os 1.ºs Réus.
28) Os Autores comunicaram com os 1.ºs Réus, tendo-lhes solicitado a devolução do sinal, o que não fizeram.
29) Os Autores mudaram-se para a casa dos pais da Autora, e passaram por angústia e viram o seu quotidiano completamente destabilizado, assim como o dos seus filhos, o que causou sofrimento aos Autores.
30) Os Autores não conseguiram comprar um novo imóvel porquanto não tinham um valor guardado para darem de sinal.
31) Os Autores tinham o financiamento bancário a que se alude na cláusula terceira do acordo mencionado em 20) devidamente aprovado [nos termos indicados em 37) e 41)].
32) No dia 23.06.2022, os 1.ºs Réus enviaram, para a rua ..., ..., ..., a carta registada com o conteúdo seguinte:

33) Antes da data da escritura pública aludida na carta referida na al. anterior, a 1.ª Ré, com vista à realização de visitas ao imóvel, exigiu a assinatura de um documento escrito, com o conteúdo correspondente ao documento n.º 7 junto com a contestação dos 1.ºs Réus, denominado de “Acordo”, que ela própria enviou à 2.ª Ré para que pudesse, junto dos Autores, recolher as suas assinaturas.
34) O Autor marido apôs a assinatura no documento mencionado em 33).
35) Os Autores informaram a 2.ª Ré que o Autor marido iria receber um resgate de fundos da ..., no valor aproximado de € 100.000,00 (cem mil euros), e que seria para aplicar nessa compra, pelo que nunca precisariam de pedir um financiamento da totalidade do crédito.
36) Tendo-lhes sido frisado que só com a ajuda desse dinheiro é que tinham a possibilidade de adquirir o prédio, pois, caso contrário, nunca conseguiriam um crédito para a totalidade do preço.
37) Em 18.05.2021, o responsável pelo processo de financiamento do banco Banco 2..., JJ, comunicou à responsável pelos financiamentos da 3.ª Ré, KK, que o processo de financiamento de € 140.000,00 (cento e quarenta mil euros) havia sido aprovado, condicionado à liquidação dos créditos que tinham pendentes.
38) Nesse seguimento, os Autores foram informados da aprovação do crédito, tendo estes dado conta que ainda não haviam conseguido o resgate dos fundos.
39) Assim, foi marcada uma reunião com os 1.ºs Réus e com os Autores, tendo sido celebrado o aditamento referido em 25).
40) Uma vez que o resgate dos fundos não estava concluído, os Autores solicitaram à responsável pelos financiamentos que apresentasse um novo pedido de simulação, para aumentar o financiamento, o que foi efetuado.
41) No seguimento desse pedido, o limite do crédito aprovado foi de € 147.000,00 (cento e quarenta e sete mil euros).
42) Novamente, foi comunicada aos Autores a aprovação do crédito, e mais uma vez estes reportaram que não tinham recebido o resgate dos fundos e que não tinham dinheiro para pagar o remanescente do preço.
43) Numa tentativa de ajudar os Autores, a 2.ª Ré reuniu com estes, tendo-lhes sugerido a constituição de uma hipoteca sobre um imóvel de alguém da família, por forma a conseguirem o valor necessário à conclusão do negócio.
44) Sendo que os pais da Autora mulher acabaram por não aceitar a constituição da hipoteca.
45) Perante esta situação, os Autores ficaram sem soluções para conseguirem adquirir o imóvel.
46) A 3.ª Ré transferiu a responsabilidade civil emergente pelos danos causados a terceiros no âmbito da sua atividade de mediação imobiliária, titulada pela celebração do contrato de seguro, com a apólice n.º ...19, para a Interveniente.
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Por sua vez, resultaram não provados, no que interessa a esta apelação, os seguintes factos:
     
c) E, desde logo, a 2.ª Ré informou os Autores que facilmente conseguiam crédito à habitação para adquirirem o imóvel id. em 7).
d) Os Autores, e porque conheciam a 2.ª Ré, ficaram convencidos que realmente seria possível adquirirem o imóvel e que conseguiriam crédito à habitação para a sua aquisição.
e) Pela 2.ª Ré foi vendida aos Autores a ideia de que seria possível vender a sua habitação e de imediato comprar o imóvel que a 2.ª Ré pretendia vender-lhes e que o crédito à habitação facilmente iria ser aprovado pelas instituições bancárias.
i) Os Autores foram aliciados a vender a casa deles de forma rápida porque obteriam crédito à habitação para aquisição do imóvel objeto do acordo mencionado em 20) sem qualquer entrave pela 2.ª Ré.
j) Foi com base na confiança depositada na 2.ª Ré que os Autores criaram a confiança que o empréstimo seria concedido e, como tal, estariam à vontade para vender a sua habitação.
k) Os Autores deixaram quase todos os seus pertences no imóvel que venderam até setembro de 2021 e, desde essa data, mantêm os seus pertences agora na garagem de uma tia do Autor.
m) Os Autores sofreram outros prejuízos emocionais para além dos referidos em 29)”.
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IV - Do objeto do recurso:

1 - Da impugnação da matéria de facto:

1. Os autores impugnam a decisão da matéria de facto no que se reporta aos factos provados 33 e 34 e não provados nas alíneas c), d), e), i) f), j), k) e m), respeitando o disposto no art.º 640.º do C. P. Civil para que se considere válida tal impugnação.
Cumpre, assim, aprecia-la.

1.1. No que se reporta aos factos 33 e 34, está em causa o documento 7 junto com a contestação dos 1.ºs réus, tendo-se dado como provado que o mesmo foi assinado pelo réu (e não estando provado que foi assinado pela ré, pois que tal facto consta como não provado na alínea n)).
Sobre tal factualidade, escreveu-se na sentença proferida:
Para prova de que, antes ainda da data marcada para escritura pública (aludida na carta junta como documento n.º 6 à contestação apresentada pelos 1.ºs Réus), a 1.ª Ré enviou à 2.ª Ré o documento anexado sob o documento n.º 7 à contestação dos 1.ºs Réus [al. 33), dos factos provados], e que o mesmo foi assinado pelo Autor marido [al. 34), dos factos provados], ponderou-se, de forma conjugada, o depoimento/declarações de parte da 2.ª Ré, as mensagens eletrónicas (juntas como documentos n.ºs 8 e 9 à contestação dos 1.ºs Réus), o depoimento da testemunha KK, e ainda o relatório pericial efetuado às assinaturas inscritas nesse documento (incorporado no processo a 09.04.2024).
Vejamos.
A 2.ª Ré disse que os 1.ºs Réus só deixavam fazer visitas ao imóvel se os Autores assinassem o documento que aqueles lhe tinham enviado, e que apresentou ao Autor marido para esse efeito, tendo este assinado à sua frente e tendo dito que iria recolher a assinatura da sua mulher, tendo-lhe depois devolvido o mesmo. Pensa que esse documento teria sido elaborado por advogado dos 1.ºs Réus. Acrescentou que falou com o Autor marido sobre o conteúdo do documento, de que o mesmo significaria perder o sinal, e que ele estava consciente disso.
Em primeiro lugar, este depoimento mostra-se congruente com o conteúdo das mensagens eletrónicas juntas como documentos n.ºs 8 e 9 à contestação dos 1.ºs Réus, pois que a 2.ª Ré, ante o pedido da 1.ª Ré para lhe enviar o documento, referiu que foram eles que exigiram a assinatura do mesmo, como condição da realização de novas visitas.
Em segundo lugar, esta preocupação dos 1.ºs Réus harmoniza-se com o facto de, antes desse documento, terem interpelado os Autores à celebração da escritura pública [através da carta aludida em 32), dos factos provados].
Afigura-se crível, perante o facto, admitido pelos próprios 1.ºs Réus, de terem tido conhecimento que a carta não teria sido recebida por supostamente os Autores já não se encontrarem a residir no local do destinatário (cfr. artigo 91.º, da contestação), que tenham procurado desencadear mecanismos que, da perspetiva de quem os assessorou do ponto de vista jurídico, representassem uma desvinculação ao negócio entre si celebrado, com a clarificação da questão da perda do sinal.
Em terceiro lugar, a testemunha KK (colaboradora da 3.ª Ré encarregada da intermediação do crédito) afirmou que, a dado passo, soube que os 1.ºs Réus fizeram questão de os Autores assinarem um documento, que foi trazido pela 2.ª Ré, o qual tinha sido elaborado por um familiar que era advogado, pensando que, através do mesmo, se visava pôr fim ao contrato.
Acrescentou que tal foi gerido pela colega (aqui 2.ª Ré).
Em quarto lugar, o relatório pericial, no que se refere ao Autor marido, se bem não apresenta um grau de certeza significativo, concluiu no sentido de que a assinatura inscrita no documento pode ter sido inscrita pelo punho daquele.
A realização desse exame pericial não contou com o original do documento, facto que limitou a investigação levada a cabo (por isso, no relatório se diz que, se obtido o original, o exame poderia ser aprofundado).
A expressão pode ter sido não apresenta o grau de indiscutibilidade associado à probabilidade próxima da certeza científica ou à muita ou muitíssima probabilidade (vd. escala de significado constante do relatório). No entanto, ela afasta-se de um resultado inconclusivo, apontando no sentido da probabilidade, embora fraca, de imputar a autoria da assinatura ao Autor marido.
Isso considerando, e dada a congruência do depoimento/declarações de parte da 2.ª Ré com o desenrolar dos acontecimentos e ainda com os documentos n.ºs 8 e 9 e, ainda, o depoimento da testemunha KK, já acima referidos, a ponderação articulada desses meios de prova conduziu à conclusão, de uma parte, que foram os 1.ºs Réus a remeter o documento denominado “Acordo” para subscrição pelos Autores [al. 33), dos factos provados], e, de outra parte, acerca da genuinidade da assinatura aposta pelo Autor marido [al. 34), dos factos não provados].
O mesmo já não se passa com a Autora: tendo em conta que a perícia foi sentido de que não é provável que a assinatura não tenha sido inscrita pelo punho daquela, e na medida em que, ao contrário do que aconteceu com o Autor marido, a 2.ª Ré não presenciou a subscrição do documento, não foi efetuada prova suficiente à demonstração da autoria da assinatura aposta por aquela [e daí a resposta negativa que consta da al. n), dos factos não provados].
A existência da relação conjugal não é idónea à demonstração da genuinidade da assinatura, pois que o facto de os Autores serem casados não legitima a conclusão de que, necessariamente, o Autor marido partilhou com a Autora a existência do documento e recolheu a assinatura desta”.
Não vemos nas alegações dos recorrentes a indicação de prova suscetível de infirmar esta convicção.
Por um lado, porque contrariamente ao alegado pelos recorrentes, a convicção do Tribunal não se alicerçou apenas na prova pericial realizada e que, como consta da motivação da decisão, não foi conclusiva, tendo sido apenas um dos meios de prova considerados, juntamente com o depoimento de quem afirmou que o documento foi assinado pelo autor, na sua presença, no contexto referido na motivação da decisão sobre a matéria de facto, constando o “acordo” a que se refere tal documento de comunicações escritas trocadas entre as partes.
Por outro lado, porque as declarações dos autores que foram transcritas nas alegações de recurso permitem apenas afirmar que a autora negou ter assinado o documento (e esse facto, relativamente à sua assinatura, como vimos, foi dado como não provado, atento o resultado da prova pericial e a circunstância de tal assinatura não ter sido presenciada por quem quer que fosse), e que o autor julgava que o empréstimo estava pré aprovado e o que entendia por tal afirmação, nada dizendo assim sobre a assinatura que lhe é imputada naquele concreto documento (fls. 14 das alegações dos recorrentes).
Não existe assim indicação de meios de prova que possam colocar em causa a impressiva motivação da decisão proferida no que se reporta aos factos 33 e 34 da matéria de facto provada, não existindo qualquer erro de julgamento que aqui cumpra ultrapassar.
Mantêm-se, assim, como provados, os factos 33 e 34..

1.2. No que se refere às alíneas c), d), e), i) f), j), k) e m) da matéria de facto não provada entende a recorrente que tais factos devem ser considerados provados.
Basta atentar na única transcrição que foi efetuada pelos autores a fls. 22 e 23 das suas alegações de recurso relativas aos depoimentos da autora BB e da ré EE para se se perceber que a prova produzida não permite a afirmação da factualidade indicada e que foi considerada como não provada.
Nos únicos segmentos indicados para colocar em causa a decisão proferida e que considerou tais factos como não provados, a autora limitou-se a dizer que nunca pensou ter de ir para casa de seus pais e que a 2.º ré lhe dizia que a casa era para eles, incentivando-os a dar € 21.000,00 de sinal, que de outra forma não teriam dado, tendo aceite entregar tal quantia porque confiaram na ré, sem qualquer explicação que permita perceber a razão dessa confiança, tendo a 2.º ré EE referido apenas que a convicção dos autores era a de que seria aprovado o crédito e que o valor do sinal era alto, tendo em conta os rendimentos, mas como iam receber uma outra quantia a título de sinal, era possível pagar o montante exigido pelos 1.ºs réus.
Diga-se, aliás, que estas declarações nada têm que ver com os factos considerados não provados nas alíneas k) e m), nada relevando assim para que pudessem considerar-se agora provados, não fazendo sequer sentido neste contexto de afirmação da prova do alegado acompanhamento psicológico da autora e outros danos emocionais sofridos a frase constante das alegações de recurso de “visto que os danos sofridos pelos Autores são o resultado direto da confiança indevidamente criada pela 2.ª Ré e da falta de concretização do contrato de compra do imóvel”.
 A violação da confiança, ainda que existisse (e não se provou que existisse), só geraria danos emocionais e necessidade de acompanhamento psicológico, se estes se demonstrassem, e nenhum meio de prova foi indicado pelos recorrentes que aqui possa ser apreciado e que possibilite que a sua verificação fosse considerada provada.
Assim, estas declarações não permitem afirmar os factos impugnados que foram considerados como não provados.
Fez-se constar na decisão proferida: “a infirmação de que, perante a reticência dos Autores, a 2.ª Ré logo transmitiu aos Autores de que obteriam crédito para aquisição do prédio (pelo preço de € 210.000,00) [als. b) e c), dos factos não provados] resultou de as suas declarações não terem tido a aptidão necessária à sua revelação.
Em primeiro lugar, a valoração positiva das declarações de parte, por estar em causa um meio de prova favorável à própria, depende, para além da sua coerência intrínseca, de corroboração (ainda que parcial) através de outros elementos: documentais, testemunhais ou de outra natureza.
Na situação em apreço, as declarações nem apresentaram congruência intrínseca, nem sustentação noutros elementos de prova.
De notar que quando se refere “coerência intrínseca” não se está a falar em discurso estruturado ou harmonioso; pelo contrário, a produção inestruturada das declarações é, as mais das vezes, sinal da sua espontaneidade e da falta de mecanização e preparação prévias (a este respeito, vd. Ac. do TRL, de 26.04.2017, processo n.º 18591/15,0T8SNT.L1-7, disponível em www.dgsi.pt6).
O que se pretende significar, quando se diz que as declarações prestadas pelos Autores foram desprovidas de coerência intrínseca, relaciona-se com o facto de as versões apresentadas por aqueles terem sido contraditórias entre si e com a prova documental.
De uma parte, as declarações de parte do Autor marido, de que o pedido de empréstimo devia ser para a quantia de € 210.000,00 (preço da prometida venda) não é compatível, por um lado, com o texto do contrato-promessa, pois que, na cláusula segunda, refere-se que o pedido de financiamento que aqueles iriam efetuar seria quanto ao montante de € 140.000,00; nem, por outro lado, com a simulação que os próprios Autora juntaram enquanto documento n.º 3 à petição inicial, uma vez que, nesse documento, quanto ao “valor do crédito à habitação” figura a quantia de € 140.000,00 (pese embora o valor de aquisição ser de € 210.000,00).
O contrato-promessa foi subscrito pelo Autor, fazendo prova plena quanto à autoria das declarações nele insertas. A simulação constituía um documento em posse dos Autores, pelo que estavam também cientes do seu conteúdo.
De outra perspetiva, as declarações do Autor, admitindo que, numa fase inicial, falou da expetativa que tinha de receber fundos da ..., o que, porém, abandonou, tendo-o comunicado à 2.ª Ré, sendo isso já certo por ocasião da celebração do contrato-promessa, também é contraditório com o conteúdo do contrato-promessa: se já se sabia que o Autor não iria obter as verbas que projetava da ..., não se compreende a razão pela qual, então, ao invés do financiamento de € 140.000,00, não previram a aprovação de crédito para a quantia de € 210.000,00.
De outra parte, e quanto às declarações da Autora, esta admitiu, em depoimento de parte, que, à data em que vendeu a casa de que era titular conjuntamente com o seu marido, a 2.ª Ré disse-lhes que o processo de financiamento seria difícil e que seria necessário o dinheiro da ... [cfr. al. a) da assentada constante da ata da sessão de julgamento do dia 16.10.2024]. O reconhecimento desse facto (desfavorável) pela Autora está em oposição com a versão narrada na petição, de acordo com a qual, ante a apreensão dos Autores, a 2.ª Ré afiançou-lhes que obteriam aprovação do crédito para adquirirem o prédio que pertencia aos 1.ºs Réus.
Resulta do que se vem de expor que as declarações de parte não permitiram a demonstração da versão apresentada na petição, ou seja, de que a 2.ª Ré garantiu aos Autores que o crédito para pagamento (integral) do preço prometido vender seria facilmente conseguido e que foi, com base nessa confiança, decidiram vender o prédio onde moravam e que celebraram o contrato-promessa com os 1.ºs Réus [als. b) a f) e i) a j), dos factos não provados].
(…)
No que respeita aos prejuízos emocionais alegados:
Embora os Autores se tenham bastado com as suas próprias declarações (pois que a testemunha que arrolaram tinha um conhecimento muitíssimo escasso do que se passou acerca do negócio e sobre as vicissitudes que aqueles terão enfrentado), por ponderação das regras da experiência comum, baseadas na cultura comum das pessoas, inferiu-se, por presunção judicial, que o facto de aqueles se terem visto sem local para morar, quando esperavam vir a habitar numa casa com maior conforto, foi causa de abalo emocional, perturbador do dia-a-dia do agregado (ou seja, quer dos Autores, quer dos seus filhos). Mesmo que a necessidade de residirem em casa dos sogros se pusesse (entre a venda da sua casa e a compra da outra, como referiu a 2.ª Ré), a transformação dessa situação provisória em definitiva é apta a causar intranquilidade, tanto mais que, tendo em conta o estatuto socioeconómico dos Autores e dos pais destes (nos exatos termos que defluem dos autos – os Autores beneficiam de apoio judiciário e os pais da Autora não tiveram capacidade económica para viabilizar uma solução de financiamento), é de presumir que as condições que aqueles encontraram para viver não apresentavam o conforto projetado.
No entanto, por falha de outros meios de prova, já nada mais se apurou, designadamente que a Autora esteja a receber acompanhamento psicológico relacionado com a situação em litígio [als. l) e m), dos factos não provados], ou até que os Autores estejam sem os seus pertences [al. k), dos factos não provados]
Nenhum reparo nos merece esta abundante fundamentação da matéria de facto não provada, não existindo assim qualquer fundamento para se alterar a decisão da matéria de facto proferida, nos termos pretendidos pelos recorrentes.
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V -  Reapreciação de direito:

Os factos a considerar são, assim, os que resultaram provados na decisão de 1.ª Instância, supra elencados e que, aqui, nos abstemos de voltar a reproduzir.
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1. Quanto ao mérito da ação:

1.1. Os recorrentes começam por questionar a decisão proferida no que se reporta ao pedido que formularam contra os 1.ºs réus, considerando estar previsto no acordo celebrado que a quantia entregue a título de sinal seria restituída em caso de aprovação do financiamento bancário (é, esta, no essencial a sua alegação, nos pontos 7.1. e 7.2. das suas alegações, conclusões XXI a XXIII, se bem que acabem por afirmar a não concretização do financiamento na conclusão XXVIII).
Está em causa, como se concluiu na sentença proferida, com extensa fundamentação doutrinária e jurisprudencial, uma cláusula resolutiva.
Os recorrentes não colocam em causa esta natureza da condição, antes a pressupõem.
Temos alguma dificuldade em perceber o raciocínio dos autores, pois que a condição que permitiria a “anulação” do contrato-promessa e a restituição do sinal que entregaram aos 1.ºs réus não se verificou (como na sentença proferida se fez constar, tendo a resolução os mesmos efeitos da anulação, entende-se que, no contexto do acordo, este conceito é referido como equivalente àquele).
Como resulta do facto provado 20, uma vez que os autores iriam solicitar financiamento bancário no valor de € 140.000,00 para aquisição do imóvel, pelo preço de € 210.000,00, as partes acordaram que o sinal entregue, de € 21.000,00, seria devolvido em singelo e “anulado” o contrato-promessa celebrado se tal financiamento não fosse aprovado.
Está ainda provado que o financiamento de €140.000,00 foi aprovado (facto 31).
Decorre do exposto que esta condição, que permitiria a “anulação” do acordo e a devolução em singelo do sinal - de não aprovação do financiamento bancário - não se verificou e, assim, não se verificou a “anulação” do acordo e não ficaram os 1.ºs réus obrigados a restituir aos autores a quantia que estes lhes entregaram a título de sinal.
Concorda-se na íntegra com o que foi decidido:
Discutida a causa, resultou provado que o crédito foi aprovado, embora o respetivo processo de concessão não tenha sido concluído. Porém, as circunstâncias que determinaram a falta de formalização do empréstimo respeitam aos Autores. Com efeito, decorreu da instrução da causa que os Autores, ao lado do financiamento de € 140.000,00, projetavam obter fundos provenientes da ..., que o Autor marido confiava a que teria direito, os quais, somados ao empréstimo, seriam suficientes à compra do prédio que lhes haviam prometido vender.
Assim, a falta de conclusão do processo de financiamento deveu-se ao comportamento dos Réus, sucedendo que a condição resolutiva prevista pelas partes não consistia na formalização do contrato de mútuo, mas apenas na aprovação do financiamento (ao que houve lugar)”.
Note-se que a irrelevância da celebração do contrato de mútuo (por contraponto à aprovação do financiamento) é afirmada pelos próprios recorrentes nas suas alegações ao referir que “a cláusula resolutiva, tal como está redigida, estabelece como condição a aprovação do financiamento e não a formalização do contrato de mútuo”.
Contrariamente ao que afirmam os recorrentes, o Tribunal a quo não considerou que a condição exigisse a formalização do contrato de mútuo, bastando-se, para se julgar a mesma verificada, que o financiamento não fosse aprovado.
A incorreção da argumentação dos recorrentes está em considerar que a condição resolutiva era a aprovação do crédito, quando, como resulta do acordo celebrado e foi considerado na decisão, era a sua não aprovação.
Como resulta da fundamentação da decisão, o financiamento da quantia de € 140.000,00 referido na cláusula 3.ª do acordo celebrado (facto 20) foi aprovado e, assim, a condição resolutiva não se verificou, não estando, por esta via, os 1.ºs réus obrigados a devolver a quantia que lhes foi entregue pelos autores a título de sinal.
Carece, por isso, de qualquer rigor jurídico ou fáctico, considerando a natureza da condição estabelecida e a sua redação, a seguinte afirmação dos recorrentes, constante do primeiro ponto 7.3. das suas alegações (e num contexto em que estavam já a questionar a inexistência de interpelação admonitória): “neste sentido, e considerando que a condição resolutiva foi claramente definida como sendo a aprovação do financiamento, e não a sua formalização, os Réus devem proceder à devolução do sinal entregue pelos Autores, dado que, com a não realização da condição suspensiva, este já não pode ser considerado válido”.
Carece também de qualquer relevância jurídica o que os autores alegam no segundo ponto 7.3 das suas alegações.
A condição resolutiva estava relacionada com a aprovação do financiamento de € 140.000,00, constando do contrato que o preço da compra era de € 210.000,00 e que, assim, a restante parte do preço não seria objeto daquele financiamento.
Assim, a circunstância de os autores não terem logrado resgatar, em tempo, os fundos que tinham na ... (e que seriam utilizados para pagar a restante parte do preço ainda em falta), nada releva para se considerar verificada ou não verificada a condição resolutiva.
Mais uma vez, a alegação dos recorrentes não faz sentido em face da matéria de facto provada e do acordo celebrado: “a não conclusão do processo de concessão do crédito não deve ser entendida como uma falha na aprovação do financiamento. O crédito foi aprovado, e a condição resolutiva foi, portanto, cumprida, independentemente da pendência da formalização do contrato de mútuo”. É precisamente porque o financiamento foi aprovado (ainda que o contrato de mútuo não tivesse sido celebrado) que a condição resolutiva não se verificou e os 1.ºs réus não estão obrigados a devolver o montante entregue pelos autores a título de sinal.
Não tem, pois, neste contexto, qualquer relevância o acordo de revogação do contrato-promessa (contestado pelos autores) que, aliás, na sentença proferida não é sequer mencionado para fundamentar a improcedência da ação no que se refere aos pedidos formulados contra os 1.ºs réus.
Improcede, assim, este fundamento da apelação (pontos 7.1, 7.2, 7.3 e 7.4 das alegações de recurso).

1.2. No primeiro ponto 7.3. das suas alegações discorrem ainda os autores sobre a inexistência de interpelação admonitória, tendo em vista “regularizar a situação antes de serem tomadas medidas mais drásticas, como a resolução do contrato ou a aplicação de penalidades”.
A interpelação admonitória permite transformar a mora do devedor em incumprimento.
Esquecem-se os autores que, nestes autos, são eles que exigem a restituição do sinal em singelo que entregaram aos 1.ºs réus (promitentes vendedores) e, para tal, caber-lhes-ia demonstrar factos que permitissem concluir pela existência de mora ou incumprimento definitivo dos promitentes vendedores e que lhes permitisse a restituição da quantia entregue.
Ora, sem cuidar aqui de apreciar da relevância do acordo, assinado apenas pelo autor, que colocou termo ao contrato-promessa celebrado, a ausência de interpelação admonitória que tivesse sido efetuada pelos 1.ºs réus não foi sequer alegada nos autos pelos autores, pois que estes assentaram a demanda dos promitentes vendedores na verificação da condição resolutiva que permitia a “anulação” do contrato celebrado, quando, como vimos, essa condição resolutiva não se verificou.
E ainda que os 1ºs réus não tivessem efetuado tal interpelação aos autores, a sua inexistência não seria fundamento da obrigação de restituição do sinal que estes entregaram aos 1.ºs réus. Só o incumprimento definitivo dos 1.ºs réus – que não está sequer alegado – permitiria aos autores exigir a restituição do sinal.
Improcede, assim, também esta a argumentação do ponto 7.3 das alegações de recurso.
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Em conclusão, nenhuma censura merece a decisão proferida, no que se reporta à absolvição dos 1.ºs réus dos pedidos que contra si foram formulados pelos autores.
*
1.3. No que se refere aos demais réus, as alegações dos autores pressupunham que este Tribunal tivesse aditado à matéria de facto provada as alíneas da matéria de facto não provada que foram impugnadas pelos recorrentes.
Tal alteração na matéria de facto a considerar nesta decisão não foi realizada, pelas razões que supra se enunciaram.
Não está, assim, provada a matéria de facto que permitiria sancionar, como requerido, o comportamento das 2.ª e 3.ª rés, por violação dos deveres que a lei impõe para o exercício da atividade de mediação.
Não tendo havido qualquer alteração da decisão sobre a matéria de facto, e dependendo o mérito do recurso interposto, quanto a estas rés, integralmente dessa modificação, nos termos do art.º 608.º, nº2, aplicável ex vi n.º2 do art.º 663.º, ambos do C. P. Civil, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida no âmbito da subsunção dos factos às normas legais correspondentes, mantendo-se e confirmando-se a sentença recorrida, no que se refere também às 2.ª e 3.ª rés.

2. Quanto à litigância de má-fé dos autores:                
Questionam ainda os autores a sua condenação como litigantes de má-fé, alegando que agiram convictos da veracidade dos factos que alegaram, e questionando também aqui a celebração do acordo que colocou termo ao contrato-promessa (e que se manteve como provado ter sido apenas assinado pelo autor).
Resulta do art.º 542.º do C. P. Civil que é sancionável a título de má-fé, não apenas a lide dolosa, mas também a lide temerária, quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro.
O que há, assim, que perceber é se a atuação dos autores ultrapassa os limites que a ordem jurídica definiu para que possa exercer os seus direitos, considerando-se que a sua litigância é uma afronta aos princípios da boa-fé e da lisura processuais.
Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 30/03/2023, proc. 159/20.0T8MLG.G1, in www.dgsi.ptse a parte, com propósito malicioso, ou seja, com má-fé material, pretender convencer o tribunal de um facto ou de uma pretensão que sabe ser ilegítima, distorcendo a realidade por si conhecida, ou se, voluntariamente, fizer do processo um uso reprovável ou deduzir oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar - má-fé instrumental -, deve ser condenada como litigante de má-fé”.
Deve ainda ter-se em atenção que “não é humanamente exigível às partes que sejam inteiramente objetivas, pelos diversos matizes que a realidade sempre apresenta, vistas sob diferentes prismas, sendo percetível que as partes têm uma relação emocional com estas, sofrendo na sua vida as questões em debate, os problemas ocorridos, o peso do litígio.
Não pode, no entanto, ser tolerado que a parte recorra ao processo, sabendo não ter razão ou quando apenas não tem essa consciência porque se furtou a evidentes deveres de cuidado e zelo a que o respeito pela Justiça, pelos Tribunais e pela parte contrária, exigiam ou faça do mesmo uso que de forma grave ponha em causa as suas finalidades” – nas palavras do Acórdão desta Relação de Guimarães de 14/09/2023, proc. 3509/22.1T8GMRG.G1, in www. dgsi.pt.
No entanto, como se refere também no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 30/06/2022, proc. 20786/20.5T8PRT-A.G1, também in www.dgsi.pt, “não deve confundir-se litigância de má-fé com:
· a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento;
· a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar;
· discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos; ou
· com a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr convencer.
Constitui hoje entendimento prevalecente na nossa jurisprudência que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprios do Estado de Direito, são incompatíveis com interpretações apertadas ou muito rígidas do artigo 542º do Código de Processo Civil. Haverá sempre que ter presente as características e a natureza de cada caso concreto, recomendando-se na formulação do juízo sobre essa má fé uma certa prudência e razoabilidade”.
Não assiste qualquer razão aos autores recorrentes.
Os fundamentos de facto que estiveram na origem da condenação dos autores como litigantes de má-fé foram assim descritos na sentença proferida:
“Com efeito, para além da infirmação de que a 2.ª Ré garantiu a obtenção de crédito para o pagamento integral do preço e que, dessa forma, adquiririam, sem dificuldade, o prédio que os 1.ºs Réus lhes prometeu vender, a 2.ª e 3.ª Réus demonstraram que a 2.ª Ré alertou os Autores para as dificuldades com que se debateriam nessa matéria e que ser-lhes-ia necessário os recursos provenientes de fundos a ser resgatados da ... (que o Autor marido entendia que tem direito), fundos esses cuja existência e expetativa de recebimento foi transmitida por aqueles. Acresce que resultou ainda demonstrado que o crédito solicitado pelos Autores foi aprovado no montante de € 147.000,00, e que foi o facto de não conseguirem reunir os fundos provindos da ... que levou à não conclusão do processo de financiamento e de formalização da concessão do crédito.
A mais, e especificamente no que se reporta ao Autor marido, provou-se ainda que o mesmo subscreveu o documento, denominado “Acordo”, a que se alude na al. 33), dos factos provados, através do qual declarou aceitou que os 1.ºs Réus fizessem sua a quantia paga a título de sinal (€ 21.000,00), que reclamou através da presente ação”.
Nenhuma censura nos merece a decisão, analisados os factos provados e a alegação efetuada pelos autores.
E, aqui, não pode o Tribunal deixar de salientar a forma despudoradamente falsa como alegaram na sua petição inicial que a 2.ª ré lhes informou que o seu crédito a habitação tinha sido recusado, exigindo assim a restituição do sinal entregue, nos termos acordados e com base na condição resolutiva estabelecida por escrito, e, agora, em sede de recurso, aceitando que se demonstrou que tal financiamento foi afinal aprovado (pois que tal facto não foi impugnado pelos recorrentes), e pressupondo tal aprovação, alegam que a mesma exata condição resolutiva continua a verificar-se e a permitir a “anulação” acordada.
Daqui decorre que, invocando a mesma condição resolutiva constante do acordo celebrado:
- na petição inicial, a não aprovação do financiamento era o fundamento de facto alegado para a restituição do sinal entregue;
- após a realização da audiência de julgamento, provando-se a aprovação do financiamento e, assim, o contrário do que havia sido por si alegado, é essa mesma aprovação o fundamento de facto para que exijam a mesma restituição.
Verificam-se todas as condutas que na sentença proferida se assinalaram aos autores, não existindo qualquer alegação de facto ou de direito relevante que permita alterar a sua condenação como litigantes de má-fé, sendo que estes não discutem o valor da multa que lhes foi fixada.
Mantém-se assim a condenação dos autores como litigantes de má-fé.
A apelação improcede, assim, na sua totalidade.
Os autores serão naturalmente responsáveis pelas custas desta apelação, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil.
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VI – Decisão:

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação apresentada pelos autores, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Os autores são responsáveis pelas custas do recurso, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil.
Guimarães, 05 de junho de 2025
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)

Relator: Paula Ribas
1ª Adjunta: Elisabete Coelho de Moura Alves
2º Adjunto: José Manuel Flores